Guiné > Região de Tombali > Corredor de Guileje > 26 de Março de 1973 > O Cap Pára João Cordeiro, comandante da CCP 123 / BCP 12, no meio do grupo do Marcelino da Mata. Foi ele que comandou a operação de resgate do Pilav Ten Miguel Pessoa, ejectado sob os céus de Guileje, depois do seu Fiat G-91 ter sido abatido por um Strela, na véspera... (*)
Foto: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados.
1. Mensagem de
Pedro Miguel Pereira Cordeiro, sob a forma de comentário ao P4216 (**):
Caros Senhores
Desde já agradeço a gentileza de todos os que fizeram questão que eu tomasse conhecimento deste poste.
Eu, a minha Mãe e a minha irmã mais velha Patrícia acompanhámos sempre o meu Pai nas 2 comissões que fez, uma em Angola (onde nascemos os dois) e a segunda na Guiné, na qual veio, tal como referido, a falecer.
Por altura do seu falecimento já faltava muito pouco tempo para terminar a sua comissão e, como a minha Mãe estava grávida da minha irmã mais nova e estava a passar muito mal, voltámos pouco tempo antes para a
Metrópole.
O seu falecimento foi, e ainda hoje é, um golpe brutal para a nossa família que se fez, aumentou e encurtou sempre em teatro de guerra. Sou pois, também, um filho dessa guerra que vocês vivenciaram de forma tão intensa, cada um à sua maneira.
Frequentei o Colégio Militar onde fui colega de tantos outros filhos de ex-combatentes: Bação Lemos, Brito, Santiago, Veiga, Quintans dos Santos, Alvarenga, só para nomear alguns do meu curso Colegial. Da guerra a maior parte de nós ouvimos histórias em segunda e terceira mão, raras vezes aos nossos Pais (os que ainda os tinham), desbotadas e incertas.
Sempre pensei seguir as pisadas do meu Pai e tornar-me Pára-quedista de carreira. Quis o destino que. no último ano do Colégio, um incidente com um oficial me tivesse mostrado tudo o que a tropa pode ter de mau... resolvi não dar mais um desgosto à minha Mãe e ainda hoje não sei se fiz bem.
O certo é que hoje, homem feito (quase 40 anos), sei muito pouco de meu Pai e menos ainda do Militar que foi. Se os ex-combatentes falam pouco da Guerra, menos falam ainda aos filhos de camaradas falecidos...
Este foi o primeiro testemunho não solicitado e, como tal, imparcial a que tive acesso. Por tal estou profundamente agradecido, afinal é parte da minha história, da história do Avô das minhas filhas!
Alguns de vocês acharão estranho, mas a verdade é que passo pouco tempo sem pensar no meu Pai, a sua ausência é, para mim, muito presente, assim seja com todos os nossos filhos quando nos formos, de preferência que fiquem um pouco mais conscientes dos nossos predicados, defeitos e humanidade. Tal foi-me negado, qualquer acrescento é um tesouro inestimável!
Peço desculpa se me alonguei demais mas para mim a guerra foi anteontem e vai estar presente na minha vida até eu morrer.
Um grande abraço e muito obrigado.
Pedro Miguel Pereira Cordeiro,
filho do Cap Pára João Costa Cordeiro
2. Pronto depoimento, a meu pedido, sobre o Cap Pára João Cordeiro, cmdt da CCP 123 (Bíssalanca, BA 12, 1972/74), por parte do
Manuel Rebocho, ex-sargento pára-quedista da CCP 123 (Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento:
A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975) (***).
Meu caro e camarada Luis
Conheci, para o bem e para o mal, muito bem o Capitão Pára-quedista Cordeiro.
Também para o bem e para o mal, o que fui na Guiné deveu-se a ele: primeiro pelo ódio que tínhamos um pelo outro, depois pela cumplicidade a que a guerra nos obrigou, que nos tornou amigos. Fizemos as pazes, assumindo ambos que havíamos cometido um excesso em determinada altura.
Na minha tese de doutoramento dedico-lhe, também para o bem e para o mal, várias páginas.
O Capitão Cordeiro faleceu num salto em pára-quedas, porque o mesmo não abriu. Salto esse que foi efectuado sobre o nosso batalhão, [BCP 12,] em Bissalanca.
Escrever para um filho sobre o comportamento do pai não é, para mim, tarefa fácil.
Tenho recebido vários e-mails de camaradas que me pedem uma cópia da tese, alegando que a mesma lhe terá sido enviada por mail, mas lê-se com dificuldade. Talvez algum amigo do Capitão Cordeiro queira enviar ao Miguel uma das ditas cópias que parece andam a circular.
Mas uma coisa adianto ao Miguel: o ódio que eu tinha pelo seu pai e vice-versa, resultou mais de uma criancice do então 1.º Sargento Pára-Quedista Catarino (comigo há sempre nomes, nunca me peçam que os omita), que lhe foi fazer queixas minhas, de factos que o próprio Catarino tinha criado.
O Capitão Cordeiro foi pouco hábil e criticou-me severamente e eu respondi-lhe à letra, o resto é fácil de imaginar. Os melhores Sargentos colocaram-se do meu lado, alguns Oficiais seguiram-nos e o Comandante mandou calar toda a gente, e arrumou o assunto.
Nenhum tivera razão. Todos nos excedemos e todos perdemos.
Já na Guiné, e por sugestão do Capitão Cordeiro, perante todos os graduados da CCP 123, aceitámos dividir as responsabilidades do que havia acontecido. Para citar as palavras do Capitão Cordeiro, "dividimos a bicicleta ao meio". Pelo que, há 38 anos que eu, ao falar sobre o assunto, assumo que tive 50% de responsabilidades no lamantável incidente, cuja verdadeira responsabilidade foi dum terceiro.
Um abraço
Manuel Rebocho
3. Comentário de L.G.:
Meu caro Pedro: Só temos, para já, dois pequenos comentários sobre o seu pai, enquanto militar. Talvez se arranje mais, no futuro, incluindo postes e fotos. (Vieram de dois antigos camaradas da FAP, o então Pilav Ten Pessoa, o primeiro a ser abatido por um Strela; e o Manuel Rebocho, que era então, em 1973, sargento pára-quedista na subunidade comandada pelo seu pai.).
É o nosso testemunho, solidário... Espero que o ajude a também reorganizar as suas memórias de infância e adolescência, você que estava lá, na Guiné, nesse fatídico dia em que o pára-quedas do seu pai não se abriu... (****).
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 19 de Março de 2009
Guiné 63/74 - P4051: FAP (18): Kurika da Mata (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)
Vd. também poste de 14 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)
Caro João [Seabra]:
(...) Quanto ao Cap Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de pára-quedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino, quando me recuperaram do corredor do Guileje.
"Podes ver uma foto do Cap Cordeiro no post 4051, durante a acção em que fui recuperado. Senti muito a sua morte num estúpido (mas sempre possível) acidente num salto de treino, na Guiné. Um abraço. Miguel Pessoa" (...).
(**) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4216: Comentários que merecem ser postes (4): Homenagem à memória do Capitão Pára-quedista João Costa Cordeiro (João Seabra)
(***) Vd. postes anteriores desta série:
20 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)
21 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P4060: Meu pai, meu velho, meu camarada (2): Militar de carreira, herói da 1ª Grande Guerra, saiu do RAP 2 como eu (David Guimarães)
21 de Março de 2009 >
Guiné 63/74 - P4062: Meu pai, meu velho, meu camarada (3): No Dia Mundial da Poesia (António Graça de Abreu)
24 de Maio de 2009>
Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)
26 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4420: Meu pai, meu velho, meu camarada (5): A minha família e o RAP2 (Vila Nova de Gaia) (David Guimarães)
14 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)
Caro João:
(...) Quanto ao Cap Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de pára-quedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino, quando me recuperaram do corredor do Guileje.
"Podes ver uma foto do Cap Cordeiro no post 4051, durante a acção em que fui recuperado. Senti muito a sua morte num estúpido (mas sempre possível) acidente num salto de treino, na Guiné. Um abraço. Miguel Pessoa" (...).
(****) Vd. postes do Manuel Rebocho:
14 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)"
(...) tomei contacto com o vosso/nosso blogue, através do então Furriel Miliciano José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (a que abandonou Guileje, em 22 de Maio de 1973), o grande herói de Gadamael Porto, que, não obstante isso, também não faz parte da história oficial da Guerra da Guiné"(...).
28 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
21 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
4 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)
5 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)
17 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho).
22 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho