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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9124: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (4): Troca de mensagens

1. Quarto episódio de "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - IV

Mensagens de Manuel Joaquim e Carlos Rios

Manuel Joaquim diz:
20 Janeiro 2010 às 20:44


Meu caro Carlos Rios:
Que surpresa ler as tuas palavras por aqui! A última vez que nos vimos foi quando me entraste pela sala de aula, na Amadora, já lá vão muitos anos. Um grande abraço, meu “velhote coxo e surdo”. Desculpa-me se não te agradar o que vou dizer:

Amigos frequentadores deste blogue, Carlos Rios foi condecorado com a Cruz de Guerra, muito muito merecida! “Coxo e surdo” não é uma expressão irónica, é o resultado dos ferimentos sofridos em combate por um militar exemplar no serviço, na camaradagem, de coragem e humanismo transbordantes! Este fur. mil. da CCaç.1420 representa para mim a coragem, as angústias, os sucessos, mesmo os desastres desta Companhia.

Até sempre, Carlos Rios
Manuel Joaquim, Fur. Milº CCaç.1419


Carlos Rios diz:
1 Agosto 2009 às 10:53

Uma profunda triste saudade me fizeram os nomes dos meu amigos Passeiro e Duarte, também eu estive no K3, em tempos em que se dormia debaixo de cibes e terra, a única construção era a “messe”, pertenci se se lembram à 1420. Esse forno do pão foi feito ou reconstruído pelo amigo Banharia, isso de ter tectos e outros é um luxo. 

Um abraço amigo a todos e as desculpas por algum lapso de memória.

Saudades do velhote coxo e surdo. Notável o empenhamento e dinâmica já na altura do meu querido amigo CABRAL; ele tem ainda fotografias muito mais notáveis.


Carlos Rios diz:
1 Agosto 2009 às 11:10

As minhas desculpas, agora me lembrei penso que estive foi no k10, a caminho de Mansabá indo de Mansoa, reitero e reforço os cumprimentos escrevendo os inconvenientes da saga do hospital militar principal; parece que há preocupação de limpar aquele nojo de “guerra”.


Carlos Rios, diz:
14 Julho 2010 às 15:43

Estas fotografias branqueiam os horrores do que foi realmente a passagem da CCaç 1420, por aqui, senão vejamos:
a) o 1º Comandante de Companhia assim que pôde (1 mês?) evacuou-se para a metrópole.
b) neste período de tempo teve tempo de punir com pena de prisão alguns praças por levantamento de rancho (o cheiro e apresentação da comida era imundo).

Logo a seguir acompanhados de outra Companhia, fizemos uma operação onde perdemos o meu grande amigo, Alf. Mil. Vasco Cardoso e mais 5 praças (entretanto já tinha falecido outro camarada) as tropas regressaram em pequenos grupos a Fulacunda. Que nulidade de Comandante.


Carlos Rios, Fur Mil da CCaç 1420, diz:
14 Julho 2010 às 16:14

Espanto é o sentimento que me assalta, bonitas e saudosas fotografias, mas não posso deixar de sentir a falta de outras que façam sentir o quotidiano da vivência desta terra durante a guerra colonial. As ruas esburacadas, a prisão onde eram torturados os desgraçados que fossem apontados por qualquer outro, o lago do crocodilo que um militar qualquer matou a tiro, alguns elementos da população com a sua corrente de misérias, o desaparecimento de alguns militares, as passeatas do padre para (contactos) com a população. Capturado, fardado um IN, e uma vez chegado ao quartel de Mansoa teve o Sr. Comandante de Sector um gesto heróico (enfiou uma valente bofetada no homem que se encontrava em sentido e com as mãos atadas). Que vilania. Muito mal preparados estavam os homens que nos conduziam. Uns nadas. (Referência a Mansoa)


Carlos Rios, Fur Mil da CCaç 1420, diz:
27 Fevereiro 2011 às 14:39

Obrigado Manuel Joaquim!
As coisas mais lindas, marcantes, e emocionais não podem ser vistas ou tocadas, mas sim sentidas pelo coração. É inenarrável a emoção e alegria com que li o que fizeste o favor de dizer acerca de mim e que necessariamente se torna extensivo a ti próprio e aos nossos queridos e sofredores companheiros a quem endereço um profundo abraço de solidariedade. Pena é que não haja maior participação, onde se possa aquilatar das agruras desta geração. O anexo do hospital Militar (anexo) era um autêntico campo de sofrimentos e humilhações. No prosseguimento desta desumana situação fomos ainda deslocados para o DI (Depósito de Indisponíveis), onde estando em recuperação e tratamento os militares eram englobados nas escalas de serviço. Recordo um dia em que estando de comandante da guarda, já coxo e surdo como sabes, tive que vir a exterior comandando a secção fazer o içar de bandeira. Calcularás o caricato da cena.


Carlos Rios, Fur Mil da CCaç 1420, diz:
23 Fevereiro 2011 às 18:22

Inenarráveis são os sentimentos e emoções que me assaltam ao ver as fotos e ler o expresso por todos os camaradas. Também por aqui passei, vim ser ouvido num auto levantado para descobrir quem seria o culpado pelo desaparecimento do meu querido amigo Alf. Mil. Vasco Sousa Cardoso, quando por um tremendo erro estratégico do comandante da Operação Cap. […] hoje reformado pelo menos como coronel (vicissitudes dos ineptos Comandantes) numa tremenda emboscada toda a coluna se partiu vindo o regresso de diversos grupos a Fulacunda a ser feito durante toda a noite, devo ao meu grande amigo Soleimane Djaló e ao Salu (já falecido) ter regressado já alta noite a Fulacunda. 

O meu amigo fugiu juntamente com cinco praças para o lado errado vindo a ser perseguidos e abatidos durante dois dias, um suicidou-se e apenas um dos elementos foi capturado e trocado através da CVI com prisioneiros do PAIGC.  O Comandante da Operação foi dos primeiros a chegar ao Quartel com o maior troço de tropas. 

Que ignorante eu era destas questões. Não quero deixar de referir que no dia imediato uma Companhia a sério Comandada pelo Cap. Carlos Fabião – (Companhia dos Camelos), a quem rendo a minha homenagem – Um HOMEM – a sério, onde me integrei, pesquisou intensamente a área do incidente mas infrutiferamente. Pequenos episódios tristes demonstrativos da incipiente preparação dos nossos comandantes. Nesta deslocação a Bolama tive a oportunidade de me banhar na praia da Ilha – OFIR se chamava ela. Quando no decorrer da operação que deu azo ao levantamento do auto pelo qual me fizerem ir a Bolama ser ouvido; e sendo elementos do IN detectados em plena picada a caminho de S. João, junto de Nova Sintra (ainda não existia o destacamento nosso, criado a posteriori) estando eu como de costume a testa da coluna, avançámos de rompante metralhando o grupo e provocando dois feridos e capturando a primeira metralhadora PPSH, apanhada no campo de batalha na Guiné. Após o que regressamos ao ponto de encontro marcado pelo comandante de Operação;
Não havia ninguém.


