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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4939: Banalidades do Mondego (Vasco da Gama) (V): A minha guerra foi outra, camarada Amílcar Ventura

1. Mensagem do nosso querio amigo e camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, que regressa assim ao nosso convívio, depois de uma 'sabática terapêutica' (demasiado longa, porvetura, para aqueles que apreciam a alta qualidade literária e a inteligência emocional dos seus textos, aqui no blogue)...

Camaradas Editores, Camarada Editor Carlos Vinhal: Escrevi num ápice o texto que agora envio.Voltarei em breve.Saúde para todos e um abraço amigo do Vasco



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO (Vasco da Gama) (V) > A MINHA GUERRA FOI OUTRA


Remetido há já algum tempo ao silêncio, por conselho de um editor sábio e amigo, perdendo a regularidade da leitura do nosso Blogue, dadas as férias no reino dos Algarves durante o mês de Agosto, coloquei agora em Setembro toda a minha disponibilidade de tempo a ler tudo o que havia deixado para trás, como o fazia quando era estudante e tinha os exames à porta, tentando recuperar dia e noite o tempo consumido nas jogatanas de lerpa, nas intermináveis discussões políticas, no acompanhamento constante do meu Glorioso S.L.B. aquando das suas deslocações ao norte, nos tempos em que, calmamente, se vestia a camisola vermelha, sem medo de qualquer enxovalho, estivesse na Póvoa, em Guimarães, em Braga, em Matosinhos ou mesmo na maravilhosa cidade do Porto, essa cidade invicta que me marcou para sempre e que ainda hoje adoro, com as suas gentes simpáticas, solidárias, genuínas e vernáculas.

Tal como nos finais da década de sessenta, quando estudante, era invadido por um nervoso miudinho pois eram tantos os assuntos e matérias a reter, que começava a estudar determinada cadeira já com o pensamento numa outra que se avizinhava, não conseguindo por vezes a concentração necessária para levar a bom porto toda a panóplia de teorias e teses e temas que me permitissem uma época de exames descansado, também agora em finais da primeira década do século XXI, tostado pelo sol quente do sul, regressado do enxameado Algarve, onde o nosso camarada da Guiné e do Blogue, António Manuel Conceição Santos me proporcionou uma caminhada maravilhosa pela Ria Formosa, já comecei a escrevinhar tanta coisa ao mesmo tempo com o mesmo nervosismo o mesmo frenesi e a mesma “desorganização” de há quarenta anos, que me obrigou a dizer de mim para mim, BASTA, começa e termina qualquer coisa!

Assim decidi, assim o faço neste momento, começando pela análise de um poste publicado pelo nosso camarada Amílcar Ventura com o nº 4936 (*), intitulado a bomba de gasóleo do P.A.I.G.C., com uma introdução do editor M.R.

Respeitador dos princípios que norteiam o nosso Blogue, coerente com a formação recebida ao longo da vida, incapaz de, penso eu, beliscar quem quer que seja, gostaria de tecer algumas considerações baseadas única e exclusivamente no exposto pelo nosso Camarada.

Camarada Amílcar Ventura,

A tua confissão que entendeste partilhar com todos os Combatentes da Guiné e que, estou por certo, terá aliviado a tua consciência, causou em mim um sentimento de tristeza e mal estar, pois relembrou-me de uma forma mais pungente e dolorosa as agruras que a minha Companhia de Cavalaria 8351 se viu obrigada a viver nos matos profundos do sul da Guiné no Cumbijã e Nhacobá, a escassos quilómetros de Guileje e cito Guileje, pois voltarei a esse assunto quando conseguir alinhar ideias.

Não tenho, era o que mais faltava!, capacidade para julgar quem quer que seja e sei bem que a as acções ficam com quem as pratica, mas nunca opinarei contra a minha consciência.

Há limites inultrapassáveis para qualquer cedência e colocarei sempre acima do interesse de pessoas ou de grupos a minha sinceridade, daí que gostaria de te dizer como combatente na Guine o seguinte:

Vivemos sempre no mato, sem qualquer população, sem nunca termos tido luz, vivendo em barracas de lona e construindo com as nossas mãos as casernas feitas com blocos que os meus Tigres amassavam com os pés, isto depois de regressarem das operações/patrulhamentos que DIARIAMENTE fazíamos fora do arame. Não tivemos depósito de géneros durante muitos meses, nem água nem pão quente. Fazíamos uma coluna diária a Aldeia Formosa para abastecimentos e também trazíamos bidões de gasóleo…

Tínhamos entre nós gajos de direita e de esquerda e do centro e de cima e de baixo e outros que não eram nada, mas nunca a porra da política nos separou. Os que defendiam o tal Portugal de Trás–Os-Montes a Timor, que não era o meu caso, eram irmãos dos que murmuravam contra a guerra colonial e que eram a favor da solução política para uma guerra estúpida. Sabes, tínhamos em comum as lágrimas que derramávamos pelos nossos camaradas mortos e feridos, pela impotência de não regressarmos todos juntos ao nosso e teu Portugal, estávamos irmanados nos embrulhanços que sofríamos e a nossa raiva, por que não dizê-lo?, ia toda no mesmo sentido – dirigia-se ao P.A.I.G.C.

Estranho, eventualmente por ignorância, que se fale no comentário introdutório ao teu texto em “intercâmbios” entre as N.T. e o P.A.I.G.C. de "prendinhas e cervejas colocadas na picada”. As prendinhas trocadas entre a Companhia de Cavalaria 8351 e o P.A.I.G.C., foram, que eu saiba, arraiais de fogachada, minas q.b. e manga de porrada. Talvez noutros sítios, noutras circunstâncias, com outros comandos. Nunca pertenci à psico.

Camarada, dizes e passo a citar “nunca pus em perigo de vida os meus camaradas mas que ao contrário salvei alguns por ter antecipado a informação que ia haver ataque”, fim de citação. Discordo frontalmente. Quem, como os Tigres do Cumbijã, e tantas outras Companhias apanharam na tarraqueta, sabem perfeitamente que os mísseis ou as morteiradas ou as canhoadas que nos caíam dentro do arame, não traziam olhinhos para se desviarem “da malta que estava avisada”.

Lá no meu mato profundo, interrogo-me como era possível um militar português sair do seu aquartelamento na companhia de um nativo, com uma viatura e duzentos litros de gasóleo. Que controlo era esse? Que sítio era esse? Que comando era esse? Não duvido do que dizes, mas estranho! A minha guerra, Camarada, a minha guerra teve outros contornos, a minha guerra foi outra.

Sabes, uma vez num ataque ao arame, sim num ataque ao arame, Camaradas meus dizem ter visto um cubano. Nesse dia, por motivos diferentes dos teus, também nós gostaríamos de ter conversado com ele e podes ter a certeza que não era para lhe dar gasóleo.

Quase quarenta anos volvidos ainda me emociono com a Guiné. Quem diria!!!

Tive apenas e só a vontade de dar a minha opinião relativamente a algo de totalmente novo para mim. Gostaria imenso, acredita, de contigo debater este assunto, quem sabe
se quando voltar à tua maravilhosa terra de Silves. Ouvir-te-ei mais detalhadamente e eu apresentar-te-ei outros argumentos que não cabem aqui.

Com a conversa todos aprendemos, mas, caro Camarada Amílcar Ventura, mesmo para alguém com a preparação ideológica que então terias, a tua atitude, sem qualquer espécie de julgamento, foi de uma INGENUIDADE muito grande.


Para todos os meus Camaradas um abraço amigo e sincero do,

Vasco A.R.da Gama

[Revisão / fixação de texto / bold, a vermelho: L.G.]

__________

Notas de L.G.:


(*) Vd. último poste desta série:

15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IV): Desertores

(**) Vd. poste de 11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IV): Desertores

1. Mensagem do Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, com data de 14 de Junho de 2009:

Camarada Carlos Vinhal,
Envio texto que anexo que pretende analisar o tema desertores.

Um abraço amigo
Vasco da Gama


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - IV

Também tive um (?) desertor na minha CCav 8351 – Os Tigres do Cumbijã

Sem querer entrar em qualquer polémica, até porque não possuo nem armas nem argumentos suficientes sobre o assunto lançado no post 4517 (**) pelo nosso camarada António G. Matos, gostaria de referir que considero este nosso camarada, que não conheço pessoalmente, um dos bloguistas de leitura obrigatória, não só pela qualidade da sua escrita e pelo encadear das suas ideias, mas fundamentalmente pela profundidade dos temas que nos apresenta e que são, tenho a certeza, fruto de uma reflexão prévia.

