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domingo, 1 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16037: In Memoriam (256): José Eduardo Alves (1950-2016), ex-Soldado Condutor Auto da CART 6250, Mampatá, 1972/74), falecido ontem, dia 30 de Abril de 2016. O funeral é amanhã, segunda-feira, pelas 10 horas, na Capela do Corpo Santo, em Leça da Palmeira

 IN MEMORIAM

José Eduardo Alves (1950-2016),
ex- soldado condutor auto da CART 6250, "Os Unidos de Mampatá" (1972/74), natural de Leça da Palmeira... O funeral é 2ª feira, dia 2, às 10h00

A notícia chegou ontem ao nosso conhecimento através do Ribeiro Agostinho, que estava a acompanhar mais de perto o estado de saúde do nosso malogrado camarada José Eduardo.
Mal chegados do convívio comemorativo do Dia do Combatente de Matosinhos, no Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, já a esposa do José Eduardo, a D. Conceição, comunicava ao Agostinho o falecimento de seu marido.

Desde há algum tempo que o José Eduardo [foto actual à direita] lutava contra a doença que o apoquentava. Ainda chegou, mais a esposa que sempre o acompanhava, a inscrever-se no X Almoço/Convívio dos Combatentes do Ultramar do Concelho de Matosinhos e no XI Encontro da Tabanca Grande, mas em nenhum deles participou, infelizmente.

O José Eduardo e a D. Conceição eram muito amigos, principalmente das crianças, da Guiné-Bissau, onde se deslocaram várias vezes a partir de 2009, no seu automóvel, com fins humanitários(1).
Estava inclusive prevista uma ida à Guiné-Bissau, ainda este ano, para levar mais donativos, contributos variados que fazem imensa falta à população daquele país irmão.
  
A D. Conceição chegou a confidenciar que quando encontrava roupa de criança abandonada, ainda em bom estado, levava para casa, lavava, consertava, passava a ferro, e guardava para um dia levar, ou mandar, aos meninos da Guiné-Bissau. 

Duas boa almas, uma, o José Eduardo que nos deixa, e outra, a D. Conceição, que vai ter de enfrentar a saudade do seu marido. O filho de ambos, a trabalhar na Suíça, estará já junto de seu pai para a derradeira despedida e para confortar a sua mãe, no dia de todas as Mães.

Quem quiser e puder prestar uma última homenagem ao nosso camarada José Eduardo, um homem simples, mas de grande estofo moral, altruísta, trabalhador incansável(2) e amigo verdadeiro de quem pela sua vida passou, pode fazê-lo a partir de hoje, domingo, na Capela do Corpo Santo, em Leça da Palmeira, onde o seu corpo já se encontra em Câmara Ardente.

O funeral sai da mesma Capela às 10 horas da manhã(3), de amanhã segunda-feira, para a Igreja Matriz, onde será celebrada Missa de Corpo Presente, seguindo depois para o Cemitério n.º 2 da mesma freguesia, onde o corpo será sepultado.

Em especial, à D. Conceição e ao filho de ambos, a tertúlia do nosso blogue envia as mais sentidas condolências, com a certeza de que o José Eduardo jamais será esquecido por nós.


Guiné-Bissau - Numa das sua visitas àquele país, o José Eduardo, à esquerda e o António Carvalho, à direita.


Guiné-Bissau - A D. Conceição rodeada de meninos
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Notas do editor

(1) Vd. poste de 23 de maio de 2010 Guiné 63/74 - P6459: Ser solidário (72): Viajar (e sentir) pela Guiné (José Eduardo Alves, ex-Condutor da CART 6250/72)

(2) Vd. poste de 22 de maio de 2009 Guiné 63/74 - P4400: História de Vida (22): Refazendo a vida correndo o mundo (José Eduardo Alves)

(3) - Horário alterado posteriormente ao lançamento do poste, depois de o editor falar com a D. Conceição.

Último poste da série de 21 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15999: In Memoriam (254): Nina Amado (1932-2016), Mãe do nosso camarada e amigo Juvenal Amado, falecida no passado dia 13 de Abril

terça-feira, 1 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15813: (De)Caras (31): José Manuel Lopes (Josema), o poeta duriense de Mampatá... Relembrando um dos seus poemas de antologia, Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72 (1972/74) > "Uma mina A/C e três A/P. Das dezenas que o Vilas Boas e o Fernandes levantaram. Ainda hoje me interrogo como só tivemos uma baixa em minas, além dos seis trabalhadores que foram vitimas de uma mina A/C ao beber água de um carro cisterna que molhava a terra da estrada acabada de terraplanar para lhe dar consistência. A picagem era mesmo um trabalho bem planeado e bem feito,onde o método, o rigor, a paciência eram fundamentais. A pica era mesmo o sexto sentido dos soldados da CART 6250, Os Unidos."

Foto (e legenda): © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservado



1. Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

por Josema [José Manuel Lopes] (*)

Estradas amarelas,
corpos cobertos de pó,
pica na mão à procura delas,
o polegar ferrado no pau,
tac, tac, tac, tac, tac, tac,
tacteando por sons diferentes,
o Fernandes, com cara de mau,
espeta no solo o ferrão da pica,
tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!...


O calafrio,
depois o grito,
anunciando o perigo!


O
grupo é mandado parar,
chega o Vilas à frente,
e a todos manda afastar:
de joelhos no chão,
numa simulada carícia,
afaga a terra com a mão,
com gestos simples e perícia,
vai cavando devagar...

Hei-la... está aqui,
lisa, preta, a brilhar,
parece inofensiva,  a maldita,
deita-lhe a mão e grita:
– És minha , já te tenho.

Volta-a,
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz:

– Esta, não,
esta não causará dor.



 Josema, Guiné, s/l, c. 1972/74 [Revisão e fixação de texto: LG]


2. Mensagem do José Manuel  Lopes, com data 28 de abril de 2009:



[José Manuel Lopes, vitivinicultor, duriense, poeta, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74]


"Camarada Luís: Enviei até agora 62 poemas que tinha guardados. Algures em casa de minha avó, na
Régua, onde vivi até me casar em 83, devo ter mais alguns junto às coisas que trouxe da Guiné. Me lembro que numa altura, perturbado, sem saber o que fazia, destrui parte do que trouxe.

Tudo que conseguir recuperar enviarei para o nosso Blogue, por agora pouco mais tenho para enviar, pois algumas coisas são muito pessoais e outras podem ferir a sensibilidade de terceiros.

Um abraço, José Manuel"


3. Nota do editor:

Havia 5 armas do IN (e seus aliados "naturais") que nos infundiam respeito, em campo aberto, nas picadas ou no mato, de noite ou de dia:

1 - As abelhas selvagens, as formigas bagabaga, os mosquitos, a cobra verde, a bolanha,, os rios...
2 - As minas e armadilhas
3 - O RPG 2 e 7
4 - A Kalash
5 - A "costureirinha" (PPSH)...

Este poema do Josema merece figurar em qualquer antologia da poesia da guerra: é uma homenagem aos nossos "picas" e sapadores, metropolitanos e guineenses, que eram na altura os melhores do mundo...

É também um grito contra essa arma, a mina (A/C, A/P),  que era um "assassino silencioso", usado tanto pelo IN como pelas NT... Todas as armas são "sujas", esta era talvez a pior de todas... Há centenas e centenas de camaradas nossos que ainda hoje trazem no corpo e na alma as suas "marcas", fora os que infelizmente morreram por ação, direta e indireta, de minas e armadilhas...

Obrigado, Josema!
LG
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15297: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (26): De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

1. Em mensagem do dia 25 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 26.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

26 - De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

Das minhas memórias: 

29 de Janeiro de 1974 – (terça-feira) - A morte do Jerónimo

Estávamos a almoçar quando nos chegou a triste mensagem: o Jerónimo sofrera um acidente em Bissau e morrera. Foi um choque para mim, porque tinha grande estima por ele e porque era soldado do meu grupo de combate. Era uma pessoa afável, sempre com um sorriso e sempre pronto para o que desse e visse. Nunca lhe ouvira uma queixa ou uma recusa, nunca protagonizou um incidente.

Não recordo o que o levou a Bissau mas tenho uma vaga ideia de que fora para obter a carta de condução. Morreu de acidente de viação. Tanto quanto recordo, foi por ter caído de uma viatura militar que transportava uma equipa que ia levar lixo para algures. Era um problema recorrente: ia-se a Bissau tratar de assuntos mais demorados e entrava-se logo numa escala de serviço qualquer.

O Jerónimo foi o único morto da nossa Companhia (a 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513). Era natural de Cruz-Atães, localidade do concelho de Guimarães, onde está sepultado.

Foto 1: Jerónimo de Freitas Martins, Soldado do 4.º GCOMB da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4513 
(Faleceu em 29-01-1974) 

************

Fevereiro de 1974 iniciou-se com nova dança dos pelotões. Era necessário adequar as bases das tropas ao evoluir das obras da estrada Aldeia Formosa-Buba, que prosseguia a bom ritmo e cujas frentes de trabalho se encaminhavam ao encontro uma da outra.

A actividade da guerrilha deixava vestígios um pouco por todo o lado, mas apenas concretizou dois ataques às nossas tropas logo no início do mês, nos dias 2 e 6. Das minhas escassas notas desse período, ressalta uma referência ao ataque que sofreu o pessoal da CART 6250 de Mampatá. É uma nota breve de 09-02-74: “Há umas noites, pessoal de Mampatá foi atacado no mato por grupo inimigo. E Nhala aqui tão perto”. Numa nota de 24-02-1974 (domingo), refiro uma notícia que me deixou os pêlos eriçados: “De Bissau, o Comandante-Chefe pede relação de todos os elementos do Batalhão com o curso de Minas e Armadilhas. Mais um sobressalto quanto ao futuro”.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

FEV74/01 – A fim de reajustar o dispositivo da protecção aos trabalhos de Engenharia na frente de BUBA, foram transferidos de BUBA para NHALA, os GR COMB da 2.ª CCAÇ/4513 e 3.ª CCAÇ/4513. (...).

FEV74/02 – (...) Pelas 17h45 o GEMIL 405, emboscado próximo do MISSIRÃ, foi flagelado por GR IN não estimado, com 40 granadas de CanhSRC 82, com base de fogos provável na região de BOLOLA. NT sem consequências. (...).

FEV74/04 – (...) Para reforçar as forças de segurança dos trabalhos de Engenharia, foi deslocado do CUMBIJÃ para NHALA 1 GR COMB da CCAV 8350. Pela mesma razão, foi deslocado de NHALA para A. FORMOSA o GR COMB da 3.ª CCAÇ/4513. (...).

FEV74/06 – Pelas 21h00 quando 1 GR COMB da CART 6250 se deslocava de MAMPATÁ para a zona dos pontões (XITOLE 4 H 1-27), para evacuar um elemento doente do GR COMB da mesma CART, em contra-penetração na referida região, foi emboscada por GR IN estimado em 30/40 elementos em região (XITOLE 4 I 0-42) com RPG, MORT 60, MORT 82 e armas ligeiras. As NT reagiram à emboscada com armas ligeiras apoiadas pelo fogo de MORT 81 cm e ART. NT sofreram 3 feridos ligeiros e o IN feridos prováveis. Em reconhecimento posterior, ao local da emboscada, foram capturadas 5 granadas de MORT 82, 8 granadas de RPG-7, 3 granadas RPG-2, várias cargas de RPG-2 e 7, 4 carregadores de Kalashnikov, 1 cantil, 2 sacholas e uma pá. O IN retirou na direcção de SAMBA SEIDI-MISSIRÁ. No local de emboscada foram detectados 26 ninhos de atiradores deitados. (...).


Histórias marginais (5): A vingança das abelhas e a máquina despeitada

Foi numa manhã esplendorosa e fresca, ainda sem pó e sem o braseiro que havia de vir, que se iniciaram, em mais uma etapa, os trabalhos da estrada na frente de Buba. Davam-me sempre imenso prazer estas primeiras horas na frente de trabalhos, onde terminava a recta longa e já desmatada e começava a mata fechada, sempre cheia de surpresas e espaços virgens. Também gostava de apreciar de perto a perícia dos operadores das máquinas brutas da Engenharia, e sentir o avanço da estrada pela mata dentro, lento e difícil mas definitivo.

Desta vez não fomos para a “pedreira” fazer a protecção do troço de estrada já a funcionar. Levava a indicação de emboscar mesmo ali, onde começava a desmatação. Instalado o grupo em redor, alguns elementos à vista, eu fiquei em campo aberto não muito longe de um dos Caterpillar que, resfolgando, derrubava árvores de grande porte em três penadas. Primeiro levantava a pá, a dois ou três metros do chão, contra a árvore a abater e, com as lagartas bem fincadas no chão, em esforço, dava várias sacudidelas violentas e a árvore vibrava até à copa, ao mesmo tempo que soltava as raízes da terra. Depois recuava para enfiar a pá no solo contra as raízes, subia-a um pouco, e fazia tombar a árvore com fragor sobre as outras. Restava empurrá-la pela raiz, ao comprido, e ela entrava na mata fechada como se fosse um palito.

Estava a uns trinta metros do Caterpillar, no momento em que o operador fazia vibrar uma árvore de grande porte quando, inesperadamente, desce sobre ele uma nuvem de abelhas que o envolvem de imediato. Ele, por certo calejado no ofício, saltou da máquina como uma mola e mergulhou no pó, embrulhando-se nele, rolando e berrando, enquanto uma parte dispersa do enxame zumbia em toda a área, à caça de corajosos em que pudesse descarregar a ira vingativa. Berrei ao meu pessoal para que todos se mantivessem quietos onde estavam. Dando o exemplo, mantive-me imóvel no mesmo sítio e assisti, impotente, ao suplício do maquinista. Nem uma me picou. Só quando me pareceu que as abelhas já se afastavam do pó e o homem se levantava a sacudir-se e a praguejar, corri para ele para ver se precisava de ajuda. Enquanto ia arrancando umas cabeças de abelha das partes mais expostas, foi-me dizendo que já estava habituado e que era sempre assim. E seria sempre assim.

Insólito foi que, quando olhou para o lado não viu a sua máquina. E eu, tanto quanto recordo, também não me apercebi que ela se tivesse ido embora. Talvez pelo despeito de ter sido abandonada pelo seu dono, ela continuou a andar e penetrou na mata profunda. Por solidariedade (e também por curiosidade), acompanhei o inconsolável operador, mata dentro, à procura da máquina mas percebendo logo que esta surpresa não fazia parte dos ossos do ofício dele. Fomos seguindo o rasto das lagartas da máquina e das árvores derrubadas, não tinha nada que saber, ela devia estar logo ali. Mas não estava e, à medida que avançávamos, íamos ficando um pouco atónitos, porque nem mesmo lá no fundo da mata a máquina se via. Ficámos um pouco sem jeito para gracejos mas, por fim, lá estava ela silenciosa e amuada, embicada numa árvore de grande porte. Como fora possível que, desde a entrada na mata, tivesse passado sempre ao lado de árvores imponentes, passando por cima das mais fracas, até onde estava? Calhou. A verdade é que parecia uma manhã tão fresca e rotineira...

Foto 2: Caterpillar: máquina escondida com chaminé de fora. Ao fundo, a base da estrada Aldeia Formosa-Buba, lado de Buba. 


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

FEV74/12 – Esteve de visita a A. FORMOSA o CHERNO YUSSUF SY da REP SENEGAL, que tendo vindo visitar a família do CHERNO RACHID, veio a este Comando apresentar cumprimentos salientando que desde que se encontra em Território Nacional, estava encantado com o apoio e as deferências de que fora alvo. Referiu ainda, que o clima em que as populações vivem aqui, é muito diferente do que se diz por lá, vendo-se em todos a determinação de continuarem Portugueses. Acompanhado do Comandante, visitou MAMPATÁ, e o reordenamento de ÁFIA, assim como a frente dos trabalhos da estrada.

