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terça-feira, 13 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15245: Inquérito "on line" (7): Estava em Bissau quando em 7 de maio de 1974 chegou o TCor graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, esse sim o último Com-Chefe. Conheci também o Schulz, o Spínola e o Bettencourt Rodrigues (António Dâmaso, SMor PQ ref, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


O último Governador Geral e Comandante-Chefe, Carlos Fabião (1974)... Aqui na foto ainda capitão e depois major,  comandante do Comando Geral de Milícias (1971-973), ao tempo de Spínola... 

Foto de autor desconhecido, reproduzida aqui com a devida vénia.
In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d., pp. 332 e 335. 


1. Mensagem de hoje do António Dâmaso [srg mor PQ ref, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74]

Assunto - Governadores da Guiné

No vosso inquérito, a meu ver, parece-me que se esqueceram de mais um governador.

Vejamos, eu fui contemporâneo de quatro Governadores e Comandantes-chefes da Guiné.

Quando em 17NOV66 a 17ABI68, fui colocado na BA12 e seguidamente no BCP12, era o Comandante-chefe o General Arnaldo Schulz.

Reportando a governação deste à época, tenho a dizer que houve uma grande atividade operacional por parte do BCP 12 que lhe deu direito à medalha de Cruz de Guerra de 1.ª Classe.

Quando lá apareceu o Brigadeiro Spínola, eu já não lá estava.

"Levei" com ele nas duas comissões seguintes: 20MAR69 a 10JUN70 e 18NOV72 a 30AGO74. Este militar, apesar de ter alguma preferência pelos oficiais de Cavalaria, esteve muito tempo dentro do teatro de operações e conseguiu implantar a “psico” de juntar as Populações perto de Aquartelamentos, construir moranças e criar legislação que protegia os indígenas de maus tratos por parte de militares metropolitanos.

Assisti mais de uma vez a palestras de receção a militares, em que este dizia aos militares aquilo que gostavam de ouvir de um chefe militar, por outro lado era a sua postura nas visitas aos Aquartelamentos e teatros de Operações... Sempre gostou de arriscar e teve sorte, morreu de velho.

Quando em 1961declinei a oferta de ir para a PM {, Polícia Militar], quis o destino que não o tivesse tido por 2.º Comandante, fui para Lanceiros 1

Depois havia a sua habilidade de convivência com as Populações, que era muito boa e era considerado o Homem Grande. Depois desta convivência e análise politica e militar, previu que a guerra não era ganha militarmente.

Para muitos, foi um Cabo de Guerra, mais tarde no 11MAR75, assisti "in loco",  na BA3, à sua partida [para o exílio], num  Heli que o levou à Base de Talavera de la Frontera.

Também lá estava quando fui comandar um Pelotão, integrado na CCP 121, para fazer guarda de honra na receção ao general Bettencourt Rodrigues quando este foi substituir o General Spínola, na minha modesta opinião não tenho conhecimentos para avaliar o desempenho deste senhor general, apenas sempre admirei a sua verticalidade de não alinhar com os revoltosos quando em 26ABI74, invadiram o seu gabinete. E como não alinhava com eles, deram-lhe voz de prisão e recambiaram-no para cá.

Este militar teve muita sorte na sua recusa, porque não passou pela vergonha de ter entregado a Guiné ao PAIGCV.

Imediatamente a seguir a 25 de Abril, vi muitos Periquitos posicionados nas esquinas das ruas de Bissau

Ainda lá estava quando em 07MAI74, chegou o TCor graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião, que este sim foi fazer a transferência.

Lembro-me que quando este senhor lá chegou, se preocupou com a sua segurança e a do palácio, recebi ordem para ir levantar 20 Jeeps ao Exército, estas viaturas depois, algumas equipadas com canhões sem recuo, serviam de equipamento para uma CCP fazer a segurança ao palácio.

Por último, tenho dúvidas se Arnado Schulz e Spínola, participaram na guerra civil de Espanha.


PS - Caros camaradas, apesar de tudo, e do comentário acima,  sou um spínolista.   Um grande abraço do Dâmaso.

______________________

Nota do editor:

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15242: Inquérito "on line" (6): Spínola... e os outros Com-Chefes, antes e depois... (Comentários de Ferreira Neto, José Martins e Beja Santos)



Guiné > Brá, Outubro de 1965 > Governador-Geral e Com-Chefe, general Schultz, o Comandante Militar e o Capitão Nuno Rubim (atrás) recebendo honras militares dos comandos do CTIG em parada. Com o regresso a Portugal do Capitão Rubim, em Fevereiro 1966 ficou a comandar a Companhia de Comandos o Capitão de Artilharia José Eduardo Martinho Garcia Leandro, que até à data estava a comandar a Companhia 640, estacionada em Sangonhá.

Foto (e legenda) : © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados

 
Recorte de jornal (talvez de O Século), enviado pelo nosso camarada Joaquim Lúcio Ferreira Neto. Arnaldo Schulz entre outros cargos foi Director do Centro de Instrução da Milícia da Mocidade Portuguesa; na imagem parece ser o primeiro, a contar da direita,  não sabemos em que qualidade é que estava aqui, mais provavelmente como diretor do centro da milícia da MP; os  subsecretários de estado do exército, da aeronáutica e do educação nacional estavam à civil... De 1950 a 1956, o subsecretário de estado do exército era o Horácio Sá Viana Rebelo (1910-1995...  

Três anos depois, em 27 de Novembro de 1958, com o posto de tenente-coronel, Arnaldo Schulz será nomeado ministro do interior, cargo que exerce até 1961. Como brigadeiro, já em 1963, tem uma curta passagem por Angola, antes de ser nomeado, em maio de 1964 governador da Guiné Portuguesa e comandante-chefe, em substituição do comandante Vasco Rodrigues e do brigadeiro Fernando Louro de Sousa. É o primeiro a acumular estes dois cargos.

De referir ainda que, como jovem tenente, com 28 anos, Schulz fez parte da Missão Militar Portuguesa de Observação à Guerra Civila Espanhola, de junho a novembro de 1938, conforme consta do seu processo individual no Arquivo Históprico-Militar. Tal como Spínola, que nasceu no mesmo ano do Schulz (1910), também estaria, três anos depois,  em 1941, na frente russa,  como observador das movimentações da Wehrmacht, no início do cerco a Leninegrado. Dizia-se que era germanófilo, como muitos oficiais do exército português da época. E foi daí que lhe terá vindo o gosto pelo monóculo... Na Guiné, sempre lhe chamei Herr Spínola... (LG)


1. Mais 3 comentários sobre os homens que, do lado português.  comandaram os destinos da Guiné, antes da independência (*):

Joaquim Lúcio Ferreira Neto [, ex-cap mil, CART 2340, Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69]

Embora tivesse como comandantes os Generais Arnaldo Schulz e António de Spínola, só tive oportunidade de falar com António de Spínola, por duas vezes.

Quanto a Arnaldo Schulz, conheci-o em 1955, nas circunstâncias que figuram na fotografia publicada nos jornais, das quais envio uma cópia [, quando ele, juntamente subsecretário de Estado do Exército, da Aeronáutrica e da Educação,  passou revista à formatura antes do juramento de bandeira dos cadetes do 2º curso de preparação militar no XII Acampamento Nacional da Milícia da Mocidade Portuguesa, na Carregfueira]. Eu fazia parte desse grupo.


José Martins [ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos,  Canjadude, 1968/70]

Vasco António Martínez Rodrigues, Governador sem responsabilidades militares, entre 1962 e 1964, apenas "apanhou" o inicio e dois anos de guerra.

Arnaldo Schulz, Governador e Comandante Chefe, foi transferido de um Comando de Agrupamento em Angola, onde era Coronel (tirocinado). Foi para a Guiné, em 1964,  numa altura em que o efectivo ainda não se aproximava do que veio a ser, poucos anos depois. Consta que se dava melhor com o "alcatrão" do que com a "mata".

António Sebastião Ribeiro de Spínola, Governador e Comandante Chefe (1968-1973)  chegou e "mexeu e remexeu o xadrez da Guiné". Foi o homem escolhido do Marcelo Caetano, pelo que "pode tirar partido" da situação. Aumentou o efectivo e a actividade operacional. Foi o que mais tempo esteve á frente dos destinos da província, e quando o número de militares por metro quadrado atingiu o máximo de sempre. Foi o que criou mais instabilidade ao IN.

José Manuel Bettencourt Conceição Rodrigues, Governador e Comandante Chefe (1973-1974)  sucede a um militar que já tinha firmado as suas credenciais, não só na Guiné mas também na metrópole, pelas "dores de cabeça" provocadas pelas suas viagens frequentes a Lisboa, para falar com Marcelo Caetano e pelos ultimatos que fazia, até que apresentou a demissão e foi necessário criar um "impedimento" para o manter no "arco do poder": a Vice Chefia do EMGFA, único a ocupar esse cargo. Caiu-lhe em cima a Declaração da Independência, assim como o 25 Abril e o Golpe dos MFA/Guiné.

Mais importante para os militares naturais da Guiné do que para os europeus, ainda houve dois Governadores e Comandantes Chefe:

Mateus da Silva e São Gouveia, militares portugueses que, após a prisão do governador Bettencourt Rodrigues, no Forte da Amura, em Bissau, entre o dia 27 de Abril e o dia 7 de Maio de 1974, estiveram na governação interina da Guiné, até á chegada de Carlos Alberto Idães Soares Fabião, Ultimo Governador.

Fui fazer o levantamento de efectivos operacionais "presentes" no TO da Guiné, e constantes dos "5,517 - Os últimos anos da Guerra na Guiné Portuguesa" (***). para tentar "explicar" as preferências indicadas pelos camarigos.

Vejamos oe efectivos:

Governo de Vasco António Martínez Rodrigues

8 de Agosto 1962 - 2.817
8 de Setembro de 1963 - 4.118
8 de Novembro de 1963 - 6.005

Governo de Arnaldo Schulz

23 de Dezembro de 1966 - 18.920

Governo de António de Spinola

4 de Setembro de 1968 - 20.580
4 de Dezembro de 1968 - 20.488
3 de Agosto de 1969 - 24.425
2 de Agosto de 1970 - 23.196

Governo de José Manuel Bettencourt Conceição Rodrigues

7 de Setembro de 1973 - 23.471


Mário Beja Santos [, ex-alf mil, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70]

Meu caro Luís,

Gabo-te a oportunidade do desafio (*).

Quando estava a ultimar “História(s) da Guiné Portuguesa” de que em breve darei notícias, logo que saiba a data do lançamento, deparei-me com esta lacuna fundamental da guerra da Guiné: o período de 1968-1974 está fartamente documentado, creio que em nenhuma frente de guerra haverá tanta documentação como desse período, respeitante ao carismático Spínola que tudo fez para que a sua encenação política pudesse ser vista lá como cá; ora a governação Schulz, tanto quanto sei, não tem livros, teses de doutoramento ou documentos aparentados, fala-se por alto que Schulz investiu de 1964 até 1968 a fundo na quadrícula e no uso das operações com tropas especiais. O resto é neblina.

Esta situação é prejudicial ao entendimento dos factos sequenciais entre 1962 e 1974. Nomeia-se Schulz e aconteceu o quê? A dar credibilidade ao que escreveram homens como Carlos Fabião, Schulz é um homem cansado e doente, em Fevereiro de 1968. André Gomes e um pequeno grupo flagelaram Bissalanca, o que teve repercussões em toda a cidade e no moral das tropas ali acantonadas, e fora delas.

Ainda não sabemos se este homem foi um puro joguete da História, atirou-se à missão com os seus conhecimentos de Estado-Maior e terá feito aquilo que era possível fazer com os recursos, efetivos e armamentos que Lisboa lhe fornecia, ou se entrou numa rotina perigosa, isto enquanto o PAIGC acumulava meios, prestígio e posições?

Talvez a chave da questão esteja no Arquivo Histórico-Militar, mas era muitíssimo importante que quem sabe da poda, aqui no blogue, desse o litro, contasse a verdade, tal como a viveu ou experienciou.

Estarei atento, também eu preciso de juntar peças, as que temos não são satisfatórias. (**)
______________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de outubro de 2015 >9 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15227: Inquérito "on line" (4): "Dos 3 últimos com-chefes do CTIG, aquele de que tenho melhor opinião é... Arnaldo Schulz (1964/68), António de Spínola (1968/73) ou Bettencourt Rodrigues (1973/74) ?... Resposta até 5ª feira, dia 15, às 15h30

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15098: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIII Parte): Conversa em Brá e Nunca digas adeus a Cuntima

1. Parte XIII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 1 de Setembro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XIII

Conversas em Brá

A nossa função é militar, os nossos objectivos são militares, repor a ordem na província. A política não é connosco, reafirmava, convicto, o capitão responsável pelo serviço de informações do batalhão.

Querem a independência, dizem que querem ser livres, que querem ser eles a traçar os destinos da pátria deles, é por isso que dizem que lutam, insistia um dos alferes. Se estivéssemos no lugar deles, se calhar fazíamos o mesmo!

O que faria o nosso alferes é consigo, o que eu faria no lugar deles não vem para aqui chamado. Foi o PAIGC que começou com o terrorismo, todos os dias desencadeiam acções terroristas, nem as populações indefesas poupam e ainda dizem que é por elas que lutam! E nós vamos deixar? Temos armas suficientes para combater, vamos deixar que eles continuem a matar pessoas?
Armas para combater? 

Ó meu capitão, temos G3, Fox e Daimlers compradas em Inglaterra, dizem que foram todas as que estavam num canto, arrumadas desde a 2.ª Guerra. Parece que o Estado Português até nem queria tantas, os ingleses é que insistiram, levem-nas todas! Parece que nenhuma estava operacional, tiram peças de uma para se meterem noutras. E, certamente, acontece o mesmo com os T-6 e com as Dorniers, tudo material da década de 40! A arma mais recente que temos ainda é a G3!

É o que o alferes tem e tem muita sorte porque dispõe dos melhores soldados do mundo. Olhe para os soldados do seu pelotão, do que eles são capazes, a troco de quê, dinheiro não é! Sempre prontos para arrancar, sempre dispostos para tudo. Alferes, se perdermos a guerra, que só acontecerá se houver uma catástrofe, não vai ser devido ao armamento, nem às praças. Seja o nosso alferes digno deles e os saiba comandar. Para o bem do País e para o seu. Boa noite a todos!
Sabiam, continuava o mesmo alferes, que os F-861 tiveram que ser retirados? E sabem por quê? Um avião qualquer pediu licença para aterrar, em Bissalanca, a torre deu-lhe o ok, fez-se à pista, não aterrou, uns dias depois apareceram fotos nas Nações Unidas, uma esquadrilha de F-86 da NATO, alinhada em Bissalanca. A NATO a colaborar na guerra colonial dos portugueses? Um escândalo, os F-86 tiveram que retirar para o Sal. É por isso que estão lá, não é por questões logísticas. E há quem diga que vêm aqui de vez em quando, fazem o que têm a fazer e depois regressam ao Sal.


Na messe dos oficiais em Brá.

Todas as noites, no fim do jantar, a messe de oficiais do aquartelamento de Brá transformava-se num centro de conversa sobre os assuntos mais variados. O ar que se respirava, no que à guerra dizia respeito, não era realmente muito animador. Dispersos em pequenos grupos falavam de futebol, do que se passava em Lisboa e um grupo ou outro de política.

Alguns oficiais, subalternos quase sempre, sobretudo quando havia notícias de baixas das NT numa acção qualquer, por regra começavam a falar da qualidade ou da falta de material, da impreparação para esta guerra e inevitavelmente acabavam por vir à tona as razões da luta de um lado e do outro e a justiça ou a falta dela da guerra em que estávamos a participar.

Os alferes milicianos, os que diziam alguma coisa em voz alta e os que por ali ficavam sentados a seguir as conversas, eram quase todos contra a guerra, os poucos oficiais do quadro que se manifestavam eram invariavelmente a favor, mas os outros, a maioria, os que se mantinham calados ninguém sabia ao certo o que pensavam. Uma coisa parecia uni-los, o regresso à metrópole, às terras e às ocupações deles, e que os 24 meses de comissão voassem.

Este batalhão tinha chegado há cerca de três meses. Primeiro, fez algum treino operacional, depois as companhias rodaram pelo norte e pelo leste, em acções de reforço a unidades em quadrícula. Coabitavam com os Adidos e com a companhia de comandos, em Brá.

Com tão pouco tempo de comissão já se notava, entre eles, a falta de convicção na luta contra a guerrilha. Alguns admitiam publicamente estarem numa guerra injusta, uma guerra dirigida contra um povo que se queria libertar.

Em frente, num dos quartos dos comandos, um, deitado na cama, folhava uma revista que tinha apanhado no QG, a "U. S. News & World Report" quando parou para ler uma entrevista com um coronel americano no Vietname. Ouçam esta!

"A arma individual é a AR-15, da Colt, em Hartford, no Connecticut. Uma espingarda ponto 22 com um impacto tremendo, destrói e mata onde quer que acerte. Se acertar na mão parte os ossos do braço todo. Apesar disso é muito leve. Transportamos 400 balas no cinto quase sem sentirmos o peso. Temos um novo lança-granadas, o M-79, a arma de elefante. Lança uma granada a cerca de 200 jardas, parece uma caçadeira, a granada introduz-se pela culatra, como qualquer cartucho, liquidando 8 a 10 onde cair!”

Nem com material deste conseguem travar os norte-vietnamitas! Quando cá cheguei, há um ano, o armamento ligeiro da guerrilha era bom, é o que eles têm agora, só que agora têm muitas mais Simonovs, Kalashs, Degtyarevs, PPSHs, canhões sem recuo, antiaéreas quádruplas, morteiros 82… Uma manhã em Cuntima, estava o meu pelotão com as milícias a capinar a estrada para Jumbembem, um soldado veio com um papel. “Obrigado tropa, estrada capinada fica melhor para bazucada”.

Guerrilheiro do PAIGC com RPG2. Foto na net.

Só ameaçavam naquela altura. Agora, RPGs e morteiros aparecem em todo o lado, qualquer dia, pelos vistos, temos aí foguetes, artilharia, blindados, aviões, helis. Ainda vamos assistir a muitas inaugurações.

Para já, malta, o que está em causa é a nossa capacidade e motivação, se a temos ou não. Queremos ganhar a merda desta guerra ou queremos que a comissão acabe depressa, desafia outro.

Há unidades junto às fronteiras que se fecham nos abrigos, fazem umas fosquinhas à volta do arame farpado, a guerrilha não os incomoda muito porque precisa de passagem para o Cantanhez ou para o Oio. Outras não trabalham a zona como devem, o PAIGC a minar, de um momento para o outro, ataques, emboscadas, minas, mortos, feridos. E depois reclamam reforços, somos poucos, não temos condições, gritam contra os gajos do ar condicionado.

E quando por qualquer motivo, cunha ou outro não interessa, os capitães dessas companhias vão para o QG, no dia seguinte já não se lembram de nada, esquecem tudo.

Quem está a aguentar isto somos nós, pá, os milicianos, essa é que é essa! Alferes, furriéis e soldados! E alguns capitães, que se contam pelos dedos, o tipo da varinha de Tite3, o Tomé Pinto que foi da 675 de Binta, um grande capitão, o Osório, o Calvão dos fuzos, que também já acabou a comissão, não são precisas as duas mãos para os contar, acrescenta outro.

Claro, muitos deles já vão na 2.ª comissão, alguns até a caminho da terceira, a família na metrópole, a filharada a crescer, quando vão de férias, os filhos encontram um estranho em casa, a mãe casou com este tipo? Cansa, claro que cansa. Mas não acham que se nota demais, que muitos deles fogem do mato, encostam-se ao ar condicionado do QG a dar palpites, a ver o tempo a passar e a guerra dos alferes, dos furriéis e dos soldados. Ofereceram-se voluntários, não foram obrigados, frequentaram cursos, o Estado investiu neles! As condições de vida é que os obrigaram? Que tivessem ido para padres! Se não têm competência operacional, ao menos que não atrapalhem, que porra!

O problema não está nos capitães, pá, é daí para cima. É nos comandantes de batalhão que está o problema, aprenderam em livros ninguém sabe de que guerras. Até agora só vi um comandante4 de batalhão que falava de bolanhas com o conhecimento de quem as tinha atravessado, que falava de barracas de mato porque entrou nelas de G3 nas mãos, em Farim até diziam que era o melhor alferes do batalhão!

A malta vem da metrópole com a preparação básica, cortam-nos o cabelo, mandam-nos tomar banho, farda em cima, passam-nos a G-3 para as mãos quando cá chegamos, ainda não nos habituamos ao clima e já estamos a levar no toutiço! E quando já estamos aclimatados, ao clima e à guerra, a comissão está no fim. E recomeça a história com mais maçaricada5 a desembarcar em Bissau para outros dois anos. Os turras não fazem comissões, não perdem experiência, ganham-na todos os dias a toda a hora!

Uma guerra destas não se ganha só com armas. Se é que alguma guerra deste tipo pode ser ganha! Os franceses perderam na Indochina e na Argélia, os americanos estão atolados no Vietname!

E são bons exemplos os franceses e os americanos? Há quantos anos a França não ganha uma guerra? Já ninguém se lembra, não? E os americanos? Atenção, aqui em Brá, enquanto estamos a discutir as razões da guerra, se se deve ou não participar, o PAIGC está neste momento a montar minas, a preparar emboscadas, a atacar aquartelamentos, essa é que é essa!


Coluna de guerrilheiros do PAIGC. Foto na net.

Não falavam muito nos dias que faltavam para o fim, nem perdiam tempo com as dificuldades da guerra, ocupavam-se com a vida deles, os treinos diários, as preparações para as saídas. Todas as semanas havia grupos no mato, à caça da guerrilha, embora muitas vezes não os encontrassem. Sentiam que o IN estava cada vez menos ingénuo, melhor preparado e mais atrevido. Mas eles também estavam e não devia ser por eles que a guerra se iria perder.

Nas apreciações que, entre eles, faziam sobre algumas unidades dispersas pelo mato, custava-lhes ver o ar crítico com que frequentemente eram recebidos por alguns profissionais do quadro, do género, lá vêm estes tipos complicar-me a vida. E, quase sempre, eram eles que os chamavam. Diziam que tinham informações novas de um acampamento, guia para os levar, que tinham tudo, era só irem lá e apanhavam-nos logo.

Estavam habituados a testemunhar cenas caricatas. Quando os comandos chegavam ao local, a primeira tarefa era falar com o tal guia e, quase sempre, a história não fora bem contada, nem era assim tão raro concluir-se que não havia qualquer dado concreto. Que havia lá guerrilha nem se discutia. E guia havia, da zona, o que já não era nada mau! Caçador quase sempre, acampamento, sim, ouvira contar que estava na mata de Buba Tombó, em Morés, no corredor de Sitató, com manga de turra e manga de armas.

São muitos? Sim, manga de pessoal bandido! Quantos pessoal? 10? Sim, são! 50? Sim, são! Tem armas? Tem! Muitas? Muitas, sim! Blindados também? Sim, tem também! E mais uma saída para o galheiro, curvas e mais curvas na mata e nas bolanhas, é já ali e nunca mais era. Mais uma noite às voltas, com muita atenção para não acabarem embrulhados. Percorreram quilómetros e quilómetros em saídas abortadas.

A partir de certa altura, com a experiência ganha, os comandantes de grupo desconfiavam quando viam tanta informação. E, por vezes, surgiam problemas, quando reparavam que os estavam a querer levar. Diziam que assim não, não era missão para comandos. Só que já estavam no local e, embora defraudados, custava-lhes virar a cara.

Os comandantes dessas companhias, o que queriam era dar ronco6 à tropa deles, a parte melhor destinavam-na para a tropa que comandavam. Lógico, se estivessem tão seguros da informação é claro que não chamavam os comandos, o ronco era para a unidade deles. Pediam-lhes para executarem um golpe de mão a um acampamento inimigo e, depois de os terem na zona, utilizavam-nos como elemento de dispersão, pondo-os a trilharem carreiros que desconfiavam estar armadilhados, a servirem de rebenta-minas, ou, na melhor das hipóteses, há muito abandonados. E quando acontecia, e aconteceu mais que uma vez, que, apesar da pouca informação, por uma execução feliz, apanhavam guerrilheiros desprevenidos, quando regressavam à base com o material capturado já não davam importância ao facto de serem recebidos com frieza pelos comandos da companhia ou do batalhão. Interessava-lhes muito mais terem tido sucesso e ficavam satisfeitos pela forma calorosa com que geralmente eram recebidos pelos soldados, sargentos e alferes.

O Comandante Militar, especialmente depois do caso de Teixeira Pinto, viu-se na necessidade de elaborar uma directiva esclarecendo as condições da utilização dos grupos de comandos tal era a resistência das chefias das unidades espalhadas pelo mato. E este foi um factor com que os grupos tiveram sempre de lidar até ao final da comissão e que só terminou com a chegada das companhias formadas em Lamego, que vinham já com um estatuto melhor definido. De resto, esta foi esta uma das razões que levou o Capitão Rubim a bater com a porta e a dizer ao Comandante Militar, venha outro que eu prefiro comandar uma companhia no mato, nem que seja em Guilege!

A vida no mato era difícil para as NT, as instalações eram precárias, muitas vezes não eram reabastecidos a tempo, estavam fartos de viverem dentro do arame farpado. Era o que acontecia a praticamente todas as unidades que estavam sediadas fora de Bissau, de Bolama, de Bafatá, de Farim, de Teixeira Pinto, dos centros de decisão onde normalmente estavam sediados os comandos de batalhão. E naturalmente estavam ansiosos de saírem dali.

Claro, o pessoal dos comandos também ansiava por uns dias na metrópole, uns abraços à família, passear com a namorada, ir até à praia, apanhar um ar mais fresco. Um ou dois dias depois do regresso a Brá, ainda com o cheiro de Lisboa no nariz, já estavam no Oio, no Cantanhez, em Guilege, em qualquer lado, G-3 na mão, T-6 no ar, manga de chocolate7, água dos charcos das últimas chuvas para matar a sede.

Ainda a semana passada... A semana passada? Anteontem, porra! Anteontem então, o bife no Toni dos bifes, no Saldanha, a ida até ao Ritz, ao Comodoro, ao Fontória da Praça da Alegria, o twist, o rock!
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Notas:
1 - Oito F-86F foram para a Guiné em 9 de Julho de 1961, no início mais como efeito dissuasor. Com o agravamento da situação acabaram por desenvolver várias acções de combate a partir de Julho de 1963. Entre Agosto de 63 e Outubro de 1964, os F-86 voaram 577 missões, a maioria das quais de ataque ao solo ou apoio aéreo próximo. Dos oito aviões destacados, sete foram atingidos por fogo inimigo, conseguindo todos regressar a Bissalanca, à BA 12. Dois foram destruídos, um a 17 de Agosto de 1962 numa aterragem de emergência, ainda com as bombas nos suportes externos e o outro a 31 de Maio de 1963 abatido por fogo antiaéreo inimigo. Em ambos os casos os pilotos foram recuperados. Pressões políticas da Administração Norte-Americana obrigaram ao regresso dos aviões a Portugal, já que os mesmos tinham sido fornecidos no âmbito da NATO, com a missão de proteger o flanco Sul.
 
2 - Lança-granadas foguete, “Rocket-propelled grenade”.
 
3 - Capitão Carlos Fabião
 
4 - Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro 

5 - Militares recém-chegados
 
6 - Festa
 
7 - Confusão, em dialecto local

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Nunca digas adeus a Cuntima

28 Março, 06H00, céu limpo na Base Aérea de Bissalanca.


Esquadrilha dos Alouettes III, alinhados na BA 12, em Bissalanca. Imagem da net.

30 comandos recebem ordem de embarque nos 6 Allouettes III, motores a trabalhar, formados em 2 colunas.

Ganham altura, rumam a Norte, fumos aqui e além sobem das matas. Às 06h30 desviam-se para leste, baixam a altitude e, alguns minutos depois muda o tempo. O nevoeiro cobre a zona a norte de Farim. Que estavam na zona da fronteira os pilotos não tinham dúvidas, tinham era sobre que território estavam a sobrevoar e o local previsto para a largada não o conseguiam ver. O comandante da esquadrilha, Major Mendonça, decide recuar para a área de Jumbemebem e, depois, voltam para nordeste, a rapar as copas das árvores, directos até ao local previsto.
Frente à larga bolanha que procuravam, abrandam e aproximam-se em linha da orla da mata. Recebida a indicação para abrir portas preparam-se para saltar. Aos pares, um por cada porta, saltam para a bolanha com mais água do que aparentava, enterram-se no lodo com água pela cintura e era uma vez o pão com chouriço que levavam nas calças. Internam-se na mata, enquanto vêem os helis, graciosos, virarem à esquerda, a recuperarem altitude, de regresso a Bissau. De joelhos, aguardam instruções enquanto os dois chefes de grupo consultam o mapa e verificam os rádios.


Estavam na fronteira com o Senegal a cerca de uma quinzena de quilómetros de Cuntima, aquartelamento das NT flagelado diversas vezes nos últimos meses. Nos trilhos de acesso à povoação minas anti-carro e anti-pessoal tinham causado estragos.

O grupo helitransportado tinha recebido a missão para nomadizar na zona durante dois dias, procurando o IN e dando-lhe caça, posto o que se deveria dirigir pelos seus meios para Cuntima, onde aguardaria o regresso a Farim em coluna auto.

Regressaria a Bissau, logo se via se por via aérea ou marítima. Previsto um único contacto visual e rádio pelo sobrevoo de uma Dornier-27 para as 11h00 do dia seguinte. Montada a segurança, dispostos em círculo, ouvem as indicações específicas da missão. Alguns aproveitam para ficarem mais leves, comem os pães encharcados em molho de água da bolanha. Em coluna por um, bem separados uns dos outros, como estavam habituados durante o dia, iniciam a marcha sem pressas.
Arbustos intercalados por árvores de algum porte, montes de baga-baga aqui e além. Procuram trilhos. Na maior parte conseguem andar fora deles e progridem sem dificuldade. Pesquisam-nos, vêem pegadas, sinais de movimento recente. Decidem-se por um, metem-se por ele, pelas margens, rumo a noroeste, em direcção a Cuntima.

Estavam claramente na fronteira e em dúvida se já não estariam mesmo em território senegalês. Por volta das 10h00 atingem o final da mata com nova bolanha, com pouca água, pareceu-lhes, em frente. Dispõem-se em linha na orla da mata e, sem pressas, instalam-se ali a observar o movimento.

Decidem atravessá-la e entrar na mata. É uma bolanha larga. Começam a travessia, cada homem separado uns 3 a 4 metros da sua parelha, em linha, vista e ouvidos alerta para a floresta em frente.

Mais de metade da travessia feita, um tiro. Instintivamente param e ajoelham. A bala não lhes pareceu ser de pistola, não lhes tinha sido dirigida, mas naquele momento não têm dúvidas, tinham sido detectados. Ali é que não podiam ficar. Cautelas reforçadas, retomam a travessia. Minutos depois, começam a chegar à orla da mata de onde foi feito o disparo. Abrigam-se, à escuta, quietos.

Uma rajada curta, três ou quatro tiros. Surpresos, ouvem conversas e gargalhadas muito perto. Estão à porta de um acampamento IN. Não perdem tempo. Por sinais, são dadas indicações a três equipas para progredirem pelo trilho, enquanto as outras três se mantiveram em linha, abrigadas.

Vagarosamente, passo a passo, dão com uma das entradas da base inimiga. As outras três equipas chegam-se à frente e vêem a cerca de cinco metros, no máximo, o interior do acampamento com alguns guerrilheiros lá dentro.

Guerrilheiros em limpezas dentro de um acampamento. Imagem da net. Com a devida vénia ao autor.

Cinco, segundo uns, seis, viram outros, estão sentados, armas desmontadas, na limpeza. Voz de fogo, rajadas curtas à queima-roupa. Não há qualquer hipótese de reacção, há gritaria, tentativas de fuga, um salve-se quem puder, uns pelo meio de outros. Um guerrilheiro com um lança-roquetes numa mão escapa-se entre eles, dois no encalço dele. Dentro do acampamento começa a caça às armas, às granadas de mão e de roquete, munições, documentação, material diverso. Casas de mata vasculhadas, lançam granadas incendiárias. Seriam mesmo? Só fumo!

O golpe de mão8 dura pouco mais de meia hora. Os homens da equipa do Black, os últimos do grupo, saem do acampamento a tossir, no meio da fumarada. A corta mato, fora dos trilhos, pisgam-se em corrida da zona. Minutos depois, ouvem rajadas e alguns rebentamentos de granadas de morteiro no acampamento assaltado. Riram-se para dentro quando viram que o fogo IN não tinha nada a ver com eles.

Bem lhes parecia. No regresso, no trilho que julgavam ser para Cuntima, os primeiros homens do grupo avistam, a cerca de uma centena de metros, junto a uma mangueira, dois guardas fronteiriços senegaleses, as armas encostadas à árvore. Abrigam-se e ficam uns momentos a observá-los. Depois, conforme o ajustado na altura, um dos chefes do grupo, cano da arma para o ar, começa a caminhar em direcção aos guardas. A meia dúzia de metros, bonjour, os senegaleses surpreendidos, levantam-se. Olham para todos os lados, desconfiados.

Guardas fronteiriços senegaleses na zona de Cuntima

Nous nous sommes perdus! Nous cherchons le chemin pour Cuntima!
Mais, Cuntima, c’est lá!
É em frente, então. Pouvons-nous passer par ici, non?
Mais oui, certainement!
Excusez-nous, bonjour!
Çá va, bonjour!

Com os últimos homens do grupo a olhar para trás, o sol a cair, o pessoal acantonado em Cuntima viu-os chegar do lado do Senegal.

O capitão Leandro estivera no final da manhã no aeroporto a informar-se das condições em que o grupo tinha sido largado lá em cima na fronteira e pelas indicações do comandante da esquadrilha correra tudo sem problemas. Agora, restava-lhe aguardar o dia seguinte. Logo pela manhã apanharia uma Dornier e lá para as 11, 11 e 30 estaria em cima da zona, a inteirar-se do decorrer da acção. Em Brá, dentro do gabinete a pôr a papelada em dia, vê o soldado Napier bater à porta. Uma mensagem para o meu capitão.

“De Cmdt CArt 732 para Cmdt BArt 733, com inf. a CEM, Cmdt Agr 16 e Cmdt Comandos Vamp terminada(.) Armamento capturado Faquina Fula(.) 2 met ligeiras Degtyarev 1 PPSH 1 Thompson 1 Beretta 1 Mauser 2 carabinas e mais material(.) Grupos recolhidos em Cuntima.”
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Nota:
8 - Assalto a acampamento inimigo

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15044: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XII Parte): Guia em fuga; Um descapotável em Bissau e Entram os Alouettes

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13370: O(s) comandante(s) de batalhão que eu conheci (2): No COP 4, no meu tempo, houve duas exceções, major Carlos Fabião e ten cor Agostinho Ferreira (Mário Pinto, ex-fur mil at art, CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)



Guiné > Região de Tombali  > Mampatá > Centro da aldeia e quartel de Mampatá. Foto do álbum de Carlos Farinha, ex-Alf Mil da CART 6250,Mampatá e Aldeia Formosa, 1972/74,


Foto (e legenda): © Carlos Farinha (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Comentário de Mário Pinto ao poste P 13368 (*)

Caros camarigos:

Como sabeis, já há muito que é conhecida a minha atitude crítica  em relação aos  nossos Oficiais Superiores porque o que vi pessoalmente leva-me a  um comentário  não abonatório aos mesmos, salvo raras excepções que,  infelizmente pelo que vamos conhecendo,  foram comuns a todos os períodos de comissão e sectores da Guiné.

Só conheci dois sectore:  de facto foi Buba e Aldeia Formosa. Pertenci a um Comando Operacional que era o COP4 comandado por outro grande militar na altura Major Carlos Fabião ele e o Ten Coronel Agostinho Ferreira. Foram as excepções no meu tempo e nestes sectores. 

Estiveram vários comandantes no sector,  alguns até com reputação, mas não deixaram de ser uma desilusão para todos com as suas decisões desconexas de falta de conhecimento logístico do terreno e mesmo desconhecendo as formas de actuação do PAIGC, por falta de sua presença no terreno e experiência em combate. 

Era gente que regulava-se por mapas e croquis absoletos  em gabinetes fora das realidades do mato e mal aconselhados por Capitães comandantes de Companhia que nem ao mato iam. Chefes operacionais que em vez de acompanharem pessoalmente os movimentos de quem estava destacado no terreno, preferia mandar vir uma DO para do ar e fora de perigo ver onde se posicionavam os Grupos de Combate, correndo o risco de  denunciar ao PAIGC as nossas posições,  como aconteceu por diversas vezes. 

Isto tudo se passou no meu tempo e no meu sector. por isso digo com conhecimento de causa que os nossos Oficiais  Superiores,  salvo algumas excepções,  não cumpriram as missões que lhe foram confiadas,  limitaram-se a deixar correr o tempo e a fazer uns relatórios baseados nas informações e nas acções de quem na verdade andava no terreno operacional.........

Posto isto meus caros, mais não posso dizer-vos que,  na verdade, já vocês não saibam (**)......

Um abraço

Mário Pinto

[ [ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71; está na nossa Tabanca Grande desde julho de 2009] (***)




A nova força africana... O major Fabião, na altura (1971/73) comandante do Comando Geral de Milícias... In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angol,a Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autores das fotos: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia).


(***) Vd. poste de 24 de julho de 2009 >  Guiné 63/74 - P4735: Tabanca Grande (164): Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil da CART 2519, Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12751: Notas de leitura (566): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 4 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Carlos Fabião, talvez o oficial português que melhor conheceu a Guiné entre 1955 e 1974, deixou vários depoimentos de inegável valia.
Sentiu, em meados da década de 1960, que a guerra se transformara num atoleiro para as nossas tropas; acreditou convictamente que Spínola cativaria as populações e poria a Guiné do nosso lado, foi assistindo à escalada armamentista e não hesita em dizer que se perdera a solução militar, a partir de 26 de Abril todos os dados estavam lançados.
Reitero que todas estas intervenções, cheias de deficiências devido a aspetos técnicos, devem ser lidas no site que se indica.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (4)

Beja Santos

A última jornada de trabalho sobre a descolonização da Guiné promovida pelos Estudos Gerais da Arrábidas realizou-se em 11 de Abril de 2002 e o interveniente principal foi Carlos Fabião (1930-2006), membro do Movimento dos Capitães, colaborador próximo do general Spínola e último governador da Guiné. Recordo aos confrades que toda a documentação atinente a estas jornadas de trabalho pode ser encontrada no site (www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm), de que é titular o Instituto de Ciências Sociais. Esclarece-se novamente que a transcrição destas jornadas têm defeitos de vária ordem, correspondentes a interrupções, conversas inaudíveis, gravação desaparecida, aconteceu de tudo um pouco, é lamentável que assim seja dada a alta qualidade dos participantes, protagonistas da descolonização da Guiné.

Carlos Fabião, talvez o oficial português com melhor conhecimento da realidade guineense, começa por referir o seu currículo militar, incluindo as diferentes comissões que fez na Guiné. Chega à colónia em 1955 e aqui permanece até Março de 1961. Volta a Lisboa e é mobilizado para Angola, segue no Batalhão 132, já como capitão. Em 1965, faz nova comissão na Guiné. É questionado sobre o teatro de operações, e descreve-o: “A situação já é muito má. Quando eu cheguei à Guiné, havia entre os indivíduos que aqui estavam e os que chegavam uma rivalidade estúpida: os que tinham já feito Angola, os que ainda não tinham feito Angola. O chefe do Estado-Maior perguntou-me se eu já tinha estado em Angola, respondi-lhe afirmativamente, disse-me para esquecer tudo o que tinha aprendido lá”. Vai permanecer na Guiné até 1965. Volta para a Guiné em 1669.

Spínola modificou drasticamente a quadrícula, impôs a aproximação às populações, reservou para o Comando-Chefe as zonas de intervenção onde só iam as tropas especiais. Spínola decide uma nova conceção para as milícias, quer que passem a ter uma estreita ligação às populações a que pertenciam. Fabião não regateia elogios a esta primeira fase de Spínola e como mudou dispositivos, como gerou hábitos de auscultação das populações e como foi bem-sucedido com os congressos do povo, talvez o seu maior êxito na política social: “Spínola criou na Guiné uma maneira de estar em África que eu considero que foi o mais extraordinário que ele fez, pôs a manobra militar subordinada à manobra política. Fez uma guerra política em que a manobra militar servia só de suporte”. E criou as aldeias junto às lavras. Fabião é questionado sobre o estado de espírito no teatro de operações antes do 25 de Abril. Tem uma resposta pronta: “A Guiné estava perdida. O 25 de Abril evitou um desastre militar na Guiné”. E pede para que as suas declarações subsequentes sejam eliminadas na transcrição.

Retomada a conversa, Fabião descreve a iniciativa de Spínola para se encontrar com Senghor, ambos analisaram uma proposta de acordo, Senghor foi firme: descolonização em dez anos; cessar-fogo imediato; pôr a diplomacia internacional a colaborar nesta solução pacífica. A fama de negociador chega aos altos comandos conservadores, por exemplo o general Câmara Pina envia-lhe uma carta apelando um retorno à bandeira. Segue-se o Congresso dos Combatentes, os ultranacionalistas fizeram uma jogada para exigir a continuação da doutrina monolítica. Os slogans do congresso eram do tipo: “As pátrias não se discutem, defendem-se”, “Alerta, há inimigos escondidos no altar de Deus”, “Ninguém aprova o desmembramento do seu corpo. Portugal também não”. Muitos antigos combatentes foram aliciados para comparecer no Porto, seria uma forma de reavivaram a camaradagem.

Em 1971, Fabião é responsabilizado por Spínola para encontrar um novo enquadramento para as milícias, foram fundamentais para a arrancada no Sul, quando Spínola decidiu no fim do ano de 1972 a reocupação do Cantanhez. A conversa direciona-se para a operação “Mar Verde”. Fabião comenta: “Spínola tenta de todas as maneiras a vitória militar. A “Mar Verde” é encarada como a hipótese de ganhar a guerra” e explica o que correu bem e o que correu mal. A partir do momento em que não foram destruídos os MIG, havia que regressar o mais cedo possível a casa. Critica a má qualidade das informações da PIDE/DGS. E a seguir a conversa centrou-se nos acontecimentos a seguir ao 25 de Abril. Senghor pede a Spínola para enviar um emissário a Paris, seguem Fabião e Nunes Barata. O presidente do Senegal declara estar disposto a ajudar Portugal na descolonização, a independência da Guiné-Bissau é já um dado indiscutível, a OUA ficaria extremamente agradecida. Spínola não comenta os apelos de Senghor. Fabião chega a Bissau no início de Maio, sente que não há condições para se realizar um Congresso do Povo como Spínola pretende. O PAIGC ameaça retomar prontamente a guerra.

O que passa agora a estar em discussão é se o modelo da descolonização portuguesa fora dado pela descolonização da Guiné. Fabião retoma as suas observações sobre a especificidade dos acontecimentos na Guiné, continuar a guerra era inviável, não encontrara uma fórmula de negociação com o PAIGC para o cessar-fogo teria redundado num desastre. Fabião veio a Lisboa e Spínola ter-lhe-á apresentado hipóteses que ele considerou delirantes: criar-se um Vietname ou criar-se uma Coreia, Fabião terá dito a Spínola: “Eu isto não faço, não pense. E vou-me embora”. Spínola volta a insistir no Congresso do Povo, medida sem pés nem cabeça. O próprio Comandante Militar, General Galvão de Figueiredo foi perentório: “Diga ao general para não pôr aqui os pés”. Decorreram bem as negociações com o PAIGC, acordou-se que eles ocupariam alguns destacamentos e que depois, de forma progressiva as tropas portuguesas iriam regressando a Bissau.

Fabião é confrontado pelos moderadores sobre a dimensão das áreas chamadas libertadas, referindo que mesmo nos santuários como Sara-Sarauol, Morés, Cantanhez, o PAIGC era forçado à mobilidade e à dissimulação, se assim não fizesse a aviação destruía tudo, liquidava civis e militares. E, por fim, veio à baila a especificidade da guerra na Guiné: clima e tensão, a penosidade dos abastecimentos, as terras alagadas e o inimigo agressivo. Fabião comenta a mentalidade daquela guerra, o estado mórbido que se desenvolvia nos militares: “A gente na Guiné dizia que o clima jogava a nosso favor. Só quem o vive é que pode adivinhar. A gente está no quartel e o quartel é atacado todos os dias, ou dia sim dia não, e um tipo habitua-se àquilo. De repente, o quartel começa a ser atacado de cinco em cinco dias e eu, a partir do terceiro dia, já não durmo. Já não durmo porquê? Porque devia ter sido atacado na véspera e não fui. E, às vezes, os tipos estão dez dias sem atacar. A partir do sexto ou sétimo, já ninguém dorme. Tem que haver um ataque, tem que haver. Se não for esta noite é a de amanhã. Se não é a de amanhã, é a outra. Mas tem que haver”. É um depoimento significativo de quem conheceu a Guiné pacífica dos anos 50, conviveu com as diferentes fases da guerra e ali esteve como último governador, sujeito a pressões incríveis, procurando remediar soluções honrosas e tendo procurado levar por diante o espírito do Acordo de Argel.

Paquete Carvalho Araújo, pintura de Fernando Lemos Gomes: postal adquirido na Feira da Ladra, deu para lembrar as viagens que nele fiz: em Outubro de 1967, a caminho de Ponta Delgada; Março de 1968, regresso de Ponta Delgada a Lisboa; Agosto/Setembro de 1970, de Bissau a Lisboa, passando pelo Sal e São Vicente e Ponta Delgada. Terei muito gosto em oferecer este postal a quem for colecionador.
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Nota do editor

Vd. postes da série de:

7 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)

10 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12705: Notas de leitura (561): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 2 de 4 (Mário Beja Santos)
e
18 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12737: Notas de leitura (565): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 3 de 4 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12705: Notas de leitura (561): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 2 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Vale a pena passar os olhos pelo todo da iniciativa dos estudos gerais da Arrábida sobre a descolonização da Guiné.
Desta feita, intervêm António Ramos, Ajudante de Campo de Spínola na Guiné, Embaixador Nunes Barata e o General Hugo dos Santos.
A direção dos trabalhos foi um tanto solta daí a dispersão excessiva das exposições, os comentários a atalhar as exposições e a distorcer o sentido, etc., etc. Mas ficaram ali registados depoimentos de três intervenientes importantes que aqui e acolá perderam o sentido do encontro e ressuscitaram questiúnculas velhas, despropositadas.
O balanço geral é muito bom e vale a pena ler tudo.

Um abraço do
Mário


A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (2)

Beja Santos

Dando continuação às jornadas de trabalho que os “Estudos Gerais da Arrábida” dedicaram à descolonização da Guiné, e uma vez mais alertando os confrades para o site (http://www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm), propriedade do Instituto de Ciências Sociais onde constam na íntegra todos estes documentos, procede-se à resenha do painel que se realizou em 27 de Agosto de 1996 e onde depuseram António Ramos, oficial paraquedista que foi Ajudante de Campo do General Spínola na Guiné, Embaixador João Nunes Barata, alferes miliciano na Guiné onde também foi Chefe de Gabinete do Governador Spínola e delegado do MNE na Junta de Salvação Nacional e o General Hugo dos Santos (falecido em 2010), responsável pela criação do MFA em Angola, tendo igualmente integrado a delegação portuguesa que negociou a independência da Guiné.

Volta-se a chamar a atenção dos confrades para o facto de toda esta documentação enfermar de várias lacunas, intervenções impercetíveis, alguns cortes, conversas inaudíveis, etc., seja como for é incontestável que o coordenador Manuel de Lucena ajuntou alguns depoimentos de incontestável valia, e de leitura obrigatória para quem se interesse ou investigue o período da descolonização.

Nunes Barata e António Ramos trocaram impressões sobre o significado de “Portugal e o Futuro”, como sensibilizou a opinião pública para a questão da guerra e o imperativo das soluções políticas. Ramos confessa que Spínola chegou a ser tentado a vir com Comandos Africanos e forças paraquedistas para, dito por si “acabar com a fantochada à metrópole” isto na altura do Congresso dos Combatentes que ele e o seu círculo consideraram tratar-se de uma provocação da extrema-direita do regime. Dissertaram sobre o “fantasma da Índia”, que se avolumou de 1972 para 1973. Nunes Barata procurou realçar a coerência de Spínola com a figura da autodeterminação. Essa coerência estava diretamente ligada à aquilo que Spínola entendia ser necessário dar voz à população da Guiné na gestão dos problemas fundamentais, e que levara a criar os Congressos do Povo. Ele repetia sem cessar que era preciso entregar “A Guiné aos Guinéus”. Barata disse mesmo que Spínola não aceitava que a Guiné fosse governada por cabo-verdianos, havia a consciência que estes desempenhavam a função de intermediários entre o branco e a população negra, exerciam autoridade, eram símbolos da administração, exerciam o poder com imensa autoridade e muita rispidez.

Barata acrescentou que quando Spínola descobriu que não havia solução militar à vista tentou estabelecer contactos com Dakar e por esta via com o PAIGC. Disse que os primeiros contactos tinham sido feitos pelo chefe da delegação da PIDE/DGS, inspetor Fragoso Balas e por um comerciante de Pirada, Mário Soares. Barata acompanhou duas vezes Spínola ao Senegal, a primeira para um encontro com o ministro senegalês dos Assuntos Parlamentares e a segunda com Senghor, em Maio de 1972, em Cap Skiring. Spínola falava de uma progressiva autonomia, indicou um prazo de 15 anos, Senghor achou que, na situação que as coisas se encontravam, o prazo era talvez excessivo, sugeriu um encontro com Amílcar Cabral. Como se sabe, Marcello Caetano recusou dar luz verde a este encontro. Mais adiante, Barata fala da sua deslocação com Carlos Fabião a Paris para se encontrar com Senghor, em 1 de Maio, de 1974. Senghor não escondeu a sua preocupação de que o PAIGC viesse a ser totalmente dominado pela Guiné Conacri. A Guiné-Bissau ia averbando apoios fundamentais na comunidade internacional, de Julho a Agosto, o Brasil, o Japão, os escandinavos, a Austrália e a Espanha reconhecem a independência do país. A tese da autodeterminação fica para trás, tornou-se um arcaísmo. Em 3 de Agosto, Kurt Waldheim, secretário-geral da ONU diz a Spínola que a tese da autodeterminação já não é realista, a independência da Guiné era inevitável.

Ramos e Barata dissertam livremente sobre o impacto do assassinato de Amílcar Cabral e Ramos recorda o briefing realizado logo que foi divulgada a notícia, Spínola mostrava-se acabrunhado, desalentado: “Estragaram-nos o trabalho dos últimos quatro anos”, terá dito. A conversa é por vezes saltitante, tanto se fala de Rafael Barbosa como agente duplo, sobre o grau de infiltração do PAIGC nas milícias africanas, críticas a Alpoim Calvão na operação Mar Verde onde se teria revelado um planeador com poucos conhecimentos das operações terrestres, depois discutem o conteúdo das reuniões de Dakar, Londres e Argel, as relações afetivas de Spínola com a Guiné e a inevitabilidade do PAIGC muito cedo, a seguir ao 25 de Abril se ter assenhoreado da situação, tendo sido, com escassas exceções, um cumpridor do estipulado na reunião de Mejo, onde se convencionou o recuo do dispositivo militar português e a gradual ocupação das povoações e aquartelamentos pelo PAIGC. Aqui e acolá estes dois intervenientes proferem juízos altamente discutíveis, Ramos chega a dizer que mais de 50% dos oficiais milicianos estavam ligados a grupos de esquerda na metrópole, uma consideração sem qualquer fundamento ou demonstração.

Na sua intervenção, o General Hugo dos Santos referiu o período final da descolonização da Guiné, recapitulou as teses de autodeterminação de Spínola e como estas foram ultrapassadas pelo bom entendimento entre as forças militares portuguesas e as do PAIGC. Referiu como as diretivas previstas no Acordo de Argel foram quase exemplarmente cumpridas graças à comissão mista, houve raras exceções como a entrada em Buruntuma e a tentativa de um comandante do PAIGC em bombardear com mísseis terra-terra as tropas portuguesas. Referiu por alto as reuniões do MFA, sobretudo a reunião de 1 de Julho que teve a participação de 800 militares e onde se instava o Governo Central a reconhecer a independência da Guiné, terá sido o MFA da Guiné a determinar não só o quadro geral da descolonização da colónia como tudo aquilo que viria a ser aplicado nas outras. Discutiu-se igualmente o que terá levado Spínola a ter querido visitar a Guiné, logo em Maio e como o MFA se opôs. Manuel de Lucena observou: “O que se julgava principalmente na ida do General Spínola à Guiné não era nenhuma modificação do estado de espírito das populações, mas uma modificação das relações de força políticas locais – da tropa portuguesa e do PAIGC que tinha aparecido”.

A seguir o embaixador Nunes Barata fez uma longa intervenção sobre a descolonização de Angola e só no termo da jornada de trabalho é que se voltou à Guiné para debater os encontros impulsionados por Marcelo Caetano antes do 25 de Abril com os movimentos de libertação. A despeito de amplas falhas que são notórias no documento, estes três protagonistas da descolonização da Guiné prestaram um importante serviço com os seus depoimentos, mesmo quando cederam às emoções e fizeram ressaltar velhas questiúnculas pessoais.
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 7 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Ao longo de anos, foram-se reunindo vários painéis sobre a descolonização da Guiné nos conceituados encontros da Arrábida.
Como se pretende, dentro das nossas modestas possibilidades, fazer um arquivo do que de essencial se tem escrito sobre a Guiné, a sua guerra, a sua história, a sua cultura, e até a sua descolonização, não teria sentido deixar de dar a voz a diferentes protagonistas e aos seus depoimentos por vezes muito relevantes.
Faz-se aqui a síntese do painel de Agosto de 1995, em breve se dará seguimento aos outros que tiveram lugar naquela idílica serra da Arrábida.

Um abraço do
Mário



A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (1)

Beja Santos

No site que se indica (http://www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm) o confrade tem acesso a sucessivas jornadas de trabalho promovidas no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida dedicadas à descolonização portuguesa. A Guiné foi alvo de várias jornadas de trabalho, aqui se sintetiza a primeira, pelo adiante se resumirão as posteriores. Em 29 de Agosto de 1995, depuseram o general Mateus da Silva (membro do MFA e Encarregado do Governo da Guiné depois do 25 de Abril) coronel Carlos de Matos Gomes, Oficial dos Comandos, que pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné e é o conhecido escritor Carlos Vale Ferraz, José Manuel Barroso, jornalista, capitão miliciano na Guiné e membro do MFA da Guiné e coronel Florindo Morais que foi o último comandante do Batalhão dos Comandos Africanos na Guiné.

O general Mateus da Silva referiu a atmosfera de uma quase contestação aberta dos militares a que se seguiu uma consciencialização política. Exemplificou com a revista ZOE que circulava desde Agosto de 1972 em todas as unidades do território com uma linha editorial que veladamente criticava a política do regime; e as reuniões realizadas na messe de oficiais de Bissau e no agrupamento de transmissões, em Agosto e Setembro de 1973, onde se falava já abertamente no derrube do regime. Na Guiné se foi construindo um ambiente específico que justificou ali um golpe de Estado em 26 de Abril, assinalou a contestação ao Congresso dos Combatentes, o facto da maior parte dos militares que veio a participar no 25 de Abril ter passado pela Guiné. E observou:
“A Guiné era a única colónia onde o MFA estava organizado antes do 25 de Abril; por duas vezes, antes do 25 de Abril, se encarou localmente a hipótese de iniciar a revolução. A Guiné foi o único território onde o MFA tomou a iniciativa de acompanhar o 25 de Abril com um golpe que destituiu o poder político-militar no território”.

A chegada do tenente-coronel Carlos Fabião, em 7 de Maio, veio reforçar a linha do MFA: reunia-se todos os fins de tarde com os quatro elementos da Comissão Central do MFA. Em 24 de Maio Fabião emitiu uma diretiva: “A partir desta data todos os militares que estão na Guiné pertencem ao MFA”. Repertoriou as múltiplas reuniões havidas na Guiné antes do 25 de Abril. Depois do 16 de Março, houve que estabelecer uma organização mais sólida para o levantamento e requereram-se apoios à Guiné. Aos poucos, constituiu-se na Guiné a direção da conspiração em que tomaram lugar o comandante do Batalhão de Comandos, os comandantes do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões, o comandante da Engenharia e o comandante da Artilharia. Na manhã de 26 de Abril, o general Bethencourt Rodrigues foi detido na Amura, seguiu para Cabo Verde e daqui para Lisboa. Mateus da Silva, por decisão do MFA da Guiné, tomou posse como encarregado de Governo. As manifestações populares surgiram logo no dia 27, anulou-se a PIDE/DGS, libertaram-se os presos da Ilha das Galinhas. A grande instabilidade surgiu do Batalhão de Comandos, Spínola dissera repetidamente:
“Nunca o PAIGC tomará conta disto porque em último caso, se nós sairmos, vão ser vocês os líderes da futura Guiné”. A população agitava-se nas ruas, os Comandos entraram numa grande instabilidade.

Em 12 de Maio, Mário Soares reuniu-se com Aristides Pereira em Dakar, Senghor estava de visita à China, foram recebidos pelo primeiro-ministro Abdou Diouf, terminada a reunião em privado, todos se lançaram nos braços uns dos outros, a confraternizar como irmãos desavindos que finalmente se tinham reencontrado.

O coronel Matos Gomes debruçou-se sobre vários contextos: as linhas étnicas que atravessavam a composição do Batalhão de Comandos; o facto de que os mísseis implicaram uma resposta para os contrariar mas tornavam claro que aquela guerra estava de facto perdida, esclarecendo que tinha sido na Guiné que surgiram praticamente todos os oficiais que vão desempenhar um papel decisivo no MFA, reforçando a ideia de que o que se passara na Guiné em 26 de Abril foi um golpe autónomo onde não participaram os spinolistas. Num clima já de debate, foi discutido o documento “A Situação Político-Social na Guiné”, documento de apoio a uma reunião que foi feita em Bissau, em Setembro de 1973.

José Manuel Barroso debruçou-se sobre a perspetiva militar que ele pôde observar desde 1972 em que era ponte assente que os militares não permitiriam que a Guiné não se transformasse numa segunda Índia, mesmo que tivessem de atuar contra a metrópole. Descreveu a rede de contactos montada por Spínola com figuras de oposição, financeiros e importantes jornalistas. Por exemplo, Spínola estabeleceu relações privilegiadas com o diretor da República, Raul Rego. No seu depoimento, Barroso contou uma conversa havida com Spínola logo a seguir ao assassinato de Amílcar Cabral: “Isto é um perfeito disparate. Apesar de tudo, o Amílcar era um tipo com fortes raízes portuguesas, era um interlocutor, agora não sei quem é que vem. Apesar de todas as asneiras que nós possamos ter feito para trás, hoje, o assassinato do Amílcar é um erro”.
Mais adiante observou que a continuada negociação do governo de Marcello Caetano para a obtenção de novas armas (mísseis red eye) era uma tentativa de ganhar tempo para que as forças portuguesas na Guiné dispusessem de alguns recursos militares que aumentassem a sua capacidade de defesa. Baseava esta observação em conversas havidas com altos dirigentes políticos do Estado Novo que lhe confirmaram que era preciso encontrar uma forma de negociar numa posição de muito mais força, aquelas novas armas não dariam superioridade militar às forças portuguesas, eram uma antecipação a meios aéreos que o PAIGC viesse a ter, eram meios de defesa, era mísseis antiaéreos.

Na mesa redonda abordaram-se alguns assuntos delicados como os militares do Batalhão de Comandos terem, na sua esmagadora maioria, recusado a proposta de virem para Portugal e serem integrados nas Forças Armadas Portuguesas, preferiram receber vencimentos até Dezembro de 1974; falou-se de pouco significado que teve a agitação dos movimentos esquerdistas polarizado pelo Movimento para a Paz que aspiravam para um regresso imediato irresponsável a Portugal; referiu-se como o potencial humano militar estava praticamente esgotado no 25 de Abril, uma percentagem esmagadora das subunidades importantes na quadrícula, que eram as companhias, eram em cerca de 90 % comandadas por milicianos, de um modo geral impreparados; exprimiu-se também a situação altamente sensível de que se estava a transferir poder, já não era um reconhecimento de Portugal da independência da Guiné-Bissau, o que eles asseguraram fazer e não cumpriram e os fuzilamentos e outras malfeitorias praticadas só a Guiné-Bissau pode responder perante a comunidade internacional, as autoridades na Guiné cumpriram estritamente o que foi assinado nos acordos de Argel.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12669: Notas de leitura (559): "Guerra Colonial - Uma História por contar", edição da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Externato Infante D. Henrique (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12672: Tabanca Grande (424): Carmelino Cardoso, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2701/BCAÇ 2912, Condutor ao serviço do então Major Carlos Fabião, (QG/Bissau, 1970/72), grã-tabanqueiro n.º 644

1. Mensagem, de 27 de Janeiro de 2014, do nosso camarada e novo tertuliano Carmelino Cardoso, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2701/BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72), que cumpriu a sua comissão de serviço no QG/Bissau como condutor do então Major Carlos Fabião:

Bom dia Luís Graça,

Só agora me é possível responder à tua satisfação e com razão, de me responderes, pois fui mais um militar que andava perdido e foi encontrado... e que tenho como me pedes muito para contar.

Vou então contar a razão porque fiquei sempre em Bissau.

Quando assentei praça no CICA 4 em Coimbra, todos nós, os 600 condutores, já sabíamos que íamos todos para o ultramar, razão pela qual um, mesmo na instrução, desertou.

Se fosse hoje eu fazia o mesmo, mas, naquela altura pensei que ele nunca mais via o sol se fosse descoberto. Puro engano porque logo a seguir veio o 25 de Abril.

Mas continuando, depois de ser incorporado na CCAÇ 2701/BCAÇ 2912, fui para a Guiné.
Éramos então 8 condutores na nossa Companhia e, já a caminho no barco Carvalho de Araújo, o nosso comandante de Companhia mandou formar a mesma para dos oito condutores tirar dois para ficarem em Bissau... Foi difícil escolhê-los porque eram todos casados.

O Comandante começa a coçar na cabeça e diz:
- Homens casados com um filho um passo em frente...

Demos todos. Mais coçou a cabeça como a querer arrancar os cabelos.
Repetiu:
- Homens casados com dois filhos um passo em frente...

Fui eu o único.
Fui então escolhido para ficar em Bissau por seis meses, mas depois de estar no quartel do Comando-Chefe, aqueles oficiais nunca me deixaram sair. Devido à minha prontidão e de ser muito prestável, eles tinham muito poder pois era dali que saíam todos os projetos para a guerra no mato..
Continuando... e ficou mais um condutor que era meio deficiente.

Quando chegámos a Bissau, e como era costume com todos os batalhões, fomos para o quartel dos Adidos, para as tendas, a fim de nos organizarmos e dali partirmos para o mato.

Entretanto o meu batalhão partiu para o mato e eu fiquei nos Adidos com as instruções de aguardar que alguém me fosse buscar. Fiquei por ali esquecido durante uns 5 dias, dormia em cima de um jipe e ia comer ao quartel mas ninguém sabia.

Ao sexto dia então lá aparece alguém a chamar pelo meu nome e fui para o QG que ficava no topo da rua de Santa Luzia. Dali fui escalado para o então Comando-Chefe que ficava na Amura, na Polícia Militar.

Bissau - Fortaleza D'Amura
Foto: Didinho.org, com a devida vénia

Estava na secretaria um capitão com apenas a 4.ª classe, a quem muito devo, que era quem dirigia a colocação de todos os condutores. Este capitão era alentejano e muito humano... muito bom para todos os militares. Enquanto for vivo nunca me esquecerei dele... e digo mais, quando me lembro dele vêm-me as lágrimas aos olhos. Eu devo-lhe muito... pois o que eu lá passei a ele lhe devo. Até me deu um louvor (uma viagem à metrópole no avião militar).

Continuando... depois de andar por ali uns seis messes, sem colocação... andava aos recados praticamente e quando algum condutor adoecia ia eu fazer o serviço, pois havia duas carrinhas para transportar os oficiais da messe para o quartel.

Em determinada altura o capitão chamou-me e disse-me com aquele tom calmante alentejano e a rir-se:
- O senhor Carmelino vai para condutor do nosso Governador, para o General Spínola.

Foi então que lhe pedi para não me escalar para tal e fui então para condutor do Sr. Major Fabião.

O meu trabalho era de todos os dias com um Volkswagen 1300 ir buscar o Major à messe e levá-lo para o quartel, tinha que fazer as compras alguns dias na semana com a esposa e tinha que lavar o carro todos os dias porque não podia andar sujo, enfim... trabalhos de um recruta.

Ao Major Carlos Fabião [foto à direita, ainda com o posto de Capitão], que Deus o tenha lá no paraíso, também devo muito...
Contei- lhe a minha precária vida de militar, com mulher e dois filhos na metrópole, e pedi se me dispensava do serviço todas as tardes e me dava autorização de conduzir um táxi, pois tinha lá tirado a carta profissional há pouco tempo.

Bom Major... aprontou-se logo... fiquei dispensado mas com a condição de cumprir a minha obrigação do dia a dia e o carro sempre limpo, tendo o cuidado de lhe entregar a chave com o carro sempre com gasolina suficiente, pois ele fazia muitas viagens para o aeroporto.

Fiquei então dispensado e conduzia o táxi das duas da tarde até à meia noite.
Eu era desarranchado, comia num restaurantezito na rua de Santa Luzia perto do QG e também dormia numa tabanca perto da porta de armas do QG. Ganhava 950 escudos por mês, mais 150 de prémio de condutor. O que me valia era o dinheiro que eu ganhava no táxi, pois só o comer na pensão era 950 escudos por mês.


Carmelino Cardoso junto ao Mercedes do COM-CHEFE, que conduziu durante algum tempo

Para finalizar, quero aqui referenciar, que enquanto for vivo, não esqueço quatro pessoas a quem eu devo muito... São elas o Capitão responsável pela distribuição das viaturas; O Sr. Major Fabião; um Alferes que estava na secretaria, que era daqui de Aveiro, cuja esposa era de Macau e tinham oito filhos que pareciam chineses. Tenho muita pena de nunca mais ter sabido nada dele nem dos filhos, pois ainda deve ser vivo. Apesar de me ter ajudado, eu também lhe fiz muitos favores porque os alferes não tinham direito a viatura mas eu também lhe levava os filhos à escola e ia buscar o comida à messe dos oficiais para todos eles. Era um jeito que eu fazia pois ficava a caminho.

Também nunca me esqueço do dono da tabanca onde eu dormia, chamava-se Manuel e tinha três mulheres... eles era de cor negra, respeitava-me muito e eu gostava dele porque era muito educado... aliás que me desculpem os meus camaradas, mas eu tenho um carinho muito especial por aquela gente da Guiné, que era uma gente muito humilde. Gente de Bissau, com quem eu falava muito quando ia às compras à praça, no pilão e até a João Landim, salvo erro era assim que se chamava esta terra que distancia uns 20 kms de Bissau, já que mais para a frente eu não ia porque tinha medo da Guerra.
De qualquer maneira, destas quatro pessoas, das que já morreram, que Deus atenda à minha súplica e as tenha no Céu, em paz e as recompense do bem que fizeram. Às que estão vivas, que devem de estar, este Alferes e os filhos, aqui vai um brande abraço de Aveiro.

Para o Manuel, dono da tabanca em Bissau, um grande abraço, gostava de visitar.

E para o governo português, que seja digno de recompensar com uma pensão vitalícia os veteranos de Guerra que deixaram mulher e filhos para ir defender aquilo que o próprio governo deu de mão beijada!
E para todos aqueles que lerem esta mensagem, um grande abraço, que que nunca esqueçam que é mais fácil ganhar uma guerra com uma psicologia do que com as armas!

Presentemente toco saxofone Alto e barítono na Mini-Banda da Silveira - Oiã - Aveiro e normalmente tocamos em festas aqui pelos arredores, como arruadas, missas e procissões, além de outros eventos. Daí a minha foto actual, também fardado.

Um abraço para vocês todos!
Carmelino Cardoso


2. Comentário do editor:

Caro camarada Carmelino,

Brilhante e completa apresentação nos fizeste tu.

Em tempos foi publicado um poste resultante de uma mensagem que nos mandaste (P12486) onde mostravas a tua revolta pelo facto de teres de deixar esposa e dois filhos para fazeres a guerra.
Se era difícil para quem era solteiro, imagino a dor e a mágoa de quem deixava uma família formada, temporariamente desorganizada, quando não para sempre.

Felizmente a sorte sorriu-te e fizeste a tua comissão em Bissau, longe do perigo e sem sobressaltos.
Nem tudo foi mau para ti.

Quanto ao reconhecimento monetário pelo nosso esforço no ultramar, caro amigo Carmelino, esquece e pede para que te tirem o menos possível daquilo que agora auferes.

Para me consolar, costumo pensar que não foram "estes" que nos mandaram para a guerra, foram os "outros".

Como parece que estás apto a mandares-nos os teus textos e fotos, já sabes que estamos ao teu dispor para os receber e publicar.

Em nome dos editores e da tertúlia, deixo-te um abraço de boas-vindas e os votos da melhor saúde para continuares a tua faceta cultural na música.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12658: Tabanca Grande (423): Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), natural da Lourinhã, a viver em Fafe, grã-tabanqueiro nº 643

domingo, 22 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12486: O nosso livro de visitas (173): C. Carmelino, da CCAÇ 2701 (1970/72), a companhia do Saltinho... Esteve sempre no QG, em Bissau, na Amura, onde foi condutor do major Carlos Fabião

1. Mensagem de hiojem, do nosso leitor e camarada C. Carmelino:

Data: 22 de Dezembro de 2013 às 13:11
Assunto: Camarada da Guiné

Um ex combatente revoltado...

Bom  dia amigo, cheguei até aqui porque,  ao conversar com um amigo,  aconselhou-me a pesquisar na Net, pois andava  há muito tempo para obter informações da minha companhia do serviço militar da Guiné.

Estive na Guiné desde maio de 1970, tendo regressado em maio de 1973.

Pertenci à companhia 2701 que esteve em Saltinho, mas eu estive sempre em Bissau, ma Amura onde estava a policia militar, fui condutor do major Fabião, pertencia ao Comando-Chefe. Em todo este tempo nunca soube nada do meu batalhão nem da minha companhia... Fui sempre um militar perdido.

Hoje sinto-me uma pessoa revoltada, pois deixei mulher e filhos para ir defender aquilo que agora deram por não me darem o devido valor, assim como a tantos outros. Hoje sou um ex-combatente que só sei dizer, que por onde Portugal passou só deixou miséria. Vejamos só um bocadinho: chegou ao Brasil,  hoje é o que se vê,  um país pobre; chegou às colónias,  deixou lá miséria; agora chegou à Europ, UE,  e é o que se vê,  o país na penúria...Já fomos governados pelos Filipes de Espanha, hoje somos governados pelos troikanos (os da troika);  enfim,  o nosso país tem uma carreira,  ao longo da sua história,  de miséria!

Foram três anos de serviço obrigatório, não por castigo, mas por falta de transporte, que quando acabei a comissão, miserável este governo,  nem transporte tinha para um militar que deixou mulher e dois filhos para ir defender o nada... Sim,  o nada que em nada acabou... Acabou em miséria.
Hoje sou um português revoltado,  a olhar para o passado miserável deste país... que com a ganância de alguns políticos nunca chega a lado nenhum.

Sem mais,  por agora um abraço de um abraço de um ex-combatente revoltado pelo passado  e mais pelo presente que não terá futuro!

2. Comentátrio de L.G.:

Carmelino, obrigado pela tua visita, revolta e desafo... Ainda conheci a tua companhia, a CCAÇ 2701. Aliás, fomos nós, a  CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), a dois grupos de combate, quem, em maio de 1970, fez uma coluna logística, de Bambadinca ao Saltinho, escoltando os "periquitos" da CCAÇ 2701 e levando reabastecimentos até ao local de destino.

Gostava que, cumprindo as regras do nosso blogue, aceitasses o meu convite para te sentares debaixo do poilão da Tabanca Grande. Basta, para isso, acrescentares à foto (antiga) que mandaste, mais uma, atual... e falares um pouco dos teus tempos de QG, como condutor do major Carlos Fabião. 

Enfim, junta-te aos teus antigos camaradas da Guiné, que já são mais do que um batalhão. Entre amigos e camaradas (veteranos da guerra colonial  na Guiné)  somos 635, dos quais infelizmente quase 3 dezenas já faleceram. O melhor Natal possível para ti e para os teus, Luís Graça.
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Nota do editor:

Último livro da série > 13 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12441: O nosso livro de visitas (172): Pedido de informação de Djarga Seidi, guineense da diáspora, com esclarecimento prestado pelo nosso colaborador José Martins