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segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P468: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (10): ontem e hoje em Uaque


Guiné-Bissau > Uaque > 2006 > Pôr do sol.

© Paulo Salgado (2006)

Camaradas e Amigos:

O fim de tarde vai crescendo, o sol aproxima-se do ocaso, os ramos das árvores vão-se desenhando contra luz crepuscular, esbatida nos telhados de capim de Uaque, nas pequenas moranças que constituem a tabanca, as aves de maior porte piam escondidas no cimo dos poilões que circundam a tabanca.

O troço de picada – aquela terra avermelhada é sempre a mesma nas picadas da Guiné! – serpenteia desde o pequeno hotel rural onde nos instalámos no fim de semana (temos mordomias muito simpáticas que nos tornam reizinhos: acabamos por escolher as refeições a gosto, pasme-se!... ele são peitos de rolo em espetada, ele é a feijoada de javali, ele é o leitãozinho tostado, ele á a barracuda sumarenta - esta o Comandante traz de Buba) até à estrada alcatroada que vem de Bissau, passa por Safim, Nhacra, Dugal, Uaque, e prossegue por aí fora, para leste, norte e sul – esta estrada tem o condão de ir para todo o lado, vede bem: Mansoa, Mansabá, Bissorã, Olossato, Farim; e Bafatá, Gabú (nova Lamego, antigamente), e para baixo: Bambadinca, Xitole, Saltinho, Catió, com bifurcações para Fulacunda…que sei eu?! (Já sei: não falei em muitas tabancas que o Albano, o Humberto, o Marques, o Luís e tantos que tanto gostariam que eu referisse!)

Guiné-Bissau > 2006 > Bolanha com arroz

© Paulo Salgado (2006)








Guiné-Bissau > Olossato > 2006 > A boleia, ontem como hoje...

© Paulo Salgado (2006)

No Olossato (70-71), as redondezas eu conheci bem, acreditai: lá estão, agora revigoradas, pois no tempo da guerra tudo fora abandonado ao seu derredor: Cansonco, Missirá, Fajonquito, Iracunda, Ionfarim, Maqué. Essas eu as vi queimadas, arrasadas, isoladas – quando passávamos em patrulhamentos, era só restos de paliçadas, terras e hortas incultas... e as viagens eram de boleia nas viaturas.

Guiné-Bissau > Olossato > 2006 > A tabanca de Olossato...

© Paulo Salgado (2006)


Hoje, Camaradas, mais ou menos intensamente, vivem lá pessoas, há cultivo, há cajus, bananas, feijão, mandioca, batata doce, e arroz nalgumas bolanhas.




Guiné-Bissau > Olossato > 2006 > Os menininos de Olossato...

© Paulo Salgado (2006)


Hoje, ao fim de tarde, no troço desta picada faz-se tarde e todos sabem que a noite está aí, negra: o rapazio, ao som dos últimos assobios em toscos mas belos instrumentos de lama fabricados, empurra as vacas para o redil junto das tabancas, as mulheres recolhem as crianças e as galinhas, o Pansau acaba de entaipar as entradas da casa que planificou e construiu (tenho o filme de meses de trabalho) para evitar a devassa enquanto não tiver o telhado feito de cibes, e o capim respectivo, uma mulher puxa o último balde do fundo do poço para prevenir uma noite longa, o Martinho já passou por mim há uns minutos com meia dúzia de peixes que apanhou na armadilha de um riacho que enche na maré cheia, uma mulher nova com os filhos às costas troca um chau comigo e logo dois meninos: chau

Guiné-Bissau > Uaque > 2006 > Balantas em actividade piscatória...

© Paulo Salgado (2006)






Já cai o crepúsculo e eu caminho devagar saboreando o resto do dia quase noite, tranquilo nas pequenas actividades, sereno no silêncio entrecortado pelos piares das aves nocturnas.

Guiné-Bissau > Uaque > 2006 > Uma mulher na labuta do campo ...

© Paulo Salgado (2006)


Caminho devagar, a memória empurrando-me para trinta e tantos anos atrás, para aquele tempo em que não se podia sair e ver a vida tranquila – o arame farpado era a fronteira, nítida, sempre presente! Que sorte a minha: estar ali, andando lentamente, saboreando o passado e vendendo-o a mim próprio por uma migalha: toma, tens aí o que gostarias de ver no teu Olossato, anos atrás: uma vida simples, em que os homens pudessem trabalhar a bolanha em paz, em que as mulheres catassem o feijão e os meninos fossem livres nos seus sorrisos e brincadeira campos afora!!!

Guiné-Bissau > Uaque > 2006 > A cadonga...

© Paulo Salgado (2006)

Olha: aqui, até podes verificar que as coisas não estão bem, mas os meninos correm pelos campos, as candongas e jeeps e camiões fogem pelas estradas, os balantas fazem os seus roncos nocturnos e caminham plenos de pujança (Foto: balantas), os homens constroem as casas junto das casas dos seus familiares.

Olha: aqui, até pode haver analfabetismo, saúde precaríssima, mas há outras coisas – aquelas coisas que a liberdade dá e que o arame farpado tirava.

Olha e vê bem: caminhas por esta picada batida, de terra vermelha. Tranquilo. E um dos guardas (o outro faz a última reza a Alá) do pequeno hotel de caça saúda-te com um sorriso amplo, os dentes branqueando:
- Foste passear, Sr. Paulo?! - Eu aceno-lhe debaixo da quase escuridão:
- Boa noite, amigo!

Entro no campo do parque, sereno e reconfortado; este reencontro com o passado e a certeza que um dia será melhor para os meus amigos guineenses faz-me bem. Sei que os homens podem fazer mais e muito mais. Mas nunca se fará nada em tempo de guerra ou de guerras.