FEV74/13 – (...) – Com vista à substituição do GC COMB da 1.ª CCAÇ/4513, empenhados na protecção dos trabalhos de Engenharia, e para que os mesmos fossem desviados para a acção (OURIÇO) com início em 14FEV74, deslocaram-se para BUBA, 1 GR COMB da 2.ª CCAÇ/4513 e 1 GC COMB da CCAV 8351.

FEV74/15 – Acompanhado pelo Exmo. Major CARVALHO FIGUEIRA visitou este Sector o jornalista finlandês MARTTI VALKONEN.
- Os contactos com a população, as várias deslocações feitas de Jeep, sem escolta, os reordenamentos em curso e fundamentalmente as obras de construção da estrada A. FORMOSA-BUBA, foram argumentos altamente positivos a nosso favor.

FEV74/16 – (...) – Prosseguem os trabalhos de Engenharia nas duas frentes da estrada A. FORMOSA-BUBA, embora não se estejam a asfaltar por falta de asfalto. [A falta de alcatrão voltaria ainda a ser referida nos dias 20 e 28 do corrente mês. Nota minha].

FEV74/26 – Continuam os trabalhos de Engenharia na estrada A. FORMOSA-BUBA. Na frente de BUBA já atingiram a região de NHALA e na frente de A. FORMOSA, atingiram a região da antiga tabanca de UANE.


Das minhas memórias: O FORNILHO

Como refere a História da Unidade, a frente de Buba dos trabalhos da estrada nova, em 26 de Fevereiro de 1974, estava na região de Nhala. Mas a estrada passaria a, aproximadamente, 500 metros do aquartelamento e da tabanca, sendo necessário rasgar a mata para realizar um troço de ligação. Caso único em todo o percurso da estrada, desde A. Formosa a Buba.

Num dia de finais de Fevereiro, manhã cedo ainda, dormia eu descansado quando o Capitão Braga da Cruz me veio acordar com uma notícia que me deixou sobressaltado. “Oh Murta, tem que se levantar porque tem aí um trabalhinho especial. Os homens da Engenharia querem vir por aí a baixo com as máquinas e vieram perguntar se há obstáculos nossos nas imediações. Você tem aquele monstro ali fora do arame farpado, virado para a mata por onde eles vêm e, se calhar, já não vai ter tempo de o desmontar”. Por instantes não percebi a que é que ele se referia, mas ele continuou: “Como calculei que você quererá rebentar aquilo, já mandei evacuar a população daquele lado da tabanca e o nosso pessoal está todo avisado”. Era o fornilho, porra!... Não imaginei que tivesse de o accionar tão depressa. Como andam céleres os homens da Engenharia... “Vou já tratar disso, Capitão”. Acho que nem tomei o pequeno-almoço.

Mas o fornilho tinha uma história: Não fora montado naquele sítio, com uma carga brutal, ao acaso ou por mero cálculo estratégico.

Numa noite que mal começara, muito tempo atrás, a sentinela do posto de vigia da parte de trás da tabanca, (se se entender que a parte da frente era a do campo da bola e da picada para Buba), dá o alarme (com tiros?) de que vira vultos a moverem-se quase na orla da mata em frente, que, naquele ponto, era muito próxima. Alerta geral. Imaginámos um ataque ao arame e não seria de estranhar, já que o aquartelamento de Nhala era dos poucos que continuava poupado a ataques e flagelações. Recordo que estava uma noite de breu. Imagine-se a situação logo que desligou toda a iluminação. Enquanto se preparava o morteiro 81 no espaldão, aquela zona da mata foi passada a rajadas de metralhadora e batida com o morteiro 60. Depois bateu-se a zona mais afastada com o morteiro 81, mas sem grande insistência, tenho ideia, de modo a aguardar qualquer reacção. Mas tudo ficou por ali. Admitimos que fossem elementos a estudar um possível ataque, aqueles que a sentinela viu ou julgou ter visto, mas isso deixou-nos alerta daí para a frente e, no seguimento, o Capitão Braga da Cruz teve uma conversa comigo sobre o estudo de pontos ainda vulneráveis à volta da tabanca e do aquartelamento, mormente aquele em que ocorrera o anterior sobressalto, pela proximidade da orla da mata e porque, nessa zona, a mata era muito “aberta”. Podia, com facilidade, ser usada como porta para um assalto. Para aí, concretamente, o capitão sugeriu-me a instalação de fornilhos.

Só que o terreno era completamente plano e, para instalar vários fornilhos que disparassem os projécteis para a frente – excluí outras hipóteses -, exigia um empreendimento desmesurado. Optei por instalar um apenas, mas de grande potência e com uma “carga de efeito dirigido”, inspirando-me no princípio das granadas de bazuca anticarro e de certos mísseis perfurantes. A ideia era que todo o efeito da explosão e projecção de material se desse apenas para a frente já que, por trás, ficavam muito próximas alguma palhotas da tabanca. Isso exigia um bom apoio para a base do fornilho, de modo a suportar o “coice” da explosão. Como no local, mesmo defronte da zona vulnerável, havia as ruínas do que fora um bagabaga imponente – uma massa sólida de grande resistência -, idealizei instalar ali o fornilho, de maneira que a sua base ficasse soterrada em 2/3 (aproximadamente) no solo e 1/3 apoiada no bagabaga.

Para um fornilho assim grande, o primeiro invólucro que me ocorreu, e que foi adoptado, foi um bidão de 200 litros desses que abundavam por lá. Era penoso fazer um buraco para albergar um bidão inteiro. Para facilitar, depois de se cortar a tampa a maçarico, mandei cortar-lhe cerca de 20 centímetros na boca, reduzindo-lhe o comprimento. Mesmo assim, ainda foi penoso abrir o buraco no chão, tal como o meu trabalho de montagem dos materiais no seu interior, já com ele no sítio. Dada a proximidade, já referida, do fornilho às palhotas da população ali junto ao arame farpado, confesso que, até ao seu rebentamento, vivi possuído por incertezas – logo, ansiedade -, quanto à segurança dessas palhotas. Se algo não corresse como calculei, dada a carga explosiva que decidi usar, elas simplesmente voariam.

Para conseguir dispor a carga explosiva de forma a obter o efeito dirigido, precisava de algo no fundo do bidão que mantivesse os explosivos sempre com o mesmo ângulo até à frente. Para tanto, mandei fazer um cone com ripas, obedecendo a determinado ângulo. Mal-empregado... Ficou tão bem feito que parecia um chapéu de palha vietnamita.

No paiol enchi um carro-de-mão com todo o material velho disponível: granadas não rebentadas de todo o tipo e objectos metálicos inúteis que se foram acumulando. Como explosivo escolhi o TNT a granel em pequenos sacos (de 1 Kg?), por ser mais adaptável à configuração cónica e ao aproveitamento do espaço no bidão. Não recordo o total de quilos usados nem encontro os apontamentos feitos na altura, mas creio que eram mais de quinze e menos de vinte. Foi tudo montado como mostro a seguir, num croquis sem preocupações de escala. No espaço sobrante entre o material e a “boca” do bidão, ainda coloquei uma “cortina” de garrafas de cerveja. Só então se recolocou a tampa do bidão, atando-a com arames. Cobriu-se de terra a frente da tampa, mantendo-se o aspecto que tinha anteriormente o bagabaga. À cautela, no interior do explosivo, coloquei três detonadores eléctricos ligados em paralelo. Abriu-se uma vala estreita mas profunda, por onde passaram os fios eléctricos desde o bidão até a um ponto estratégico nos limites do aquartelamento onde, numa caixa a que só eu tinha acesso, cravada na parede de uma vala, ficaram os terminais desses fios. De passagem, refiro que no lado oposto do aquartelamento, tinha uma caixa semelhante para accionamento de uma série de minas de superfície Claymore, que enfileiravam ao longo do arame farpado.