Legenda:

A) - Primeiro morto em combate
B) - Morte do 2.º Sargento Monteiro e Ferimentos graves em diversos camaradas (Raimundo fica estropiado e amputado de dedos de uma mão)
C) - Grave ferimento do Rui (estilhaços nas pernas)
D) - Rios atingido por rajada (fica estropiado)
E) - Desaparecimento (em confrontação directa ) do Alf Mil Vasco Cardoso e mais 5 praças.
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Nota de CV:

Vd. poste da série de 29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9112: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (3): A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9112: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (3): A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate

1. Terceiro episódio de "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - III

A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate

Bissorã era uma vila já com bastante população em que havia alguns estabelecimentos comerciais, muito deles já abandonados, mas ainda assim com um ou outro em funcionamento (os pertencentes a libaneses), perdi a sensação de tremendo isolamento que me tinha acompanhado durante a permanência em Fulacunda, tendo em vista que a vila tinha ligações por estrada, com Mansoa, Barro, Olossato e Mansabá, para esta última através do assustadora mata do Morés, considerado um refugio do IN, daqui a que desde que fosse assegurada a necessária desminagem e segurança se fizessem colunas. Ficamos durante alguns meses em conjunto com a Companhia 1419 e aparte os patrulhamentos e observações nas tabancas limítrofes, apenas têm relevância no plano militar dois acontecimentos que vieram abalar o contingente: em primeiro lugar junto à pista de aterragem rebentou uma mina antipessoal que provocou a amputação do querido amigo Lageira – 1.º Sargento da 1419. À posteriori o 2.º Sarg Sarrico por descuido deixou rebentar no bolso do camuflado uma granada de fósforo que o queimou e estropiou bastante. Vim encontrá-lo com sofrimento tremendo já no Hospital da Estrela onde foi horrivelmente tratado, quando da minha evacuação por ter sido atingido a tiro, e já fortemente estropiado. O Sarrico veio a falecer depois com uma cirrose hepática.

As condições em Bissorã já eram mais aceitáveis, sendo que inclusive tomávamos refeições de boa qualidade num estabelecimento do exterior, e um grupo de furriéis, em que me incluía, alugou uma casa também no exterior do quartel para pernoitar e repousar. Era realizado sistematicamente pela população um tradicional mercado ao ar livre. Existiam dentro da vila, em tabancas separadas e nos arredores, diversos grupos e sub-grupos étnicos, nomeadamente fulas, mandingas, biafadas, alguns balantas e um curiosíssimo sub-grupo, os saracolés que teciam e produziam os panos azuis, que as mulheres dos diversos grupos usavam a servir de saias. Havia alguns artesãos habilidosíssímos que criavam em pau-santo belas peças das quais adquiri alguns exemplares que hoje possuo, mas o artigo para mim mais interessante é um corta papeis em feitio de punhal manufacturado a partir do bronze do invólucro das balas e do alumínio das caixas de outra munição que não me lembro já hoje e que de certeza utilizei tendo em linha de conta que andei dezenas de vezes aos tiros com todo o tipo de armamento. Junto à casa do administrador de Posto chamou-me a atenção uma viçosa horta que produzia permanentemente durante todo a ano alfaces, tomate etc. Aqui não há os períodos de inverno ou verão, basta regar todos os dias como verifiquei ser feito por elementos da população, não sei contratados como. Também aqui me chamou a atenção um enorme monte de mancarra, (amendoim) que veio depois a ser transportado para Bissau (Casa Gouveia - Sucursal local do Grupo CUF) e com o monopólio da exportação de todo o amendoim da Guiné para Portugal..

A casa do Administrador.

A tasca do senhor Maximiano. A nossa messe em Bissorã

Rua com duas bombas de gasolina à direita


Terminado este período de aparente acalmia, mais uma vez nos deslocamos em viatura pela estrada para ficarmos localizados em Mansoa, ainda nos deslocamos algumas vezes a Bissorã com colunas de abastecimentos.

A igreja católica vista de frente.

A mesquita com os seus crescentes nos minaretes

Nesta vila onde pensávamos terminar a nossa comissão de serviço com menos tensão, veio a ser a zona de maior desgaste e com momentos mais angustiantes e onde sofremos os mais dramáticos e terríveis acidentes de guerra e onde viemos a ter as mais traumáticos situações e tropelias. Por aqui passava a estrada alcatroada que vinha de 10Km, (andava em construção – atribulada é certo - o pessoal de Engenharia envolvido era frequentemente atacado – também várias vezes fizemos a segurança aos mesmos e entramos em combate com o IN desfazendo as ferozes emboscadas feitas à estrada, que estava planeada para servir de ligação entre Bissau e Bafatà. Era também já uma vila com vida própria com alguns comerciantes, principalmente libaneses e raros portugueses um posto de Correios, onde algumas vezes telefonei para casa, a sede do Os Balantas, clube de futebol onde existia uma ampla esplanada e um cinema ao ar livre. Tinha também um administrador que aqui residia com a esposa e que eram assíduos frequentadores do cinema, o único inconveniente é que todos os filmes pareciam ser de guerra, porquanto milhares e milhares de melgas que pejavam o chão no fim de cada sessão, voavam permanentemente na frente do projector parecendo no ecrã uma enfiada de balas tracejantes.

O centro com o café e esplanada.

A Estação dos Correios

Quartel de Mansoa visto do cimo do depósito da água

O quartel era já de grande dimensão porquanto era aqui o comando de um vasto sector. Aqui chegados e instalados, veio, depois de algumas incursões dolorosas no mato sob o Comando (digamos que nos acompanhou) o verdadeiro comandante era já o Rui Ferreira, o Cap. Capador, um ineficaz que só atrapalhava, convenhamos que saía mudo escondia-se por todo o buraco que aparecia e regressava calado sendo que foi neste período que tivemos os mais duros contactos com o inimigo e tivemos diversos feridos. Foi a companhia desmembrada, sendo que ao nosso pelotão/grupo foram destinadas as funções de guarnições em destacamentos avançados, (mais uma vez o isolamento e a solidão), e que eram Braia, um bunker na estrada a caminho de Bissorã, nada existia para além do bunker e o arame farpado a toda a volta e onde foi colocada a primeira a Secção comandada pelo sensato, responsável e corajoso, José Monteiro, e Cutia em que existia dentro da cerca de arame farpado algumas moranças e onde exceptuando o refeitório tudo o resto eram abrigos debaixo de terra e cibes onde dormíamos e que ficava na estrada a caminho de Mansabá. Aqui fui colocado com o Ameixa e o resto do pelotão e onde mais tarde se veio juntar um alferes em substituição do Rui, que entretanto tinha sido ferido em combate em operação durante o tempo que permanecemos como companhia de intervenção em Mansoa.

O fortim para defesa da ponte. No chão, feito com garrafas de cerveja enterradas, pode ler-se: “Piratas do Oio 1420″.

Vista parcial da tabanca, dentro do arame farpado, e do Destacamento, onde se vê a bandeira na Porta de Armas.

Perdidos na memória do tempo os nomes dos diversos locais onde sofremos cruéis emboscadas, e procuramos e atacamos acampamentos e casas de mato do IN, apenas me marcam profundamente aquelas onde viemos a sofrer mortos e feridos.

Inscrição na parede de uma caserna.

Choveu copiosamente no percurso para o assalto a uma casa de mato, só participei nela porque ali ia o meu extraordinário grupo e era comandado pelo grande Rui, fui de chinela de praia porque nesse mesmo dia o meu Camarada Carolino (o enfermeiro da companhia) me tinha extraído uma unha arreliadoramente encravada, no meio da aterradora escuridão tropecei no fio de um fornilho que felizmente, eventualmente por causa da chuva, só rebentou o detonador o que não diminui o ânimo do pessoal, não sei exprimir o que senti. Chegamos de madrugada e ao sermos alvejados irrompemos pela casa de mato provocando a sua destruição pondo o IN em fuga desesperada com feridos e capturando diversas armas; no regresso dois elementos já longe do local dedicavam-se à pesca, obrigamo-los a acompanhar-nos para o Quartel, nunca soube de mais nada. Em nova incursão para a mesma zona somos recebidos a partir da berma de uma pequena mata por imensa metralha, no afã de desalojar o IN e porque seguia como de costume no inicio da coluna, avançámos o mais abrigado possíveis naquele sentido, pedindo eu aos dois bazukeiros, o Feijões e o Antunes, que se aproximassem da minha linha de fogo para melhor alvejarem o IN, assim fizerem o que resultou no desalojar dos mesmos mas, como ainda hoje me dói e me faz amiúde sonhar com o acontecimento, na morte de Antunes com um tiro na carótida. Foi dramática a evacuação daquele camarada transportado, aos nossos ombros, em maca improvisada até um local que o helicóptero pudesse pousar.
Pouco tempo após este acontecimento, vim de férias a Portugal, tendo regressado a Mansoa no mesmo dia que era inaugurada a primeira ponte sobre o Tejo. Acho graça a esta coincidência, para um revoltado permanente sem saber porquê.

Durante o período de férias recebi em casa, carta do meu amigo Rui onde me transmitia que uma secção do 4.º Pelotão tinha sofrido uma tremenda emboscada em que uma bazookada tinha atingido a viatura que se dirigia o destacamento da ponte de Uaque para levar a alimentação tendo morrido o 2.º Sargento Monteiro e havido diversos feridos de entre eles o mais grave era o nosso amigo Raimundo (o puto) entre a malta que era a vedeta futebolística da companhia e que faz o favor de ser um meu grande amigo. Era oriundo de uma família de pescadores da Costa da Caparica onde ainda hoje reside já em local diferente. Ficou e está completamente estropiado numa das pernas e num dos braços além do estropiamento ainda ficou amputado de parte dos dedos. Poucos dias passados e ainda de férias recebo nova carta do Rui que me comunica que o nosso pelotão tinha sofrido uma emboscada vindo o nosso amigo Augusto Palhais a ser atingido e ia ser evacuado para a metrópole. Fui visitá-lo ao Hospital onde constatei que tinha sido atingido por uma bala que lhe tirou uma vista. Este jovem, o único casado e já com um filho era a responsabilidade e ponderação que muito nos fazia falta e nos ajudava, está também entre os amigos, quase a generalidade, que se reúnem periodicamente para confraternizar. Originário de Mira – Aveiro ali se radicou.

Vindo de Cutia em trânsito por Mansoa com destino ao Hospital de Bissau para ser observado pelo facto de ter dado uma violenta queda que me provocava fortes dores no peito e tive a alegria de encontrar já recuperado o meu amigo Rui que aguardava transporte para se juntar a nós, em quem notei imediatamente um sentimento de revolta e inconformismo. Então não é que, por que o Comandante do 4.º Pelotão que se encontrava ausente para Bissau e estando aquele grupo para sair com a missão de avançar para o mato para o desalojamento e eliminação de alguns focos referenciados, o Comando de Batalhão, o tinha indigitado para comandar aquele grupo ao que ele reagiu acabando no fim praticamente por ser coagido a aceitar a missão; de imediato abandonei a ideia de ir para o hospital e lhe transmiti: se vais eu também vou, assim já seremos dois a aguentar o barco! Oh diabo, voaram mosquitos por cordas; não penses nisso, nem em sonhos, se for preciso proíbo-te de ires porque sou teu superior, era um poço de humanidade e brincalhão este Rui, depois de acesa discussão com este teimoso lá verificou que não merecia a pena insistir, pelo que lá nos juntámos aos camaradas do 4º. Pelotão. Depois de diversas peripécias no atravessamento de imensas bolanhas aproximamo-nos de uma tabanca isolada na extremidade de uma pequena mata, indo como de costume na frente da coluna, avistei em fuga em elemento, pelo que impetuosa e impensadamente me lancei em sua perseguição, vindo a ser gravemente ferido quando um grupo, emboscado estrategicamente, disparou diversas rajadas de metralhadora atingindo-me duas balas que me provocaram perfuração intestinal e o esmagamento de diversos ossos da bacia que me condenaram ao estropiado que hoje sou. Felizmente não houve mais feridos, porquanto vinham ligeiramente mais atrasados e puderam abrigar-se e eliminar aquela frente de fogo.

Fui em pouco tempo evacuado de helicóptero para Bissau, vindo ao fim de 15 dias para o HMP e posteriormente para a semi-clausura do Anexo vindo a terminar no DI no largo da Graça, locais de onde guardo a mais confrangedora das recordações. E assim termina a saga africana deste anónimo labrego.

No dia 10 de Junho de 1968, ainda andava em bolandas pelas instalações hospitalares donde só saí em Março de 1972, fui condecorado com a Cruz de Guerra, assunto que não pretendia aludir mas que devido a um facto acontecido me obriga a abordar e que anexo no fim.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2011> Guiné 63/74 - P9097: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (2): A nossa estada em Fulacunda

sábado, 26 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9097: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (2): A nossa estada em Fulacunda

1. Segundo episódio de "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios*, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - II

A nossa estada em Fulacunda

Durante o tempo de permanência na colónia tivemos contacto com a tremenda realidade de uma guerra no que do pior pode acontecer. Enterrámo-nos nas bolanhas, dormimos em buracos escavados à pressa, abrigámo-nos à sombra das árvores esguias e altas, bebemos a chuva escorrida entre as folhas ou chupámos as gotas de um punhado de lama amassada, bem como em muitas operações ao romper da madrugada lambíamos a humidade acumulada nas folhas do capim, tal era a sede, fome e cansaço acumulados por longas e tremendas caminhadas feitas sob o efeito da ansiedade e do medo, porque não dizê-lo; chegámos a caminhar 36 horas consecutivas alimentados a ração de combate e sendo diversas vezes flagelados por emboscadas do IN; o nosso sangue para além de ser derramado em profusão por alguns queridos camaradas, foi ainda sugado pelos mosquitos; o paludismo foi contraído por alguns de nós; o nosso suor e algumas vezes, as nossas lágrimas ajudaram a molhar a terra ressequida. Andámos dezenas e dezenas de quilómetros em picadas ou abrindo clareiras na mata espessa com o nosso próprio corpo; conhecemos as tabancas; falámos com as pessoas e entendemo-las num português incipiente, com ajuda de meia dúzia de expressões na língua local e até através da linguagem universal do gesto; pegámos ao colo tantas crianças, ajudámos a matar a fome de tantos homens e mulheres. Mas também matámos. Também morremos, e principalmente sofremos com a omnipresença da nossa vida dos nossos entes queridos; quanta nostalgia!
Sim! Porque as coisas mais lindas ou horríveis que nos marcam ou emocionam não podem ser vistas ou tocadas mas sim sentidas pelo coração.

Deslocados para o Quartel de Santa Luzia, ali recebemos directamente o armamento de outra Companhia que estava de regresso a Portugal, ali se entrecruzaram dois grupos de homens cujos estados de espírito eram perfeitamente antagónicos; enquanto entre nós reinava a ansiedade e a contrariedade, nos nossos camaradas vivia a descompressão e a expectativa do regresso.

