(i) António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974; tem 52 referências no nosso blogue]:
Boa tarde Camaradas
Sou o António Duarte, que foi furriel atirador na Ccaç12 ente janeiro e dezembro de 1973.
Sei da recusa da companhia em seguir para o Xime, para substituir a CART 3494. Por azar em março de 73, estava eu em Portugal a gozar as minhas segundas férias e, como tal, deixei a CCAÇ 12 em Bambadinca e encontrei-a já instalada no Xime.
Daquilo que me contaram, nomeadamente o Jioão Candeias da Silva e o António Manuel Sucena Rodrigues, a companhia recusou em seguir para o Xime, alegando transtornos na vida familiar. Não nos podemos esquecer que as praças eram, na esmagadora maioria, muçulmanos, com filhos e alguns com mais de uma mulher.
Por outro lado, a segurança de Bambadinca nada tinha de semelhante com a do Xime.
Segundo parece a companhia formou e o comandante do batalhão [, BART 3893,]explicou o que se pretendia e levou com uma recusa. Parece que os graduados se demarcaram da situação.
Entretanto acabou por chegar o General Spínola que lhes deu a "volta", ameaçando que o chão fula, nestas circunstâncias de recusa, iria ser defendido por uma unidade de outra etnia, suponho balanta. Este facto seria uma vergonha para toda a comunidade fula da CCAÇ 12.
De qualquer forma o Candeias da Silva poderá dar mais detalhes. Infelizmente, e por já nos ter deixado, o Sucena Rodrigues não pode ajudar.
Um abraço para todos e, se me permitem um mais apertado, para o Luís Graça
António Duarte.
13 de dezembro de 2020 às 13:53 (**)
(ii) Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem cerca de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador]:
E interessante a recusa da CCAL 12 mudar de Bambadinca para Xime, alegando transtornos na vida familiar.
No caso da minha CART 11, também de soldados fulas, muçulmanos, com mulheres e filhos, como Companhia de Intervenção com o Comando em Nova Lamego, os quatro Pelotões estavam constantemente a mudar de local de permanência, fazendo reforço a outras Companhia, por exemplo, em Canquelifá, Piche, Pirada, Paunca... E quando se previa maior tempo de permanência fora da base lá seguiam com os soldados as mulheres, filhos e bagagens, para depois regressarem novamente a Nova Lamego.
Inclusive, depois de mais de um ano em Nova Lamego, toda a CART 11 mudou em definitivo para Paunca e não houve nenhum problema quanto a transtornos na vida familiar.
A vida no Xime era diferente de Bambadinca, mas em Piche, Canquelifá, Pirada ou Paunca também o era, e de que maneira, em relação a Nova Lamego.
Coisas da puta da guerra.
Abracelos
Valdemar Queiroz
13 de dezembro de 2020 às 14:59
(iii) Tabanca Grande Luís Graça:
Obrigado, António, pelo tua pronta e esclarecedora resposta. É certo que não estavas lá, em Bambadinca, em março de 1973, mas ouviste o testemunho dos teus camaradas.
Só podia ser essa a razão da recusa: as praças guineenses da CCAÇ 12 tinham as suas razões pessoais, familiares e étnicas para não irem, de bom grado, para o Xime…
Não podia ser por medo: em quatro anos de guerra (duas comissões para a malta metropolitana…) eles já tinham dado sobejas provas de coragem, dedicação, lealdade, apego ao seu chão, e até de portuguesismo…
Quem andou, como eu, com eles no mato, durante ano e meio, no tempo das chuvas e no tempo seco, no mato, em tabancas, em colunas, em destacamentos, etc., do princípio ao fim, sem o mais pequeno problema disciplinar ou humano, sabe do que fala…
E estou a falar da primeira geração, a da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, ou seja, do período que vai de junho de 1969 a março de 1971. Éramos, como sabes, 6 dezenas de graduados e especialistas, oriundos da então “Metrópole”, a que se juntaram, em Contuboel, no CIM, mais 100 recrutas do recrutamento local, fulas e futa-fulas (sem esquecer 2 mandingas; depois começpu a vir, em rendição individual, um ou outro de fora do chão fula, como o Vitor Sampaio, que era mancanha, de Bissau, e um grande “reguila”).
Sim, porque o sangue, começou a correr cedo, e para alguns a guerra depressa acabou… Lembro-me do batismo de fogo, em finais de julho de 1969, em Madina Xaquili, ainda em farda nº 3…
O Valdemar Queiroz, um dos instrutores mais queridos das nossas praças, sabe do que eu falo: deu-lhes a recruta e foi com eles ao juramento de bandeira, em Bissau, na presença de Spínola… E ele sabe bem como a parte deles eram crianças, com 16 anos ou menos...