A picada avermelhada, agora enegrecida pela noite, ficou para trás.

Paulo Salgado

Uaque, 23 de Janeiro de 2006

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Guiné 63/74 - P436: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (9): História e estórias

Guiné-Bissau > Xime > 2006 > Antigos tropas ao serviço dos tugas... Onde está a verdade do colaboraccionismo dos guinéus ? Onde ficou a mentira da missão civilizacional dos tugas ? Que diria hoje Amílcar Cabral, se fosse vivo, dos seus guerrilheiros que estão no poder ?
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)


Texto do Paulo Salgado:


Camaradas e Amigos:

Tenho andado muito ocupado com o trabalho. O meu bombolom ainda não tocou neste ano da graça (ou da desgraça?) de 2006. Há-de tocar e acerca do que está epigrafado.

Quero dizer-vos, companheiros de uma jornada que está gravada nas nossas cabeças (alguns nem sequer querem tocar no assunto, não esqueçais!), que foi a que fizemos durante quase dois anos (alguns mais, pois eram mal comportados), quero dizer-vos - escrevia - duas coisas muito simples e que para mim fazem muito sentido:

Primeira: aquela foi uma guerra feita de retalhos, de bocados, de solavancos, de conhecimentos muito parciais da realidade global, de ignorância do que se passava noutros pontos da retalhada Guiné. Por isso, a História, a fazer ou a construir, tem que basear-se em factos parciais, parcelarmente conhecidos e narrados com fidelidade ao que se passou. E quem a fizer, se não for um profundo admirador da Verdade (como se defende - e bem - nas palavras do Mário Dias), mas antes um oportunista amigo dos tostões que caem de editoras empenhadas em vender milhares de livros, então nunca se fará História. Será uma História inimiga da Verdade.

Guiné-Bissau > Xime > 2006 > Restos do cais por onde se entrava e saía da Zona Leste...
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)

Guiné-Bissau > Xime > Ponte de Taliuará (?) > 2006 > É que é que esta imagem pode contribuir para a construção da História da Guerra Colonial na Guiné (Paulo Salgado) ?
© Domingos Fonseca / AD - Acção para o Desenvolvimento (2006)
Segunda: Pedaços de estórias vividas por nós, em grupo, podem ser contadas de maneira diferente. Por vezes enviezada, não por sobranceria, não por melhor conhecer os factos, mas pela simples razão de que foram observadas em situações algo distintas mesmo que vividas simultaneamente: será aquilo a que poderíamos chamar o engajamento psicológico face a uma determinada situação. Poderia contar um caso que aconteceu com dois grupos de combate em acção conjunta (sob o comamdo do comandante de companhia), um dos quais comandado por mim, e que fazia a protecção ao outro que executou um golpe de mão (não interessa se teve êxito ou não...).

Pois bem: ainda num recente almoço de confraternização, reparei que aguns camaradas (valentes e amigos, claro) acusavam o grupo que eu comandava de que terá havido negligência na cobertura da sua retirada. Eu limitei-me a sorrir, apesar de o MM tentar contar as coisas de outra maneira - afinal aquela que nós pensávamos ser a verdadeira e que parece ainda hoje - porque estávamos em posições diferentes no mato, porque os turras também sabiam actuar, etc.

Na verdade, a acusação era a de que deixámos passar o IN para ir ter com eles e fazer fogo, o que aconteceu, de facto; ao que nós ripostámos: nada disso é verdade, o IN preferiu atacar o grupos que se retirava e ná se mostrou ao grupo que fazia a protecção...coiasas de táctica...que eles conheciam bem...

Como vedes, esta estória pôde ser contada pelo menos de duas maneiras. Por isso, tenho alguma relutância em falar da História, preferindo contar pedaços vividos: nas casernas, nos patrulhamentos, nas emboscadas, nos contactos com a população, na ternura dos olhos sorridentes dos meninos e meninas, no encanto das bajudas, nas conversas com os homens grandes, na chegada do avião com as cartas e aerogramas, nas batucadas, nas fugas para as valas - e no que isso trouxe de engrandecimento ou de empobrecimento, de solidariedade ou de desconfiança, de amizade ou de reacção negativa. Aí, de certeza, que estaremos de acordo.

O que não poderemos nunca, Amigos, é deixar-nos entusiasmar pelos nossos sucessos, nem permitir que construam uma História falsa. Nunca. Por isso, creio bem, só quem estiver preparado cientificamente, e tiver sabido contar o que viveu localmente, ou saber interpretar o que foi contado, merece trabalhar na construção da História da Guerra Colonial na Guiné.

Viva a verdade dos factos.

Bissau, Paulo Salgado

sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P384: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (8): novos tertulianos

Guiné > Olossato > 1972 (?) > O Alferes miliciano Salgado (em cima do capô da GTMC) e o primeiro cabo Marques (sentado na roda sobresselente), da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), e cujo comandante era o capitão de cavalaria Mário Tomé.

© Paulo Salgado (2005)

Embora de férias (natalícias) em Vila Nova de Gaia, o Paulo não deixa de enviar, através do seu 'bombolom', notícias para a nossa tertúlia. Aqui vão:

Camaradas e Amigos,

Hoje tenho duas notícias para vos dar:

Primeira: o Rocha Lobo esteve na Guiné entre 71 e 73. Vive em Guimarães e convidei-o a entrar na tertúlia. Cacine foi o seu aquartelamento. Ficou contente por haver um blogue. Espero que ele venha ter connosco... por isso o convidei (Luís, tem paciência...).

Segunda: Recebi uma carta do Moura Marques - primeiro cabo que eu promovi no IAO, em Santa Margarida - escolha acertadíssima. Um grande homem, um grande camarada...é um dos meus amigos verdadeiros, profundamente humano e camaradão.O que é que ele me dizia? Pois bem: vou recebê-lo em Bissau no dia 24 de Fevereiro. E vou recebê-lo como um príncipe, um verdadeiro "Jacinto" (lembram-se de "A Cidade e as Serras", do Eça de Queirós...!)

Vai uma foto em que estamos vários numa ida à lenha. É Moura Marques o que está no ponto mais alto, em cima da rodada da GMC com a arma "apontada" ao alferes (eu próprio).

Honra ao meu amigo, vai estar comigo em Bissau, iremos ao Olossato, passando por Nhacra, Dugal, Mansoa, Bissorã, Maqué. Recordaremos juntos o passado para compreeendermos o presente e melhorarmos (no que pudermos) o futuro...

Para o Rocha Lobo e para o Moura Marques (este não tem internet) espero o vosso
aplauso.

Paulo Salgado

PS - Luís, mais uma vez a tua paciência...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P320: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' de Paulo Salgado) (7): Suleiman Seidi

Camaradas e Amigos!

Desculpai-me todos! Ainda não comecei o segundo capítulo das estórias que desejo narrar - o primeiro diria respeito à chegada de quatro cooperantes na área da Saúde, e estadia de um ano, pelo menos (já deviamos ter juízo na cabeça para andar nestas andanças, pois já passámos ou estamos a passar os 60!).

Nem é hoje que vou começar... porque...

Sinto-me triste, muito triste. A morte do Suleiman Seidi, meu irmão, meu amigo, comandante de milícia, lá no Olossato (1), aconteceu. Foi um pedaço de mim que me fugiu.

Da última vez que o vi, em Abril, foi ao virar a esquina de um alpendre do Hospital Simão Mendes: vinha acompanhado de um dos filhos, muito abatido. Esteve internado. Fiz o que pude (terei feito?) mas melhorou muito e até tirámos uma foto (foi a última...).

Lá no caminho de Bissancage (quem conhece este trilho, quem se lembra dele, bem poucos certamente), empurrou-me para o chão quando vislumbrou, bem perto, o IN (seis elementos que dispararam tiros de rajada sobre a nossa fila de pirilau). Salvou-me a vida. De outra vez: na marcha pela mata, parou, porque roçou com um dos pés uma mina anti-pessoal em pleno mato. Poderia ser eu a pisá-la, pois vinha a seguir. Salvou-me.

Foram o seu carinho, a sua amizade, o seu zelo, e, agora, o seu contentamento brilhando nos olhos envelhecidos,por me rever, que me marcaram. Chorei porque perdi um irmão, acreditai.

Ainda ouço o martelar das suas palavras - já perdido de saúde e ainda pensando como antigamente:
- Alferes Salgado, leva-me para Portugal! - Como se eu fosse a sua tábua de salvação!

Que Alá te dê um bom descanso, meu Irmão!

Luís Graça, mais uma vez, desculpa. Põe lá esta mensagem, se achares bem.

Paulo Salgado
______

(1) O Olossato fica entre Bissorã e Farim, na região do Óio.

sábado, 3 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P315: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (6): HN Simão Mendes

Bissau > Hospital Nacional Simão Mendes > Paulo Salgado, integrado numa equipa de cooperantes. Infelizmente, o seu PC portátil não apareceu e a nossa tertúlia ressente-se disso... © Paulo Salgado (2005)


Meu Caro Luís!

Conclusão apressada. Gostaria de ter contado estórias belas que aconteceram aqui no HNSM [Hospital Nacional Simão Mendes] (este hospital, como escreve o Jorge nem parece um hospital; mas estão lá doentes; às vezes em condições miseráveis, e lá trabalham pessoas, umas que trabalham e outras que fazem que trabalham... como me interessa o que é positivo, o que é bom, então o feio, o maldito, o negativo, eu os esqueço e então tentamos: djitu ten ki ten).

Gostaria de vos falar do Sani, viúvo, adoentado, que passava horas e horas a tratar do saneamento e limpeza na zona da cólera (um dia destes morre e não se sabe a razão); gostaria de vos falar do amor do motorista guineense malandro e da engenheira italiana dos Médicos Sem Fronteiras que se enamoraram (quem sabe se um dia lá em Itália não nasce um mulatinho!). Gostaria de vos falar do entusiasmo dos bons profissonais que querem mudar a face de segmentos do Hospital: o Carlitos, o Armando e o velho técnico Armindo do RX que gosta dos portugueses com quem trabalhou e que fica aflito com as propostas que o Carlitos (financeiro) e a Conceição (do grupo dos quatro que aqui vão estar durante um ano) apresentam para mudar as rotinas do serviço de RX.

Gostaria de vos falar dos dois velhotes engajados neste projecto, Eng.º João Faria e Dr. Vítor Seabra, que suam as camisas três vezes ao dia. Gostaria de vos falar da menina N'nha (que trouxemos de Portugal onde o Prof. Horácio a operou a uma mão queimada (fez-me lembrar a bela história da bajudinha
Catotinha) que nos vem visitar e que não nos larga.

Gostaria de vos falar do serviço (!!!) de estomatologia que tem um técnico que aprendeu quatro anos em Cuba a arte de arrancar dentes e o que o faz, com muito carinho, quase inexplicavelmente, pelos materiais que usa, pois mais parece um conjunto de ferros que lava e põe num autoclave mal funcionante e ferrugento.

Gostaria de vos mostrar imensas fotos de meninos de Uaque que fabricam os assobios (está la na foto que veio no blogue) e fazer-nos pensar a todos que os nossos filhos e netos só pensam nas playstations). Enfim muita coisa ficou por vos contar. Desgraçadamente, o computador não apareceu...e tanto traballho que tive que refazer ou mesmo reformular.

Conclusão quente. Quentes são estes dias(desde as onze até às cinco). O movimento não pára: desde o Hotel de Bissau (à saída de Bissalanca) até à mãe de água (por detras lá está o Palácio do Povo, quer dizer a Assembleia Nacional Popular construída pelos chineses.. toca-toca, taxis, transportes mistos, jeeps grandes, poderosos, e pessoas num vai-vai que não acaba (para onde vão?). No Hospital, quentes são os dias e noites para as parturientes que vão parindo às três de cada vez.

Conclusão húmida. Húmidas as noites. Começam agora a ser mais frescas. Fazem-me lembrar as muitas estórias que os camarigos contam, e, especialmente, as que eu vivi em Olossato. Mas estas pertencem ao passado que desejo revisitar e fazer relembrar mas sempre pensando que do passado se tiram lições.

Conclusão conclusão: Estamos a chegar ao Natal. Que natal poderámos nós dar - em qualquer momento do ano - às crianças da pediatria (do serviço de Pediatria)?
Mas um momento belo: vede a canoa navegando, com jovem ao leme, no canal do rio Geba em direcção ao rio Mansoa.

Meu caro Luís. Arruma as três fotos como tu sabes fazer. Mas que seguem pelo outro endereço... Até logo, até sempre. Um abraço a todos os camaradas.

Paulo Salgado

terça-feira, 29 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P303: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (5): para onde?

Post nº 322 (CCCXXII)
O Jorge Neto, a caminho da pátria, desta vez, de piroga... Espera-se que ainda chegue a tempo de comer o bacalhau com pencas do Natal de 2005.

© Jorge Neto (2005) :

1. Há dias perguntei ao Jorge Neto, autor do melhor blogue sobre a Guiné, o Africanidades:

"Tens sabido do Paulo Salgado ? Estou a estranhar o silêncio dele... Roubaram-lhe o portátil, deixou de dar notícias... Ele está no Hospital Simão Mendes. Vê se o topas. Não sei se o conheces pessoalmente. É um tipo fixe".

Respondeu-lhe o nosso corresponente em Bissau:

"Olá Luís, o Paulo Salgado mora mesmo ao meu lado, no Bairro da Cooperação, onde resido por inerência da minha esposa. Ele queixa-se que anda com muito trabalho e eu acredito, porque conheço o [Hospital]Simão Mendes e sei que de hospital tem muito pouco. Espero que eles o ajudem a endireitar.

"Aproveito para dar uma sugestão. O manancial de informação que vai sendo publicado no Blogue-fora-nada daqui a mais dá para fazer um livrinho (livrão!). Que tal começarmos a pensar na ideia? Leitores não hão-de faltar e as receitas das vendas podiam ser investidas num projecto (daqueles credíveis) que se encontre aqui pela Guiné. Vocês têm os textos e as fotos do antes. Eu ofereço-me para oferecer as do depois. Está lançada a ideia".

Comentário de L.G.: Vamos vender a ideia aos nossos amigos e camaradas de tertúlia. Vamos ver se há mercado para um livro destes. Mas, para já, o meu muito obrigado pela tua dispoonibilidade e generosidade. Tenho adorado as tuas fotos e os escritos. De vez em quando, vou lá roubar-te uma "chapa"...


2. Hoje fiquei mais tranquilo ao receber notícias do próprio Paulo Salgado (e do resto ou de parte da equipa: a Conceição, o Jorge Leal).

Ele mandou-me um poema e umas fotos recentes. Uma de cada vez, que o trágefo para aquelas bandas ainda não conhece as velocidades do nosso ADSL...

Que bom saber notícias dos nossos amigos que estão em Bissau!... Um grande abraço para todos eles, e o nosso muito obrigado pelas fotos que enriquecem o nosso album e que iremos divulgando no blogue.
Guiné-Bissau > Uaque > Novembro de 2005

© Paulo Salgado e Jorge Leal (2005)


3. Texto do Paulo Salgado

Camaradas e Amigos

O Bombolom [do Paulo Salgado] não se calou! Podeis ter a certeza. Reinicio com um poema simples, dedicado ao Povo da Guiné. Mas há tantos e belos e profundos poemas que foram e são escritos por Poetas, grandes Poetas desta Terra.


Para onde?

Para onde vai a picada batida,
avermelhada,
crestada?

Para onde vão as crianças
brincando
sorridentes?

Para onde vão as mulheres
caminhando,
desassossegando?

Para onde vão os homens
cavando,
desbravando?

Povo deste País
– qual o teu futuro?
Povo deste País
- por que ainda sorris?

Paulo Salgado
Bissau, 27 de Novembro de 2005


Guiné- Bissau > Uaque > A picada de terra vermelha...

© Paulo Salgado e Jorge Leal (2005 )

sábado, 5 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P251: Crónicas de Bissau ou o 'bombolom' do Paulo Salgado (4)

"Meada? Meada é esta de se morrer desfeito em diarreias coléricas num alpendre qualquer sob o olhar de jovens médecins sans frontières ou de médicos do mundo ou de simples cooperantes que por ali andam tentando minimizar essas mortes sofridas até ao desfazer das entranhas"... Ou que Alá nos proteja neste dia final do Ramadã!

© Paulo Salgado (2005)

Camaradas e Amigos:

... Luís, sempre tu a (re)fazeres as coisas!... (Gostaria de começar outro capítulo, mas nem sei como fazer…)

1. Uma espécie de alquimia transbordante de poções mágicas que inebriam os tomadores de drogas.

Um mar de imaginações transformadas em caracteres bíticos que transmudam a forma ancestral da escrita como instrumento de manibus escribendi que os nossos pais e avós cuidadosa e aplicadamente tratavam nas belas cartas ou nas doces quadras ou sextetos esotéricos.

Uma torrente prenhe de conquistas espaciais e temporais, longínquas ou próximas, cinzentas ou coloridas, apaixonadas ou neutras: de rios vertendo-se nos mares, de montanhas erguendo-se aos céus, de planuras infindáveis, de árvores tradicionais (ou simplesmente árvores), de flores de mil cores, de animais, de aldeias, de monumentos, de homens pretos e brancos e amarelos num só amplexo, de crianças correndo!

Um sistema dotado de mil perplexidades e de contrastes e de sentimentos contraditórios, de amor e ódio, de riqueza e de penúria, de prazer e de sorrisos, e de doença e de morte!

Uma montra de figuras variadas, multímodas, díspares, históricas e a-históricas.

Eis um computador.

Feito de botões, de milhares de bytes (é isto?) em esquemas e sistemas, de ferramentas, de aplicativos, de software; mas construído: lá onde moram poemas simples, estórias simples, mensagens simples, fotos simples, amigos simples que quiseram ler essas coisas simples – lá onde tudo se registou, meus Caros; talvez tenha sido, essa pequena máquina, reformatada em vilipêndio violento, por mãos que anseiam uns míseros francos desta parte da África. Como em todo o lado, de resto.

É assim, meus caros – paga-se caro um ligeiro descuido!

És tu, meu caro Luís, tu, um fazedor crítico bondoso de poéticos blogues, tu, um receptor e retransmissor de ansiosas e ansiadas notícias, és tu que farás o favor de me enviar as partes de um capítulo inacabado (porque uma parte desse capítulo não chegou – a maldita Internet nesses malfadados dias também não funcionava…) para que seja retomado o fio de uma meada.

2. Meada? Meada é esta coisa que não se compreende nos homens que brincam com os outros homens.

Meada? Meada é esta de haver guerras em tantas partes do mundo, onde as crianças lançam sorrisos contra os canos das espingardas e onde as mulheres gritam por um pouco de pão para darem leite aos filhos e onde os velhos se escondem, quem sabe, por detrás da última cachimbada.

Meada? Meada é esta má sorte, este desnorte de seres que só querem uns míseros patacos para o arroz e peixe.

Meada? Meada é esta de se morrer desfeito em diarreias coléricas num alpendre qualquer sob o olhar de jovens médecins sans frontières ou de médicos do mundo ou de simples cooperantes que por ali andam tentando minimizar essas mortes sofridas até ao desfazer das entranhas.

3. Mas. Das entranhas mais profundas nasce a beleza de alma de jovens e velhos, de brancos e pretos, que, diariamente, sofrem o cheiro que vem das latrinas misturado com a creolina e a lixívia, e que, horas a fio, apoiam, lavam, desinfectam, buscam soluções em frascos de soros – num cansaço visível provocado por semanas desconsoladas.

Que os Deuses nos ajudem. Que Alá nos proteja neste dia final do Ramadã!

Mantenhas pa tudus

Paulo Salgado. aos 4 dias de Novembro de 2005.

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P248: Não é um pequeno delinquente qualquer que silencia o 'bombolom' do Paulo Salgado

Amigos e camaradas:

Más notícias nos chegam de Bissau: (i) As que têm a ver com os jogos de poder, nada com que a gente, infelizmente, não contasse já; e (ii) as que têm a ver com os nossos amigos. Neste caso, e mais concretamente, o Paulo Salgado.

A verdade é que quiseram silenciar o 'bombolom' do Paulo. Eu, de facto, já a estava a estranhar o silêncio dele. E já tinha saudades do seu 'bombolom' de Bissau. Afinal de contas, ele esteve sem internet nestes últimos dias (o que parece ser tão trivial em Bissau como a cólera que escandalosamente continua os guineenses). E depois, para cúmulo do azar, roubaram-lhe o PC. Eu imagino a frustação e a raiva do Paulo. Hoje o PC já faz parte do nosso corpo. Somos biónicos. O PC é uma extensão dos nossos membros, superiores, das nossas mãos, dos nossos dedos, dos nossos sentidos (a visão, o ouvido) e, por fim, do nosso próprio cérebro.

Espero, ao mesmo, que o Paulo tenha cópias de segurança dos seus dados... Como homem experiente na cooperação, ele sabe que os assaltos a residências ou a viaturas e o roubo de equipamentos é uma coisa trivial em África, para falar apenas da chamada pequena criminalidade... Mas é sempre uma experiência stressante, mesmo quando temos os bens segurados... Não é tanto o valor material do PC (mesmo assim considerável) como sobretudo a perda (muitas vezes, irreparável) de ficheiros de dados, que representam muitos meses ou até anos de trabalho...

Não sei, Paulo, como manifestar-te a minha solidariedade... Mas o melhor que consigo neste momento é confiar na tua capacidade de 'dar a volta' a estas contrariedades: tu, mais a Conceição e o resto da equipagem... Estamos contigo, não desanimes, tens outros embates muito maiores pela frente... Por favor, não deixes que te calem o 'bombolom'! Aquele abraço, camarada!

Luís Graça

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P227: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3)

Texto do Paulo Salgado.

Créditos fotográficos:

© Paulo Salgado e João Faria (2005)


Legenda: Clube de Caça, no Saltinho:
Na foto, recordações das tropas portugueses.
Ao centro é visível (na foto original) o brazão
da CCAÇ 2406 (1968/70) e a frase: "Sacrifícios
não contámos" (1)


Continuação do Capítulo I - Viagem ao Saltinho:


Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial).

As fotos falarão por si. Apenas alguns comentários:

a) Em Bambadinca, apenas uma foto ao antigo aquartelamento, e tirada à socapa... É que o sargento de dia (ele estava ali, mas o que dizer do abandono das instalações se estão em uso?) só permitia com autorização do capitão...

Confesso que não estava virado para cerimónias e explicações e salamaleques;

Legenda:

Bambadinca, antigo aquartelamento
das tropas portuguesas. Por aqui andaram, entre
outros, a malta da CCAÇ 12 (1969/71), do BCAÇ
2852 (1968/70), do BART 2917 (1970/1972), do BART 3873 (1972/74)... Por aqui passaram milhares de homens e toneladas de material de guerra, vindos de Bissau, em LDG, pelo Rio Geba, depois de desembarcados no Xime, com destino aos diversos aquartelamentos da Zona Leste (Bafatá, Nova Lamego....). L.G.


b) Depois a picada antiga de Xitole. Entrámos na tabanca... Será que os camaradas que por ali andaram ainda a reconhecem pela foto?

Na verdade, agora, ao lado, há uma boa estrada asfaltada, todavia com troços horrorosos (mas sem emboscadas, a não ser furos e semi-eixos danificados)...

Legenda: A caminho do Xitole, onde entre outros esteve o nosso grande amigo e fiel tertuliano Guimarães (CART 2716, 1970/72)


Legenda: Aspecto parcelar da povoação do Xitole.














c) Depois a delícia da correnteza das águas naquele oásis... E no Saltinho lá estão os símbolos de algumas companhias que por ali passaram. O fortim que dominava, num pequeno outeiro, a estrada e a ponte inaugurada pelo Gen Craveiro Lopes em 1957 (!), está transformado em clube de caça que muitos antigos militares já visitaram. Na verdade, é agora, e já então - por que não? - um local paradisíaco... E lá comemos a famosa galinha à cafreela , como lhe chamam…


Legenda:

A velha ponte do Rio Corubal, no Saltinho, a caminho do meio século de existência,
lá continua de pé, "de pedra e cal"... LG









Legenda: Ponte e rápidos do Saltinho no Rio Corubal. Uma paisagem sempre deslumbrante,
um dos pontos mais turísticos da Guiné-Bissau. LG.

Bissau, 15 de Outubro de 2005

Mantenhas pa tudus.

Paulo Salgado



PS - Oh, Luís, tem lá paciência, arruma o texto no blogue como tu sabes fazer tão bem (prometo-te, desde já, uma prenda bonita... quando for aí no Natal…!)

E já agora: o teu herói! Debaixo de um qualquer poilão, bem direito, e frondoso, onde pararei um dia destes, pensarei nele (2) e rogarei aos deuses todos que aquela e outras sementes mortas (nossas e deles) possam fazer frutificar a PAZ neste PAÍS. Aceita aquele abraço.

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Notas de L.G.:

(1) Esta companhia pertencia, em 1969, ao Sector de Bambadinca (BCAÇ 2852, 1968/70), tendo participado na Op Lança Afiada (3), com 2 Grupos de Combate, tal como a sacrificada CCAÇ 2405 (Galomaro) que, em 5 de Fevereiro desse ano, tinha perdido 17 homens no desastre da travessia do Rio Corubal, em Cheche, na sequência da retirada de Madina do Boé.

(2)Vd. post de 14 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau

(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII: Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

Meus caros Paulo, Conceição e João (Faria): Não sei o que vos dizer. As vossas notas e fotos enchem-nos de alegria. Transmitam aos vossos companheiros os nossos senimentos de admiração e de agradecimento. Noutra altura falaremos do outro tema abordado pelo Paulo, comentando uma proposta do João Tunes que ainda não inseri no blogue: a cooperação (ou caridade ? ou negócio ?), e mais concreamente o apoio a crianças em idade escolar, através da figura do "padrinho" e da tutela de ONG como a AD (Bissau), fundada e dirigida pelo Carlos Scharwz.

Ainda em relação à vossa viagem ao Saltinho, satisfaçam-me a minha curiosidade: (i) Quantas horas leva o percurso de Bissau ao Saltinho (350 km), tendo em conta o estado do piso ?; (ii) Há postos de abastecimento de combustível ? (iii) Como está a vida nos campos ?; (iv) As antigas tabancas destruídas ou abandonadas durante a guerra (por ex., Moricanhe, junto a Mansambo) foram reconstruídas ? Enfim, curiosidade do potencial turista e sobretudo do sociólogo e amigo da Guiné. Um ciberabraço para todos vocês, incluindo os periquitos da vossa equipa.

quinta-feira, 13 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P219: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)

Guiné > Olossato > CCAV 2712 (1970/72) > Um patrulhamento "à maneira" © Paulo Salgado (2005)

Texto do Paulo Salgado (i) que vive em Bissau, (ii) e que descobriu que é vizinho do Jorge Neto no Bairro da Cooperação, (iii) e que estranha o silêncio do Humberto Reis (eu acho que ele está é no bem-bom duma estância de turismo em Cabo Verde), (iv) e que por fim submete à aprovação da tertúlia a admissão da Paula Salgado, sua filha, mais guineia que muito guinéu...

Eu cá, por mim, terei muita honra em apadrinhar a nova tertuliana, a nossa doutoranda Paula, mas aqui quem mais ordena é o colectivo dos tertulianos: no nosso tempo as mulheres não entravam nas casernas, mas isso foi no século passado... Bom, não quero influenciar o resultado da consulta tertuliana. Limito-me a dar a minha opinião. E já agora, cá para mim não entrava só uma camariga, entravam duas, a filha e a mãe, neste caso a Maria da Conceição, a mulher do Paulo... Mais: respeito o silêncio (ou o pudor) do Paulo que tem uma cópia da história da companhia dele mas que não quer escarrapachá-la aqui no blogue, assim, sem mais nem menos, as folhas todas abertas... Respoeito e concordo, desde que o bombolom do Paulo vá trazendo notícias e estórias da Guiné-Bissau de ontem e de hoje. Hoje publica-se, a seguir, "mais uma parte do Capítulo I". Até à próxima Paulo e Maria, gente de cepa rija, que não desanima facilmente com o macaréu da desgraça... LG
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Camaradas e Amigos (aqui incluo a minha filha Paula Salgado – a camariga que vive em Oxford e que adora ouvir as histórias e as estórias do velhote - camariga que só o será com a licença de vossas mercês, pois ela fez aqui o 11.º ano e papia kriolo diritu i tene amigus manga deli).

Ele é a sina de conduzir os periquitos (designação que se dava às companhias que chegavam da metróple à Guiné – e os velhinhos até cantavam: Periquito vai pró mato, a velhice vai pra Bissau; bem se compreende o desaforo: os novos que gramassem!). E vai-se a Quinhamel, a Uaque, ao Saltinho, conhece-se o rio no cais do Pidjiguiti, são os colegas que chegam do Porto para colaborar no Projecto.

Ele é o corre-corre no campus hospitalar à procura não sei de que solução para tantos problemas, tantos que as gentes já passam indiferentes ao sofrimento, tenha ele a feição e a forma e a dimensão que tiverem: a cólera, a malária, a elevada taxa de mortalidade infantil e maternal… E coisas mais simples como o gerador que avariou e … não há luz nem água para enfermarias, nem PC que registe, nem a fresquidão de ventoínhas e de ares condicionados onde os há, e lá se vão, estragados, os parcos reagentes do laboratório de análises clínicas (35 horas sem luz é muita hora!), e as intervenções marcadas que ficaram no papel (até foi necessário transportar de longe água para desinfecção e dar ao doentes da cólera). Isto só visto, camarigos!

No Olossato, os frigoríficos a petróleo ou a electricidade do geradorzinho aguentavam lindamente… Alguns camaradas até tinham ventoínhas que colocavam no cimo da cabeceira, seguras na parede, para refresco de suores quentes - adivinham-se quais - ou frios, estes devidos a saída iminente para o mato, ali para Manacá, ou Amina Dala, ou Iracunda, esta tabanca bem perto do Morès, ver foto de saída bem cedinho e dizei lá se não era à maneira correcta!!!...

Ah!, aquelas ventoinhas pequeninas que nos batiam no corpo sedento de amor, e que, rodopiando, serviam para afastar os insistentes mosquitos que teimosamente zumbiam aos nossos ouvidos – porra, a mim não me deixavam nem sequer fechar os olhos. Aquele geradorzinho até dava para alumiar os campos até 100 metros, e encandeavam as tropas quando regressavam de sortidas nocturnas.

Acho que estas coisas todos vivemos…! Até se conta a estória de um capitão, de que não digo o nome, que se lembrou de apagar os holofotes em momento de ataque e, pasme-se, quando o IN estava a tentar entrar no aquartelamento, foi uma razia nos guerrilheiros ao acenderem-se as luzes. Se tal foi verdade, como ouvi, foi uma emboscada nocturna a preceito...

Mas a sério: quem não se lembra de uma patrulhamento, bem feito? – segue foto



Então não é que o Jorge Neto [nosso tertuliano, autor do blogue Africanidades] vive aqui paredes meias no Bairro da Cooperação, no segundo piso. E esta, enh?!

Para a visita à GB [Guiné-Bissau], para aqueles que quiserem e puderem, vamos começar a trabalhar.

Nota bem: Eu devo confessar-vos uma coisa – tenho a história da companhia [CCAV 2712, comandada pelo capitão Mário Tomé, entre 1970 e 1972]. Parece-me pouco correcto que a traga a terreiro. Mas tentarei traduzi-la, sem romancear, mas recontando-a à minha maneira.

Que me desculpem os historiadores, que me perdoem os puros… mas há coisas que eu não acho oportuno contar, por escrito.

A todos os Camaradas e Amigos muitas mantenhas e com a promessa de que podeis contar comigo porque eu tenho, também, a segurança à retaguarda – ou não é, Humberto?

Bissau, 13 de Outubro de 2005
Paulo Salgado

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P209: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (1)

Guiné-Bissau (2005) > Antigo e actual quartel de Mansoa.

© Jorge & Paulo Salgado (2005)

Texto do Paulo Salgado

Camaradas e Amigos:

Vou tentar relatar (narrar, contar, ficcionar quanto baste) as minhas vivências nesta terceira (ou quarta?) comissão / presença demorada... (Agora estamos numa Missão que é um termo muito divulgado por quem passa aqui curtas ou mais longas estadias em nome de alguém a fazer qualquer coisa – confesso-vos que tenho visto muita coisa mal feitinha).

Mas estou para aqui com um arrozoado inicial que só faz sentido porque estamos entre Camarigos (bolas, saiu!) para vos dizer que gostaria de poder cumprir este desafio. Mas essa promessa só pode ser cumprida quando me der na real gana, quando tiver um tempo solto, quando levantar emboscadas, quando deixarem de me atacar… Ou seja: não é um diário, nem semanário, nem mensário – o que for, seguirá. Mas ao correr da pena.

O Luís Graça dar-lhe-á a forma mais conveniente para ser lido no nosso blogue.


CAPÍTULO I – Viagem

O filho da mãe do Carvalho Araújo fazia a primeira viagem depois de transformado em transportador de carne para canhão – ele era um dos transatlânticos entre Lisboa e Açores: um barquinho, sem quilha, chato, que levava víveres e algumas pessoas e trazia gado, muito gado das ilhas (vós já imaginastes o gado numa quilha?!)

Então os chefões do tempo resolveram fazer plataformas, e pôr o barco plano, no fundo carradas de pedra para o navio se aguentar e equilibrar e nele construíram camaratas, aos montes: era ali que vinha a tropa macaca, jogando cartas, zangando-se, vomitando o pouco que se comia.

Mas, nessa primeira viagem (que a CCAV 2721 e mais duas companhias de que não me lembro o número), o barquinho andou a acertar agulhas nesse dia 4 de Abril de 1970 (nesse dia, anos mais tarde, nasceria a minha filha Paula – a tal que está em Oxford, e que adora esta terra, que é a Guiné-Bissau) desde o Cais de Alcântara até quase Santa Apolónia durante seis horas… E as famílias , rio acima e rio abaixo, a fazerem adeuses com lenços brancos, na esperança de o barco não passar o Bugio – a malta triste, encostada ao convés (que me desculpem os marinheiros se a linguagem não está correcta) também triste.


Desta vez, adivinhais quem estava: o Humberto. O malandro emboscou-me à entrada da porta / gate 18 - embarque para Bissau. Lá estava, apanhou-me. E demos aquele abraço. Descobriu-me, porque levava uma miúda e a minha mulher.

Que sorriso aberto, o do Humberto! Que delicioso encontro (ou reencontro?), não esquecerei! Aliás, oh Humberto, fiquei com a sensação de que te conhecia, que nos cruzáramos antes… ou já será a minha senilidade?!? Mas, olha que eu tenho uma memória visual muito boa… Foi giro estares ali, abraçares-me, com uma mão cheia de amizade e de carinho, e dares-me o teu cartão…

O pior foi à chegada. A miúda já não me queria largar. Tinha sido bem tratada no Hospital de Gaia e de Santo António – foi o bom e o bonito! Valham-me os deuses todos, quase chorei ao ver a criança cair, obrigada, nos braços dos pais. Aliás, confesso-vos: vou passar um mau bocado. Estas coisas dão-me volta ao coração. A Maria da Conceição [Salgado] e o Jorge (magnífico e exemplar colaborador, tiro-lhe o meu chapéu) ficaram mesmo chocados! Pudera!

No Olossato, a malta dizia que eu iria meter o Chico. Eu era, de facto, um bocado disciplinado e gostava das coisas direitas. Em Lamego, nos 'rangers' aprendera muito sobre a maneira de andar na mata, a sobrevivência, a disciplina. Pois não meti o Chico e, penso, à distância: como eles se enganavam… eu até já tinha uma profissão: professor primário.

A seguir, foi o que vos tinha dito: primeiro umas gorjetas para facilitar a saída (sempre ajuda para o peixe), os putos, os acotovelanços, o motorista João. E logo a seguir pousar as coisas no Bairro da Cooperação, ir ao Hospital, ao Laboratório com o Jorge (técnico de análises clínicas que veio também para fazer a manutenção dos equipamentos).

Primeiro a obrigação e depois a D. Berta – a Instituição D. Berta, a Pensão Central (merecerá um capítulo bem à parte), onde almoçámos e bebemos as primeiras poderosas Cristal (termo que aprendi com um médico moçambicano que esteve aqui no Projecto…e como foram dias porreiros com esse gajo…)... Estavam poderosamente geladinhas!

No sábado fui visitar alguns funcionários no [Hospital] Simão Mendes – a puta da cólera lá está. Não está só nos jornais. Está ali, viva, matando…

Deixámos a cerimónia a decorrer no Palácio Colinas do Boé – Assembleia Nacional (os chineses quiseram deixar a marca de palácio), já o discurso do Presidente ia a meio (na rádio ouvíamos a oratória) e era uma boa altura para nos safarmos da confusão de convidados, de amigos - que sei eu? - e saímos, correndo a almoçar a Uaque (perto de Jugudul, perto de Mansoa, onde está o António que dirige um turismo de caça e pesca – é uma hipótese para dar resposta ao apelo de muitos, em especial do João Tunes, em termos de visita a Bissau), demos um salto a Mansoa e o Jorge tirou umas fotos ao actual aquartelamento.

O Jorge Neto tem razão: não se pode tirar fotos à maluca e sem autorização. Tivemos que andar depressa.

Bolanha de Mansoa © Jorge & Paulo Salgado (2005)

Mas, meus Caramigos: vimos a azáfama da plantação do arroz, a ida à pesca, as crianças correndo ou ajudando, um jovem balanta que vinha do trabalho com o seu arado, e pedaços do velho pontão de Mansoa (substituído por uma ponte). E a bolanha, bela, longínqua. Verdíssima, alagadíssima.

Ainda fomos pela picada fora, no finzinho de tarde até ao porto de Encheia, mas a bolanha não deixou a viagem ir até ao fim. Demos boleia à Maria: que sorriso e que simpatia.
- A nós, portugueses (tugas…) – disse eu, num arremedo de crioulo - e ela riu (ainda temos que esclarecer essa de tugas, a coisa não está clara, Amigos e Camaradas).
- A mim na odja ki bos i bom, ki ta patim bolea…- e ficámos satisfeitos com a satisfação da mulher balanta.

Ao fim, mesmo, mais duas fotos (entre muitas) de um pôr de sol com cores amarelas e cinzentas. E passámos Nhacra, Safim e, ao lado, o aeroporto com alguns aviões a partir com os convidados…

Partilhar “isto” com a minha mulher e com o Jorge foi uma lufada de ar fresco.

Dia di dumigu: na diskansa um bukadu; dia di segunda fera nô tem ki pega teso.

Mantenhas pa tudus.
Paulo Salgado.
Bissau, 2 de Outubro de 2005

PS - Seguem fotos em novas mensagens separadas porque a Net funciona aqui à velocidade africana....