Ainda me lembro das palavras ditas em tom de grande amizade pelo furriel que me antecedeu e me entregou a arma: - Toma lá oh periquito, aqui tens a formosa, vê se a tratas bem porque vai ser a tua melhor amiga.

Por entre a vozearia ouvia-se a espaços: vai pró mato periquito.

Começava a tomar contacto com um infindável e curioso léxico novo e utilizado pelo pessoal durante o tempo ali passado a par com imensas frases e palavras do crioulo e de dialectos gentílicos.

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Embarcados em lanchas LDM ou LDG, não tenho já a certeza, lá partimos para o nosso local de destino. É o primeiro contacto com a realidade da misteriosa e esmagadora mata, a viagem pelos canais circundantes e por último pelo rio Corubal. Além da intranquilidade interior e ansiedade permanente, a viagem decorre tranquilamente numa linda paisagem envolvente até que chegamos ao porto de desembarque localizado a 4 quilómetros, por uma assustadora picada em péssimo estado até Fulacunda, onde se encontra instalado o Quartel, um rectângulo rodeado por arame farpado com edifícios da antiga colonização – é uma sede de circunscrição – onde foram instaladas e construídos abrigos subterrâneos e postos de sentinela em pontos estratégicos da cerca. Ainda há um Posto de Correio e um comerciante branco – o Sr. Pires – que vive sozinho. Existe no exterior bastante população, e a sensivelmente 100 metros, uma pista de aterragem, onde está instalado um posto avançado apetrechado com uma metralhadora Breda e que está permanentemente ocupado por uma Secção. As únicas ligações são o já falado porto de embarque, onde curiosamente vem carregar e descarregar uma barcaça com todo o tipo de géneros para nós e a população, da qual alguns elementos também se fazem transportar naquele meio e o aeródromo. Nas chegadas e partidas da mesma um Pelotão da Companhia monta a segurança, francamente, não creio, o barco nunca teve o mais pequeno problema, haver necessidade da mesma. O único problema havido teve a ver com um militar nosso que se meteu no rio e ia a ser levado pela maré, valeu-lhe a generosidade e valentia do recém-chegado Alf. Mil. Rui Ferreira que o resgatou às águas já a mais de 50 metros do local onde se encontrava. Começava a aparecer a valentia, voluntariedade e humanidade de um líder nato. A população dedicava-se nos limites da zona capinada envolvente ao quartel, ao cultivo de mancarra (amendoim) e proliferava a pesca; enfim um conjunto de actividades que francamente nunca entendi.

O chefe da tabanca (aldeia) era Tenente de 2.ª Linha, havia muitos pela Guiné, Não participava em nenhuma actividade em que estivéssemos envolvidos, limitando-se como todos os que vim a conhecer, a passear pela tabanca e arredores uma ridícula fardeta. Creio hoje que era um método criado pela administração de subornar e dividir as populações já tribalizadas e em conflitos. Havia na Guiné mais de trinta etnias, grupos e sub-grupos. Estes creio que eram mandingas e islamizados, praticando a poligamia. O nosso amigo Tenente tinha mais de uma dezena de mulheres.

Junto à saída para Lamane, local onde nunca nos deslocámos porquanto, segundo a Companhia de açorianos que fomos render, era local de perigoso acesso devido às fortes forças do inimigo, tanto na tabanca como em todos os acessos. Existia uma palhota pequena circular colocada no sitio mais agreste do aquartelamento onde se encontrava um elemento que também segundo os mesmos era um perigoso terrorista. Não sabia ou não queria pronunciar uma única palavra de português ou crioulo, segundo vim a saber, porque nunca me aproximei do local. Abaixo se vê imagem do local onde se manteve inamovível o elemento referido durante todo o tempo que aqui me mantive.

Durante a estadia aqui em Fulacunda dá-se o desaparecimento em combate da Alf. Nil. Vasco Cardoso e de mais cinco praças conforme explicito noutro local. Aqui perfeitamente angustiado e deprimido ouvi pela primeira vez, a canção de Zeca Afonso “Os vampiros” pela bela voz do meu camarada Ernesto Fernandes. Pela primeira vez também ouvi falar da coisa politica.


No porto um barco de cabotagem chegou. Depois da segurança montada um pequeno bote faz o transbordo de pessoas e mercadorias. A altura é aproveitada para umas banhocas.


Eis a barcaça que refiro e o local de onde o 610 foi arrastado pela corrente e o Rui Ferreira o foi pescar 50 metros mais abaixo. Na altura excedi-me e proferi uma série de imprecações dirigidas aos nossos rapazes sobre a sua imberbidade e falta de sentido de responsabilidade que punham em risco as suas vidas e dos seus camaradas. A intervenção do Rui foi de uma dificuldade e perigosidade extremas. Só quem conhece a força das águas na vazante naquele local pode aquilatar. Pouco tempo depois numa das correntes patrulhas feitas na estrada que conduzia a S. João, um dos nossos Pelotões sofreu uma tremenda emboscada que provocou o primeiro morto na nossa Companhia. Um sentimento de tremenda angústia e impotência me assaltou. Apenas me lembro que o corpo do desditoso camarada ficou toda a noite em improvisada câmara ardente. Poucos tiveram a coragem de o acompanhar. Os olhares de amargura eram visíveis não recordo mais qualquer actividade, que de facto houve.

Aspecto geral da tabanca.

O interior do aquartelamento em dia de grande temporal.

Assim se ia passando o tempo num isolamento total no coração de uma mata que já se apresentava hostil e perigosamente condicionante. Neste ambiente doentio na nossa pequena e isolada Fulacunda em situação de permanente angustia e omnipresente desconforto, o mais singelo desvio da rotina é acontecimento marcante, que preenche as conversas de vários dias. Talvez por isso mesmo, a importância que ganhava tudo o resto.
Foi-nos comunicado ser possível ver cinema o que parecia ousado admitir, mas em África muitas vezes é possível o impensável.

Tinha chegado, nunca soube como, uma figura típica, o sr. Machado, um septuagenário de longas barbas brancas que se dedicava a levar o cinema às povoações mais recônditas da Guiné, e dezenas e dezenas de anos de África já o tinham feito praticamente esquecer o seu cantinho natal em Trás-os-Montes. Personalidade forte que se propunha apresentar uma sessão de cinema ao ar livre para que toda a população também pudesse assistir. Nem mesmo a eclosão da guerra impedira que o sr. Machado continuasse a levar a sétima arte aonde quer que meia dúzia de pessoas pudesse pagar um bilhete. Isso acontecia, naturalmente, nas concentrações da tropa portuguesa. O Sr. Machado fazia questão em que se soubesse que ele não percebia nada de guerra nem de política. Ao princípio da noite, reforçada a vigilância e o patrulhamento da povoação, lá íamos para o cinema, muitos de nós sem sequer sabermos o nome ou o género de filme que íamos ver. O filme apresentado era já bastante antigo, mas qualquer um era susceptível de dispor bem um punhado de homens isolados há tempo nas matas africanas. Depois das peripécias da entrada no recinto, marcada pela preocupação do bom sr. Machado de assegurar que ninguém ia ver o seu filme à borla, eis-nos instalados a esmo pelo chão o que para a população era trivial, e à soldadagem permitia uma maior aproximação às bajudas, na esperança de que a animação na tela desviasse a atenção do barulho infernal do gerador ali muito perto. Poucos minutos depois do inicio da sessão e após um pequeno intervalo, levanta-se um coro de protestos, alguma coisa acontecera uma vez que não se entendia a historia que tinha começado muito expectante e deixara de fazer sentido. Não havia dúvida de que o bom do sr. Machado trocara as bobinas do filme e o que estávamos a ver não era sequencial. Aumentaram os protestos, forçando à interrupção do filme. Mas ele, teimoso, enfrentando a plateia, garantia que a sequência estava correcta, que já tinha passado dezenas de vezes aquele filme e que nós é que não percebíamos nada de cinema. É claro que a partir daí a história do filme perdera todo o interesse e alguns começaram a sair. O sr. Machado, que então já admitia o seu engano, esforçava-se por convencer que a troca não tinha importância, porque agora é que era mais bonito. Realmente só as circunstâncias e acompanhamento podiam explicar a razão porque uma percentagem dos homens ali se manteve até final! Passados que foram alguns meses depois de termos sido confrontados com a série se acontecimentos traumáticos a que faço alusão nas cópias de alguns blogues e de sentir na pele os efeitos dum clima de tremenda humidade e calor potenciadores de possíveis doenças, sujeitos muitas vezes em plenas bolanhas ou na misteriosa selva a apocalípticos vendavais, onde a chuva caía em cascatas e os relâmpagos ininterruptos em centenas de metros iluminavam a tremenda escuridão com uma claridade inacreditável. Lá emalámos novamente as nossas embembas e fomos embarcados com destino a Bissorã.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9082: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (1): Dedicatória, início da vida militar e viagem para a Guiné

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9082: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (1): Dedicatória, início da vida militar e viagem para a Guiné

1. Começamos hoje a publicar "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios*, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - I

Dedicatória

À minha corajosa mulher e companheira de 45 anos, meu Porto de Abrigo minha âncora nesta vida cruel; aos meus filhos, hoje só tenho um; à minha incomparável nora, às minhas maravilhosas Netas; as minhas princesas, senhoras do meu sentir, das minhas ambições. Do meu coração um sonho renovado.
Às sofredoras e corajosas Mães de Portugal, muitas Órfãs de guerra e tão esquecidas e a todos os meus inesquecíveis Camaradas; com uma sentida Homenagem. Aos que nos deixaram, alguns deles da forma mais atroz e também aos meus companheiros de desdita, feridos e estropiados.

A todos, muito obrigado.


Seria estultícia da minha parte pretender que com o escrevinhar das minhas memórias que agora no ocaso da vida e ao correr da pena se pudessem transformar em qualquer coisa para além do passar ao papel as recordações, já esbatidas, da minha participação numa guerra com episódios dos mais cruéis e tristes e que foi o quotidiano e marcou negativamente, no meu fraco entender, a vida do povo deste país. A consulta de um blogue de um camarada de armas que teve a paciência de procurar e compilar uma série de dados dolorosos fundamentalmente para os participantes activos e vítimas daquela guerra, fez nascer em mim uma triste nostalgia e emoção ao recordar os nobres actos de solidariedade, praticados pelos grandes amigos que comigo partilharam das agruras e dificuldades daqueles tempos ao mesmo tempo que retrospectivo os bons e saudáveis momentos que vivemos e que ainda hoje quando nos juntamos refazemos e que vislumbro não seja raro encontrar-se na nosso quotidiano.

Para todos um carinhoso abraço de cumprimentos e saudade e o desejo de um Mundo compensador dos tremendos choques e violências que vivemos e observámos.

Tentarei no decorrer da transmissão das já muito ténues recordações não deixar expresso a minha perspectiva actual deste período de tempo passado e dos restantes acontecimentos que como é natural, enformam e são estruturantes do meu pensamento.

Na tentativa de conseguir aproximar-me da forma de uma troca de, opiniões, um desabafo entre amigos; aqui deixo pequenas histórias que vivi na Guiné, no tempo da Guerra Colonial e que me marcaram profundamente.

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Algumas omissões e hiatos de memória que já se vão manifestado em mim (estou perto dos 70 anos, duros e sofridos; com a perca de um filho já com 25 anos e enormes doenças que incluíram até agora 14 operações cirúrgicas - (muito deste panorama se deve a resquícios da passagem pela guerra) podem de algum modo levar a algumas eventuais imprecisões para as quais peço a maior compreensão e apresento as maiores desculpas a algum elemento envolvido e antecipo a minha retracção. Ajudará à compreensão de muitas atitudes e incompreensões minhas as vicissitudes e percalços que os jovens como eu recrutados para o curso de Sargentos Milicianos de Janeiro de 1964 sofreram; e aqui começa o calvário que se prolonga até 1972.
Foi este creio eu o único curso com a duração de cinco meses, entre a recruta e a especialidade; porquê? Constava que no fim deste período seriamos promovidos a furriéis-cadetes e passaríamos auferir 750$00 por mês.

Ali andamos então esforçados e diligentes até ao dia de sermos promovidos como do antecedente a cabos-milicianos e a receber a fortuna de 92$00, para fazer todo o trabalho de sargento. Que desilusão. Começava a revolta e a incompreensão.

Fiquei colocado em Tavira, como monitor dos futuros cursos de milicianos de infantaria dos quais recebi e frui gratificantes amizades e ensinamentos cívicos e culturais! Ainda vim e encontrar-me com alguns na Guiné.

Mobilizado pelo RI-2-Abrantes para a Guiné ali constitui com o meu amigo José Monteiro, (também ele ferido numa operação), o estóico 2.º Sarg.º Ameixa e o meu querido amigo e conterrâneo Vasco Sousa Cardoso (desaparecido em combate), curiosamente sobrinho do na altura Governador-Geral de Angola Gen. Silva Tavares. (adiante acrescentarei pormenores) que veio a ser substituído pelo meu grande amigo e mentor Rui Alexandrino Ferreira (um pessoa de eleição – um guia, um amigo e líder sem comparativo).

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Neste período de tempo passado em Abrantes e St.ª Margarida em que se apoderou de mim e creio que da maioria dos meus camaradas uma intensa tensão e ansiedade, de tal maneira que eram frequentes as questiúnculas entre diversos elementos pelos motivos mais fúteis, não tenho recordações relevantes, apenas me vêm à memória dois episódios caricatos em que ressaltam já algumas características e comportamentos inerentes a cada um de nós. Num dos dias da instrução em Santa Margarida, foi-nos transmitido que tínhamos (os cabos milicianos) de nos deslocar a Abrantes para tirar a fotografia com a farda nº. 1, para o cartão de furriel. Naturalmente que nenhum de nós tinha a necessária fardeta.

Um camarada nosso do Q.P. emprestou-nos o casaco e o boné e lá partimos para Abrantes todos em cima de uma GMC, conduzida por um dos nossos condutores que devido à inexperiência e inaptidão transformou a viagem numa aventura e paródia tal que foi alvo de estrondosa salva de palmas nossa, quando no Rossio ao Sul do Tejo conseguiu passar por baixo do viaduto sem tocar em nenhuma das paredes. Seriamos uns 12 elementos e todos tiramos a foto com o mesmo casaco e boné. Depois de uma passeata pela cidade no regresso já mais de metade do pessoal veio de táxi.

Também aqui em St.ª Margarida, em que o estado de espírito era o já salientado; numa das casernas dois camaradas desentenderam-se tendo um deles ameaçado o outro com uma navalha de barba, interveio um terceiro elemento que conseguiu eliminar aquele foco de instabilidade, pelo foi chamado ao local o meu querido camarada e actual amigo, J. M. Bastos que de imediato entrou em contacto com o Alf. Mil. Malaca dos Santos, um puro e robusto ribatejano que de imediato se deslocou a caserna, e sendo abordado pelo elemento que apaziguou a questão: - Meu alferes fui eu que… Pum..Pum.. dois valentes sopapos e eis o pobre de costas; o Bastos conhecedor de todo o problema pretendeu intervir, mas por razões óbvias inibiu-se. Confirma-se o velho aforismo popular, “por bem fazer mal haver”.

- Falou o Malaca, tudo para os seus lugares, assim ficou resolvida a questão e o Alferes ganhou a alcunha de Oficial de Justiça, era o maior e mais sincero amigo do pessoal; vindo a ser punido na Guiné por um dos ineptos comandantes da companhia (por alcunha o Capador) porque se recusou a que os seus rapazes, como os tratava carinhosamente saíssem para nova operação, depois de nessa madrugada terem regressado de uma violenta e esgotante investida a uma casa de mato do IN. O Pessoal estava esgotado física e psicologicamente. Infelizmente os furriéis que lhe estavam adstritos não souberam tomar uma atitude solidária e digna. Este grande homem que faz agora o favor de me dedicar a sua amizade é hoje um reformado de professor do ensino secundário onde exerceu com mérito a sua função. Era e é um puro.

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Partimos para a estação já de noite e embarcámos a monte num decrépito comboio de bancos da madeira, acompanhados de todo o conjunto de malas, caixotes, sacos de produtos regionais que cada um trazia como testemunho da gratidão e despedida dos seus amigos e entes chegados. Que expressões de ansiedade e tristeza no semblante, comportamento e olhares de tantas centenas de jovens. Durante toda a noite o Alf. Mil. Vasco Cardoso, Vasco para todos - quanta humanidade, trocou com alguns de nós vastas palavras sobre a Guiné, onde já tinha estado, e nos mostrou um enorme espólio de fotografias dos momentos dos hábitos e culturas daqueles povos no sentido de nos incentivar e dar a conhecer a terra para onde íamos. Um amigo que perdemos em combate poucos dias depois de chegarmos a Fulacunda.

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Num ambiente de profunda resignação, apenas se ouvia como ruído de fundo os gritos de angustia e as lágrimas dos nossos familiares e amigos, juntamente com algumas imprecauções que se ouviam também não se sabe de onde, em largo número por todas as zonas com acesso visual ao cais da rocha do Conde de Óbidos - Alcântara onde se encontrava atracado o navio Niassa, transformado em transportador de tropas, onde iríamos embarcar após terminarmos a formatura frente ao cais onde um alto graduado veio debitar várias e inócuas frases feitas a um conjunto de desesperados e descontentes jovens, salvo raras excepções. Nesta formatura, apareceu pouco depois um grupo de senhoras, todas com a farda de uma instituição a distribuir a cada militar um isqueiro e um maço de tabaco. Quando recusei a oferta, objectando que não fumava, a senhora que me pretendia entregá-la, disse entre dentes qualquer imprecaução, que não entendi e fez-me um olhar, para mim incompreensível, de que ainda hoje me lembro, desaparecendo de imediato. Foi a bordo motivo para enorme chacota. Quanto me lembra o momento do embarque e do dramático Adeus; viam-se lágrimas e emoção nos jovens que partiam e nos entes queridos que ficavam despedindo-se quiçá pela ultima vez. Quão é ainda hoje, tão chocante e amargamente emotivo, recordar esses momentos.

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Partidos da metrópole fomos à Madeira para meter dentro daquele malfadado transportador de carne para canhão mais uma companhia.

Não teceria a mais pequena alusão a este hiato de tempo se dois casos que despertaram a permanente curiosidade que me acompanha não me pusessem a pensar e revoltado com elas.

Na Madeira, em Câmara de Lobos onde nos deslocámos na noite que passámos na ilha, para comer produtos do mar aconselhados pelo motorista do táxi que nos transportava a visitar alguns locais do Funchal; um camarada meu pediu no estabelecimento onde nos encontrávamos uma caixa de fósforos: pois bem; na Madeira à época custava 40 centavos, contra os 30 que eram adquiridos em Lisboa; irrisório não parece? Pois é mas é uma diferença de 25%, como seria com os outros artigos importados da Metrópole?
Ainda me choca e é doloroso recordar as abjectas condições em que os nossos praças, os melhores de todos nós, foram transportados durante seis dias dentro do Niassa; era no porão da carga que estavam instalados um imenso número de beliches da tropa sobrepostos e em filas em que ficavam lado a lado seis a oito corpos em baixo e em cima (tinham de passar uns por cima dos outros), o cheiro que lá de baixo exalava era nauseabundo com um odor a vomitado azedo insuportável, a generalidade dos jovens dormia a céu aberto por qualquer canto do convés; foi o inicio das vicissitudes em que se viam caras de cansaço e ansiedade e em que alguns apresentavam uma tez amarelada de mau trato e adoentada.

Vista parcial de Câmara de Lobos - Ilha da Madeira
Foto: © Carlos Vinhal

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O barco aportou a Bissau, onde não era possível acostar e onde fomos transportados em barcaças para o porto. O calor era intenso acompanhado de uma humidade salgada que dava a sensação de se colar à pele e parecia vir a tornar-se irrespirável. Sem qualquer espécie de emoção tentei vislumbrar e enquadrar as palavras e o ambiente das fotografias do amigo Vasco Cardoso, mas o que vi foi um aglomerado de população nativa, em que pontificavam as crianças, descalças desnudas e em farrapos que se ofereciam para transportar as nossas bagagens; aqui uma tremenda ansiedade apodera-se de mim sentindo como que um aperto de garganta, por saber que para além do que me era possível ver; a guerra estava ali não sabia onde e era uma realidade que matava, feria e estropiava.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9072: Tabanca Grande (308): Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857 (Mansoa e Bissorã, 1965/66)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9072: Tabanca Grande (308): Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857 (Mansoa e Bissorã, 1965/66)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Bissorã e Mansoa, 1965/66, dirigida a Virgínio Briote em 9 de Outubro passado:

Caro camarada de armas
Antecipo a tudo o mais o pedido de desculpas pela ousadia de te enviar este e-mail. Tenho lido com grande interesse e uma mescla de saudade e alguma paixão, onde é co-responsável, o julgo eu ex-alferes que algumas vezes comigo passou, algumas agruras e perigos no triângulo do OIO.

Pertenci à CCAÇ 1420 entre 1965 e finais de 1966 em Bissorã e Mansoa onde vim a ser gravemente atingido. Chamo-me Carlos Luís Martins Rios e era Fur. Milº.

Como sou um incipiente nestas novas tecnologias, não consigo entrar em contacto tornando-me mais um dos camarigos.
Daí ousar usar esta expediente para ver se me aceitam como mais um chato a choramingar quase 50 anos depois algumas recordações da juventude.

P.S.- Também sou natural de Cascais (Parede) e resido em Carnaxide.

Em anexo envio cópia de um pequeno cadernito de esparsas memórias que agradeço lhe dês o encaminhamento que entenderes e que agradeço com gratidão aceites um exemplar, porquanto já o mandei encadernar, bastando para o efeito se não vires inconveniente mandares-me a morada.

Apresento os melhores e mais respeitosos cumprimentos.
CARLOS RIOS

Mansabá > Ex-Fur Mil Carlos Rios e ex-Alf Mil Rui Alexandrino Ferreira da CCAÇ 1420

Alguns graduados da CCAÇ 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e Rui Alexandrino Ferreira.


2. Comentário de CV:

Caro Carlos, estou a receber-te formalmente em nome da tertúlia e dos editores. Sê bem vindo à nossa Tabanca, onde esperamos te sintas como em casa. Não és propriamente um desconhecido, já que o teu, e nosso, amigo Rui Alexandrino Ferreira falou de ti no nosso Blogue, como se pode verificar nas ligações dos postes abaixo referidos*.

Muito obrigado por te quereres juntar à equipa e também pelo teu "Porto de Abrigo", trabalho que enviaste ao nosso camarada Virgíno Briote que por sua vez o fez chegar até nós. Vamos começar a publicá-lo estes dias porque será uma mais valia para o espólio do nosso blogue.

Publicamos hoje a Capa e a Dedicatória, início destas tuas memórias


Sabemos que neste momento estás a passar menos bem da tua saúde, mas podes contar desde já com a solidariedade destes teus 527 novos amigos e camaradas, que compõem este grupo enorme de tertulianos de que a partir de hoje fazes também parte.

Quando nos quiseres contactar usa o endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Podes consultar os postes referentes à tua Unidade clicando no marcador CCAÇ 1420 existente no lado esquerdo da nossa página no grupo dos marcadores/descritores, assim como os teus postes, clicando no marcador Carlos Rios.

Antes de terminar o teu poste de apresentação quero deixar-te um abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores.

Recebe um abraço pessoal da minha parte com os votos de um rápido restabelecimento.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8438: (Ex)citações (141): Hospital Militar Principal: Sofri as piores atribulações naquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo, o Texas (Carlos Rios, ex-Fur Mil, CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67)

21 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)
e
20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8579: (Ex)citações (143): Ex-Fur Mil Carlos Rios da CCAÇ 1420, um menino que as circunstâncias fizeram homem (Rui Alexandrino Ferreira)

Vd. último poste da série de 9 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9065: Tabanca Grande (307): José Ferraz de Carvalho, português há mais de 40 anos nos EUA, ex-Fur Mil da CART 1746 (Xime, 1969)

sábado, 23 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8593: O Nosso Livro de Visitas (114): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Região do Oio, 1965/67)

1. Ontem, 22 de Julho de 2012, chegou à caixa de correio do nosso Blogue esta mensagem de um camarada que se identifica como José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS que fez a sua comissão de serviço na Guiné integrado na CCAÇ 1419/BCAÇ 1857:

Camarada
Não podia ficar indiferente ao ler as tuas recordações da Guiné.
Pertenci ao Batalhão de Caçadores 1857, Companhia de Caçadores 1419 e era Furriel Miliciano de Transmissões.

Estive cerca de um mês em Bissau (que saudades meu Deus daquelas ostras e cervejas) e depois fomos para Bissorã (que creio agora se chama Califórnia).
Depois de oito meses fomos para Mansabá. Quando se falava de Morés toda a malta se arrepiava, mas nem todos tiveram o privilégio de fazer duas “visitas de estudo” como a nossa Companhia.

Devo dizer-te camarada que dessas situações pouco resta na minha memória, mas o espírito de amizade e camaradagem esses nunca mais saem da minha cabeça.

Depois de tantos anos ainda não perdi a esperança de poder voltar aos mesmos sítios e recordar todos os bons e maus momentos que foram vividos.

Resta-me deixar aqui a homenagem a todos os que deram a vida (e porquê) ao serviço da pátria mas muito especialmente aos meus seis camaradas que morreram em combate.

Saudações amigas do camarada
Rodrigues
frod@sapo.pt


2. Comentário de CV:

Muito obrigado caro José Rodrigues pelo teu contacto.
A tua mensagem pode ter tido origem na leitura do Poste 8438 do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, actualmente Coronel Reformado, que foi Alferes Miliciano na CCAÇ 1420 do teu Batalhão.

Provavelmente conhecerás o camarada Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da tua Companhia que como o Coronel Rui Alexandrino Ferreira faz parte da tertúlia do nosso Blogue.

Se quiseres pertencer a esta Tabanca Grande, manda uma foto dos teus tempos de Guiné e outra actual, junta uma pequena história que pode ser ilustrada com fotos legendadas, e passarás a fazer parte desta família de ex-combatentes que aqui querem deixar as suas memórias.

Se clicares em cada uma das palavras sublinhadas (marcadores) acederás a textos referentes ao teu Batalhão, de autoria dos camaradas Rui Alexandrino ou do Manuel Joaquim.

Ficamos à espera das tuas próximas notícias.
Recebe um abraço da Tertúlia
Em nome dos Editores do Blogue
O teu camarada
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8515: O Nosso Livro de Visitas (113): Virgílio Valente, a viver e a residir em Macau, ex-Alf Mil, CCAÇ 4142 (Gampará, 1972/74)

sábado, 9 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8534: Estórias avulsas (54): Patrulhamento e captura de um elemento do PAIGC no OIO (Jorge Lobo)




1. O nosso Camarada Jorge Lobo, que foi 1º Cabo Atirador de Artilharia da CART 1660 e também esteve adido nos BCAÇ 1857 e BCAÇ 1912, Mansoa, 1967/1968, enviou-nos a seguinte mensagem.

Patrulhamento e captura de um elemento do PAIGC no OIO


Depois da CART 1660 ter permanecido em Mansoa, desde a data da sua chegada à Guiné em inícios de Fevereiro de 1967, foi, mais tarde, destacada para o Olossato a fim de fazer alguns patrulhamentos na mata de Morés, durante um mês.



Certa madrugada, por volta das 04H00, deixamos o aquartelamento, atravessamos a pista de aviação do Olossato e embrenhamo-nos na mata a caminho das proximidades da temível e densa mata de Morés, zona fértil a nível de guerrilheiros IN e perigosamente rodeada de bolanhas. Caminhamos vários quilómetros em patrulhamento, acabando por ficar emboscados (em meia lua) numa mata perto de uma zona descampada, do tipo bolanha na altura seca, e a uns escassos metros do trilho usado pelos guerrilheiros do PAIGC.


Surgiu então uma avioneta por cima de nós indicando-nos que avançássemos um pouco mais em frente. Esta ordem foi recebida com rebeldia e um coro de pragas de protesto. É óbvio que o coronel que nos sobrevoava, se acaso estivesse connosco cá em baixo, não iria com certeza cometer o suicídio de, apenas com uma companhia, entrar naquela zona sagrada para o IN. Além do mais, irritante e contra todas as regras, a avioneta estava a denunciar a nossa presença.


O calor era abrasador e volta e meia tínhamos de nos deslocar, em pequenos grupos, a uma zona próxima onde existia água de péssima qualidade e que tinha de ser desinfectada com os habituais comprimidos. Mas como a sede era muita, praticamente nem dávamos tempo para esperar que os comprimidos fizessem o efeito a que eram destinados na água.