Claro que o exército não era (nem é) uma democracia… E não havia o hábito de perguntar à malta o que é que queriam para o jantar e muito menos que “resort” turístico preferia…
Os batalhões de Bambadinca (BCAÇ 2852, BART 2917, BART 3873 e, no fim, BCAÇ 4616/73) usavam e usavam das unidades africanas (,milícias, Pel Caç Nat, companhias de caçadores, etc.). Estavam alia à mão, “eram da terra”, eram "pau para a toda a obra"…Até para "abrir valas" !... Resquícios do tempo do "trabalho forçado" ?!
Será que o comando do BART 3873 não olhou para aqueles homens, com quatro anos de guerra (!), e lhes perguntou a opinião ?
Percebo por que é que ninguém queria ir para o Xime (a começar pelos graduados e especialistas “metropolitanos” que, em Bambadinca, estavam no bem-bom, pelo menos em termos hoteleiros…).
Os guineenses estavam, desde meados de 1969, a viver, com as suas famílias, na tabanca de Bambadinca (e, se calhar alguns, em Bambadincazinho, não posso jurar)… O Xime era o desterro, para mais a tabanca era exígua, as instalações militares ainda piores, e a população local era mandinga, com parentes no mato….
Como se sabe, o Xime era o pior aquartelamento do Sector L1 e "embrulhava" com frequência no meu tempo… E, depois, do Xime até ao Corubal era a “terra de ninguém”, palco de frequentes e sangrentos episódios de guerra: bombardeamentos aéreos, barragens de artilharia, e da Marinha, emboscadas, golpes de mão, minas e armadilhas, operações de maior ou menor duração, muitas vezes tendo por guias prisioneiros do PAIGC…Não é por acaso que o Xime tem mais de 400 referências no nosso blogue, contra 200 do Xitole, 340 de Mansambo, 630 de Bambadinca…
Fico-me por aqui. Mas gostaria também de saber a “versão” dos nossos camaradas da CART 3494, como o Jorge Araújo, que muito provavelmente nem se deram conta do “drama” da malta da CCAÇ 12…
De qualquer modo, “tudo está bem quando acaba em bem”… O Caco Baldé (, alcunha do gen Spínola, entre carimhosa e sarcástica), geriu o conflito, utilizando a velha técnica dos cabos de guerra coloniais, ou seja, dividir para reinar… Claro que a caixinha de Pandora dos ódios étnicos teria que vir ao de cima, depois da independência…
O que vai ficar para história é que Spínola criou expetativas demasiados altas para os fulas e outras etnias como os manjacos... O caso dos fulas foi paradigmático: morreram pelo seu "chão" e pela "pátria portuguesa", e quando os portugueses se foram embora, a única coisa que tinham nos bolsos era o patacão pago até ao fim do ano de 1974... Foram miseravelmente tratados como simples mercenários.. Foarm sempre soldados de 2ª classe, que aprenderam a falar português durante a tropa e a guerra, e que nunca tiveram tempo de frequentar, entre 1969 e 1974, os Postes Escolares Militares e tirar o exame da 4ª classe...Nunca ninguém se preocupou com a promoção escolar, profssional, social e cívica destes valorosos combatantes fulas a quem alguns de nós deve a vida.
E a gente sabe, por fontes cruzadas, como Bambadinca (, em mandinga, “a cova do lagarto”) foi um altar de martírio para os nossos camaradas guineenses, fulas, que, infelizmente para eles, acreditaram na nossa palavra e na "palavra de honra" dos novos senhores da guerra, o PAIGC...
José Carlos Suleimane Baldé (, meu camarada da CCAÇ 12 que seria capaz de dar a vida por mim ou pelo António Fernando Marques) e o António Baldé (da CCAÇ 11, pai da infeliz Alicinha, que eu e a Alice quisemos trazer para Portugal, e meu vizinho de Alfragide, hoje apicultor na sua terra) contaram-me coisas, atrozes, que se fizeram em Bambadinca, depois da independência, contra os "colaboracionistas", os "cães do colonialismo", que nos envergonham a todos e não honram a memória de Amílcar Cabral nem dos demais "mártires da liberdade da Pátria"...
PS1 - O António Baldé, 1º cabo, natural de Contuboel, esteve no CIM de Bolama (1966/69), np Pel Caç Nat 57 (São João, 1969/70) e na CART 11 (Paunca e Sinchã Queuto, 1970/71): é membro da Tabanca Grande, nº 610].