Nos primeiros tempos passava pelo bagabaga a certificar-me de que tudo se mantinha oculto e inalterável mas, aos poucos, deixei de passar e quase me esqueci daquilo. Até essa manhã de Fevereiro quando fui confrontado com a necessidade de accionar o fornilho. Não havia tempo para desmontar. De qualquer modo, ainda que tivesse, eu preferia accioná-lo apesar dos riscos, para não ficar eternamente com dúvidas sobre o bom desempenho do dispositivo e, logo, do meu trabalho.

Tudo a postos, vou para vala com uma pilha eléctrica na mão. Antes de fazer a ignição, soergui-me de modo a ficar a ver de longe o bagabaga. Fosse das circunstâncias ou da sugestão, tudo em redor parecia mergulhado no vácuo, tal era o silêncio e a quietude. Esperava, confesso, uma explosão de ensurdecer, ver as árvores da mata vergadas pelo sopro, enfim..., não aconteceu nada disso. O que aconteceu foi um “buuuum” prolongado, seco e profundo, telúrico, como se tudo se tivesse passado na pirosfera. Em simultâneo o ar encheu-se de terra e pó. Deixei de ver a tabanca e a mata, tudo em redor era pó amarelo. O Capitão Braga da Cruz chegou perto de mim com uma expressão de grande preocupação e não disse nada. Aguardámos o desanuviamento atmosférico para irmos ver. Foram-se juntando outros curiosos.

No local, apenas grandes torrões circundavam a base do bagabaga, nada tendo passado para o lado da tabanca. Respirámos de alívio e fomos aos pormenores. Do que restava do bidão, o fundo, estava lá no sítio mas, das suas paredes apenas restavam tiras retorcidas, com as pontas em caracol. Na mata, tudo o que pertencera ao bidão estava reduzido a tiras longas, de igual modo retorcidas, e espalhadas com o conteúdo por uma área tão vasta que não a vimos toda. Muitas das árvores tinham cravados estilhaços das granadas e de muitos metais já não identificáveis. Vidros, não encontrámos. Podia-se concluir que fora um sucesso, e como seria eficaz em termos defensivos. Ainda bem que nunca precisámos dele. Agora havia que dar sinal aos homens da Engenharia para que avançassem em segurança e em paz...

Este foi o único fornilho que montei. O dispositivo mais pequeno que havia montado, fora uma armadilha, (trabalho de casa), como prova final do Curso de Minas e Armadilhas de Tancos: era uma caixa de fósforos que explodiria nas mãos de quem a tentasse abrir, quer para um lado, quer para o outro. O interior continha estearina a fazer de explosivo, e nela mergulhava uma lâmpada minúscula a representar o detonador e a comprovar o funcionamento, bem como uma pilha pequena (de tipo AAA?), para a alimentar. Nas paredes interiores da caixa estava o segredo dos contactos, feitos com cabeças de alfinete e tiras de ouro-mouro. Tudo bastante óbvio, agora...

Croquis do fornilho em corte. 
Legenda: Aspecto da localização do fornilho: A – Fornilho; B – Fiada do arame-farpado. 
Fornilho em corte: 1 – “Cortina” de garrafas de cerveja na boca do bidon; 2 – Material para funcionar como projéctil; 3 – Carga explosiva: TNT a granel em sacos; 4 – Cone de madeira para assentar o explosivo; 5 – Ruínas de um bagabaga.

Foto 3: Nhala, finais de Fevereiro de 1974. Eliminado o fornilho, a Engenharia rasgou este trecho da mata para a construção do troço de ligação da estrada A. Formosa-Buba (nas costas do fotógrafo) à tabanca e ao aquartelamento de Nhala, lá ao fundo.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Poste anterior da série de 20 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15271: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (25): De 6 a 26 de Janeiro de 1974

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15139: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (21): De 2 a 25 de Setembro de 1973

1. Em mensagem do dia 19 de Setembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 21.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

21 - De 02-09 a 25-09-1973

Das minhas memórias:

2 de Setembro de 1973 – (domingo) – Notas de Nhala; Nova incursão ao Unal; Estou “apanhado”

“Ontem à noite, desde as 22h30 e até hoje às 7 da manhã, ouviram-se ao longe rebentamentos poderosos de que não conseguimos saber a origem”.

Pelo leio agora na História da Unidade do BCAÇ 4513, calculo que esses rebentamentos fossem provenientes dos nossos obuses a partir de Buba ou Cumbijã ou de ambos, a bater a zona da nova operação para o Unal. A História da Unidade não refere batimentos de zona, mas refere o movimento de tropas para Buba no dia 1, à semelhança dos preparativos da operação falhada “Ousadia Satânica”. Esta chamar-se-ia “Lance Pertinente” e tinha o mesmo objectivo: chegar ao Unal, (e dar treino operacional às tropas do BCAÇ 4516). Tal como a operação anterior, envolveu grande número de tropas, quer do BCAÇ 4516, 4513, CART 6250, CCAV 8351, enfim, tal como a anterior fracassou pelos mesmos motivos: tudo inundado, rios intransponíveis, chuvas constantes e intensas, falta de trilhos e de guias, fora a grande distância a percorrer, como refere a H. da U.

Desta vez não fui chamado a participar e, ainda que fosse, certamente não estaria em condições. A verdade é que o aconchego do “lar” só por si não resolve tudo e, ainda não refeito de toda a actividade anterior ao regresso a Nhala, e eis que nos defrontámos com patrulhamentos, contra penetrações, protecção a uma infinidade de colunas auto – com as cansativas picagens – e, ainda, desfalcados de um grupo de combate da nossa Companhia envolvido na referida operação.

*** 

Estava a ficar “apanhado”. Numa nota de 05-09-73, dou conta de situações anormais no meu comportamento, fruto de grande abatimento e tensão nervosa que, parece, não afectava só a mim: deu-me para matar macacos-cães. A primeira vez, no regresso apeado de um patrulhamento na picada de Mampatá-Nhala imitei os macacos, chamando um grande grupo que se ouvia à distância, até os ter na mira. Depois matei um casal de adultos. Como se não bastasse, serviram para, como se fossem vivos, fazer de manequins com armas, rádios, etc., para depois fotografar. Todos acharam muita graça e participaram. De outra vez, em andamento e de pé no Unimog da frente como era meu hábito, disparei uma rajada para uma família inteira que apareceu ao longe numa recta. Felizmente não matei nenhum. Só mais tarde me dei conta da estupidez e, hoje, à luz da razão e da cultura que tanto prezo de preservação das espécies e da natureza em geral, acho quase inacreditável que tenha sido eu a fazer aquilo. Eu, que até sou contra as touradas...

Contudo, acho que o fazia para descarregar tensões que, no limite, podiam propiciar consequências piores. Foi por isso também que, por duas vezes pelo menos, pedi autorização ao Comandante de Companhia para rebentar uns petardos de trotil, de maneira a aliviar essa tensão. Habituado que estava a rebentamentos, desde o curso de minas e armadilhas, passando pelo aperfeiçoamento em Bolama (onde abundava o material que nos faltou no curso em Tancos e em que, no final, tivemos de rebentar grande quantidade de material sobrante), e passando pelos episódios dos últimos meses nas regiões de Cumbijã e Nhacobá, sempre que faltavam rebentamentos começava a acumular tensão, como os drogados privados de droga: ninguém me aturava. Então, autorizado, ia ao paiol e colhia a dose conforme o estado de ansiedade. Ia à tardinha para o lado da fonte de Nhala, já deserta, e colocava um petardo de trotil atrás de uma grande árvore. Lançava fogo ao rastilho do detonador, passava para o outro lado da árvore e, de frente para ela e de costas para o aquartelamento, começava a recuar enquanto aguardava a explosão. Uma vez a pancada de ar no peito foi tão violenta que recuei, talvez três metros, sem pôr os pés no chão. Depois regressava como se não fosse nada. Era de malucos..., mas também já ninguém ligava. O que podia significar estarem tão malucos como eu.