Logo após a avioneta se ter afastado do local e quando nos preparávamos para avançar um pouco mais (cerca das 11H00), surgiram dois guerrilheiros armados de espingarda Kalasnikov com a alça em tiracolo, vindos de dentro da mata, caminhando no trilho da bolanha, entrando na tal zona descampada (zona de morte).


O meu pelotão abriu fogo de rajada sobre eles e um deles caiu logo fulminado pelas balas largando a arma, enquanto o seu companheiro tentou fugir agarrado a uma perna, coxeando, tendo sido de imediato abordado no sentido de o avisar para se afastar da sua arma e para levantar as mão no ar...


Foi de imediato capturado e levado em maca para os arredores, vindo a ser evacuado posteriormente de helicóptero. Durante o tempo de espera pelo heli, elementos nativos da nossa milícia insistiram para que o homem não fosse evacuado, pois eles próprios se encarregariam de o fuzilar ali mesmo...


Eu não concordei com as suas intenções e dei disso conhecimento ao nosso CMDT de companhia, ali presente, o qual deu de imediato ordem para que o guerrilheiro fosse retirado para Bissau, mandando chamar um helicóptero.


A seguir aproximei-me da maca onde se encontrava o ferido, perguntando-lhe em bom português o que fazia ele e o seu companheiro por ali...


Respondeu-me em creoulo, mas entendi bem a resposta quando repetia insistentemente: Filho da p... do Amílcar Cabral… filho da p... do Amílcar Cabral!


Naturalmente que a sua intenção, ao dizer aquilo, seria a de tentar escapar com vida daquela situação e… bem o conseguiu!


Entretanto chegou o heli e lá foi ele na direcção do hospital de Bissau.


Posteriormente foi muito útil às companhias de Comandos e Paraquedistas que se serviram dele como guia nas suas diversas OP na mata de Morés.


Nesta acção foram apreendidas armas Kalasnikov.


O curioso no meio disto tudo, é que passado cerca de um ano, quando o meu pelotão se deslocou de Mansoa à piscina de Nhacra, para tomar uma banhoca e beber daquela água a que já não estávamos habituados... pois não precisava de ser filtrada, acabamos por encontrar lá o nosso ex-guerrilheiro preso em Morés.
Era um rapaz feliz dando enormes mergulhos do trampolim mais alto da piscina.


Recordo que tentei imitá-lo mas acabei por provocar uma pequena lesão na cabeça, quando bati com ela no fundo da piscina… felizmente nada de grave!
Fiquei, mesmo assim, imensamente feliz por ver aquele rapaz alegre ao lado dos nossos companheiros, nesta altura também companheiros dele, e que era uma das companhias de Comandos de Bissau.


Jorge Lobo
1º Cabo Atirador de Artilharia da CART 1660, BCAÇ 1857 e BCAÇ 1912


Fotos: © Jorge Lobo (2010). Direitos reservados.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados._________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8464: Estórias avulsas (112): Encontro de Camaradas (Mário Fitas)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8360: Blogoterapia (181): Apesar da idade, continuamos a realizar os nossos Encontros e ainda nos comovemos (Ernesto Duarte)

1.Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte* (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), com data de 29 de Maio de 2011:

Boa Noite Carlos
Tudo de bem contigo e com os teus, são os meus desejos.

Carlos, eu de uma maneira geral sou um pouco vadio, um pouco vira-latas, aproveitando tudo para estar o mais tempo possível fora, e como ainda não ando com o caixote às costas, passa-se muito tempo que não tenho noticias, eu já disse isto um milhão de vezes, mas a idade não perdoa, vou sendo chato.

Na semana de 14 de Maio foi o almoço da minha Companhia, da minha Companhia é favor.
Correcto será dizer de um grupo de velhos gordos, que teimosamente continuam a não deixar morrer aquela chama. Penso que enquanto existir um que se dê mexido há almoço.

Eu e uns quantos, todos, comovemo-nos sempre, nós sentimos ali ainda aquele espírito de união, de respeito, de convivência sadia, e vêm muito ao de cima aqueles momentos que estão cá marcados. Fomos e estava tudo preparado, sem perguntas, sem más vontades, agindo como um todo.

Comovo-me por aqueles que já muito doentes, de canadianas, sem falarem, braços ao peito, mas aquele olhar é o mesmo, demonstra uma força e um querer, aqueles abraços são vidas que se agradecem em simultâneo.

Comovo-me por aqueles que lá ficaram.

Comovo-me, porque há 44 anos que chegámos, há 46 que partimos e há para aí 47 que me apareceram aqueles tipos de fardas largas e com aspecto de tudo menos de militares, e nós fizemos deles militares, combatentes e hoje estão ali uns homens que até deram um pontapé na vida difícil.

Só um militar e um operacional pode ouvir isto: - Foi graças a ti que eu cá estou, devo-te tudo.

Sentir este orgulho, é nosso, só nosso dos operacionais.

Que raio de gente fomos nós, que raio de gente somos nós, que esta quantidade de gente é ignorada pela Pátria que tanto amamos.

Mas como sou vira latas, aproveitei mais a minha companheira de 50 anos para andar por aí. O almoço era em Ílhavo / Vagos e a nossa primeira paragem foi em Badajoz.

Depois uma ida lá baixo para ver as coisas, cheguei há pedaço.

Carlos, eu no tempo em que o Azimute foi feito, era muito mais ingénuo e aquilo na altura mexeu comigo, mexeu connosco, e ao encontrá-lo hoje não sei atribuir-lhe qualquer valor, vocês com mais conhecimentos, poderão por ventura atribuir-lhe algum. Eu não gosto de me tornar pesado, sabendo o mundo de papeis ( mail ) que tens, obrigado.

Exemplar de um Azimute oferecido pelo camarada Ernesto Duarte ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Obrigado Carlos, um bom 4 de Junho, não quero ser profeta da desgraça, mas o 5 deve todo ele ser mesmo ímpar.

Um grande Abraço e tudo de bom
Ernesto Duarte
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Notas de CV:

(*) Vd. poste da série de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8142: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (11): Domingo de Ramos (Ernesto Duarte)

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8358: Blogoterapia (180): Sondagem sobre a Tabanca Grande (Miguel Pessoa)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7811: Memórias de Mansabá (21): Fotos da bolanha de Mansabá, a nossa praia (Ernesto Duarte)

1. Em mensagem do dia 10 de Fevereiro de 2011, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-nos estas fotos para o espólio das Memórias de Mansabá.

Boa noite Carlos
Tomei a liberdade de te enviar mais umas quantas fotos, duas mostram mais ou menos bem um abrigo a construir e já feito no K3.

As outras são na bolhanha de Mansabá, eu gostava muito dos putos e de falar com as mulheres grandes é uma filosofia de vida
tão diferente.

Um abraço e muito obrigado
Ernesto Duarte


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (21)

Fotos de Mansabá

Construção de um abrigo no K3


Ernesto Duarte num abrigo do K3






Mansabá - Lavadeiras em plena actividade na bolanha




Mansabá - Ernesto Duarte entre as lavadeiras




Mansabá - Bajuda a banhos na praia






Mansabá - Ernesto Duarte com os miúdos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7804: Memórias de Mansabá (9): Jornal Bajudo da CCAÇ 1421 (Ernesto Duarte)