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domingo, 6 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15826: Atlanticando-me (Tony Borié) (9): Aguarela de Miami

Nono episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Aguarela de Miami

Quando se menciona o nome Flórida, logo se associa a Miami, dizem logo, “ho, sim Miami”, é talvez o efeito da publicidade de Hollywood, cidades como São Francisco, Los Angeles, Miami, Nova Iorque, Washington, Las Vegas, Paris, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Colónia, mesmo Lisboa, quase todos as conhecem, embora nunca lá tivessem ido.

Quando se menciona o nome Miami, quase todos nós lembramos os edifícios a sair da água da baía, os barcos de recreio, as praias locais, os corpos de jovens bronzeados, o seu clima quente durante todo o ano, os barcos de cruzeiro a saírem o canal, enfim um certo número de coisas e factos que nos foram vendidas pelas agências de informação, com a colaboração dos média, que todos os dias nos entram pela casa adentro.

A verdade é um pouco diferente, se caminharmos pelas ruas de Miami, encontramos muitas coisas, mesmo muitas, que qualquer pessoa comum, a viver numa cidade, encontra ao sair de sua casa, existem alguns “sem-abrigo”, empurrando todos os seus haveres num carrinho do supermercado, áreas debaixo de pontes e outras infraestructuras, não muito recomendáveis para se caminhar por lá, carros de polícia ou de bombeiros, ambulâncias a toda a velocidade, com sirenes em funcionamento, avisando para que os deixem passar, algumas ruas fechadas ao trânsito, só para comércio e frequentadas por muitas pessoas, de todas as idades, curiosas, algumas fazendo perguntas a que ninguém sabe responder, alguns bairros típicos, que nós, vindo de outras paragens, temos curiosidade em conhecer, portanto, talvez pela curiosidade, como já mencionamos, gostamos de caminhar por lá, como por exemplo, única e simplesmente parar em frente a uma “tasca”, no bairro da “Little Havana”, (Pequena Havana), a que também chamam de “Calle Ocho”, (Rua 8), que é um bairro social, cultural e de actividade política, de refugiados que em tempos vieram de Cuba, onde se pode comer um pão com carne assada de “cerdo”, que nós chamamos porco, beber um “tinto”, que é um café negro, numa caneca sem asa, feito com meios ainda artesanais, adoçado com açúcar da verdadeira cana de açúcar.

Ao saborear esse “tinto”, se fecharmos os olhos, se pararmos de olhar em redor, podemos, na nossa imaginação, lembrar os “Tequestas”, que era uma tribo de Nativos Americanos que já viviam por aqui há mais de mil anos, mesmo antes da era Cristã, que tiveram a infeliz sorte de ser um dos primeiros povos a ter contacto com os europeus, depois deste facto, claro, foram a pouco e pouco desaparecendo. Por volta do ano de 1566, Pedro Menéndez de Avilés, ao serviço do reino de Espanha, navegou por aqui reivindicando toda esta área, chamando-lhe Florida Espanhola e, muitos anos e muitos combates depois, tanto no mar como nas dunas de areia, quando o reino de Espanha fez um tratado com a Inglaterra cedendo-lhe toda esta área, já pouco restava deste povo, tinham desaparecido quase por completo, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.


Se caminharmos pela Miami Beach Boardwalk, que é uma avenida em frente ao oceano Atlântico, em “Miami Beach”, deparamos com uma equipa de fotógrafos que estão protegidos pelos célebres ”guarda-costas”, à espera que a equipa de maquilhadores prepare o rosto de determinada “vedeta”, a preparem-na para ser fotografada, com gestos de aparência, como sendo uma paragem normal, em qualquer esplanada de café, que depois vai correr mundo, dizendo que fulano ou fulana está de férias em Miami, passando uns dias, aí podemos lembrar que aquele local foi onde esteve erguida uma Missão Espanhola, que Pedro Menéndez de Avilés, quando aqui desembarcou, deu ordens para ser erguida, davam-lhe o nome de Missão, mas na verdade era um pequeno forte, armado, habitado por alguma população treinada para combate, pois toda esta área a que hoje chamam Miami, naquele tempo foi sempre um lugar de combate, não só frequentado por corsários, vulgo “piratas”, onde até mais tarde foi palco durante muito tempo da “Segunda Guerra Seminole”, que colocava frente a frente um povo que por aqui vivia em paz, usufruindo do que a natureza lhe oferecia, com o governo de então, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

A Segunda Guerra Seminole foi o resultado de um Tratado assinado por um pequeno número de Seminoles, por volta do ano de 1832, que exigiu aos índios que abandonassem as suas terras na Florida dentro dos próximos três anos, movendo-se para oeste. Claro que os Índios, considerando-se os verdadeiros donos das suas terras, não as abandonaram e, três anos depois, portanto por volta de 1835, o Exército dos Estados Unidos chegou para fazer cumprir o tratado, nessa altura os Índios estavam prontos para a guerra. Um tal Major Francis Dade marchou com o seu Destacamento de Exército, de Fort Brooke para Fort King, não esperando que apenas 180 guerreiros Seminoles, liderados pelos chefes Micanopy, Alligator e Jumper os atacasse, onde apenas um militar sobreviveu à emboscada, talvez para poder contar como tudo aquilo aconteceu, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Voltando a Miami Beach Boardwalk, mais um pouco à frente está um grupo de fotógrafos, com as suas máquinas apontadas a determinada varanda, pois pela tardinha vai haver lá “festa um pouco extravagante”, onde vão aparecer de vez em quando algumas caras conhecidas, que podem ser do desporto ou de Hollywood, quase sem roupa, debruçando-se na referida varanda, com poses estudadas, também para que essas imagens corram mundo, mas não vamos esquecer a tal “vedeta” que se preparava para ser fotografada, de que já falámos, talvez com um copo na mão, cheio de bebida, com pedras de gelo, muito florido, com uma rodela de limão ou laranja, em cima, pendurada de lado no copo, aí, vendo o limão ou laranja, temos que lembrar, na nossa imaginação, Julia Tuttle, que era uma rica produtora de citrinos, nativa de Cleveland e que ainda hoje mantém a distinção de ser a única mulher fundadora de uma grande cidade, onde os primeiros relatos descrevem a zona como um promissor deserto, que nos primeiros anos do seu crescimento chamavam "Biscayne Bay Country", e hoje é Miami, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Já nos estávamos a desviar da guerra, não vamos cortar o fio à meada, como se dizia no nosso tempo, as campanhas da “Segunda Guerra Seminole” foram uma demonstração notável da guerra de guerrilha Seminole. Os chefes Micanopy, Alligator, Jumper e mais tarde Osceola, dirigindo menos de 3000 guerreiros, pelos pântanos e areias desta área da Flórida, lutaram contra quatro generais norte-americanos e mais de 30.000 soldados. A Segunda Guerra Seminole durou 7 anos, foi a guerra mais feroz travada pelo governo dos Estados Unidos contra os Índios americanos, que gastou mais de 20 milhões de dólares, deixando mais de 1500 soldados mortos, não contando as baixas na população civil, que foi incontornável, assim como a relação para gerações futuras, que ficaram marcadas, entre o branco e o Índio Americano, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Tirando toda esta guerra do pensamento, pelo menos por momentos, Miami também pode ser apreciada e fotografada cá de cima, viajando no seu moderno sistema de metropolitano, com pontes sobre os canais e infraestruturas ao longo das ruas e avenidas, deste modo podemos lembrar, na nossa imaginação, Henry Flagler, um magnata dos caminhos de ferro, a quem posteriormente Julia Tuttle convenceu, não se sabe com que meios, a expandir os seus comboios até à região, talvez para transporte para o exterior do produto das suas plantações de citrinos.

Voltando à guerra, Julia Tuttle e Henry Flagler eram amigos, trabalhavam em conjunto, não como muitos anos antes, durante a “Segunda Guerra Seminole”, à medida que as hostilidades se arrastavam, as forças dos Estados Unidos, talvez frustradas, voltavam-se para medidas, algumas desesperadas, para ganhar a guerra, como por exemplo o chefe Osceola que foi capturado e preso quando se reuniu com as tropas dos Estados Unidos para pedir uma trégua, reivindicando e querendo falar de paz.

Com este procedimento, os Estados Unidos, com o chefe Osceola preso, estavam confiantes que a guerra terminaria em breve, mas isso não aconteceu, embora o chefe Osceola tivesse morrido na prisão no ano de 1838, outros líderes Seminoles continuaram a batalha, por mais alguns anos, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.

Uf, tanta guerra e tanto Miami, vamos caminhar para oeste, parar na “Calle Ocho”, beber um “tinto”, que é um café negro, numa caneca sem asa, feito com meios ainda artesanais, temperado com açúcar, da verdadeira cana de açúcar.

Tony Borie, Março de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15806: Atlanticando-me (Tony Borié) (8): Tunica, uma aldeia do Mississippi

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15806: Atlanticando-me (Tony Borié) (8): Tunica, uma aldeia do Mississippi

Oitavo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Uma aldeia do Mississippi

O nosso destino era a cidade de Memphis no estado de Tennessee, era ver o lugar onde viveu um nosso ídolo de juventude, o Elvis Presley, sim o tal que cantava, passando mensagens na letra das suas canções, dançando e fazendo gestos um pouco ousados para a época, tocando uma viola. Quase todos, pelo menos os que andam pela nossa idade se lembram dele.


Viajávamos pelo estado do Mississippi, procurando seguir o mais junto possível ao rio que deu o nome ao estado, o célebre Rio Mississippi, onde numa estrada estadual, quase sempre em linha recta, numa distância de aproximadamente cem quilómetros, podemos atravessar uma centena de pontes, seguindo entre povoações quase desertas, pequenas quintas onde algumas manadas de vacas pastam, pequenos lagos ou terras pantanosas onde crescem árvores e outra vegetação, cujo habitat é a água, onde os “aligatores”, que são uns animais muito parecidos com os crocodilos, vivem num paraíso, naquele lodo coberto por uma vegetação aquática.


Mississippi, Mississippi, sempre gostámos do estado, pelo menos pela paisagem, onde qualquer povoação, sem muitos recursos de sobrevivência, procura sobressair do anonimato, fazendo de qualquer motivo ou facto passado nela uma referência para as pessoas pararem, verem, andarem pelas ruas, darem alguma vida ao pasmo em que normalmente vivem. Isto foi o que nos aconteceu ao cruzarmos a cidade de Tunica, que fica dentro do distrito com o mesmo nome, muito perto do rio Mississippi, onde até o início dos anos noventa do século passado era uma cidade rural, um dos lugares mais pobres nos Estados Unidos, onde a sua população diminuiu a partir dos anos setenta, por ser um bairro com alguma fama, particularmente desprovido de condições de vida, conhecido como "Sugar Ditch Alley", cujas palavras são um pouco difíceis de traduzir, pois não são o que nos parecem traduzidas à letra, este nome explica um pouco mais, não nos orgulha falar nele, era mais uma de tantas aldeias ao longo do Rio Mississippi, habitadas principalmente por afro-americanos que por ali viviam em contacto e alimentados pela natureza, próximos da civilização, mas de uma maneira ou de outra sem acesso à mesma, a nós, com muito respeito pelos seus habitantes de então, dizem-nos que era um esgoto a céu aberto que lá estava localizado.


Vamos em frente com a história, pois felizmente hoje tudo é diferente, a cidade melhorou muito a partir da data que já referimos, pois a sua proximidade ao Rio Mississippi trabalhou em seu favor, teve um desenvolvimento fora do normal, criando uma área de casinos e restaurantes de luxo nas suas proximidades, tendo um crescimento populacional, onde os principais casinos, que atraem visitantes não só do estado do Mississippi, mas também do estado de Tennessee, do Arkansas e outros estados do sul e, onde se emprega quase toda a população da cidade.


Agora falando um pouco de guerra, nesta cidade existe um parque dedicado aos combatentes das diversas guerras em que os Estados Unidos, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidos, não vamos traduzir qualquer legenda, vamos, pedindo desculpa pelo espaço roubado ao nosso blogue, publicar as fotos, pois aqui estes parques são frequentes, fazendo lembrar aos vindouros aqueles que morreram em combate, aqueles que perderam a vida, dando exemplo de coragem, defendendo um futuro, que eles, os vindouros, esperamos possam usufruir em paz.

Tony Borie, Fevereiro de 2016.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15775: Atlanticando-me (Tony Borié) (7): Talvez lá, como cá

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15775: Atlanticando-me (Tony Borié) (7): Talvez lá, como cá

Sétimo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Talvez lá, como cá!

Quando, numa manhã fria de Janeiro do ano de 1965, foram dadas ordens a um Esquadrão de Caças F-105 da Base Americana de Okinawa, no Japão, para que se transferisse para a Base Aérea de Da Nang, no Vietname do Sul, para dar cobertura ao Corpo de Marines, que tinham por missão cruzar o Paralelo 17, que era uma linha de demarcação militar provisória e desmilitarizada entre o Vietname do Norte e o Vietname do Sul, estabelecida na Conferência de Genebra de 1954, que pôs fim à Guerra da Indochina, embora não coincidindo com o verdadeiro paralelo, pois no terreno era uma região um pouco a sul ao longo do rio Ben Hai, na província de Quang Tri, até à vila de Bo Ho Su e dali para oeste até à fronteira entre o Vietname e o Laos, foi quase o mesmo quando anos antes o responsável pelo então governo de Portugal disse em frente às câmaras de televisão, referindo-se ao então ultramar que, “vamos para a guerra e em força”.

Quando no dia seguinte, 49 destes caças levantaram voo da base de Da Nang, para atacar alvos do Vietname do Norte, fazendo com que a partir desse dia a guerra não ficasse mais restrita ao território do Vietname do Sul e, o primeiro desembarque de 3500 soldados americanos em Março, naquele território, já se havia transformado em 200 mil, em Dezembro do mesmo ano e, quando em 1973, as tropas americanas se retiraram do conflito, havia cerca de 58 mil soldados americanos mortos, contudo o conflito prosseguiu com a luta armada entre o Norte e Sul do Vietname, que ficou dividido, terminando em absoluto em 1975, com a invasão e ocupação de Saigon, então a capital do Vietname do Sul e a rendição total do exército sul-vietnamita, foi quase o mesmo quando os militares de Portugal, um ano antes, se revoltaram e destituíram o então governo de Portugal, ficando para trás um número de mortos, nas então províncias ultramarinas, que nós pelo menos não sabemos exactamente, mas devia andar pelas dezenas de milhar, talvez milhões, nas populações que foram ou viriam a ser afectadas pelo conflito, que infelizmente foi armado.

Quando terminou o conflito, no caso do Vietname, os números não eram precisos, mas oscilam entre milhão e meio a dois milhões de vietnamitas mortos, entre civis e militares, onde parte considerável desta população era economicamente activa, que morreu durante o conflito e, como se compreende, este facto provocou uma grave crise económica nos anos seguintes ao seu final, além dos talvez milhões de pessoas, oriundas do Camboja e do Laos, que foram arrastados para a guerra com a propagação deste mesmo conflito.


Comparações com a guerra que vivemos em África? Os números são gigantes, nós chamávamos aos guerrilheiros “Turras”, os americanos chamavam "Vietcongs". Este termo, abreviado para "VC", deu origem ao termo utilizando a fonética militar de "Victor-Charlie" de onde surgiu o nome "Charlie", também como apelido aos guerrilheiros, tirando isto talvez houvesse mais coincidências: na data, no combate e contacto com o inimigo nas selvas húmidas e pântanos da Guiné, mas em cenário de guerra não há lá muita comparação, nós lutávamos com um infinito de dificuldades, tanto em material logístico, como em alimentação, alojamento, assistência médica, evacuação de feridos e mortos em combate, tal como outros motivos de sobrevivência. Valia-nos, entre outras coisas, um pouco de audácia, coragem e improviso, em que éramos e continuamos a ser, pelo menos os que nasceram nos anos quarenta ou cinquenta do século passado, alguns com a instrução escolar mínima, um pouco melhor que a média, talvez por sermos descendentes de diversos povos que em tempos habitaram a Península Ibérica, que eram sobretudo guerreiros por natureza.

Nós aprendemos depressa que aquela era uma guerra que só poderia ter um fim político e não de luta armada, onde uma faca, por vezes era a melhor arma de combate e, a pior, no nosso modesto entender, era um avião. Enquanto os soldados americanos se armaram de grande poder de fogo, em artilharia e aviação de combate para destruir as bases inimigas e impedir as suas ofensivas, pois no terreno praticavam acções defensivas, deixavam a acção ofensiva para os F-105 e helicópteros armados, embora eles fossem treinados e instruídos para guerras ofensivas, os seus comandantes eram psicológica e institucionalmente pouco qualificados para essas acções defensivas, no entanto nós éramos treinados para lutar e ir ao encontro do inimigo, fazer aquelas incursões no terreno, diárias, ir ao encontro, não importava se a zona era perigosa e base de inimigos, nós tínhamos que caminhar por lá, calcar minas e fornilhos mortais, onde o inimigo usava os segredos daquela selva e daqueles pântanos em seu favor, onde havia a necessidade de beber a para nós, “célebre água da bolanha”, motivo por que hoje começam a aparecer sinais de doença, como por exemplo, entre outras, o cancro, de que não se sabe a origem.

Quando o Jack, que nasceu no estado do Wyoming, depois de fazer dois “tours” de seis meses cada à guerra do Vietname, regressou ao continente americano, continuou no Corpo de Marines, seguindo a carreira militar, pois as suas possibilidades de sobrevivência nas planícies do Wyoming eram montar um cavalo durante todo o dia, guardando manadas de vacas ou cavalos, comendo carne de algum animal que tivesse que ser abatido, carne essa que podia ser consumida assada ou seca e curada, para ser comida crua durante sete dias por semana, tal como o nosso sargento da messe, lá no aquartelamento de Mansoa, que era oriundo das planícies do Alentejo.

Quando o Smith, soldado do Alabama, que foi ferido em combate e transferido para o hospital militar de Saigon, hoje se faz transportar numa cadeira de rodas, se orgulha de ser combatente dizendo alto e bom som que não se queixa do destino, pois criou a sua família e sempre foi ajudado pelo governo, que lhe proporcionou algum conforto no meio da sua vida de pessoa com alguma desvantagem. Ou mesmo o John, soldado ferido em combate, a quem posteriormente foi amputado um membro superior, não quer qualquer ajuda, mudando ele mesmo a roda do seu carro, tal como qualquer João, José ou Manuel, companheiros feridos nas savanas da Guiné.

Tudo isto companheiros, vem a propósito de que os soldados americanos regressados dessa guerra, e nós somos testemunhas privilegiadas devido à nossa posição, quando em actividade de oficial da United Steelworkers, que é hoje o maior sindicato de trabalhadores de metalúrgica nos Estados Unidos, porque convivemos durante anos com alguns destes militares, por vezes mediando conflitos, que embora tivessem pouca instrução escolar e estivessem um pouco traumatizados, foram sempre encorajados na procura de trabalho, na compra de casa e outros bens. Existe mesmo um Banco dos Veteranos que lhes facilita empréstimos para compra de habitação ou qualquer outro investimento. Foram sempre preferidos e respeitados, por vezes bastava-lhes dizer que eram veteranos, que quase todas as portas se abriam, claro, havia excepções como em tudo na vida, mas os ainda sobreviventes da guerra do Vietname têm assistência. Existem os Hospitais dos Veteranos, localizados nas principais cidades de quase todos os estados, têm ajudas relativas em algum caso de necessidade extrema e, acima de tudo, orgulham-se do seu passado de combatentes. Quando começamos qualquer conversa, as primeiras palavras deles são para dizer que não querem nem ouvir a palavra, “Vietnam Syndrome”, levantam a cabeça e dizem bem alto que são veteranos de guerra. 

Tony Borie, Fevereiro de 2016.
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Notas do editor

1 - Realce do último parágrafo do texto da responsabilidade do editor

Último poste da série de 14 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Sexto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

Olá companheiros.
Novo ano, oxalá continuemos juntos, pelo menos até às novas Festas de fim de Ano e, já agora com saúde e alegria, no meio de todas estas “modernices”. Se tiveram pachorra, leram a história do Nico, que era Eurico, talvez seja igual a dezenas de “Manéis, Antónios, Josés e Joões, que deixaram o seu país, na esperança de uma vida mais confortável, ou talvez só para ver novos continentes, novos costumes ou novas pessoas.

Não queremos falar no novo título, que dá pelo nome de “Atlanticando-me”, que até nós temos dificuldade em pronunciá-lo, como quase todos já sabem o nosso preferido era “A Pedra da...”, mas esse potencial título já tem dono... o Hélder não o larga, e faz muito bem, pois é muito original e dá “pano para mangas”!.

Voltamos à guerra, às armas de fogo, à Guiné, a Mansoa, onde havia uma comunidade de militares, civis e talvez alguns guerrilheiros onde, para os mais velhos, não era necessário ter divisas, davam ordens aos mais novos, era a regra, era a origem das coisas, cumpria-se e, só depois de cumprir, se “refilava”. O nosso sargento da messe, que na altura devia andar pelos trinta e tais, para nós parecia um “velho”, hoje lembramo-nos que podia ser nosso neto, mas adiante, frequentemente ordenava-me mais ou menos isto:
- Olha, vê se me limpas e oleias a pistola e a G3, porque qualquer dia isto já não dispara.

Nós não estávamos muito familiarizados com armas de fogo, contudo pedíamos ao furriel do pelotão de morteiros, aquele que andava sempre a fumar um cigarro feito à mão, que pertencia ao nosso grupo de “fumadores e bebedores”, que ajudou a construir um cabanal, onde havia uma mesa feita de barris de vinho vazios, onde limpavam e davam manutenção ao equipamento de combate, que depois de limpo andava por ali a dar tiros, aos pássaros da bolanha ou a qualquer outra coisa que mexesse e, ainda hoje não sabemos se esses tiros eram dados para passar a mensagem de que se estava vivo e se andava por ali, ou se eram tiros de raiva contra o sistema que nos mandou para África.

Tudo isto bem a propósito de que o nosso Presidente Obama, limpar algumas lágrimas em frente a um canal de televisão, lamentando tantos tiros que por aqui são dados, onde morrem adultos e crianças inocentes, as suas lágrimas também são nossas, juntamo-nos a ele nesta luta para acabar com a venda de armas de fogo a qualquer um que as queira comprar, sem haver uma identificação rigorosa, seguida de um treino em estabelecimento apropriado, que devia durar o tempo suficiente para que no final o instruendo pudesse ser avaliado por um júri qualificado.


Falámos com o nosso vizinho a respeito de armas de fogo, ele, que por aqui vive há mais de dez anos, veio de Nova Iorque com a esposa, andam pela nossa idade, emocionado disse-nos mais ou menos estas palavras:
- Após meses de exame de consciência, decidimos comprar um revólver, não foi uma decisão de ânimo leve, pelo menos os nossos filhos tentaram dissuadir-nos, mas depois do que vemos e ouvimos na televisão todos os dias, com actos de violência em todo o lado, ficámos com a sensação de que deveríamos fazer algo diferente, não estamos dispostos a esperar que alguém nos proteja, temos a sensação de que devemos ser nós a assumir a nossa segurança. Também sabemos que não somos os únicos a lutar com esta decisão, pois as lojas de armas em todo o país estão a revelar um aumento nas suas vendas, entendemos que é um facto triste que as vendas de armas vão para cima depois de um qualquer tiro ou ataque terrorista, mas uma coisa é certa, não temos ilusões, pelo menos nós, que somos seres humanos, portanto criaturas emocionais, vamos continuar a ser boas pessoas e bons vizinhos, apesar de possuirmos uma arma de fogo, contudo não vamos continuar a ser um alvo fácil, vamos fazer como alguém já disse, “quando tentarem roubar-te a vida, fala macio e mostra um cajado dos grandes", pelo menos nós, não nos queremos sentir num alvo fácil.

Por aqui, em alguns estados, a venda de armas é quase um ritual normal, quase como ir a um “supermercado”, comprar, batatas, cebolas, arroz e pão, para consumo normal de uma vida normal, abastecer-se, embrulhar e trazer para casa, só com a diferença que devem preencher um simples formulário, que posteriormente será entregue ao departamento de segurança da sua área, entretanto, já saem armados do estabelecimento, dizem-nos até que armas de fogo, munições e outras partes de equipamento de combate, são um investimento, compra-se uns milhares de munições calibre tal, passado um tempo já valem mais, mesmo na “feira das pulgas”, que é uma feira de fim de semana, que se realiza na área onde vivemos, já abriu uma loja de armas de fogo, está sempre ocupada com potenciais clientes honestos, ou futuros homicidas, dizem-nos que compram armas para protecção pessoal, colecção, divertimento de tiro ao alvo, ou para a caça aos ursos, fazendo de nós pessoas inocentes, “uns grandes ursos”.

De um modo ou de outro, todos nós sabemos uma coisa que cada vez se torna mais verdadeira, anda por aí muito idiota, que não consegue controlar-se e decide largar toda a sua raiva em pessoas inocentes, usando uma arma de fogo. Se entrevistarem 10 pessoas que possuem armas de fogo, pelo menos 6 vão responder que entre outras coisas é por receio ao terrorismo, palavra muito frequente entre o nosso vocabulário, enquanto combatentes, lá nas bolanhas e savanas da então nossa Guiné.

Antes de terminar, só mais um pequeno pormenor, há por aqui estados, como por exemplo o Texas, onde possuir uma arma de fogo é normal, como qualquer cidadão usar um par de sapatos para protecção dos pés, portanto é uma sociedade quase armada, mas educada por gerações, onde se respeitam, pois quando se cruzam duas pessoas na rua, não vão entrar em conflito, pois sabem que tanto um como o outro podem estar armados, portanto é uma sociedade altamente resistente a qualquer ataque

Tony Borie, Fevereiro de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15716: Atlanticando-me (Tony Borié) (5): Nunca é tarde (5)

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15716: Atlanticando-me (Tony Borié) (5): Nunca é tarde (5)

Quinto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - Capítulo 5

Companheiros, o tempo cura tudo, o nosso interlocutor, à parte, disse-nos que quando era jovem, também sofreu uma grande dor de amor, pois a sua namorada fugiu para uma praia no México, com o seu melhor amigo, que sabia todos os seus segredos, anos mais tarde, regressaram, pedindo-lhe perdão e, ele já não se lembrava da cara da namorada, mas adiante.
Lembram-se que no último episódio o Mike deixou a política? Cá vai a continuação.

Agora, o Nico, com o filho Mike, à frente de todos os negócios, tinha mais tempo livre, começou por dizer ao filho:
- Eu não preciso de te dizer nada que tu já não saibas, gere os negócios dos teus avós, o melhor que puderes, e se vires que eu ajudo em alguma coisa só dizes, que eu vou acabar com os pensamentos horríveis que tenho na cabeça.

O Mike, ao ouvir estas palavras da boca do pai, ficou um pouco assustado, e responde:
- Que pensamentos horríveis, são esses pai?
E o Nico, diz-lhe:
- Quero ir a Portugal, ver se os teus avós, ainda estão vivos.
O Mike, abraça-se ao pai, e diz-lhe:
- Até que enfim, ganhaste coragem, vai, se forem vivos, podias trazê-los, aqui há muito espaço para eles.


O Nico, outra vez com coragem, vem no comboio até Nova Iorque, compra passagem num navio com bandeira italiana que fazia a carreira da Europa, passando por Lisboa, e embarca.

Passados uns dias, com uma pequena paragem no porto de Vigo, Espanha, desembarca em Lisboa, vem um pouco nervoso, não sabia bem se era dos nervos ou outra coisa qualquer, mas não vinha confiante. Toma o comboio para a cidade de Aveiro, toma um táxi, viajando para o lugar onde vivia quando jovem, que o deixa à porta da taverna, que já não era taverna mas sim um café, com uma esplanada com algumas cadeiras. Entra sem dizer nunca quem era, pergunta pelos pais, se ainda eram vivos, e o dono, homem novo, não se recordava de ninguém com esse nome. Nesse instante, vem de lá de dentro uma mulher, que estava na cozinha, limpando as mãos ao avental que trazia vestido, e diz:
- Devem ser aqueles que viviam naquelas terras perto do canal de água salgada. Oh, já morreram há alguns anos, estão no cemitério numa campa muito bonita, logo à entrada, está sempre cheia de flores.

O Nico não pôde ouvir mais, primeiro começaram uns suores frios, depois começou a faltar-lhe a vista, a cambalear, sentou-se numa cadeira, os donos do café, vendo-o assim, perguntam-lhe:
- O senhor sente-se bem? Oh homem vai buscar um copo com água. Meu Deus, que o senhor está com uma cara!
O Nico, bebeu a água, já com um pouco mais de força, respondeu:
- Não é nada, deve de ser da fraqueza, pois ainda hoje não comi nada, mas digam-me onde é o cemitério?

O Nico, depois de informado, caminha com passos lentos até ao cemitério, vai direito à campa onde pensa que os seus pais estão enterrados, vê uma senhora vestida de preto, ajoelhada na frente da campa, rezando. Ele, a muito custo, pois as palavras não lhe saíam, pergunta:
- Desculpe, é aqui que estão enterrados?...

Não acabou de terminar as palavras, pois essa senhora era a Dina que esperou toda a sua vida pelo seu amor. Ao ouvir estas palavras, logo reconheceu o seu Nico e, tal como fez, quando ele lhe pediu para namorar com ele, o encheu de beijos, na frente de toda a gente. Agora se levantou, olhou para o Nico, abraçou-se a ele, dizendo:
- Eu sabia que regressarias, tal como prometeste, eu acreditava, sabia que falavas verdade quando me disseste que logo virias para casar comigo, me ias levar para os Estados Unidos, afinal, era verdade, continuo com o meu enxoval completo, esperando por ti.
Em seguida lhe contou todos os anos de ausência, esperando por ele, os seus pais, na altura da sua morte, deixaram uma carta onde o perdoavam e o compreendiam.

Casaram numa capela das Gafanhas, regressando ambos aos Estados Unidos, onde o Mike, antigo político de profissão, ao recebê-los, sorridente, de braços abertos, tal como fazia nos comícios de propaganda do seu partido, lhes disse:
- Então pai, que mãe mais bonita me arranjaste, não deve nada à minha falecida mãe. Parabéns pai.

E o clube dos Açores fechou de novo as portas ao público para celebrar uma festa privada, comemorando a chegada do patrão Nico e da sua esposa.

E em breve iria fechar de novo as portas ao público, mas desta vez para celebrar a festa de casamento do Mike, pois andava de amores com uma rapariga cujos bisavós tinham emigrado dos Açores, que era desinibida e sem preconceitos, tinha cabelo preto, quase castanho que lhe tocava nos braços quando lhe falava e usava uma saia curta, mesmo curta, um pouco abaixo do joelho, que quando se movimentava, os deixava ver.

Fim.

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15689: Atlanticando-me (Tony Borié) (4): Nunca é tarde (4)

domingo, 31 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15689: Atlanticando-me (Tony Borié) (4): Nunca é tarde (4)

Quarto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é Tarde - Capítulo 4

Hoje voltámos a ver o nosso interlocutor, que além de falar, gosta de “Mal Assadas”, que é um doce característico da região dos Açores, também gosta de vinho tinto e o seu clube preferido é o Dallas Cowboy, por causa das raparigas com pouca roupa, que iniciam o espectáculo. Não sei se estão lembrados, o último capítulo terminou com a morte da Diane, cá vai a continuação.

O Nico, agora viúvo, passava os dias, triste, sempre lhe vinham as lágrimas quando via na sua memória a falecida Diane, sorrindo-lhe. Não quis mais tirar as licenças de capitão de barco, nos primeiros tempos queria morrer também. Chegou mesmo a pensar em sair para o mar de barco, atirar-se borda fora, simulando um acidente. Aos poucos foi resistindo, começou a pensar no filho Mike, iria fazer tudo para fazer o que a falecida Diane lhe pediu nos últimos dias de vida, que era para o fazer homem honrado, digno do património dos avós.

O Mike, na universidade não tinha muita vocação para finanças, o que adorava era a política. Fazia parte do comité de estudantes na altura das eleições para senador do estado, ajudava como voluntário, até tirava licença na universidade para andar por outras cidades, fazendo campanha. Gostava de política e iria ser um político.
O pai Nico dizia-lhe:
- Mike, todo o património dos teus avós tem que ser administrado por alguém, esse alguém és tu, pensa bem meu filho.
Mas o Mike, sorridente, como a falecida mãe, logo lhe respondia:
- Pai, não me ponhas responsabilidade e pressão em coisas que não penso, que por agora não me interessam, sabes o que agora me interessa? É que o senador que eu ajudo, seja eleito. Toma um beijo, vai divertir-te. Porque é que não vais ao teu Portugal, ao teu continente?
E saía, porta fora, carregando bandeiras e panfletos de propaganda do seu senador.

Os sogros de Nico tinham todas as propriedades bem administradas. Tinham encarregados em algumas quintas de gado, que sabiam o que faziam, alguns eram das ilhas, que ajudou a emigrar, eram sérios e respeitadores. Na empresa marítima, já era diferente, era um grupo de sócios, administrado por uma gerência, com alguns advogados e estava a seguir em frente, com as contas prestadas todos os meses, com esclarecimentos a todos os sócios. Portanto, estava tudo a rolar sem problemas. O Nico também já tinha conhecimento da organização e, em alguns casos, já assinava alguns papeis, mas ocupava o seu tempo em algumas quintas, vendo o gado pela manhã. Ao meio dia vinha a casa, comia algo, sozinho, depois ia até à empresa marítima, regressando de novo a casa. Não podia passar em frente ao bar onde se juntava com a falecida Diane, que lhe vinha um forte ataque de choro, tinha que parar o carro, era mais forte do que ele. A memória da falecida estava bem viva.

Nunca mais tinha ido a Portugal, a principal razão era a vergonha, não tinha coragem de enfrentar a Dina, se a voltasse a ver, chegou a convidar os pais para virem ao seu casamento, mas não vieram, respondendo-lhe que eram pessoas de uma só cara, honrados, que cumpriam a sua palavra, coisa que ele não fez. Estavam ambos vivos, mas não o queriam ver, depois do que fez à Dina. E diziam mesmo, nas cartas que a princípio escreviam, que tinham perdido um filho, mas tinham ganho uma filha, que era a Dina.

Estas palavras, agora sozinho, começavam a vir de novo ao seu pensamento, algumas vezes já ocupavam mais o seu pensamento do que as saudades da sua querida Diane, e pensava:
- Que sorte a minha, meu Deus, vim à procura da fortuna, encontrei-a, agora sou rico, financeiramente, estou em muito boas condições, mas estou sozinho e infeliz, não sei se vou resistir muito mais. Nesse mesmo dia, ao cair da tarde, os sogros vieram visitá-lo, e disseram-lhe:
- Então Nico, como vais homem? E o nosso neto Mike, como vai nos estudos? Aparece lá por casa, leva-o, queremos ver o nosso neto, tens que começar a sair mais de casa, ninguém vai dar vida à nossa Diane.
E dito isto, limparam umas lágrimas.


Passaram uns anos, o Nico foi aos poucos tomando conta de toda a organização e do património dos sogros, o Mike, acabou o curso de finanças, mas era deputado na cidade, andava em campanha para presidente da câmara. Ajudava o pai, mas pouco, todo o seu tempo eram reuniões do partido e envolvido na campanha. Passados uns meses foi  eleito presidente da câmara.

O clube dos Açores fechava muitas vezes ao público, pois estava sempre ocupado com reuniões e comícios, do presidente Mike, que estava a subir na política a olhos vistos.

O Nico andava com uma ideia, que cada vez lhe ocupava mais o pensamento, não podia viver mais no meio de toda aquela riqueza, sabendo os seus pais velhos, em Portugal, que já não respondiam às suas cartas, algumas pedindo perdão, há alguns anos. Tinha que fazer algo, estes pensamentos atormentavam-no, ocupavam a sua mente durante todo o tempo, algumas vezes, já não pensasse na falecida Diane, até já nem olhava para a sua fotografia quando se levantava pela manhã, qdepois de acordar de alguns sonhos, onde os pais o corriam, dizendo:
- Sai da nossa frente, desgraçado, que nos envergonhaste, repara naquela rapariga!

E via a figura da Dina, que não era bem a Dina, era uma árvore onde ela aparecia, com cara de amor, chorando, quando da sua despedida e, os juramentos de amor eterno, logo lhe vinham ao pensamento, passando o resto do dia atormentado.

Os sogros, passado um tempo, foram internados numa casa de pessoas idosas, onde os tratavam muito bem, mas para eles tanto fazia bem ou mal, pois já estavam ambos com uma doença, não conhecendo nem se lembrando de ninguém, balbuciando apenas algumas palavras que não se compreendiam. Os doutores diziam que estavam por dias, meses, ou até talvez anos, mas não tinham cura, iriam morrer assim.

O filho Mike andava a concorrer para senador, iria ser eleito, pois o partido investiu nele, no entanto, o Nico, tinha uma ideia diferente a respeito do filho e, comentava só para si:
- O meu filho não vai suportar por mais tempo ser o pau mandado de todos aqueles ricalhaços, que só querem é leis que os protejam, para continuarem a fumar charuto e olharem para um cifrão, sem quererem saber de mais nada, a não ser os seus privilégios, enriquecerem com prejuízo de todas as pessoas, principalmente aquelas com menos recursos financeiros, os ditos pobres. Eu conheço o meu filho, ele qualquer dia “bate com a porta”, como se dizia lá nas Gafanhas, em Portugal.

Como estava certo o Nico nos seus pensamentos, na verdade o senador Mike foi eleito, exerceu por quase dois anos o seu mandato, chegou a ser nomeado o porta-voz do partido no congresso, no entanto não exerceu o cargo, pois as ideias que o seu partido lhe comunicava para ele dizer e fazer no senado, não iam de acordo com os seus sentimentos, renunciou ao cargo, com a desculpa que tinha que se encarregar dos negócios da família, pois entretanto os avós morreram, o seu pai já estava um pouco avançado na idade.

E deste modo renunciou ao cargo, numa altura que tinha um futuro bastante promissor na sua frente, se concordasse com as ideias do seu partido, no entanto, foi a pessoa de descendência portuguesa que exerceu um cargo com mais valor no governo dos Estados Unidos.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15662: Atlanticando-me (Tony Borié) (3): Nunca é tarde (3)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15662: Atlanticando-me (Tony Borié) (3): Nunca é tarde (3)

Terceiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - Capítulo 3

Hoje, vimos e falámos com o nosso interlocutor, é uma autêntica “picareta falante”, nunca está calado e, repete tudo, para ver se entendemos, não sei se estão recordados, o Nico encontrou uma nova rapariga de nome Diane, cá vai a continuação da história.

Passado um tempo, já se viam aos fins de semana, nas festas que se realizavam no clube dos Açores e, numa dessas festas, um dos presentes, homem já de uma certa idade, oriundo dos Açores, com responsabilidades numa quinta, propriedade do pai da Diane, pergunta-lhe:
- Ó companheiro, de que ilha é o senhor, lá nos Açores?
O Nico, muito admirado com a pergunta, responde:
- Eu não sou dos Açores, eu sou do continente.
E logo lhe responde, o outro:
- Então não é dos Açores, e anda a dançar com a filha do patrão!

O Nico ficou embaraçado, não soube o que responder, no entanto tomou alguma coragem e, quando teve oportunidade, perguntou à Diane:
- Tu és filha do meu patrão?
Ao que ela respondeu, sorrindo:
- Eu tentei manter esse pormenor em segredo, com receio que isso afectasse a nossa boa relação, todavia, não é só o meu pai que é dono. O meu pai, na altura, tinha dois barcos de pesca, associou-se à empresa, mas há mais sócios, mas isso não impede que sejas meu amigo, ou impede?
Ele, de novo embaraçado, responde:
- Não, não, só que uma rapariga bonita como tu, andares na companhia de um empregado...
Ela, não o deixou acabar de falar, e disse-lhe:
- Achas que sou bonita? Então por que esperas?
Ele, ainda mais embaraçado, responde-lhe:
- Espero, porquê?
E ela, desinibida, alegre, responde-lhe:
- Para me dares um beijo e, começares a namorar comigo.

O Nico ficou como uma criança, de cinco anos, a quem dão um brinquedo e não sabe para que serve. Primeiro, o seu pensamento parou, depois pensou na Dina, depois olhou para a Diane, mirou-lhe o corpo, de alto a baixo, fixou-lhe os olhos, viu ternura, carinho, talvez amor, paixão, um desejo percorreu-lhe o corpo, sentiu mesmo vontade de a beijar, como ela lhe pediu, não resistiu mais, quase sem querer, beijou-a na face. Ela, nesse momento, fechou os olhos, e pensou: "Ele é mesmo bonito. Vai ser o meu marido, custe a quem custar".

A Diane era uma mulher desinibida, sem preconceitos, sabia o que queria, não deixou mais o Nico, que aos poucos foi rareando as cartas para Portugal, acabando mesmo o namoro com a Dina e, claro, passado algum tempo, o clube dos Açores, na cidade de São Diego, estado da California, num domingo de primavera, fechou para o público, pois iria receber uma grande festa privada, que era a cerimónia do casamento da Diane com o Nico. Este, quando deu um beijo na Diane, após o padre, perante as pessoas presentes que enchiam a igreja, os ter pronunciado marido e mulher, pensou por instantes: "Como foi possível ter vindo tão longe, encontrar um amor numa mulher que eu não conhecia, que agora é minha esposa, que eu adoro. Como Deus é grande, sou tão feliz".
E a Diane, nesse preciso momento, pensava: "Eu sabia que este homem iria ser meu. Que feliz que me sinto".


A Diane, passado uns tempos, fica grávida, nasce um rapaz, o clube dos Açores volta a fechar para o público, pois realizou-se o baptizado do filho da Diane e do Nico, que ficou com o nome Michael, mas que todos chamavam Mike. A Diane era filha única, o Mike cresce com toda atenção que é possível dar a uma criança, em que toda a família põe os olhos, pensando que no futuro será um líder.

Os pais da Diane também tinham outras propriedades, onde pastavam grandes manadas de vacas, com grandes pomares de árvores de fruto. O Mike frequentou escolas privadas, sempre com bom aproveitamento, nos tempos livres andava pelos jardins da casa e nas propriedades dos avós, descalço, a correr, atrás dos pássaros, para ver onde faziam os ninhos. Já mais crescido ingressa numa universidade, para continuar a estudar, com a intenção de se graduar em finanças, pois era essa a disciplina que a família queria, mas o Mike tinha outras ideias.

Certo dia pela manhã, o Nico, ao levantar-se diz à Diane:
- Vou para a escola de novo, vou tirar as licenças de capitão de barco, para mim é fácil, pois já sei toda a técnica, embora não vá exercer, quero ter as licenças de capitão.
Ela, como sempre, sorridente, responde-lhe:
- Se é esse o teu sonho, realiza-o, mas creio que é mais útil se começares a tomar conta de alguma administração das propriedades dos meus pais, até mesmo lá na empresa marítima.
O Nico ficou a pensar. Os pais da Diane já não eram novos, e diziam-lhe:
- Vocês deviam ir morar por uns tempos, lá no campo, naquela propriedade ao norte, ver como é bom cheirar as flores das árvores, agora sozinhos, com o Mike na universidade, até vos fazia bem, e claro, começavam a olhar por aquilo, pois nós já não somos crianças.

A Diane, quando ficou grávida, e depois quando do nascimento do Mike, teve alguns problemas, teve mesmo que ir para o hospital um mês antes de a criança nascer, os doutores na altura recomendaram que não tivesse mais filhos, pois já a mãe tinha tido o mesmo problema, quando do nascimento da Diane. Agora andava com algumas dores em toda a região da barriga, só ela sabia como se sentia, algumas vezes tentava esquecer, mas as dores estavam lá, por todo o tempo e um dia pela manhã, diz ao Nico:
- De algum tempo para cá, tenho uma dor aqui, não é bem aqui, parece que é em toda esta zona.

Quando dizia isto, apalpava, toda a zona do estômago, em baixo... O Nico não a deixou acabar de falar. Imediatamente lhe disse:
- Vamos já ver o nosso doutor, já me devias ter dito isso. És uma pessoa que toma tantas atitudes e esta não. Por Deus, veste-te, arranja-te, vou já telefonar a marcar consulta para esta manhã.

Foram ver o doutor, que depois de a analisar, a manda internar no hospital para exames. A Diane foi internada, e nos exames foi-lhe detectada uma doença nova, a que nos dias de hoje, chamam câncer. Não resistiu, morreu uns meses depois, com dores de sofrimento, mas sorrindo, sempre que olhava para o Nico, o grande amor da sua vida.

O clube dos Açores voltou a fechar para o público, pois realizou-se um beberete, depois das exéquias do enterro da Diane.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)

domingo, 17 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)

Segundo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - 2 

Nesta viajem que fizemos à Califórnia não pudemos ouvir o nosso interlocutor, mas prosseguimos com a história, não sei se estão lembrados, o Nico regressa da segunda safra, lá na Terra Nova, cá vai a continuação.

Depois de mais esta “safra”, regressa de novo, a Dina e os pais esperam-no na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de contentamento, em terra continua aprendendo inglês no liceu da cidade de Aveiro, namorando com a Dina e exercendo funções no seu trabalho temporário. Embarca para a terceira “safra”, o mesmo se segue, abraços à Dina, com beijos e promessas de fidelidade até à morte, a bordo, todos o conhecem, qualquer coisa que não funcione bem, é ao Nico que se dirigem, às vezes ignorando o capitão. Vêm de novo a terra, ao porto de St. John’s, no mar da Terra Nova, abastecerem-se, entre outras coisas, de água fresca e isca, o Nico já fala inglês com alguma facilidade, conhece outros mecânicos, pessoal de outros barcos, de outras nacionalidades. Há um capitão de um barco, de nacionalidade americana, que falando com ele, tomando conhecimento da sua especialidade a bordo, vendo nele um homem robusto e novo, oferece-lhe um contrato para trabalhar num barco de pesca nos Estados Unidos, no sul da Califórnia. O Nico, não lhe diz que sim, nem que não, mas ficam com o contacto um do outro. Regressa a bordo, é quase meia noite, mas no lugar do globo onde se encontra, ainda é dia, cá fora, no convés, escreve mais uma carta apaixonada à Dina, com promessas de amor que, quem sabe, talvez nunca virá a cumprir. Põe essa carta no correio, no porto de St. John’s, no mar da Terra Nova.

Quando veio pôr a carta no correio para a Dina, vai de novo ao local onde se encontrava o tal capitão que lhe tinha feito a oferta, falam de novo, vão ao barco desse tal capitão, acertam tudo, quanto iria ganhar, quais as condições, como ia decorrer o processo, assina algumas folhas que eram só futuras promessas. Regressa a bordo, não sabe porquê, está confiante, sente-se um homem, apesar de ser um jovem ainda, pensa só para si: Há um ditado que diz que o comboio não passa duas vezes, portanto vou apanhar este, pode ser que seja o meu.

Regressou de mais uma “safra”, lá estava a Dina e os pais a espera na entrada da barra, mais beijos, abraços e lágrimas, no regresso a casa, o pai diz-lhe:
- Ó Nico, chegou há dias uma carta dos Estados Unidos para ti, está lá em casa para tu veres.

O Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser algum amigo que eu conheci no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Depois disto chegaram mais cinco cartas, o Nico, abriu-as, algumas continham documentos para preencher e assinar, outras eram pedidos de diversos certificados. Deu aviamento a tudo, sempre com desculpas de que eram amigos a escreverem-lhe, como ninguém compreendia inglês, a não ser ele, foi fácil enganar os pais e a Dina. A sua vida continuou a correr normalmente em terra, os beijos à Dina, o liceu, continuando a aprender inglês e o trabalho temporário na cidade de Aveiro.

Embarca para uma quarta safra, tudo normal, a bordo continua a ser uma pessoa popular, mesmo o capitão João o chama muitas vezes para que lhe traduza algumas cartas em inglês ou para ouvir e responder às pessoas que avisam naquela zona do globo como está o tempo. Pouco a pouco vai-se inteirando de todas as tarefas a bordo, ganha experiência, vai resolvendo muitos problemas. Quando vêm meter isca a terra, fala e convive com pessoas de outras nacionalidades, em inglês, quase sem dificuldade, escreve cartas à luz do dia, embora seja meia-noite, com juras de amor eterno à Dina que, mais uma vez, não sabe se vai cumprir.


Regressa, lá está a Dina e os pais, acenando-lhe na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de alegria, no regresso a casa, o pai diz-lhe:

Ó Nico, estão lá, mais umas tantas cartas para ti. E o Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser de algum amigo que eu conheci, no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Uma dessas cartas era do consulado dos Estados Unidos, para tratar de uns tantos documentos e apresentar-se para receber um visto e ir trabalhar para uma empresa marítima na Califórnia. Arranjou todos os documentos, o governo de Portugal, nesses tempos, depois de cumprir quatro anos na safra do bacalhau, não lhe pôs qualquer dificuldade.

Vai ao consulado, é entrevistado, recebe um visto para emigrar para os Estados Unidos, regressando a casa, com alguma coragem, diz ao pai e à mãe:
- Vou emigrar para os Estados Unidos.

Contando-lhes toda a história desde o princípio, agora tinha que dizer à Dina. Foi vê-la, olhando-a nos olhos, explicou-lhe:
- Dina, meu amor, não podemos perder esta oportunidade... Explicou-lhe tudo desde o princípio, com a promessa de que iria na frente para ver como as coisas iriam correr, logo viria casar, levando-a para junto de si. Outra promessa, que não sabia se iria cumprir. O Nico, mais uma vez se despede com beijos, abraços e algumas lágrimas e embarca num navio de origem italiana, rumo aos Estados Unidos, desembarcando em Nova Iorque. Recebe nova documentação, toma o comboio, ao fim de uns dias sai na estação de caminhos de ferro “Santa Fé”, na cidade de São Diego, no estado da Califórnia, dirigindo-se à empresa marítima que lhe ofereceu emprego, que imediatamente lhe proporcionou alojamento, sendo uns dias depois, colocado em determinado barco de pesca, começando o seu trabalho.

Sabendo o idioma inglês, conhecendo todo o sistema das máquinas da embarcação melhor do que ninguém, novo e sempre disponível para ajudar, em pouco tempo começou a ganhar a confiança dos colegas, que o convidavam para frequentes festas, que se realizavam nas redondezas. Numa dessas festas conhece uma rapariga que falava algumas palavras em português, pois os avós eram oriundos dos Açores, mas tanto ela como os pais já tinham nascido na Califórnia, chamava-se Diane, já era a segunda vez que se cruzava com ela, pois a primeira foi no parque de estacionamento da empresa marítima, viu-a chegar de carro, ele ia entrando para o barco, pois iriam sair para o mar dentro de minutos, viu-a, despertou-lhe a atenção, pois ela fechou a porta do carro, com o pé, quase com um pontapé.

E pensou para si, na altura: Porra, mulher duma figa. Só na América.

Este foi tema de começarem a conversar, entendiam-se, ela queria falar português, ele não se importava da companhia dela, tinha cabelo preto, um pouco acastanhado, era da altura dele, usava saia curta, um pouco abaixo dos joelhos, quando ela se movimentava, podia mesmo ver-lhe os joelhos, para ele, ela parecia-lhe bonita, falava com alguma desenvoltura, como já se conhecessem há anos. Ao Nico, dava-lhe a impressão que a Diane não tinha preconceitos, tratava-o por tu, tocava-lhe nos braços ao falar com ele, pedia-lhe para falar em português e, quando o Nico falava, ela ouvia-o com atenção, não sabendo se era para aprender português ou porque estava interessada nele, enfim, deixava-o confuso e, ao mesmo tempo, ficava a pensar nela.

Quando ficava a pensar na Diane, pegava na caneta e escrevia cartas apaixonadas à Dina. Ao fim de algum tempo, já não sabia se escrevia à Dina pensando na Diane, ou se pensava na Dina e queria ver a Diane. O certo é que já não sentia tanto a necessidade de escrever à Dina.

Primeiro, começaram por encontrar-se por acaso no bar que havia junto à empresa marítima, onde em geral, todos os trabalhadores do mar se encontravam, depois já marcavam encontro, dizendo um ao outro:
- Amanhã, à mesma hora.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 10 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15602: Atlanticando-me (Tony Borié) (1): Nunca é tarde (1)

domingo, 10 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15602: Atlanticando-me (Tony Borié) (1): Nunca é tarde (1)

Ano Novo, nova série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66). Hoje iniciamos "Atlanticando-me" com o primeiro episódio de Nunca é tarde.




Nunca é tarde - Capítulo 1

Ano Novo, “Título Novo”, desta vez chama-se “Atlanticando-me”, não sabemos se está bem escrito, perdoem lá, vai ficar assim, pelo menos este ano de 2016, a palavra, no nosso modesto entender, quer mais ou menos dizer, que os nossos desejos são aproximar-nos ainda mais desse lindo País, que é Portugal!


Posto isto, vamos à conversa de hoje.

Companheiros, já lá vão uns anos, o nosso filho estava no cumprimento do seu dever, fazendo parte do Corpo de Marines dos USA, estacionado numa base da Califórnia, nós, dadas as facilidades de transporte, pois havia uma companhia aérea que saía de Nova Iorque pela manhã, chegando a Los Angeles à noite, tinha oito ou nove paragens, em diversas cidades, carregando e descarregando pessoas e mercadoria, era uma espécie avião de correio, os lugares eram sem marcação, portanto se saísse num aeroporto e regressasse ao avião, já o nosso lugar poderia estar ocupado por outro passageiro, mas era barato, era quase o preço de um jantar para dois.

Deste modo, talvez duas vezes ao mês, íamos à Califórnia, fazíamos companhia ao nosso filho, levando-lhe entre outras coisas, comida da mãe, muitas vezes estava cumprindo as suas tarefas, logo, não podia estar connosco, então andávamos por ali, frequentando algumas vezes o clube dos Açores, que havia numa cidade próxima, onde um senhor, já de uma certa idade, nascido nos USA, cujo pai fora emigrante, oriundo dos Açores, depois de alguma conversa, sabendo que éramos oriundos da região de Aveiro, nos foi contando a história desta personagem. Nós, pela informação que fomos recolhendo, vamos descrever a história, vai ser em alguns capítulos, pois o espaço no nosso blogue é de ouro, mas vale a pena ler, é uma odisseia de um emigrante, de uma geração antes da nossa. O título é “nunca é tarde”, cá vai o primeiro capítulo:


Os pais do Nico tinham algumas terras na região das areias, mais propriamente nas Gafanhas, mesmo encostadas ao canal de água salgada, a sua mãe, quando o via chegar a casa, todo sujo, com alguma lama nas pernas, logo lhe dizia, com cara de pai:
- Qualquer dia vais ficar enterrado na areia, ninguém te lá vai buscar. Vai lavar-te e não entres em casa assim.

E já mais calma, pensava:
- Isto é que é um vício. Não precisamos de berbigão para nada, pois é tanto, que até o damos aos porcos, este rapaz, sempre metido na areia suja, valha-me Deus!

O Nico, o seu verdadeiro nome era Eurico mas todos lhe chamavam assim, era aquele rapaz muito popular, tipo “o rapaz nosso amigo, da casa do nosso vizinho”, havia muitas pessoas no lugar, que conviviam com ele desde que nasceu, não sabendo o seu verdadeiro nome, era o Nico, que todos gostavam e andava por ali. Na primavera, o seu passatempo preferido era andar aos ninhos, pois já sabia onde os pássaros das terras alagadiças costumavam pôr os ovos. Ajudava os pais no que podia, às vezes ia à taverna fazer recados aos vizinhos, mas a maior parte do seu tempo era passado chafurdando na areia escura, durante a maré baixa, procurando berbigão e às vezes enguias.

Os seus pais tinham tido uma menina antes, que morreu ainda bebé com uma doença ruim, como eles diziam, depois nasceu o Nico, faziam tudo para que o rapaz crescesse com alguma saúde, não gostavam muito que andasse sozinho, mas ele gostava de andar pela beira das terras, encostadas ao canal, descalço, metido na areia, com alguma lama, às vezes, quando a maré já começava a subir, ele até tentava nadar para o meio do canal, era assim, estava-lhe no sangue, adorava água, correr pelas terras, descalço, queria liberdade. Chega a idade, frequenta e termina a escola primária, os pais matriculam-no numa escola da cidade de Aveiro, compram-lhe uma bicicleta, para ir e vir todos os dias, com alguma dificuldade, pois não era muito bom aluno, termina o quinto ano na área de indústria.

Os pais, procurando um futuro para o seu filho, assim que souberam que o senhor Capitão João, que andava na pesca do bacalhau na Terra Nova, estava em terra, logo foram ter com ele, pedindo-lhe:
- Senhor capitão, queríamos pedir a vossa senhoria, o favor, se podia recomendar o meu Nico para embarcar na próxima safra, pois já completou o curso industrial.

O senhor capitão João, informa-os de como devem proceder, o Nico faz os exames, tira a cédula marítima, embarcando como serralheiro mecânico, na próxima safra, no navio bacalhoeiro onde o senhor capitão João era o comandante, seguindo rumo às águas frias do norte do Atlântico, mais propriamente à região de Newfoundland, mais conhecida entre os pescadores portugueses, por Terra Nova.

A Dina, cujo verdadeiro nome era Albertina, era mais nova uns meses do que o Nico, vivia umas casas acima, no mesmo lugar onde vivia o Nico, conheciam-se desde crianças, os vizinhos diziam sempre que eles eram namorados, eram um para o outro, ela completou a escola primária, aprendendo em seguida costura, era a costureira do lugar, muito boa rapariga, todos sabiam que andava perdida de amores pelo Nico.

Quando o Nico completou o quinto ano da escola industrial, os pais deram uma pequena festa para a família e vizinhos mais próximos, onde compareceu a Dina, sempre sorridente e amável para com o Nico, que se enche de coragem e lhe diz:
- Dina, não sei como começar.., mas agora que já completei a escola e vou trabalhar, queria que fosses a minha namorada.

A Dina não cabendo em si de alegria, agarrou-se aos beijos ao Nico, na frente de todos, fazendo estes compreenderem que algo de verdadeiro e sério iria começar entre os dois. Passavam muito tempo juntos, faziam planos para o futuro, a Dina começou a costurar o seu enxoval, entretanto o Nico, embarca para a primeira safra do bacalhau, houve beijos e lágrimas de despedida, promessas de amor eterno, que seriam um do outro até à morte, vieram todos ver o barco sair a barra, junto farol.

No navio, a vida era totalmente diferente do que o Nico imaginava, havia muita disciplina, muito trabalho, as horas de dormir estavam marcadas, tinham que se ajudar uns aos outros, o Nico adorava liberdade, correr pelas terras alagadiças, andar descalço, foi muito difícil os primeiros tempos, até que começou compreender o regime de bordo, aos poucos foi-se habituando, cumprindo o melhor que podia as suas tarefas, regressando com alguma alegria ao ver a Dina, na entrada da barra, acenando-lhe com os braços abertos, assim como os seus pais, esperando-o.

No tempo que está em terra namora a Dina, continuam com as promessas de amor eterno, arranja um trabalho temporário na cidade de Aveiro. Matricula-se outra vez na escola só para aprender o idioma inglês, chegou a altura de embarcar de novo, outra vez beijos, abraços, lágrimas, e lá vai o Nico em direcção aos mares da Terra Nova, já tem alguma prática, tem algum controle no seu tempo, já resolve alguns problemas mecânicos a bordo, já o consideram uma pessoa quase indispensável, vêm a terra, cremos que ao porto de St. John’s, no mar na Terra Nova, abastecer o barco, entre outras coisas de água fresca e de isco para a faina da pesca, como já fala algumas palavras em inglês, todos o querem acompanhar, já é popular a bordo.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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domingo, 3 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15570: Libertando-me (Tony Borié) (50): Em direcção ao sul

Quinquagésimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 30 de Dezembro de 2015.




Em direcção ao sul

Viajando pelas montanhas do estado de Pennsylvania, que estão localizadas a norte do equador, se, na nossa imaginação tomássemos uma qualquer estrela como referência no nosso trajecto, iríamos verificar que, embora lentamente, ela se movia para trás, ao contrário de nós que viajávamos em frente, isto talvez seja o efeito de que o dia tropical, portanto a sul do equador, embora seja uns segundos mais pequeno, nesta altura do ano existe mais tempo de luz, mas como as estrelas estão a uma enorme distância, vistas a “olho nu”, de nós seres humanos, é de uma diferença enorme.

Isto tudo companheiros, vem a propósito de que nos meses de inverno, estas montanhas, sem neve, dão-nos a sensação de um cenário lunar, com áreas e áreas sem qualquer vegetação e, onde ela existe, é rasteira e queimada pelo frio. De vez em quando uma família de veados, procurando no alcatrão partido da estrada, qualquer vegetação que tenta sobreviver com o calor desse mesmo alcatrão, ou um urso preto, que se pendura num galho seco de uma qualquer árvore, procurando chegar à sua ponta, para depenar alguma flor ou rebento que tenta vir à luz do dia.

Chegámos sem neve, partindo sem a ver.

Viajámos de retorno ao sul, seguindo o mesmo trajecto, pagando, entre outras coisas, gasolina um pouco mais cara e as tais “portagens do norte”, debaixo de nevoeiro e alguma chuva miudinha, até ao estado de Virgínia, parando na área da pequena cidade de Petersburg, de que hoje vamos falar.

Deixando a estrada rápida 95, seguindo pela estrada estadual 301, pouco depois encontramos a pequena cidade de Petersburg, no estado de Virginia que foi um local estratégico durante a Guerra Civil Americana e cenário de diversas batalhas. Existe aqui um Centro de Visitantes, administrado pelo Serviço Nacional de Parques, dedicado à área das batalhas travadas durante o Cerco a Petersburg, nos anos de 1864 e 1865, que foi determinante para o fim da Guerra Civil Americana. Depois de vermos uma exposição e alguns filmes sobre todos estes acontecimentos, pudemos viajar de veículo automóvel pelos antigos campos de batalha, vendo aqui e ali as trincheiras, os locais estratégicos, as barricadas, alguns monumentos comemorativos, do que foram, entre outras, a “Batalha de Cinco Forquilhas”, que destruiu uma parte considerável do restante exército confederado de Virgínia do Norte, local onde alguns historiadores designam por "Waterloo da Confederação", pois a “Batalha de Cinco Forquilhas” ajudou a pôr em marcha uma série de eventos que levaram à rendição de Robert E. Lee, na aldeia de Appomattox Court House.

Não querendo roubar espaço ao nosso blogue, vamos ser breves na história que nos diz que Petersburg lutou a partir de 9 de junho de 1864 a 25 de março de 1865, durante a Guerra Civil Americana, embora seja mais conhecido popularmente como o Cerco de Petersburg, que não era um cerco militar clássico, em que uma cidade geralmente é cercada e todas as linhas de abastecimento são cortadas, nem foi estritamente limitado a acções contra Petersburg, pois a campanha consistiu em nove meses de guerra de trincheira em que as forças da União, comandados pelo Tenente-General Ulysses S. Grant, assaltou Petersburg sem sucesso e, em seguida, as linhas de trincheiras construídas que eventualmente se estenderam ao longo de 48 km, a partir dos arredores a leste de Richmond, para cerca de uma periferia leste e sul de Petersburg, foram cruciais para o fornecimento do exército confederado do General Robert E. Lee e a capital confederada de Richmond, onde numerosos ataques foram realizados e batalhas se travaram na tentativa de cortar as linhas de abastecimento, tornando assim a diminuição dos recursos confederados.


No entanto, o General Robert E. Lee, cedeu à pressão no ponto em que as linhas de abastecimento foram finalmente cortadas e um verdadeiro cerco começou em 25 de Março, abandonando ambas as cidades em Abril de 1865, o que levou à sua retirada e rendição na aldeia de Appomattox Court House. De salientar que o cerco de Petersburgo era uma cópia da guerra de trincheiras que era comum na Primeira Guerra Mundial, que ganhou uma posição de destaque na história militar. Também não podemos esquecer que deste cerco fez parte a maior concentração de guerra das tropas americanas africanas, que sofreram pesadas baixas.

A batalha de Appomattox Court House, travada na manhã de 9 de Abril de 1865, foi uma das últimas da Guerra Civil Americana. Era o final do Exército da Virgínia do Norte que pertencia ao Exército Confederado do General Robert E. Lee, onde já não tinha escolha a não ser render-se.

A assinatura dos documentos de rendição ocorreu na sala de estar da casa propriedade de Wilmer McLean, na aldeia de Appomattox, na tarde de 9 de Abril, numa cerimónia formal marcando a dissolução do Exército da Virgínia do Norte, dando liberdade condicional aos seus oficiais e soldados, impondo assim, de forma eficaz, o fim da guerra em Virgínia, onde este evento desencadeou uma série de resgates em todo o Sul, levando assim ao fim da Guerra Civil Americana.

Não querendo ser o General Robert E. Lee, rompemos o cerco, seguindo em direcção ao sul, já era noite no estado de Carolina do Sul, logo a seguir ao “South of the Border”, de que já falámos por diversas vezes. Numa qualquer área de descanso, das muitas que existem ao longo da estrada rápida número 95, dormimos umas horas, tal como fazem centenas de famílias viajantes que regressam ao sul e, ou não têm recursos financeiros para uma estadia num hotel, ou entendem que não é necessário, parando pouco tempo, ocupar um quarto de hotel. De um modo ou de outro, nós, “viajantes do mundo”, chegámos à nossa Flórida, onde já existe sol, não “frio de rachar”.

Tony Borie, Dezembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15545: Libertando-me (Tony Borié) (49): Newark, New Yok, Newark

domingo, 27 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15545: Libertando-me (Tony Borié) (49): Newark, New Yok, Newark

Quadragésimo nono episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 24 de Dezembro de 2015.




Newark, New Yok, Newark! 

Devíamos de ter na altura, talvez 8 ou 9 anos de idade, foi quando celebrámos a “comunhão cristã”, que colocámos nos pés a primeira protecção, uns sapatos usados, oferecidos ou emprestados, não sabemos ao certo, pelo companheiro Carlos, filho do Santos dos Correios de Águeda, que tinha vindo dos lados de Leiria. Até essa idade, era “pé descalço”, no inverno, nas manhãs de geada, divertíamo-nos partindo o gelo das poças de água com os pés, nos carreiros da nossa aldeia, era uma bricadeira agradável, pois o gelo derretia com mais facilidade.
Ufa, até nos arrepiamos só de lembrar, mas é Dezembro, ainda não vimos neve, está muito frio por aqui, mas esta história de colocarmos nos pés a primeira protecção, para nós, ainda é considerada “o nosso primeiro Dia de Natal”.

Deixemos o passado, nesse bonito Portugal, vamos falar de hoje, chegámos a Nova Jersey, viemos em trânsito para Nova Iorque, passámos na cidade de Newark, visitámos a portuguesa Ferry Street, procurámos os lugares nossos conhecidos, onde moravam as personagens de que vos temos falado, está tudo diferente, no lugar do “Bar do Minhoto” está um Restaurante Grill, que aceita reservas via internete; onde morava a Gracinda está um parque de estacionamento, onde uma senhora afro-americana, nos atendeu, embrulhada num enorme casaco e cachecol, pois o frio era muito, teve dificuldade em receber o pagamento e guardar o dinheiro, pois usava umas luvas sem a parte dos dedos, onde sobressaiam umas “unhas azuis”, muito compridas. Perguntámos se falava português ou espanhol, pois era a “Ferry Street”, com um sorriso matreiro, respondeu-nos qualquer coisa como, “mi non habla”.

A Ferry Street tem algumas árvores, está limpa, alguns canteiros com flores, onde havia a loja do Orlando está um grande edifício de um Banco, os estabelecimentos têm portas de vidro, não mais aquelas portas em madeira, que “chiavam”, alguns restaurantes têm esplanadas nos passeios, está uma Avenida para turistas.

Vamos em frente, deixámos a viatura na cidade de Newark, seguindo de comboio, pois o estacionamento na cidade de Nova Iorque é muito caro. Estava nevoeiro, quase cerrado, como se dizia na minha aldeia. Atravessámos um dos túneis do rio Hudson que desagua na ilha de Manhattan, que é o mais densamente povoado dos cinco bairros da cidade de Nova Iorque, que se situa na ilha com o mesmo nome, delimitada pelos rios Hudson, East e Harlem, sendo um dos principais centros comerciais, financeiros e culturais do mundo. É o coração da "Big Apple", é onde estão os arranha-céus, cujas imagens correm o mundo, como o Empire State Building. As luzes de néon no Times Square ou os teatros da Broadway, nós saímos na área do World Trade Center, visitámos mais uma vez o museu educativo, dedicado ao “11 de Setembro”, meditámos em homenagem às vítimas, tomando em seguida o “subway” para a Rua 53, junto da Quinta Avenida, caminhando, fomos vendo a Catedral de São Patrício, parando por mais tempo na área do “Rockefeller Center”, onde está a árvore de Natal que tradicionalmente é um abeto vermelho da Noruega, sendo iluminada por 30.000 ecológicas luzes, que envolvem mais de cinco milhas de fio eléctrico, coroada por uma estrela de cristal Swarovski. Esta árvore de Natal é um símbolo mundial em Nova York, foi acesa pela primeira vez na quarta-feira, 2 de Dezembro, com performances ao vivo na Rockefeller Plaza, entre as Ruas 48, 51, e a Quinta e Sexta Avenidas, onde dezenas de milhares de pessoas todos os dias enchem as calçadas para assistir a este evento, que milhões podem assistir em todo o mundo pelos meios de comunicação que hoje existem.
Faz este ano 83 anos que foi iluminada pela primeira vez, e permanecerá acesa, podendo ser visitada até ao dia 7 de Janeiro de 2016. Oxalá seja a mensageira de Paz para todos nós, em especial para os nossos companheiros combatentes.


Comemos “pretzels cookies”, que é um biscoito típico, parecido com pão, feito de massa, em forma de um nó torcido, que teve origem na Europa, provavelmente entre os mosteiros da Idade Média, que se vende em qualquer quiosque de rua, em Nova Yorque e não só. Continuando a nossa jornada, vendo os edifícios da cadeia de televisão NBC, do Rádio City Music Hall, onde em frente algumas “Rockettes”, que são as tais raparigas que dançando, levantam a perna esquerda ou a direita, todas ao mesmo tempo, fazendo uma coreografia de “cabaré do século passado”, convidam a partilharmos momentos inesquecíveis juntos, experimentando a magia do Natal, transformando tudo num país das maravilhas onde o “Pai Natal” não se cansa de espalhar elogios a todos.

Parámos por momentos no “Times Square”, já andam em montagem de estruturas para as celebrações da passagem de ano, continuando, pela Sétima Avenida, em direcção à estação de comboio “Pennsylvania”, que se localiza na Rua 34, por baixo do edifício de grandes eventos desportivos e não só, que é o célebre e histórico “Madison Square Garden”, onde tomámos o comboio de regresso à cidade de Newark, em Nova Jersey, de novo na portuguesa Ferry Street, onde tivemos a sorte de encontrar um restaurante que dá pelo nome de “Bar & Restaurante Sagres”, com charme, num espaço acolhedor, música ambiente, onde numa escala de dez, damos a nota dez, onde o Henrique, um simpático jovem, que se dedicava ao ensino em Portugal e veio para os EUA há uns anos para “ver a neve”, e que por cá ficou, nos atendeu com simpatia, servindo-nos “Chistorra” e “Bacalhau à Casa” com natas e camarões, que estava bom, mesmo muito bom, oferecendo-nos no final, um copo com vinho do Porto.

Não sabemos se era o efeito do vinho do Porto ou se sonhávamos, mas retornando à Ferry Street, já no regresso, em direcção ao parque de estacionamento, não vimos roupas escuras, xailes, tranças e bigodes, mas sim uma jovem, usava um sapato alto de cada cor, umas meias compridas de um azul escuro, por baixo de uma saia que parecia o lenço que a minha avó usava à cintura, quando ia à romaria do Senhor dos Passos, na vila de Águeda, onde uma espécie de blusa só lhe tapava parte da frente do seu corpo, mascava “chiclets”, algumas pinturas, não para tornar a face mais atractiva, mas sim diferente do normal, o perfume não era exótico, era diferente, o cabelo era curto, pintado com uma cor que nem era verde nem azul, usava óculos à “Hollywood”, não nos olhos, estavam colocados a segurar o cabelo, um casaco de “cabedal” amarelo, debaixo do braço onde usava umas cinco ou seis pulseiras que brilhavam e completavam a história do seu vestuário, falava alto, numa linguagem sem preconceitos, havia “frio de rachar” mas estava excitada, recebendo o calor, talvez do cigarro que fumava, pois era parecido com aqueles que nós algumas vezes, quando estávamos com o moral em baixo, fumávamos lá na então nossa Guiné, pela coreografia talvez fosse alguma descendente da Inês, aquela portuguesa espanholada, do nosso tempo da Ferry Street.

Boas Festas para todos, em especial aos companheiros combatentes e, já agora, se não é pedir muito, que continuemos juntos pelo ano de 2016, com saúde, alegria em ainda por cá andarmos, que nunca nos falte a panela a cozinhar no fogão e alguma “protecção nos pés”.

Tony Borie, Dezembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15514: Libertando-me (Tony Borié) (48): Vamos para Norte

domingo, 20 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15514: Libertando-me (Tony Borié) (48): Vamos para Norte

Quadragésimo oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




Vamos para Norte

Com atenção ao trânsito, ouvindo música, conversando com a nossa companheira e esposa, viajámos mais de setecentas milhas na óptimas estradas do sul. Parecem pistas, onde se viaja sem custos até entrarmos nos tais estados no norte, encostados ao Oceano Atlântico, bastante comerciais e industriais. Aí começamos a pagar por usar as estradas rápidas, tal como na Europa, as tais “Portagens” e, a estrada não apresenta um bom estado de conservação, não se comparam com as do sul, a única razão compreensível, é que necessitam de reparação frequente, pois o inverno no norte é rigoroso.

Já passámos Washington, é o mesmo que passar de sul para norte, não sabemos se ainda existe a tal influência da federalização das dívidas contraídas ao longo da guerra de independência, pelos estados, onde, os estados do sul já haviam pago a maior parte das suas dívidas, de que já falámos no texto anterior, o que é certo é que ainda hoje, no ano de 2015, no sul, viajamos pela estrada rápida número 95, em óptimo estado, sem pagar qualquer “portagem”, a partir de Washington, existem curvas acentuadas, descidas, subidas, túneis, onde se paga “portagem”; pontes, onde se paga “portagem”; troços de estrada em melhores condições, mas também, onde se paga “portagem”; então se passarmos o estado de Nova Iorque, continuando para norte, com várias pontes e túneis, continua-se a pagar “portagem”, chegando a pensar algumas vezes que era preferível viajar de avião, pois compensava.

Mas os emigrantes que regressam de visita aos estados do norte, onde tiveram residência e ainda estão os seus familiares e amigos, querem viajar de veículo automóvel, pois no regresso querem parar em Nova Jersey, na histórica cidade de Newark, na portuguesa “Ferry Street”, e comprar, além de bacalhau e azeite, talvez, latas de conserva de atum dos Açores, marmelada, rebuçados “São Braz” ou sabão “Clarim”, para levarem para sul, onde agora vivem, e quem sabe, talvez lembrar a Inês, aquela portuguesa espanholada, que além de fumar “Malrboro” e, tudo o que já dissemos a seu respeito, também usava, pelo menos ao fim de semana um perfume exótico, parecido com aquele que usavam as filhas do Libanês, lá na vila de Mansoa, na então Guiné Portuguesa, que lhe trouxe a Eulália, que trabalhava na “fábrica dos perfumes”, que vivia maritalmente com o Zé Paulo, um rapaz muito educado, que servia ao balcão no “Bar do Minhoto”, no seu tempo livre, pois trabalhava a tempo inteiro na construção, fazendo parte do “gang” do Manuel Murtosa, marido da Gracinda, mulher honrada e respeitadora, que não falava na vida de ninguém, mas não perdia qualquer oportunidade para fazer gestos eróticos com os dedos da mão, piscar o olho ou apalpar o rabo ao Zé Paulo, que era um jovem que ao chegar do trabalho na construção, tomava banho, arranjava as unhas, vestia com elegância, com uma camisa branca e um laço preto, com que atendia ao balcão do “Bar do Minhoto”, onde sem o querer, dada a sua posição, facilitava encontros para, entre outras coisas, trabalho, pois sabia quem precisava de força laboral e quem procurava trabalho, sabia dos problemas, alegrias e desgostos de quase toda a comunidade, indo muitas vezes levar a casa alguns emigrantes que por lá ficavam a beber até mais tarde, como por exemplo o “Carlos das Pombas”, pois viviam no mesmo edifício.


Este bom homem, o “Carlos das Pombas”, cujo apelido lhe foi dado porque trabalhando na “fábrica da reciclagem”, que se localizava próximo de algumas pontes, lá para os lados do Porto de Newark, vivia amargurado, dizendo que tinha perdido a sua honra porque um dia, vendo centenas de pombas, que viviam debaixo das já referidas pontes, pensando “numa valente arrozada”, pediu a alguém uma espingarda e, aquilo era, cada tiro meia dúzia das bonitas aves que vinham parar ao chão, alguém passou por lá, talvez sentindo-se molestado, nunca ninguém soube, ouviu tiros, avisou a polícia, uns minutos depois passa por lá um carro policial, em silêncio, com dois polícias armados, que vendo um homem de caçadeira na mão, naquele local, onde a ramagem quase cobria um homem e o terreno era alagadiço, logo pensaram tratar-se de algum “ajuste de contas da máfia”, o melhor era irem embora com o mesmo silêncio com que vieram, contudo, com alguma coragem, de pistola em punho, foram-se aproximando e, ainda a uma certa distância, ficaram algo surpreendidos, ao verem o Carlos a descalçar as botas, tirar as calças e ir em cuecas, apanhar uma pomba à água, que tinha caído ao lado do rio e ainda esvoaçava.

Quando o Carlos se volta, ainda dentro da água, em cuecas, ao ouvir os polícias ordenarem-lhe prisão e para que fique quieto, mudou a cor do seu rosto, ia-lhe dando uma tontura que quase mergulhava na água, largou a pomba, começou a tremer, tendo um dos polícias entrando na água para o socorrer, claro, os polícias esperaram que se vestisse de novo, foi algemado e levaram-no preso.

Toda a Ferry Street soube da desgraça do Carlos, a sua esposa, a Lucinda, que trabalhava na “fábrica dos perfumes”, juntamente com a Eulália, foram à esquadra em seu socorro, primeiro com o senhor padre, da Igreja Nossa Senhora de Fátima, que falava muito bem inglês, que era um português do Bunheiro, uma localidade próxima da vila da Murtosa, em Portugal, depois logo apareceu o sargento da polícia, filho de portugueses nascidos no Minho, que o libertaram com a responsabilidade de se apresentar ao juiz no dia seguinte, que derivado ao bom comportamento anterior, lhe confiscou a arma, sentenciando-o, entre outras restrições para o futuro, com uma multa por não ter licença de usar arma de fogo e uma pena de serviços comunitários por o período de algum tempo, mas a partir desse momento foi sempre um homem amargurado, não se cansando de dizer que tinha sido preso em cuecas e que era agora a vergonha da família.

Ferry Street, Ferry Street!

Tony Borie, Dezembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15483: Libertando-me (Tony Borié) (47): É Dezembro, vamos ao Norte