Tenho a noção do ridículo e acho que não devia contar isto. Mas passou-se assim e, se não contasse, pareceriam sempre exageradas as alusões aos estados de espírito depressivos, de ansiedade e tensão.

Seguem-se duas fotografias comigo e com os meus camaradas de Nhala.

Foto 1: Nhala, fins de 1973 ou 74 - Alferes Tibério Barros (com a minha bengala); Alferes Carlos Lopes; Capitão Braga da Cruz e eu. 

Foto 2: Nhala, 23 de Abril de 1974, dia da visita do General Bettencourt Rodrigues a Nhala. Eu com a minha bengala; Capitão Braga da Cruz e Alferes Campos Pereira. (Atente-se na data).


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

(...)

SET73/07 – Forças da 2.ª CCAÇ/4513 durante a acção “OGIVAL” entraram em contacto com um GR IN ESTM em 20/50 elementos. O IN reagiu com RPG e armas automáticas retirando-se de seguida. No reconhecimento efectuado capturou-se uma granada de RPG-2 e verificou-se a existência de extensas manchas de sangue. As NT sofreram um ferido ligeiro. Forças da 3.ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 patrulharam a região do R. BALANA.

SET73/08 – Forças da 1.ª CCAÇ/4513 detectaram em região XITOLE 2 F 0-30 passagem de um GR IN estimado em 40/50 elementos no sentido N/S na madrugada deste dia.

(...)

SET73/11 – Morreu em BISSAU o CHERNO RACHID, homem de uma influência enorme sobre todo o povo FULA. Religioso e poeta gozando de enorme prestígio, mesmo para além fronteiras. (dos Factos e Feitos do BCAÇ 4513). [Sublinhado meu a negrito]

[CHERNO RACHID: Fez há dias 42 anos que morreu essa figura eminente do Povo Fula. HOMEM GRANDE entre os maiores, era uma sumidade e uma autoridade em várias áreas do conhecimento e da sensibilidade humana. Tudo acolhido na sua grande humildade. Não preciso de mais laudatórios porque, com mais conhecimento de causa, o fizeram já aqui no nosso Blogue, camaradas como o Vasco da Gama, Arménio Estorninho, Luís Graça, o saudoso Pepito e o Beja Santos, entre outros por certo. São quase uma dezena de “postes”. Mas não quis deixar passar em claro esta data, talvez pela mágoa de nunca ter tido oportunidade de o conhecer pessoalmente. Ao menos, mesmo sem ser crente, direi hoje: Alláhu Akbar - 18 de Setembro de 2015].

SET73/13 – Forças da 2.ª CCAÇ/4513 executam patrulhamento conjugado com C/PEN (contra penetração) na região de PONTE R. CORUBAL sem contacto.

- Forças da 3.ª CCAÇ/4513 executam patrulhamento conjugado com C/PEN na região do R. BALANA sem contacto.

- Forças da CART 6250 executam C/PEN na região de MISSIRÁ sem contacto.

(...)

SET73/22 – O Comandante do Batalhão acompanhou uma patrulha à região de CHICAMBILO. - Forças da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 durante a acção “ORTIGA” excutam patrulhamento conjugado com C/PEN na região da confluências do R. CORUBAL-R. UUGUIUOL sem contacto.

 - Forças da CART 6250 durante a acção “OÁSIS” executam patrulhamento conjugado com C/PEN na região de BOLOLA sem contacto.

(...)

SET73/25 – Forças da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 durante a acção “OUSADIA” executam patrulhamento e C/PEN no R. UUGUIUOL sem contacto.

 - Forças da CART 6250 durante a acção “ORIENTE” executam patrulhamento e C/PEN em MISSIRÃ sem contacto.

(...)

Das minhas memórias: 

25 de Setembro de 1973 – (terça-feira) 

Histórias marginais (2) – A acústica da mata. 

A acústica da mata, e não os sons da floresta que nos encantavam mas faziam estremecer e ficar de alerta quando, subitamente, se suspendiam.

Por diversas vezes fiquei surpreendido e confuso, quando no interior da mata ouvi tiros ou outros sons não naturais, que eu sabia – ou vinha a saber -, haviam sido produzidos exactamente na direcção oposta. Mas havia outros, para os quais não encontrava explicação. Se o fenómeno não fosse testemunhado por todos os que me acompanhavam, caso andasse sozinho à caça, por exemplo, ficaria com dúvidas sobre a minha sanidade mental. Ou se não teria problemas de orientação e percepção. Acontece que, os dois casos mais flagrantes e problemáticos, ocorreram quando saímos para o mato em bigrupo, portanto, com cerca de quarenta homens a reconhecer o mesmo fenómeno.

Nesta data, num patrulhamento conjunto do meu grupo com o 1.º GComb do Alf. Campos Pereira para a região do Rio Uuguiuol, fomos surpreendidos por uma situação insólita: em plena mata começámos a ouvir bater chapa. Sons muito fortes e nítidos, que nos indicavam um sítio a não mais de cem metros à nossa frente. A primeira reacção foi mandar parar todo o pessoal e depois dialogarmos, eu e o outro alferes, tentando encontrar uma explicação lógica para a origem dos sons, face à nossa posição no terreno. Mas não encontrámos explicação nenhuma: estávamos de frente para o Rio Corubal mas a muitos, muitos quilómetros dele e tínhamos caminhado, de certo modo, paralelamente ao Rio Uuguiuol, mas também muito afastados. À nossa frente não havia nada a não ser mata. Então, admitimos que ao fundo da rampa que a mata ali fazia, coisa rara na região, estivessem elementos da guerrilha a montar - ou desmontar -, qualquer coisa em chapa. Decidimos fazer uma batida.

Rapidamente dispusemos os dois grupos, que até ali tinham caminhado em fila indiana, numa frente linear com mais de quarenta homens. Ocupámos os nossos lugares nos grupos e avançámos como para um golpe de mão, com as cautelas que a situação impunha. A mata era propícia, quase limpa como num eucaliptal, e as árvores intervaladas mas com bom porte para nos proteger. Como disse, o terreno tinha uma inclinação acentuada e a visibilidade era para vinte ou trinta metros.

Quando julgámos ter já ultrapassado em muito a distância que apontávamos como o local dos batimentos, parámos para avaliar a situação. É que, à medida que avançávamos, parecia sempre que era já ali adiante, sempre mais adiante. Por vezes cessavam os sons, mas logo recomeçavam com uma nitidez incrível. Vozes não se ouviam, mas jurávamos que estava ali gente. Como não havia sequer uma aragem, excluímos a hipótese de sons trazidos de longe, algures. Mas se fossem, de onde poderia ser? Resolvemos flectir para um dos lados a descida da mata e continuámos, sempre em linha, por mais umas centenas de metros. Parámos de novo e mandámos uma mensagem para Nhala para que chamassem o capitão ao rádio. Expusemos a situação e demos as coordenadas da nossa localização aproximada. Queríamos indicações do que estava à nossa frente, já que a carta que levávamos era curta. “Pelas vossas indicações, podem ser os sons da oficina auto do Xitole”, “Qual Xitole?! O Xitole é quase do outro lado do Mundo!”, “Não há mais nada na vossa frente”. Ponto final.

Ainda meio incrédulos, desistimos da batida e encetámos o regresso a Nhala. Mas com a certeza de estarmos muito longe do Corubal. Não havia o risco de cairmos ao rio inadvertidamente. E os sons ficaram lá.

*** 

Um outro caso, mais sério, e que podia ter acabado em tragédia

Destacados ainda em Cumbijã, saímos um dia com o grupo do Alf. Campos Pereira - por mero acaso outra vez com ele -, para os lados de Lenguel (ou Sabasó?). Fizemos um longo patrulhamento para a região que nos fora indicada, sem nenhuma anormalidade. Isto teria ocorrido antes de se iniciarem as chuvas, já que, no regresso e muito exaustos, resolvemos descansar ao longo do leito de um rio seco, por onde esticámos os dois grupos. A tarde já caminhava para o fim e preparávamo-nos para abandonar o local, de regresso a Cumbijã quando, inesperadamente, se deu um potente rebentamento numa das extremidades do longo cordão de homens. Surgiram dois ou três a correr em pânico, sem arma nem equipamentos, direitos a mim e ao outro alferes e, quase sem fala, apontavam para lá tentando explicar que fora quase em cima deles. Tudo se passou num ápice: como nos tinha parecido o rebentamento de uma granada de obus 14, mesmo se, a escassos quilómetros de Cumbijã não tivéssemos ouvido a “saída”, logo contactámos via rádio o Comando, não fosse a próxima cair em cima de nós. Se ainda fôssemos a tempo. Dissemos para suspenderem imediatamente os tiros de obus para a zona e demos a nossa posição. Para nossa estupefacção disseram-nos que se estavam a defender de um ataque turra com canhão S/R que, estava precisamente nas nossas costas...

Virámo-nos para trás, ainda no leito do rio e, sem querer acreditar, percebemos que eles estavam mesmo ali a disparar o canhão a não mais de duzentos ou trezentos metros, numa zona mais aberta e com uma estreita faixa de mata a separar-nos. Há quanto tempo estariam ali sem que nos ouvíssemos mutuamente? Como foi possível não ouvir os disparos do canhão mesmo ali? Parece inverosímil mas foi assim. Felizmente que éramos muitos a testemunhar, caso contrário pensaríamos que estávamos malucos. Felizmente também o obus 14 parou para evitar uma tragédia. Por pouquíssimo tempo, diga-se, pois assim que lhes demos a posição correcta do canhão S/R, com uns poucos disparos calaram-no definitivamente, enquanto nós, em passo de corrida, já fazíamos o caminho para o Cumbijã.

Penso agora, e todos podem pensar: então, estando ali, não aproveitaram para atacar o grupo dos guerrilheiros? Não. Decerto porque ignorávamos quantos eram, que armas tinham para além do canhão e também porque começava a fazer-se noite e ainda tínhamos muito para andar e, se até ali tínhamos passado despercebidos, não era a melhor altura para nos denunciarmos.

*** 

Seguem-se duas fotografias com as minhas queridas lavadeiras.

Foto 3: Nhala, 1973 – Rosa, a minha primeira lavadeira. Gostava dela porque era uma mulher serena e simpática. Excepto a lavar roupa: despedi-a com justa causa quando percebi que quase já não tinha botões na roupa.

Foto 4: Nhala, 1973 – Fátima com a sua bajudinha. Foi a lavadeira seguinte e até ao fim da minha comissão. Era uma doçura de mulher, sempre com um sorriso, afável e delicada. O seu marido era o meu guia preferido nas saídas mais complicadas: soldado milícia, guia competente, homem de muito aprumo e poucas falas, talvez porque não falasse quase nada de português. Na foto, sentado no chão, está o Brás, soldado do meu pelotão.

(continua)

Texto, fotos e legendas: © António Murta
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Nota do editor

Últimos dez postes da série de:

14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14877: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (11): 23 e 24 de Maio de 1973

21 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14910: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (12): 26 de Maio a 8 de Junho de 1973

28 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14940: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (13): 9 a 14 de Junho de 1973, com baptismo de fogo a 13

4 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14971: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (14): 15 a 18 de Junho de 1973

11 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14993: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (15): 19 a 22 de Junho de 1973

18 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15016: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (16): De 23 de Junho a 6 de Julho de 1973

28 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15050: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (17): De 8 a 21 de Julho de 1973

1 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15062: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (18): De 8 a 21 de Julho de 1973

8 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15087: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (19): De 26 de Julho a 4 de Agosto de 1973
e
15 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15116: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (20): De 5 a 21 de Agosto de 1973

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14881: Convívios (696): Rescaldo do encontro do pessoal da CART 6250/72, levado a efeito no passado dia 11 de Julho em Oliveira do Bairro (António Murta)

1. Em mensagem do dia 13 de Julho de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), fala-nos do último convívio do pessoal da CART 6250, levado a efeito no passado dia 11 em Bustos - Oliveira do Bairro.




Almoço-Convívio da CART 6250 de Mampatá (1972-74)


No passado dia 11 de Julho de 2015, teve lugar em Bustos - Oliveira do Bairro, mais um almoço-Convívio da Cart 6250 de Mampatá e eu estive presente como convidado, uma deferência especial do Carvalho de Mampatá que muito agradeço.

Foi a primeira vez que participei num destes eventos e fiquei muito satisfeito. Desde logo, por poder abraçar os ex-camaradas de infortúnio e de farras, mais de 40 anos depois da separação na Guiné. Referindo apenas alguns, dada a impossibilidade de os referir a todos, dou nota dos seguintes camaradas presentes: o próprio Carvalho de Mampatá e a esposa Fátima, o José Manuel Lopes da Régua, o Pereira Nina da Covilhã (ex-Fur Mec) e a esposa, o Leça (José Eduardo Alves, ex-Condutor auto) e a esposa, e o Comandante Luís Marcelino, que teve de se ausentar cedo devido a compromissos, mas que não se furtou a honrar com a sua presença todos os ex-camaradas e suas famílias.

Foi uma tarde muito animada e rica de são convívio, não faltando as eternas discussões na tentativa de recuar no tempo até aos belos anos da nossa juventude, ainda que perturbada pelo belicismo que nos agarrava ali na Guiné.

No final, pediu-me o Carvalho de Mampatá que desse eu a notícia aos Grã-Tabanqueiros e, assim, agradeço que a publiquem se antes não vos chegar pedido semelhante de “cronista” mais legítimo.

Junto algumas fotografias (se acharem muitas, eliminem algumas, por favor).

Um abraço para toda a Tabanca Grande.
António Murta.


O Comandante Luís Marcelino despede-se de todos, chamado a outro compromisso. O Zé Manel Lopes bate-lhe no ombro mas está pesaroso, tal como os demais.

Olha o gajo! Não deixa passar nada!... – parece dizer o Carvalho de Mampatá.  

Ah! O belo queijo da Serra!, deleita-se o Pereira Nina.

O nosso poeta de Mampatá, José Manuel Lopes, e o nosso fermero Carvalho de Mampatá.  

Zé Manel Lopes e o Leça

O Andias, animador de serviço, impõe a sua prosápia sem admissão de recurso.   

Animação musical.

O baile: só neste enquadramento, três pares de senhoras dão um pezinho de dança. Os senhores seus companheiros estão à parte a discutir se em Abril/74 a guerra colonial estava, ou não, perdida.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14855: Convívios (695): Mais um Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, dia 23 de Julho em Cascais (José Manuel Matos Dinis / Jorge Rosales)

terça-feira, 7 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14844: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (10): De 20 a 22 de Maio de 1973

1. Em mensagem do dia 3 de Julho de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 10.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

10 - De 20 a 22 de Maio de 1973

20 de Maio de 1973 – Da História da Unidade BCAÇ 4513:

20 - A CCAÇ 18 e a CART 6250 patrulham e reconhecem uma das diversas tabancas de NHACOBÁ. Permanecem ali e cerca das 20h00 são flageladas com Morteiro 82, sem consequências.

- O Comandante interino do Batalhão deslocou-se a NHACOBÁ para apreciar a evolução dos trabalhos de estrada.


Do meu diário – notas curtas.

20 de Maio de 1973 – (domingo). Mampatá.

Mampatá. Serviço ao aquartelamento. O problema de se comandar uma Companhia (?). O camarada Esteves foi evacuado para Aldeia Formosa por suposta fractura no ombro, motivada por lançamento de dilagrama.
[Recordo uma manhã em que um alferes de Mampatá se levantou cedo para ir com o grupo para os lados de Cumbijã, tendo eu ficado na cama mais um bocado. Quando me levantei estava a passar para Aldeia Formosa uma evacuação e, na altura, disseram-me que se tratava do alferes saído há pouco para o mato e que dormia no mesmo “quarto” que eu. Não recordo o nome Esteves].

Dia sem incidentes (?) na “frente”, apesar do estado psíquico das NT. (Vários dias a dormir no mato e a comer ração de combate). Casos de insolação tratados em Aldeia Formosa. Pessoal excitado por longa permanência no mato não tem energia, mas quer por tudo entrar em Nhacobá. Soube-se que os “cabeças” pretendem que se entre lá de qualquer forma. Na retaguarda há expectativa, ansiedade e revolta muda. Grupos dos “velhinhos” com cerca de 18 dias além da comissão normal. Vão ter muito que esperar.

Recebi à noite directiva de Aldeia Formosa para avançar com o meu GC e com o GC “velhinho” da CCAÇ 3400, para Cumbijã. Um grupo de Colibuia passa a substituir o meu na segurança à retaguarda. Más perspectivas para amanhã.

Hoje, dia sem incidentes. Apenas à noite o rumor distante dos obuses.


21 de Maio de 1973 – Da História da Unidade BCAÇ 4513: 

21 - Forças da CCAÇ 18 estabelecem contacto IN armado de AAutm, RPG e MORT 60 tendo sofrido 1 morto, 1 ferido grave e 2 feridos ligeiros e causado 5 mortos ao inimigo.

- Às 21h15 a CCAV 8351 e a 3ª CCAÇ são flageladas em NHACOBÁ com MORT 60 e 82 e RPG da direcção (GUILEGE 3 D 5-36/3 E 4-34/2 E 7-38) sem consequências.

- O CMDT INTº do Batalhão deslocou-se a NHACOBÁ para apreciar a evolução dos trabalhos de estrada.


Do meu diário – notas curtas: 21 de Maio de 1973 – (segunda-feira). Cumbijã.

Cumbijã. Em princípio ainda não é desta vez que iremos para a frente (Nhacobá). O meu grupo ficou hoje aqui em Cumbijã de reserva e o grupo “velhinho” da CCAÇ 3400 de Nhala ficou de serviço.

Hoje os grupos na frente entraram em Nhacobá e houve recontro grave: morreu um soldado da 18 (Aldeia Formosa) e houve vários feridos graves, entre eles, um alferes com estilhaços na garganta.

O dia foi cansativo e aqui as condições são más: esta base, erguida a punho pela 51, não estava preparada para tanta tropa. Penaliza os que estão de passagem e, mais ainda, os que nos hospedam e tiveram de a construir. Contamos passar cá mais um dia. À noite Guilege foi atacada bem como Nhacobá, onde ainda não temos tropas fixas. Pela primeira vez ouvi tão perto um ataque de canhão e morteiro. Durou uns quinze minutos, tendo entrado em acção, como resposta, os obuses de Cumbijã, assim como o 14 de Colibuia.

Foto 1: 1973 - Cumbijã: Eu, acabado de chegar com o meu grupo de um patrulhamento onde cacei uma galinha-do-mato. E deixei fugir o seu par... Esse camuflado tresandava e, se me rio, deve ser a pensar no jantar melhorado.

Foto 2: 1973 - Cumbijã: Após um temporal, soldados da minha Companhia (2.ª CCAÇ) junto de coisas pessoais destruídas.

Foto 3: 1973 - Cumbijã: O alferes A. C. P. observa os estragos com o pessoal.

Foto 4: O alferes A. C. P. (e o alferes T. B. por trás dele), tentam animar o pessoal.

[Quando entrei em Cumbijã pela primeira vez, em data anterior a esta, foi-me explicado no terreno por um camarada da CCAV 8351, como foi erguer e ocupar aquele espaço agreste, traiçoeiro e minado, quase encavalitado nos terrenos do PAIGC: ia ser, e foi, o aquartelamento mais próximo de Nhacobá, e essa proximidade conferiu-lhe um alto risco de confrontos e flagelações. Isso teve custos altos, inclusive de vidas humanas, mas não afectou o ânimo dos que esticaram o arame farpado, abriram valas, ergueram postos de vigia e acomodações, estando sempre prontos para a sua defesa e para as incursões a que eram obrigados um pouco por toda a zona. Daí que, desde o primeiro dia, tivesse ganho um sentimento de admiração e respeito pelos Tigres de Cumbijã e em especial pelo seu comandante, Cap. Vasco da Gama que, soube eu na altura, tanto era capaz de dizer “não” aos seus superiores na defesa da sua Companhia, como era capaz de a galvanizar para a realização daquilo que, de facto, tinha de ser feito. Perturbava-me reparar que, apesar disto tudo, a “51” – como nós a chamávamos – não era poupada nas missões conturbadas daquela época. Às vezes parecia-me que era bem ao contrário. Aliás, é justo referir que de igual modo aconteceu com os “Unidos de Mampatá” (CART 6250) e com a CCAÇ 18 de Aldeia Formosa com quem, mais de uma vez, partilhei o chão de Nhacobá sob a inclemência das flagelações. Não digo isto, hoje, para ser agradável a quem quer que seja, mas porque é de toda a justiça que o diga, e por ter sabido sempre que o acolhimento que me dispensaram e aos demais grupos de reforço, quer em Mampatá quer em Cumbijã, foi o melhor possível para aquelas circunstâncias.

Esta época difícil marcou-me para sempre. Na qualidade de “periquito” e posto pela primeira vez perante tropa com esta tarimba, - experimentada e sacrificada -, (devo referir que a CCAÇ 3400 de Nhala nos confessou que tinha passado toda a comissão sem problemas), comecei a pôr-me “em guarda”, endurecendo e preparando-me para tudo. Foi por estas alturas e nos tempos que se seguiram que comecei também a conhecer-me melhor. [Grande confissão!]. Fui descobrindo, aos poucos, coragens ignoradas - daquelas que, devido às situações, não dá para confundir com fanfarronices ou bravatas -, maior sentido de responsabilidade e, até, maluqueiras de que não sabia ser capaz. Muita dessa “renovação” da personalidade e amadurecimento, ficou-me até hoje. Para o bem e para o mal].


22 de Maio de 1973 – (terça-feira) – Cumbijã

Hoje o meu grupo de combate ficou de serviço ao aquartelamento mas, por falta de pessoal, teve que fazer também de reserva. O pessoal está a ficar esgotado e desmoralizado: refeições fora de horas, excesso de trabalho, excesso de calor e falta de higiene. Ninguém tem outra roupa para vestir, nem um simples sabonete e uma toalha. Nem dinheiro: do que trouxe, já emprestei ao meu pessoal mais 1.500$00.

Hoje entrámos em Nhacobá para trazer o pessoal da Engenharia e as tropas que lá se encontravam. Aquilo é pequeno [? A base militar e a tabanca não era um conjunto pequeno], e bem no interior da floresta, com uma enorme bolanha do outro lado (oposto ao da nossa entrada). A orla da mata do outro lado da bolanha e na nossa frente, não controlamos. É daí que flagelam as tropas em Nhacobá.
Agora está tudo calmo, embora inspire respeito e recomende precauções. Os soldados já trouxeram de lá recordações (roncos), galinhas, cabras e fruta, só falta trazer o arroz que se encontra em grande quantidade em recipientes toscos.

Meteu-me bastante pena [!] ver a maquinaria revolver aquelas terras, destruir as galerias, abrigos e instalações subterrâneas na parte militar. Para ali se fazer mais um destacamento nosso. É evidente que o interesse é só estratégico e talvez estejam a pensar prosseguir com a estrada que ali chegou, para destinos mais ousados: talvez o Unal ou mais além, tudo controlado pelo PAIGC.