Não basta pois, dispararmos um quero que os desertores se lixem, ou os desertores que vão tocar tangos para a rua deles.

A guerra não foi pertença apenas dos combatentes, mas envolveu a sociedade em geral e as nossas famílias em particular e, porque não, também alguns desertores.

Haverá, creio, vários tipos de desertores na nossa guerra da Guiné.

Antes da sua classificação, dizer que temos no nosso Blogue combatentes que partiram para a Guiné para defender a integridade da pátria que, para eles, ia de Trás-Os-Montes a Timor e outros que eram pura e simplesmente obrigados a ir, embora não concordassem com a guerra como solução para o problema ultramarino. Eu, para que não paire qualquer dúvida, enquadrava-me nestes últimos. Curiosamente estas diferenças esbatiam-se, de imediato, entre nós. O sofrimento e a solidão eram o denominador comum entre todos. Conversávamos, colocávamos dúvidas, estávamos juntos!

Ajudávamo-nos

Estimulávamo-nos

Éramos unidos

Éramos amigos

Partilhávamos

Hoje somos Irmãos

Voltando à minha classificação dos desertores:

Os meninos bem de vida e filhos de papá que deram o salto quando souberam que a Guiné lhes havia saído em rifa e que foram para exílios dourados de Paris ou de Genebra ou de qualquer outra cidade europeia, onde prosseguiram os seus estudos e concluíram os seus cursos. Safaram-se, direi eu; o que não admito é que hoje mandem palpites sobre a guerra colonial e se armem e por vezes sejam considerados e tratados como heróis anti-fascistas e não tenham a coragem de dizer: fugi porque tive medo da Guiné e tive possibilidade de o fazer. O que farias tu no meu lugar?

Preferem o epíteto de lutadores pela liberdade vindos do bem-bom e chegados a Portugal de Sud-Expresso ou de avião… Se lhes tem saído na rifa Luanda, o galo cantaria de outra maneira e o seu discurso seria diferente.

Os anónimos que foram para França a salto e que se mantiveram calados, dizendo apenas: para a Guiné nunca! Tiveram a guerra deles nos arredores de Paris, vivendo de forma sub-humana nos bidons-ville mas mantiveram-se humildes e mantêm a sua máxima de Guiné, nunca. Tiveram medo e confessam-no, sem se armarem….

Temos os que embarcaram connosco e que deram o salto quando vieram de férias à metrópole. Aconteceu a um furriel da minha companhia, o Pereira, a quem os Tigres designam por furriel fugitivo ou fugitivo, tout court. O seu não regresso à minha Companhia ainda me levou a ser ouvido pelo Pide de Aldeia Formosa que achou estranho o facto de eu não ter desconfiado de nada…

O fugitivo foi a um dos primeiros convívios da nossa Companhia, alguns anos após o 25 de Abril. Acreditem que nenhum de nós lhe cobrou o que quer que fosse, muito embora nunca mais tivesse aparecido. Conversámos e ele apenas referiu que não conseguia aguentar a situação que a nossa Companhia estava a viver e que tinha tido a oportunidade de se pirar. Eu sei que apenas pensou nele e os outros que se lixem, mas para quê fazê-lo sofrer mais com o nosso julgamento?

Cada um é como cada qual e quão diferente foi a atitude do nosso José Brás que, de férias em Portugal, recebeu a notícia da morte dos seus camaradas, o Dias e o Oliveira que morreram sem ele em Xinxi-Dari.

Nem o pai o convenceu a dar o salto e o Mejo iria continuar a ser a sua pátria por mais algum tempo…. “E sem precisar de dizer-lhe que me sentia miserável por ter deixado morrer aqueles amigos sem a minha presença de arma na mão…”

Obrigado pelos teus escritos, já reconhecidos publicamente, e um obrigado ainda maior pela lição, verdadeiro hino a uma das mais bonitas palavras – a solidariedade - que este teu fabuloso conto encerra.

Quem me dera que o furriel da minha Companhia se chamasse José Brás.

Temos os desertores que se passaram do nosso lado para o inimigo. Estes, que até são ouvidos e vistos em programas televisivos, além de desertores, aproveitaram os seus conhecimentos dos locais de onde desertaram, entregaram trunfos ao outro lado, permitindo que os seus ex-camaradas sofressem ainda mais. Os meus camaradas que os qualifiquem….

Há, pois, na minha perspectiva, tipos diversos de desertores…, e se calhar alguns deles mereciam uma oportunidade para se justificarem…, ou não!

Termino com um abraço de respeito a todos os meus queridos camaradas combatentes da Guiné e também com uma pergunta inocente: Como chamar aos nossos camaradas que embarcaram connosco tendo ido até ao mato profundo e dias após chegarem ao mato eram, fruto de cunha valente, transferidos em definitivo para o ar condicionado de Bissau?

Um abração
Vasco A.R.da Gama
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3939: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (1): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

(**) Vd. poste de 13 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4517: Controvérsias (18): O outro lado da guerra, os desertores (António G. Matos)

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3939: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III) Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3939: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III) Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos

1. Mensagem do Vasco da Gama, que reside na Figueira da Foz, e foi Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - III

Sr. Jornalista (*)

Antes que se digne responder a alguém do nosso blogue e, se tiver postura moral para tal, faça-o em sentido, pois toda esta malta que ronda os sessenta anos, são os velhinhos da geração mais sacrificada de Portugal a quem portanto o sr. jornalista, os srs. governantes, os srs. banqueiros, os srs. políticos em geral, e os outros srs. que por aí pululam, devem o maior respeito!

Não sei o seu nome, não sei a sua idade, mas de uma coisa eu tenho a certeza: não pertence à minha geração. Vª. Exª., como eu detesto a palavra Vª.Exª., não sabe sequer o significado da palavra solidariedade, difícil de escrever, difícil de ler e ainda mais difícil de praticar, mas que é apanágio e privilégio da minha geração que combateu na Guiné!

Vª Exª não confunda regimes políticos nem cabos de guerra nem exageros pontuais, com os combatentes da Guiné, nem com a guerra que travámos.

Vª Exª não pode afirmar que a maior parte das baixas se deveram a desastres de viação ou ao rebentamento de minas.

Vª Exª não pode ignorar as centenas e centenas de mortos em combate.

Vª Exª. não pode ignorar as centenas de deficientes que a guerra colonial provocou.

Vª Exª não pode ignorar os lares desfeitos pela guerra.

Vª Exª não pode ignorar o sofrimento de muitos de nós, onde eu me incluo, que ainda hoje acorda pela madrugada dentro aos gritos, julgando estar no inferno da Guiné.

Exijo que Vª Exª se curve perante a memória dos mortos em combate da Companhia de Cavalaria 8351 que eu comandei na Guiné (**);

exijo que Vª. Exª. respeite os mortos da minha Companhia que, feridos em combate, vieram a falecer em Portugal;

exijo que Vª Exª. respeite os meus camaradas que não resistindo aos pesadelos do pós – guerra se vieram a suicidar;

exijo que Vª Exª respeite toda a minha geração de combatentes da Guiné: O vento sopra a nosso favor, pois sabemos para onde ir. Estive, como outros camaradas, para ignorar o seu escrito, mas ignorar os factos não os altera, por isso erguendo as mãos ao céu exclamo: Que Deus nos proteja dos medíocres!

Queria ainda dizer a Vª Exª que camaradas meus chegarão dentro de dois dias àquele país onde lutaram – A Guiné Bissau - , numa missão humanitária de auxílio às crianças do povo irmão! Que linda reportagem daria se jornalistas como Vª Exª. se interessassem por tais eventos… O vosso silêncio a este respeito ficará para outra altura…

Gostaria ainda de mostrar uma fotografia tirada em 12 de Maio de 1974!

Como podem verificar, soldados da CCav 8351, Os Tigres do Cumbijã, aguardam juntamente com elementos do grupo de milícias, o início de um terrível “massacre” a duas cabras do mato e a não sei quantas galinhas, na comemoração do nascimento da primeira alma no Cumbijã. O padrinho foi o Vasco e a menina chama-se Fatmata Gama. O Dotô Carvalho, de Mampatá [, que vai integrado na Missão Humanitária - Memórias e Gente, 2009, que deve chegar amanhã à Guiné-Bissau], foi portador de duas fotografias e desejo do fundo do coração que a consiga encontrar algures na Guiné.


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCav 8351 (1972/74), Os Tigres do Cumbijã > 12 de Maio de 1974 > Malta da companhia e da milícia local festejam o nascimento da Fatmata Gama, a primeira criança a nascer no Cumbijã, no Cantanhez. O padrinho foi o Vasco da Gama (aqui na foto, de óculos escuros, bigode, sentado, ao centro direita).

Foto: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados

Para todos os meus camaradas e amigos da Guiné, um pequeno poema [, de Pablo Neruda] :



Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda


Nós fomos, camaradas da Guiné!

Um abraço fraterno do

Vasco da Gama
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (II): O artigo da Visão e o meu direito à indignação

(**) Vd. último poste da série > 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3898: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (8): Maio de 1973 na vida da CCAV 8351 - (Parte I)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3935: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (II): O artigo da Visão e o meu direito à indignação

1. Mensagem do Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74:


Neste texto a seguir, o nosso camarada, figueirense exerce o seu direito à indignação...

PORRA! NÃO QUERO NEM PEÇO NENHUM RECONHECIMENTO, MAS NÃO ADMITO SER OFENDIDO.



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO II > AINDA O POSTE 3925 (*)


[Bold, a cor, da responsabilidade do editor, L.G.]

Comandante Luís Graça,

Sempre preferi o silêncio dos bastidores à luz da ribalta e, para o meu gosto, estou a aparecer demasiadas vezes.

Obrigado pela publicação do meu pobre e singelo comentário (**), mas a singeleza é sinónimo de sinceridade, que tanto prezo e tento manter em tudo o que faço.

Quando hoje reli o comentário do nosso camarada Torcato, que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, comentário esse que referi no texto que te enviei e que me ajudou a escrevinhá-lo na parte que diz respeito ao Gen Spínola, fiquei com a pulga atrás da orelha no que diz respeito a uma citação que ele retira da revista Visão. Como não tinha lido a Visão e a tinha procurado, sem êxito, por Buarcos, pedi a pessoa amiga que fizesse o favor de me enviar o referido texto. Vou completar a citação que o nosso camarada Torcato faz, dando à luz todo o parágrafo:

“ Raramente havia combates frontais, sendo as explosões de minas e os acidentes de viação as principais causas das baixas entre as tropas portuguesas, que recorriam à concentração das populações em aldeias estratégicas, ao uso de napalm e até mesmo aos massacres como armas ditadas pelo desespero.”

Caros camaradas: de que estamos à espera para reagir a um texto destes que diz preto no branco que, para além dos ralis que fazíamos e que pelos vistos provocavam imensas vítimas com os despistes dos nossos bólides, para além de umas minas que explodiam de quando em vez, fomos também assassinos que recorriam a massacres e ao napalm?


Como é possível ficarmos indiferentes a baboseiras destas, se nos lembrarmos de todos os mortos que tivemos em combate, dos camaradas que ficaram estropiados para toda a vida, da fome, do frio, dos paludismos, das condições desumanas em que vivemos, do sacrifício do abandono das nossas famílias, da interrupção dos estudos que poucos retomariam, de famílias desfeitas, de empregos perdidos…


Ataque-se o regime, ataquem-se os governantes de então, ataquem-se os grandes comandantes militares, mas não belisquem nem a honra nem a dignidade dos que eram obrigados a ir combater.

PORRA! NÃO QUERO NEM PEÇO NENHUM RECONHECIMENTO, MAS NÃO ADMITO SER OFENDIDO.

Por favor, camaradas, alguém com capacidade de escrita ensine a esta gente o quão importante foi a nossa geração.

Temos escritos magníficos no nosso blogue; há que juntá-los, há que os publicar, há que os divulgar para fora do nosso círculo, se não por nós, que seja feito em memória dos nossos camaradas mortos em combates frontais!

Um abraço, nervoso, do camarada e amigo

Vasco

2. Comentário de L.G., editor:

Os amigos e camaradas que queiram comentar o texto da Visão, assinado por Luis Almeida Martins (é sempre aconselhável lê-lo primeiro, na íntegra), e em especial o polémico parágrafo citado pelo Vasco da Gama (i), poderão fazê-lo, directamente, no nosso blogue, mas também poderão enviar uma mensagem para o Correio dos Leitores, daquele semanário.

A mensagem a enviar deverá conter até 60 palavras (no máximo), além do vosso nome, morada e tefefone. Deve ser enviada por mail. O endereço electrónico da Visão é: visao@edimpresa.pt

A revista sai às quintas-feiras.

(i) O parágrafo completo é o seguinte (pp. 50-51):

"Principiada em Angola em 1961, a guerra colonial na sua nova faceta menos tribal e politicamente mais organizada estendera-se à Guiné em 1963 e a Moçambique em 1964. Não de tratava de uma guerra de frentes, mas de uma intrincada sucessão de acções de guerrilha, difícil de travar e desafiadora de qualquer planificação eficaz. Raramente havia combates frontais, sendo as explosões de minas e os acidentes de viação as principais causas das baixas entre as tropas portuguesas, que recorriam à concentração das populações em aldeias estratégicas, ao uso de napalm e até mesmo aos massacres como armas ditadas pelo desespero."



__________




Que imagem vamos passar aos nossos filhos e netos ? Nós fomos combatentes, não fomos assassinos! - é a reacção generalizada dos veteranos da guerra da Guiné, a este excerto de um artigo ("Portugal e o passado"), de Luís Almeida Martins, evocativo dos 35 anos da publicação do livro de Spínola, Portugal e o Futuro , na edição da revista Visão, desta semana (nº 833, 19 a 25 de Fevereiro de 2009, pp. 50-51)...

Na mesma semana, por ironia, em que há algumas dezenas de homens e até de mulheres, ex-combatentes da guerra colonial (na sua maioria), que seguem, por terra, em caravana, do Porto, de Coimbra e de Portimão, a levar ajuda humanitária a (e a matar saudades de) um povo que eles consideram irmão...

Não vi a imprensa de Lisboa (rádio, televisão, jornais) dedicar 30 segundos ou um parágrafo sequer a este pequeno grande evento, que culmina meses e meses de trabalho, anónimo e voluntário, e que é bem revelador do sentido de nobreza, compaixão, generosidade, ecumenismo fraternidade e solidariedade de um povo... Não são as sobras dos ricos que eles levam em contentores que já seguiram por mar, mas sim artigos essenciais que fazem muita falta às crianças da Guiné-Bissau, na sua maioria material escolar, didáctico e sanitário... E até um parque infantil, o primeiro de Bissau, vai ser montado desta vez! (LG).







Visão nº 833, de 19 a 25 de Fevereiro de 2009 > Artigo de Luís Almeida Martins, "Portugal e o passado" (pp. 50-51). O nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CART 8351 (Cumbijã, 1972/74), não gostou do que o jornalista escreveu, a propósito do quotidiano da guerra colonial:

"Raramente havia combates frontais, sendo as explosões de minas e os acidentes de viação as principais causas das baixas entre as tropas portuguesas, que recorriam à concentração das populações em aldeias estratégicas, ao uso de napalm e até mesmo aos massacres como armas ditadas pelo desespero."...

 
__________

Notas de LG.:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos

(**) Vd. poste anterior desta série de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3929: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (I): Antes que me chamem spinolista...

Guiné 63/74 - P3929: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (I): Antes que me chamem spinolista...

Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > 14 de Abril de 1973 > Spínola, de visita ao aquartelamento de Cumbijã > Aqui, de costas, acompanhado pelo Cap Mil Vasco da Gama.

Foto: © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem enviada pelo Vasco da Gama:

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO (I)

[Negritos, a cor, do editor L.G.]

Comandante Luís Graça, meu amigo e camarada da Guiné

Li, como o faço diariamente, o nosso blogue, debruçando-me várias vezes sobre o poste 3925 que recorda o lançamento do livro Portugal e o Futuro, da autoria do Gen António de Spínola (*).

Por falar em recordações, quero também lembrar que passa hoje mais um ano sobre o desaparecimento do Zeca Afonso, vulto grande das canções e que eu me habituei a ouvir desde sempre. Ainda estudante no Porto, havia um conjunto de malta a que eu pertencia, fiel às músicas do Zeca e do Adriano. Nas excursões que então fazíamos aqui e acolá, em grupo entoávamos as cantigas cujas letras eram cuidadosamente policopiadas na secção de texto das Associações Académicas. A malta de Lisboa andava muito à frente mas as novidades chegavam ao Norte num abrir e fechar de olhos. Guardo alguns desses textos religiosamente, assim como uma fotografia do Zeca e de um primo meu que o acompanhou na gravação em Londres de um dos álbuns.

Ao abrir a nossa Tabanca, fiquei admirado ao ver uma fotografia minha com o Gen Spínola, que aliás é o único que segue com o olhar o meu gesto, uma vez que já há algum tempo não escrevo nada para o blogue.

Chatices, desilusões, desenganos, problemas de saúde com familiares próximos, eu sei lá, uma sucessão ininterrupta de aborrecimentos, tudo ao mesmo tempo, remeteram-me ao silêncio, que espero venha a ser quebrado em breve com a continuação de Nhacobá (**).

A que propósito o nosso Comandante publica esta fotografia? Imediatamente descobri a razão, razão essa, que me leva a escrever meia dúzia de palavras, com algum receio, tanto mais que não li a Visão, e ao ler nas várias citações que aparecem no artigo, bem como no resumo do jornal, palavras como “cientista político”, ”intelectuais”, “os media”, sociólogo ”disse para os meus botões:
- Está quieto, rapaz! Bate a bola baixo, pois não tens arcaboiço para isto.

Ao ler os comentários ao poste, logo nas palavras do nosso camarada Torcato encontrei a chave para perder o medo: «concorde-se ou não com o conteúdo, o livro foi uma 'janela de esperança', um 'marco', uma 'bandeira', uma 'pedrada no charco', o problema era 'político e não militar' ...". Isto é honestidade intelectual! Posso não concordar, mas tenho de reconhecer que…

Acrescentar mais o quê? Já agora…

Já falei por diversas vezes no General António de Spínola, que visitou várias vezes a minha CCav 8351. Basta ler esses escritos. O Luís Graça refere-se a dois deles no poste. Fá-lo-ei, pelo menos mais uma vez, quando descrever a sua visita a Nhacobá.

Quero apenas dizer, julgo que já o referi, que foi o primeiro e único oficial, do quadro permanente que conversava com a malta que chegava à Guiné sobre “guerra colonial”, “federalismo” e aceitava respostas onde se falava de independência. Onde estavam todos os outros?

Direi mais, onde estavam oficiais que mais tarde vieram a pertencer ao M.F.A., que foram meus instrutores no curso de capitães em Mafra, éramos então graduados em tenente, que apenas e só debitavam de uma forma extensa, monótona e fastidiosa o saber militar? Algum deles ensinou o que quer que fosse sobre as “províncias ultramarinas”? Algum deles permitia argumentação ao que quer que fosse?....Finais de 1971, princípios de 1972, convento de Mafra….

O sr. dr. Medeiros Ferreira afirma que o livro do Spínola dizia coisas banais e até evidentes. Disse ainda que do seu exílio em Genebra havia enviado um texto para o III Congresso da Oposição Democrática, onde afirmava que “ a questão colonial não tinha solução militar e era necessária a independência das colónias”. É preciso grande visão e grande coragem para tal afirmar!

Vou procurar entre os livros do meu pai as Teses da Oposição e recordar o texto do sr dr. Medeiros Ferreira, bem como a porrada que os presentes apanharam em Aveiro após carga policial. Eu também li o livro do Gen Spínola no exílio. Não em Genebra , mas na Guiné, no Cumbijã.

Ri-me com aquela frase onde se dizia que o Gen Spínola tinha “uma corte de admiradores de camuflado que bebiam as suas palavras”. [Visão, nº 833, de 19-25 de Fevereiro de 2009].

Usei camuflado na Guiné, falei algumas vezes com o homem mas nunca bebi as palavras de ninguém! Whisky e cerveja era quanto me apetecesse. Já agora perguntem aos soldados que combateram na Guiné qual a opinião que têm do homem do pingalim e do monóculo. A resposta é capaz de ser bem diferente da dada pelos intelectuais.

Antes que me chamem de Spinolista, pois em Portugal os rótulos interessam mais do que o conteúdo, termino com um abraço respeitoso a todos os meus camaradas da Guiné que sofreram a bem sofrer. Para todos eles um poema da grande Sophia de Mello Breyner Andresen:

«Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo»


Um abraço do Vasco da Gama
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos

(**) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3898: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (8): Maio de 1973 na vida da CCAV 8351 - (Parte I)