À noite, mas desta vez mais cedo, houve novo ataque IN com canhões aos locais de ontem. Mais uma vez, as nossas peças a responder.

Foto 5: 1973 - Nhacobá: Um aspecto da tabanca bem no interior da floresta e o alferes A. C. P.

Foto 6: 1973 - Nhacobá: Aspecto da tabanca vendo-se alguns recipientes onde guardavam o arroz.

Foto 7: 1973 - Nhacobá: Abrigo antiaéreo subterrâneo camuflado por um “telhado” de palhota.


 Fotos 8 e 9: 1973 - Nhacobá: Entrada de abrigos pouco antes de serem destruídos pelas máquinas da Engenharia.

Foto 10: 1973 - Nhacobá: Orla da mata junto à grande bolanha. À esquerda o Furriel J. C. a comer com o Furriel M. C.


Fotos 11 e 12: 1973 – Nhacobá: Vista da grande bolanha a partir da orla da mata. Era do outro lado, na orla que se vê ao fundo, que os guerrilheiros nos atacavam, sobretudo com canhões e morteiros, sempre que nos pressentia em Nhacobá.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14813: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (9): 16 a 19 de Maio de 1973

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14291: Fotos à procura de... uma legenda (53): Os "Unidos de Mampadá", à despedida, em Nhala, em agosto de 1974... (António Murta / António Carvalho / José Manuel Lopes)


Foto 1A


Foto 1B


Foto 2A


Foto 2B

Guiné > Região de Tombali > Nhala (a nordeste de Buba) > 1974 > Agosto de 1974 >  Os "Unidos de Mampatá", em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala (2ª CCAÇ/BCAÇ 4513)... Recorde-se que a CART 6250 foi mobilizada, pelo RAP 2, partiu para o TO da Guiné em 27/6/1972 e regressou em 24/8/1974. Esteve em Mampatá e Ilondé.Comandante: cav mil inf  Luís de Jesus  Ferreira Marcelino, nosso grã-tabanqueiro.

Fotos (e legenda): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Comentário do António Murta (*) [ex-alf mil inf , Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74]

Olá, José Carlos [Gabriel]. Então não te lembras do rapazinho do saco da TAP? Era o Alf Capelão e chegou a ir várias vezes a Nhala em diligências do seu ofício, sujeitando-se às partidas escabrosas dos alferes anfitriões.

Não recordo o nome dele, nem da maioria dos que aparecem nas fotos, embora me lembre de todos. Agora sei os nomes do António Carvalho (camisa aberta, cinturão, cigarro na boca), e do José Manuel Lopes (à esquerda, camisola azul, bigodinho), porque os encontrei aqui na Tabanca Grande. 

Já quanto ao Alf Carlos Farinha, (por trás à esquerda, de óculos escuros, a esconder-se do fotógrafo, aliás, todos os alferes ficaram na parte de trás do grupo), quanto a ele, dizia, nunca me esqueci do seu nome nem do seu rosto, porque chegámos a ser parceiros de "quarto", aquando da minha estadia em Mampatá com o meu Grupo de Combate. 

O Capelão, confesso, não sei se pertencia à CART 6250 de Mampatá. Que eram todos camaradas magníficos, não tenho dúvidas, Cap Luís Marcelino incluído, também ele camarada tabanqueiro.

António Murta (ou só Murta, para os conhecidos!)

22 de fevereiro de 2015 às 00:35 


2. Comentário do António Carvalho (*) [ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74]

Com referência à 2ª foto [2A e 2B]

Na cabine do Unimog: o Zé Manel, da Régua, na frente, de calções às riscas;  e, por trás, o Nina (Mecânico). [Foto 2A]

Entre as Bandeiras: na frente o levanta-minas (Vilas Boas) , de óculos, sentado [Foto 2A]; por trás,  o Vieira da Madeira, de cigarro na boca e bandeira na mâo; por trás deste, o Carlos Farinha (só se lhe vê a cabeça) era o Alferes que substituía o Capitão [Foto 2A].

À direita das bandeiras ( da esquerda para a direita): Quarto da frente, Rato (de camisola vermelha), eu (de camisa camuflada, calças nº 1 e chinelos de dedo), o capelão do Batalhão e o Simões (professor da companhia) [Foto 2B].

Sete de trás: Benvindo ?  Transmissões? Alferes do Pel Caç Nat,  Pinto... O rapaz da camisa à Jimmy Hendrix, seria o  Murta? Alferes Esteves, de Mirandela e o Fernandes de Lisboa (cigarro na mão esquerda) [Foto 2B] (**)

Carvalho de Mampatá

22 de fevereiro de 2015 às 03:37


3. Poema do Josema [José Manuel Lopes], já aqui publicado há uns largos atrás, e onde se evocam alguns dos supracitados "Unidos de Mampatá" (***)... 

[Na altura, em março de 2008, ainda não o conhecia pessoalmente, falávamos ao telefone... Dele escrevi que se tratava de "uma voz muito original, pessoal, uma surpreendente revelação da escrita poética sobre a guerra colonial na Guiné".] (LG]

Calor, cansaço, suor,
saudades de tudo
e de um rio...
mas podia ser pior,
pois há ali o Corubal
com sombras e água boa;
nem tudo é mau, afinal,
não é o Douro, eu sei,
nem o Tejo de Lisboa,
são outros os horizontes,
falta o xisto e o granito,
as encostas e os montes,
mas diga-se, na verdade,
há o Carvalho, 
há o Rosa,
há um hino à amizade,
há o Gomes e o Vieira,
a sonhar com a Madeira,
há o Farinha e o Polónia,
gestos [d]e solidariedade,
há o Esteves e o Pinheiro,
amigos e sinceridade,
há o Nina e até amor,
também sofrimento e dor,
há o desejo de voltar
e um apelo à liberdade.

Josema

Mampatá, 1974


[fixação de texto: LG]
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(**) Último poste da série > 15 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14261: Fotos à procura de... uma legenda (52): a boeira, de Candoz, também conhecida por alvéola ou lavandisca, noutros sítios (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 28 de março de 2008 >  Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...

Para ter acesso à maioria dos poemas publicados (série "Poemário do José Manuel"), vd  poste de 29 de setembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5033: Poemário do José Manuel (30): O sol queima em Colibuia...

Vd. ainda poste de 27 de fevereiro de 2008 >  Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14277: A minha homenagem aos "Unidos de Mampatá" (CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), António Carvalho, José Manuel Lopes (Josema) e Carlos Farinha... (António Murta, ex-alf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)



Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Os "Unidos de Mampatá", em final de  comissão,  foram despedir-se  dos "periquitos" de Nhala... 

Fotos (e legenda): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do  António Murta [ex-alf mil inf , Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74] [, foto atual à esquerda]

Data: 17 de fevereiro de 2015 às 01:25

Assunto: Aniversário do António Carvalho

​Camaradas Luís Graça e Carlos Vinhal.

Vi há instantes que um dos aniversariantes de hoje, é o António Carvalho, de Mampatá. (*)

Tenho duas fotografias, que anexo, de um momento importante da sua comissão na Guiné e que é, precisamente, o fim dela (comissão). Os rapazinhos estão de malas feitas e vão para a peluda. Foram a Nhala despedir-se e atazanar os periquitos locais. 

Podem reconhecer-se também nas fotos o nosso poeta de Mampatá,  José Manuel Lopes [, Josema,] e o Alfero Carlos Farinha,  todos Grã-Tabanqueiros. 

Tão jeitosos que eles eram!

A qualidade destas reproduções de slides, já de si fracotes, é baixa, mas dá para ver.

Se houvesse oportunidade e espaço, era um momento bonito para as publicar e eu ficava muito agradecido. Se não, ficam para quando der jeito. (Ai, se o dia tivesse 28 horas!).

Um abração para vocês,
António Murta
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Nota do editor: