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domingo, 12 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14462: Estórias do Juvenal Amado (53): O 25 de Abril faz 41 anos e eu continuo um incorrígel sonhador


"O João Caramba [1950-2013],  eu e o Ivo, em Santa Maria da Feira, pouco tempo depois do nosso regresso"

Foto (e legenda): © Juvenal Amado  (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º cabo condutor auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

Data: 8 de abril de 2015 às 23:06

Assunto: O 25 de Abril faz 41 anos

Caros camaradas

A liberdade será porventura um dos maiores anseios colectivos da Humanidade. Tão difícil de alcançar,  julgo ainda mais difícil de manter.

Somos uma geração que lutou por ela, que a abraçou, e que deseja deixá-la às gerações vindouras como um bem supremo, pelo o qual tantos morreram desde o berço da nossa nacionalidade.

Na nossa História tantas vezes perdida e outras tantas vezes recuperada, valeu a pena.

Um abraço

Juvenal Amado

Estórias do Juvenal Amado (53) > Sou um sonhador

Sonho com água a passar límpida debaixo das pontes,
Que no Natal haverá brinquedos para todas a crianças,
Amêndoas na Pascoa,
Que há um fim para a violência,
Que o Homem tem prioridade sobre os interesses,
Que chove sempre na altura certa,
Que o Sol aparece sempre na Primavera,
Que os campos se cobrem de verde,
Que as flores darão sempre lugar aos frutos,
A Natureza vença a destruição,
Que os homens se respeitem,
O branco e o preto sejam símbolos da mesma pureza,
Que no Verão os fogos poupem a floresta,
O Outono seja manso,
O Inverno rigoroso mas que ninguém dê por isso,
Que haja arco-íris em todas as escolas,
Que o desemprego seja uma recordação,
Que a tua mão nunca se canse da minha,
Que os sonhos alimentem os sentidos,
Que o silêncio seja a bebedeira da alma...

O 25 de Abril faz 41 anos 
E eu continuo um incorrigível sonhador.

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13534: Estórias do Juvenal Amado (52): Portugal, fábrica de soldados

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13534: Estórias do Juvenal Amado (52): Portugal, fábrica de soldados

1. Em mensagem do dia 20 de Agosto de 2014, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos um texto dedicado ao Portugal dos anos 60 e 70, à época autêntica fábrica de soldados.


ESTÓRIAS DO JUVENAL

52 - FÁBRICA DE SOLDADOS

Uma das recordações que tenho daquele tempo prende-se com os comboios.
Comboios diferentes dos de agora. Diferentes no uso, nos passageiros e na função para a qual tinham sido requisitados. Falo dos especiais para militares, sempre a abarrotar de fardas verdes e boinas castanhas, que cruzavam de Norte a Sul o nosso país, para fins-de-semana e regressos aos quartéis, mas também dos transportes para os embarques. Esses eram menos visíveis, pois saíam dos centros onde se formavam os batalhões directos sem paragens, a meio da noite e iam descarregar a sua carga humana em Sta Apolónia ao amanhecer .

Eu esperava o meu no Valado dos Frades, terra produtora de produtos hortícolas, artigos de faiança e porcelanas (*) a meia dúzia de quilómetros de Alcobaça e outro tanto da Nazaré, estância balnear frequentadas por nós naqueles anos, no meu caso desde criança.

De comboio até à idade da tropa, viajei esporadicamente para Lisboa e regresso. Bem diferente foi o meu conhecimento com esse meio de transporte após a incorporação.
Fui para Coimbra e posteriormente para o Porto neles. Eram comboios modernos vulgo automotoras, em que a 2.ª classe era ocupada pelos praças, a 1.ª por oficiais e sargentos numa divisão hierárquica imposta pelas leis militares.

Nos cais de embarque ficavam muitos familiares e namoradas a ver-nos partir normalmente com um até ao próximo fim-de-semana. Era assim que me despedia dos meus, até nas vésperas do embarque eu mantive o “até para a semana” já sabendo que essa semana seria dali a muito tempo.

Mas quando saí do Porto na direcção de Abrantes conheci outro tipo de composições ferroviárias que pareciam ter recuado no tempo até ao do Século XIX após a vila do Entroncamento no seu cadenciar tipo “muita terra pouca terra”. Desconfortáveis pois tinham bancos de madeira, lentos, paravam em todas as estações e apeadeiros para além de raparmos um frio danado.

Logo no dia que fui transferido com mais camaradas condutores e uma dúzia de soldados de Pel Rec, rumamos a Abrantes findas que foram as respectivas especialidades, levamos uma noite inteira para chegar ao nosso destino. Saindo da orla costeira parecia que mergulhávamos noutro país facto que vim a comprovar nas horas que levava a chegar a Sta. Margarida bem com a sair de lá.
Mas os comboios passavam sempre a abarrotar de soldados, muitos deles nunca tinham visto o mar, encheriam pouco depois os porões de navios rumo à Guiné, Angola e Moçambique a sabor da incerteza. Portugal parecia dormente, aceitava esse fardo como se fosse cumprir um destino e os pais, viam partir os filhos esperando pelo seu regresso sãos e escorreitos. Cada um guardava a sua própria dor, que não se podia medir, nem pesar, nem comparar.

Quando embarquei já milhares de jovens tinham embarcado antes de mim durante os 10 anos de guerra, entre eles o meu irmão mais velho seis anos que eu. Parecia que o país não se esgotava. Na verdade naquele tempo, Portugal mais parecia uma fábrica de soldados.

Um abraço
Juvenal Amado
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(*) - N.A. O valado dos Frades pertence ao concelho da Nazaré, mas na verdade Alcobaça também sente essa vila como sua. Os seus campos agrícolas misturam-se com os da Cela e a ligação com o tipo de indústria, reforça os laços que nos unem. Muitos de habitantes dessa hoje vila, trabalhavam em Alcobaça e a própria fábrica de porcelanas SPAL, é como o nome indica uma emanação da nossa proximidade.

Recruta - CICA 4

Juramento de Bandeira

Partida para Sta. Margarida

Abrantes - Já mobilizado
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13104: Estórias do Juvenal Amado (51): Amendoins e bajudas, cheiros antigos

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13104: Estórias do Juvenal Amado (51): Amendoins e bajudas, cheiros antigos

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 28 de Abril de 2014:

Carlos e Luís
Cá vai mais uma historieta.
Mando algumas fotos de bajudas de Galomaro mas se alguma delas for a Jarulema será a que vai a na 1ª foto a cores. Parece-me ela mas não tenho a certeza.

Um abraço
Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL

51 - AMENDOINS E BAJUDAS, CHEIROS ANTIGOS

Tem estado um clima pouco amistoso. Com chuva e algum frio, mas fazendo jus ao ditado que diz que Abril tira e põe a velha no covil, só fica admirado quem não compra o Borda D´Água, ou não se lembra dos ditados antigos. Mas não é sempre assim e intercalado nesses dias pouco convidativos, tem aparecido um aqui e outro ali, que nos faz despir o casaco.

Hoje foi um desses dias e é de dele que eu venho falar.
Está um dia claro e solarengo bem apetecível e há muito desejável. Sempre que posso saio de casa no meu passeio, passo pela rotunda Sul sigo pela Alameda do Santuário, ultrapasso-o e finalmente do lado Norte existe uma praça com várias esplanadas agradáveis e bastante convidativas.

Sentei-me na esplanada com vontade de beber uma imperial. Passa-se tempos sem que beba, mas hoje veio-me aquele desejo irresistível de beber uma e vai daí passei da vontade ao acto.
Chamei o empregado, pedi uma imperial e juntamente trouxesse também uns amendoins para fazer peito.

Passado um bocado lá chega ela loira, transbordante e a acompanhá-la, vem a decepção na figura de um pequeno saco onde se lia “amendoins com mel, sal e piri-piri” em vez dos com casca tão simples, tão honestos, tão usuais em qualquer sítio que se preze, pelos menos há algum tempo.
Perguntei se não havia doutros! O empregado num português lá dos lados do Brasil disse-me que não e que se eu quisesse, também havia uns pacotinhos de caju com o mesmo tempero ou parecido. Disse-lhe que deixasse estar, pois teria que ser mesmo com aqueles que eu iria matar o desejo. Mas nestes amendoins processados industrialmente, se não estou em erro por empresas espanholas, não há o encanto de descascá-los, soprar as finas películas que ainda os envolvem e só depois trinca-los, sentir o estaladiço crocante deles bem torrados sem mais temperos.

Parte do prazer de comê-los está aí, faz parte do vício, assim dizia o meu avô Lino, quando parava o que estava a fazer, calmamente tirava a onça de tabaco do bolso com as respectivas mortalhas e fazia o cigarrito, saboreando o momento mesmo antes do acender. Também eu fumei e muitos anos, tentei combater o vício fazendo como ele fazia, mas não me valia de nada pois os hábitos e a vida agitada, ditavam a rapidez com que eu os fumava por vezes acendendo-os uns nos outros. Por graça dizia então que era para poupar nos fósforos. Enfim uma estupidez.

Mas os amendoins e a imperial fizeram-me voltar atrás mais de quarenta anos, quando na Guiné ansiava por uma. Que eu soubesse só havia um local em Bissau que servia cerveja a copo e por isso mesmo ainda hoje, opto sempre por beber uma, em vez da tradicional cerveja em garrafa.
Em Galomaro, todos os dias por volta das cinco horas da tarde, juntamente com as lavadeiras, vinha a Jarulema da “mancarra” com a dita dentro de uma cesta de verga larga e rasa, que era comum as mulheres usarem para vários dos seus afazeres. Era uma bajuda de mama firme, muito sorridente, olhos marotos, mas que era do tipo toca e foge. Quero eu dizer com isto, que ela prometia o Céu mas não se passava da terra. Aquando de alguma aproximação de algum soldado mais assanhado, ela sabiamente lá ia desviando as mãos dos mais afoitos e ia vendendo o amendoim que ela própria torrava.
Enquanto para nós a mancarra era divertimento, para os naturais da população ela era a vida como se poderá assim dizer. Pelo caminho ficavam os soldados, que fazendo uso de um charme rasteiro e de mau gosto, eram pura e simplesmente afastados do seu convívio e mimoseados com uns palavrões ditos nas duas línguas, com o devido encaminhamento para as mães e pais, senão para toda a família.

Binta, a bajuda mais bonita de Galomaro e arredores

Com a devida vénia a José F.S. Ribeiro do BCAÇ 2912

Com a devida vénia a Manuel Madeira Guerreira do BCAÇ 2912

Ainda hoje é melhor cair em graça, do que ser engraçado lá diz o ditado e assim uns com mais jeito e falas mais mansas, podiam aproximar-se dizer-lhe coisas, que a levariam aos arames ditas por outros. Tinha fama de já não ter cabaço. Fama que já vinha das “más línguas” da companhia 2912 aquando da nossa chegada.
Feitas as apresentações às lavadeiras e à Jarulema, a tal fama passou da boca dos desejosos, espalhou-se pelos invejosos do 3872 qual “pústula” passou a bajuda a padecer. Não sei se era verdade ou não, mas ela por vezes ria-se com os nossos avanços, naquele jogo de sedução que nos deixava assim como arrebitados, mas que nunca esclarecia as dúvidas.
Ficávamos com a água na boca e os amendoins para enxugarmos umas Cristais, se os comprássemos, senão nem isso.

Porta de armas de Galomaro - Juvenal Amado, José Manuel e Confraria

Passados alguns meses, correu o boato que ela era a mais que tudo de um graduado, por sinal boa praça, que alinhava com a malta, desde que o comandante não o bispasse. Confraternização entre praças e graduados era coisa proibida em Galomaro.
Inicialmente como bons “machos” latinos, não se quis acreditar que tal fulano tivesse passado a perna à malta e se tivesse chegado à frente no caso da vistosa bajuda. Com preconceito e chauvinismo, entenderam que ela não estava à altura de quem a partir dali desfrutaria os seus favores. Mas lá vem a velha questão sobre as razões do coração, porque há razões que a própria razão desconhece.

Bastou isso para que os assédios à Jarulema abrandassem, porque o respeitinho é muito bonito e recomendava-se. Ela nunca deixou de aparecer à porta de armas com o seu sorriso, os seus panos coloridos e a sua deliciosa mercadoria, por vezes reforçada com castanha de caju.
Toda ela cheirava ao perfume torrado dos seus produtos.

Foi esse cheiro essa imagem que me veio à cabeça quando pedi amendoins ao empregado da esplanada.
Provei o saquinho de amendoins com mel, sal, piri-piri, decididamente fiquei triste e decepcionado.

Um abraço para todos
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12559: Estórias do Juvenal Amado (50): Em Alcobaça, assinaturas do tempo

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12559: Estórias do Juvenal Amado (50): Em Alcobaça, assinaturas do tempo

Mosteiro de Alcobaça
Foto: © José Eduardo Rodrigues Oliveira (JERO)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 4 de Janeiro de 2014:


ASSINATURAS DO TEMPO

Quando moramos num sítio vamos absorvendo pormenores que há primeira vista pouco importam, até parece que não nos afectam . Mas ficam gravados na nossa cabeça e mais tarde, adquirem importância para lá do que alguma vez pensamos.

Naquele tempo, que eu caminhava entre casa e a fábrica ou o café para as habituais tertúlias, sabia de cor cada pedaço de calçada arrancada, cada pedaço de lancil marcado por uma jante, cada mancha de musgo ou mesmo os estranhos desenhos, que ficavam quando caía algum pedaço de reboco de uma parede ou mesmo um muro. Era assim a vida lenta, previsível, como tempo de quem sabe que mais não podia fazer para além disso enquanto esperávamos pela tropa.

Como eu me lembro do conformismo desse tempo. Uns iam para Angola, outros para Moçambique e por fim outros para a Guiné. Também alguns felizardos iam para S. Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Macau ou Timor mas eram poucos e mesmo por isso invejados. Não havia volta a dar, ir para a tropa e esperar que não nos calhasse os piores destinos, era o pão nosso de cada dia.

Fazia parte de um ritual da nossa passagem à idade adulta. Engraçado que conhecia os nomes de quase toda a gente que morava em Alcobaça, hoje não conheço os nomes dos moradores do prédio onde moro. A taverna do Dinis e dos homens a comer laranja com sal para fazer peito ao copo de 3, do quartel dos bombeiros em frente, o Manuel Lourenço de quem eram suficientemente conhecidas as suas três grandes paixões: os bombeiros, o Benfica e o ciclismo.

A mercearia do sr. Emidinho com o seu sobrinho quase tão velho como ele. Os dois pequeninos magrinhos e carecas, eram figuras únicas que eu sempre vi com uns casaco de sarja cinzenta, cumprimentavam cerimoniosamente e humildemente as senhoras que ia à sua mercearia, quer pagassem logo, ou mandassem assentar no rol.

O David Pinto e os seus bem conhecidos sonhos de democracia mais a sua famosa ginja, que chegou aos dias de hoje como supremo néctar, que se espera ansiosamente por provar todos os anos.

Café Paris nome pomposo que acabou por ser popularmente conhecido pelo café do Isidro, que fazia uns bitoques que nós devorávamos já fora de horas. Recordo os jogos de xadrez, o ar preocupado dele com algumas conversas e com alguma literatura, que mudava de mãos nas horas tardias.

As fiadas de lojas que vendiam louça típica e histórica de Alcobaça.
Emprestavam um colorido sem par com as louças artisticamente pintadas a forrar as paredes exteriores das mesmas, espalhadas pelas calçadas em prateleiras e cestos cheios até cima de miniaturas pintadas por aprendizes da Vestal, Olaria, Elias & Paiva (Pouca Sorte) e Raul da Bernarda.
Naquele tempo só uma fábrica tinha alcunha de “pouca sorte”, hoje todas acabaram por ter a mesma sorte.

Os correios o largo dos Mosteiro de Sta Maria, que todos chamavam e chamam rossio com os seus jardins com alguma relva arrancada pelos transeuntes, que atalhavam caminho pisando-a sem dó nem piedade. Vi a Rainha de Inglaterra aí a descer as escadarias do Mosteiro, corsos carnavalescos com batalhas de flores com sacos de serradura, farinha e água à mistura, mas era carnaval e nada parecia mal.

A saudosa esplanada do Bau e os bolos da pastelaria Toval, não é que os de hoje não sejam porventura bem melhores, mas na altura o acesso a essas guloseimas era muito mais restrito e por isso ficaram na memória.
Local de namoricos e troca de caricias.
Também manifestações avassaladoras de pesar, quando a dor atingiu algumas famílias de Alcobaça na perca de vários dos seus filhos, em que toda vila se uniu na dor.
Local de discretas celebrações de datas como o 1 de Maio.

Podia fazer o caminho quase de olhos fechados tal foram as vezes e os anos a percorrê-lo. As figuras castiças como o Tibúrcio, o Valadares engraxador, o Augusto da Vestiaria eram parte da identidade da vila com quem nos cruzávamos a todo o instante. Os internados do asilo que pediam sempre um cigarrito ou à falta disso apanhavam as beatas, que eram sempre abundantes pelo chão. Desfaziam-nas para dentro de uma caixa de lata e a seguir com mortalhas, confecionavam novos cigarros.
Reciclavam, palavra que está hoje em voga.

Entre eles, dois ou três juntavam-se a nós, havendo mesmo um, que tinha um ar existencialista e toda a vida ter frequentado a universidade, compunha o estilo com ar de poeta, um livro de baixo do braço, fosse para onde fosse.
Mais tarde falou-se que afinal não sabia ler, o que não teve importância nenhuma, tal era a forma com que enriquecia as tardes e serões com a sua experiência de vida. Morreu quando eu estava na Guiné.

Morreu só, uma vez que as pessoas que cativáramos fora da instituição viviam as suas vidas a outras velocidades. A sua doença e morte acabaram por passar quase despercebidas. A maioria de nós só soube quando regressou das comissões.

Na Guiné foram muitas dessas recordações que me fizeram companhia juntamente com o calor e os mosquitos. Muitas vezes no posto de sentinela revia mentalmente o percurso e vinham-me à cabeça todos os pormenores que antes julgava não prestar atenção. A distância aguçava as saudades ao mínimo pormenor.

Quando regressei, voltei a fazer vezes sem conta os mesmos caminhos. A maioria das coisas estavam lá ainda, pouco se tinha alterado, eu é que via tudo com outro olhar.
Vinte e sete meses longe tinham-me transformado e era com avidez que bebia as imagens, que funcionavam como assinaturas do tempo.

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12170: Estórias do Juvenal Amado (49): Afinal era bala real - Lembrando João Caramba

sábado, 19 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12170: Estórias do Juvenal Amado (49): Afinal era bala real - Lembrando João Caramba

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 13 de Outubro de 2013:

Caros camaradas
Lembrar os nossos é um exercício que se faz naturalmente, pois desse tempo que passámos juntos fica a necessidade de deles falarmos.
Parece que estão mais próximos, atenua o nosso sentimento de perda e prestamos-lhe uma homenagem que não tem preço, não é institucionalizada pois não se institucionalizam os sentimentos.
Juvenal Amado



AFINAL ERA BALA REAL

O Passos contou-me esta ocorrência na última vez que estive com ele, quando lembrávamos o nosso camarada João Caramba, onde fica demonstrado o voluntarismo e a noção de entreajuda que norteava o nosso saudoso amigo.

O caso passou-se quando ainda estávamos no Cumeré em treino operacional, antes de seguirmos para o Leste.

O Passos nunca dizia não a uma jogatana de futebol e embora com um calor pouco convidativo à sua prática, era raro o dia em que não houvesse jogos entre pelotões, ora da CCS ora das companhias operacionais.

Nesse dia o Passos torceu um pé. Não dando muita importância a verdade que após o fim do jogo e com o arrefecimento, a dor no artelho bem como em todo o pé, que apresentava já algum aspecto inchado, tornou-se incomodativa levando-o a procurar ajuda na enfermaria.

Aí levou uma pomada, uma ligadura na zona afectada e a troco de uns analgésicos LM tomados a horas certas, o Passos esqueceu-se da dor.

Mas a malta não estava lá para jogatanas e mesmo nessa tarde o Pelotão de Reconhecimento foi chamado para instrução de guerrilha e contra guerrilha.
A simulação de um golpe de mão a um pelotão de uma das companhias operacionais era a ordem. Estavam connosco as seis companhias operacionais desembarcadas do Angra do Heroísmo, 3 continentais e 3 madeirenses.

O resultado do insucesso desta operação, era ficar prisioneiro do pelotão “atacado” toda a noite e no outro dia, ser exibido como troféu pelos que eram para ser caçados e passavam assim a caçadores.
Embora fosse a brincar, ninguém do Pel Rec queria deixar os seus créditos por mãos alheias e passar por essa vergonha.

Foram feitas equipas de dois calhando numa delas o Passos e o Caramba.
Tinham sido informados de que os atacados tinham bala simulada e não deveriam responder ao fogo.

Lá se foram aproximando da força “inimiga” com todo o cuidado, e estando conscientes de que acabariam por ser detectados,  tinham após isso, tudo fazer para não serem feitos prisioneiros.

E assim foi. Quando foram detectados, pernas para que te quero pelo mato fora. Atrás deles ouviam os disparos.

Mas o pé do Passos não o deixava correr muito, uma vez que cada vez lhe doía mais, com a agravante de ter batido com ele ao saltar do Unimog que os tinha levado ao local onde se iniciaria a operação.

Os perseguidores ganhavam terreno a olhos vistos e o Caramba teimava em não deixar o Passos para trás, dizendo: ou fugimos os dois ou somos os dois apanhados.

Nisto o Caramba manda o Passos atirar-se pra o chão pois detectou que alguém estava a usar bala real. No chão o Passos por instinto meteu bala na câmara com o Caramba a gritar para não responder ao fogo e logo de seguida levantar os braços gritando que se rendiam.

Os perseguidores aproximaram-se todos risonhos e eufóricos da vitória, não esperavam que o Caramba desse um salto em frente para desancar o responsável pelos tiros, que lhe tinham assobiado aos ouvidos.

- Ou me tiram este gajo da frente ou eu parto-lhe as trombas.

No meio de enorme burburinho e acusações, foram ver o carregador da G3 e ele tinha de facto balas reais. Foi um momento de consternação para todos com o Caramba a jurar pela pele do atirador.

Do que se passou a seguir, o Passos disse-me que não soube mais nada sobre o resultado da ocorrência, mas pensa que aquilo foi abafado tendo ficado em nada.

A falta de preparação com saíamos da recruta/especialidade e eramos enviados para a Guiné, era muita e houve muitas tragédias que se poderiam ter evitado.

A sorte era escapar.

Entretanto o Batalhão 3872 embarcou numa LDG e na Bóro direito ao Xime e o episódio foi-se diluindo nos verdadeiros perigos que se avizinhavam daí para a frente.

Um abraço para todos
Juvenal Amado

João Caramba a bordo do "Angra do Heroísmo" ao largo da ilha da Madeira

A malta do Pelotão de Reconhecimento em confraternização
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11382: Estórias do Juvenal Amado (48): Fizeram-me lembrar os "Doze Indomáveis Patifes"

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11382: Estórias do Juvenal Amado (48): Fizeram-me lembrar os "Doze Indomáveis Patifes"

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Março de 2013:

Luis, Carlos, Magalhães e restante Tabana Grande.
Mais uma pequena lembrança dos tempos de Galomaro.
Aproveito para agradecer a ajuda que o Luís Dias (ex-alferes da companhia do Dulombi CCaç 3491), que me confirmou quanto às informações operacionais das movimentações das nossas tropas e do PAIGC na nossa zona de acção.

Juvenal Amado


FIZERAM-ME LEMBRAR OS DOZE INDOMÁVEIS PATIFES

Alferes Dias em Galomaro com a MG42 

Lembrou há pouco tempo o ex-Alferes Dias da CCAÇ 3491 do Dulombi, que o BCAÇ 3872 até meados de Abril de 1972 só com três meses de mato já sofrera 12 mortos metropolitanos (4 em Cancolim – CCAÇ 3489 + 8 no Quirafo/Saltinho - CCAÇ 3490) mais cinco milícias e um desaparecido em combate (o Baptista também no Quirafo). Juntando aos mortos e os feridos, as baixas eram já consideráveis e em virtude disso, chegou a ser considerada a possibilidade de o Batalhão ser transferido para outra zona.

Tal não se veio a confirmar pois ao aumento da movimentação do IN, entre Cancolim (atacado várias vezes) e Galomaro onde atacaram várias tabancas como Cansamba, onde estava um pelotão da companhia do Saltinho, Bangacia, Campata (e ainda Bafatá pois o IN infiltrava-se passando perto do destacamento de Cancolim) posteriormente a própria CCS em Galomaro.

A este acréscimo da movimentação do PAIGC respondeu-se com medidas acertadas, que talvez tenham feito gorar os intentos do movimento independentista e assim para sacudir o assédio que vinham fazendo na zona, foram precisas várias intervenções dos pára-quedistas (logo em 1972) e, posteriormente, a transferência da CCAÇ 3491 que veio reforçar Galomaro e Cancolim (I GCombate). Também essa companhia “emprestou” para Piche o II Grupo de Combate do Luís Dias (e o III GCombate do Farinha). A certa altura Galomaro, também foi reforçada por um pelotão comandado pelo alferes Luís Borrega (em 1972) e outro de uma companhia independente (em 1973), onde estava um meu antigo colega de escola, Carlos Afonso

Pára-quedistas em Galomaro desta vez em 1973.

Mais tarde tivemos mais mortos e feridos (zona de Cancolim e zona de Galomaro) e um desaparecido em Cancolim (António Manuel Ribeiro) que veio a aparecer por ter conseguido fugir em Março de 1974 de uma prisão do PAIGC, usando o rio Corubal para se guiar até ao Saltinho.

Posteriormente alguns soldados vieram para o nosso batalhão alguns por castigo, como o caso de um madeirense expulso dos comandos, que integrou o Pel Rec e pelo que vou contar, também se recorreu a agrupamentos disciplinares para reporem os nossos mortos e evacuados.

Belo dia juntamo-nos todos para ver o grupo de soldados que tinha chegado em rendição das baixas de Cancolim. O aspecto deles não era o melhor e o estado das fardas era representativo das vicissitudes por que tinham passado até ali chegar. Todos a roçar mais os 30 do que os 20 anos, eram o retrato vivo de soldados que a indisciplina, o azar ou quem sabe fruto de uma certa revolta os atiraram para castigos na maioria com passagem pelas prisões militares.

Um tinha agredido um superior, alguns refratários, etc... depois já sabe, ou não se sabe onde existe a verdade e onde ela acaba.

Nisto ouço ao meu lado uma exclamação: Olha o Lino!!!!! 

- É um moço lá do mê bairro e há anos que o não via! - Dizia o Caramba naquela forma tão peculiar de falar e dando a perceber com expressão do rosto, que o Lino era de primeira apanha.

O Lino também o reconheceu logo e fez-se ali uma festa com umas cervejas à mistura.

O Lino contou imensas peripécias e as inúmeras “porradas” que levou na Metrópole às quais juntava outras tantas já na Guiné, com passagens pelo presidio militar. Via-se que pela cara dele, que há muito tinha deixado de se vangloriar dos seus feitos e que esses lhe tinham custado demasiado caro.

- Lembras-te de quando atiravas bombas de carnaval ao polícia com a fisga?

Todos nos rimos imaginando o pobre policia a ser bombardeado sem saber donde lhe chovia. Outras patifarias onde o Lino era figura principal foram recordadas e está claro, que elas eram bem presentes na memória do Caramba, que delas sabia em primeira mão ainda moço.

O Lino bem como os outros lá foram no mesmo dia para Cancolim na coluna que regressava de Bafatá.

Nós, com mais de um ano de comissão, não ficamos indiferentes à sua passagem por Galomaro e ao seu especto físico e ar arruaceiro, o grupo mais fazia lembrar os “Doze Indomáveis Patifes”, um conhecido filme americano sobre a II guerra mundial.

Nessa mesma noite Cancolim é atacada e lá vai o Lino evacuado para Bissau com um ferimento numa perna. Nada de especial e acabou por regressar mas, se não estou em erro, foi mais tarde evacuado com uma ulcera no estômago e, desta vez sim, nunca mais o vimos.

Nunca me esqueci do seu aspecto, sem dentes, muito moreno, pequeno e magro com um rosto algo sofrido, irreverente que se desarmou ao ser por nós tratado com amizade. É que ali debaixo daquele sol tórrido, éramos todos iguais.

Nota de rodapé:
- Os pára-quedistas foram usados várias vezes na nossa zona em 1972 e 1973 em Cancolim onde reforçaram o próprio destacamento. Foram largados entre Galomaro e Saltinho (íamos buscá-los quando caimos numa mina com um morto) e posteriormente no eixo Cancolim, Dolumbi, Madina de Boé. Também o grupo do Marcelino da Mata fez operações a partir de Galomaro após o ataque a Campata.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11279: Estórias do Juvenal Amado (47): Aquelas postas de bacalhau eram ouro

terça-feira, 19 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11279: Estórias do Juvenal Amado (47): Aquelas postas de bacalhau eram ouro

Galomaro > Porta de Armas

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 15 de Março de 2013:

Caros Luis, Carlos, Magalhães e restante Tabanca Grande
Gostava que fosse mais uma estória despretenciosa e que ela não carregasse o sentimento de perca que neste momento é praticamente impossível ignorar.
Mas isto também serve para honrar os amigos e para preencher o vazio que ficou. Por outras palavras fazemos o luto necessário ao nosso equilíbrio.
Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

47 - AQUELAS POSTAS DE BACALHAU ERAM OURO

O Caramba* tinha recebido da terra uma encomenda. Enganaram-se os que pensaram que era uma coisa especial, que era o tesouro gastronómico alentejano. Na verdade a encomenda resumia-se a umas quantas postas de bacalhau salgado e seco, como era tradição cá na terra, na vez de liofilizado como o recebíamos lá.
Aquilo para o Caramba era ouro puro e tratou de o guardar com mil cuidados, começou logo a magicar como o iria fazer, sim porque aquilo não era um manjar qualquer, tinha que ter honras de iguaria fina.

Por mim achava que umas postas de bacalhau não mereciam tanta deferência, mas o Caramba era um homem que gostava das coisas da terra, que cultivava a sua ruralidade e que fazia questão de não esconder as suas origens. Contava ele que ainda moço ia com o pai para o negócio da compra e venda de fruta, com um naco de pão, umas azeitonas britadas, um dente de alho e uma posta de bacalhau demolhada, que depois passava pelas brasas feitas num intervalo do seu labor.

Eu, oriundo de operariado urbano que nem quintal tinha, apreciava quando ele falava da sopa de beldroegas, do licor de poejo, dos coentros, do gaspacho, as caldeiradas de peixe da barragem, da sopa de cação, enfim, coisas que eu não conhecia mas que quando regressei tive oportunidade de saborear nas inúmeras vezes que com ele privei. Ele chegava a trazer do Alentejo as ervas aromáticas e mais os necessários, para fazermos os petiscos em minha casa na Boavista de Alcobaça, para onde eu fui viver depois de casar. Visitava-me então amiúde quando vinha carregar fruta da região que depois transportava para os mercados do baixo Alentejo e Algarve.

Mas voltemos ao “fiel amigo” que o pai lhe tinha mandado.

O destino do manjar foi uma p……. de bacalhau que ele preparou dentro de uma das terrinas de aço inox quem eram usadas no refeitório.
Era o que se podia chamar uma grande tachada.

Nessa noite a partir das oito horas da noite, ele, eu e Aljustrel estávamos de reforço à porta de armas no primeiro de cinco, que tínhamos apanhado por castigo e foi mesmo ali que fizemos as honras ao dito.

Está claro que não comemos sozinhos, alguns camaradas que regressavam do Regala bem com um ou dois furriéis a troco de um rodada de cerveja, também se associaram na terrina. Mais tarde até o Santos que estava preso, ajudou a acabar com ela e de caminho ficou de reforço connosco até de manhã.

O Santos na sua qualidade de preso, todo dia enfiando num pequeno cubículo no abrigo STM, onde mal cabia uma pequena mesa e dois beliches, não lhe custou nada ficar de reforço por nós que bem bebidos não nos aguentávamos com os olhos abertos. Quando começou a raiar o dia chamou-nos e foi-se enfiar na sua cela, onde se preparou para apanhar mais um dia naquilo que poderia chamar-se “frigideira”, tal era o calor dentro daquelas quatro paredes.

O Santos por esperteza era soldado básico. Natural de Grijó, passava o dia às ordens do tenente Raposo, nem arma tinha distribuída. Não me lembro do que ele fez mas sei que levou uma porrada com prisão agravada pelo Comando-Chefe, passando assim duas vezes pelo encarceramento. Está claro que quem estava de serviço à porta de armas à noite lhe abria a porta para ele vir para o fresco, e por vezes, quando era levado à casa de banho passava pela cantina para beber uma bem fresca. Tudo isto nas barbas do nosso comandante e mais oficiais do quadro, de onde podia haver problemas. Dos milicianos nós não tínhamos medo neste caso.

Fica aqui mais um apontamento onde as figuras centrais foram o nosso camarada João Caramba e o Santos dois amigos que já nos deixaram.

Voltando à figura do Caramba, uma das minhas passagens por sua casa, estava ele de convalescença de uma intervenção cirúrgica e por isso já com muitos dos problemas que a partir de certa altura o foram afligindo. Brincamos com a velhice que se ia apoderando de nós e à minha pergunta de como estava, respondeu-me, com um ar maroto, apontando para a televisão onde se passava uma cena de amor entre uma bonita mulher e um homem, assim com alguma filosofia e fino humor:
- Ora vamos indo não fazendo nada e para aqui estamos vendo o que outros estão fazendo

Dito isto, fez com a boca um trajeto trocista para que não houvesse duvidas, ao que se estava a referir.

Um abraço
Juvenal Amado

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11227: In Memoriam (144): João António Branquinho Caramba, ex-1.º Cabo TRMS da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

Vd. último poste da série de 5 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11196: Estórias do Juvenal Amado (46): Este gajo não tem uma cunha, tem um barrote

terça-feira, 5 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11196: Estórias do Juvenal Amado (46): Este gajo não tem uma cunha, tem um barrote

1. Em mensagem do dia 22 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872,Galomaro, 1971/74), enviou-nos mais uma das suas estórias.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO

46 - ESTE GAJO NÃO TEM UMA CUNHA, TEM É UM BARROTE

O Passos e o Ferreira eram como as p….. andavam sempre aos pares. Assim quando resolveram meter férias para vir à Metrópole, fizeram de forma a virem e regressarem juntos. Cá, o Ferreira foi para Viseu e o Passos para Matosinhos.

Quando chegaram a Bissau apresentaram-se nos Adidos. Logo por sorte o Passos conhecia lá um tipo de Matosinhos que estava na secretaria e tinha um quarto no bairro do Pilão. Escusado será dizer que o Ferreira e o Passos nunca dormiram nos Adidos, apenas deixaram lá a farda num cacifo do camarada que se encarregava de evitar que fossem escalados para os serviços de linha.

Nos Adidos, quando apanhavam a malta em trânsito do ou para o mato, metiam-nos em tudo que era escala onde pontificavam os reforços, os piquetes e cabos de dia. Não havia volta a dar, era dia sim dia não.
Bom, aqueles dois ou três dias até embarcarem na TAP para os 35 dias da praxe, foram passados entre copos e paródia, isto para não falar do resto.

O Silva, o Ivo, com o Passos ao colo, e o Ferreira

Quando embarcaram, o amigo do Passos disse-lhes:
- Companheiros, calha-vos a regressar num Domingo, dia em que a secretaria dos Adidos está fechada, por isso podeis regressar só no avião de Segunda Feira e aproveitais assim mais um dia. Eu depois trato dos papéis.

Assim foi, avisaram a transportadora e passada que foi a licença, eles desembarcam em Bissau um dia depois do que deveria ter sido, com a agravante de ninguém saber do individuo da secretaria.
Tiveram que apresentar as guias de marcha a outro, que lhes disse logo que eles estavam em falta, e que o facto da secretaria estar fechada não os ilibava, pois o que contava era o registo do desembarque e eles segundo o dito, tinham desembarcado um dia depois. Lá arranjaram umas desculpas esfarrapadas e trataram de regressar ao batalhão em Galomaro.

Enganaram-se ao pensar que aquilo tinha ficado por ali. Quando chegaram a Galomaro já estavam com o tenente Raposo à perna, que tinha já recebido as informações de Bissau, e as ordens eram para levantar um auto.
O capitão já tinha ido para Bissau, não regressando mais à Companhia, tendo o tenente assumido o comando interino da CCS, tornando-se mais tarde efectivo.

O Ferreira foi o primeiro a ser chamado. Quando o tenente lhe disse que eles poderiam ser obrigados a cumprir a comissão, mais um dia, e que esse dia, depois nunca se saberia quando era, ficou tão acagaçado que a primeira coisa que lhe veio à cabeça, foi a carta de apresentação que Passos tinha e era assim como um tratamento de choque contra as adversidades de percurso que existem sempre na tropa. Vai daí, dizer que se tinha que falar com o comandante, pois o Passos tinha uma carta de apresentação de um “tipo cheio de estrelas”, foi um sopro de tempo. A lógica do Ferreira era só uma: se o Passos não se lixar, eu também não me lixo.

De pé: o tenente Raposo, o 1º Sargento do Batalhão, o Caramba e o 1º Sargento Silva da secretaria. De cócoras o Santos. Na camioneta: o Ermesinde e o Aljustrel

A famosa carta tinha o efeito nos problemas que o Imodium tem nos desarranjos intestinais. Para com eles na maior parte dos casos. Assim como uma varinha mágica.

O Passos entretanto quando vai à presença do tenente Raposo já estava de sobreaviso sobre a “trovoada” que aí vinha. Voltou à baila o nome do “padrinho estrelado”, que já tinha funcionado no caso da cantina tendo logo o condão de serenar os ânimos.

E assim foi, o caso ficou por ali, o tenente passou a chamar o Passos amiúde para lhe fazer recomendações que seriam normais um pai fazer a um filho. O Passos era pois aconselhado a andar na linha, por que sim e por que não, mas a coisa “amaciou” para não se falar mais no assunto.

Isto de não se saber com quem se estava a lidar até causava calafrios e podia facilmente tirar o sono a um homem que fazia desta vida o seu ganha pão, lá pensava para com os seus botões o bom do nosso tenente.

Passado para aí um mês, o Passos foi chamado à secretaria. Diz-lhe o tenente:
- Tens aqui um documento de amparo de pais. Temos que rever que dinheiro estás a mandar para lá, pois eles precisam de ajuda.

O 1º sargento Silva que sabia mais daquilo num pé que o resto da secretaria junta, estava de parte diz a gozar:
- Qual quê meu tenente, isso é amparo de pais sim, mas é para esse gajo ir daqui para fora.

O tenente fez um ar incrédulo e o sargento acrescentou com ar manhoso:
- É mesmo, o gajo vai mais cedo para casa, a comissão acabou para ele - e acrescentou:
- Ele não tem uma cunha... tem é um barrote.

E foi verdade, o Passos livrou-se do resto da comissão, embarcando de vez em Janeiro de 1973 num Nordatlas da Força Aérea a caminho de casa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10584: Estórias do Juvenal Amado (45): A cachaça do senhor Pereira de Lima

sábado, 27 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10584: Estórias do Juvenal Amado (45): A cachaça do senhor Pereira de Lima

1. Em mensagem do dia 25 de Outubro de 2012, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872,Galomaro, 1971/74), enviou-nos mais uma das suas estórias.


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO (45)

A CACHAÇA DO SENHOR PEREIRA DE LIMA

Comecei a sentir-me estranho nessa tarde.
Não era nada que não passasse com umas cervejas, ou quem sabe um ou dois whisky, dizia o meu camarada Ivo, que nunca tinha tido uma constipação que não curasse com umas cachaça feita pelo seu pai, que vivia para os lados de Santa Maria da Feira. Ele dava esse nome à aguardente extraída do engaço de uvas, que ele cultivava em latadas. Daí resultava um vinho fraco com alguma acidez, que tingia tudo onde caía, mas que era bebido nunca menos de uma garrafa por pessoa para começar. Era desse mesmo vinho que saía uma aguardente fortíssima, que o sr Pereira de Lima produzia se encarregava de enviar ao filho sempre que tinha portador.

Nesse tempo não era difícil arranjar portador, pois a solidariedade falava mais alto e no saco da TAP que nos era permitido transportar gratuitamente algumas coisas, havia sempre lugar para os agrados que familiares queriam fazer aos seus que combatiam na Guiné.

“Oh Ivo como é que consegues beber isso?”

E dizia logo ele a rir:
- Já não tenho fígado, os intestinos puxo-os para o lado, por isso é sempre a direito.

E assim lá experimentei todas essas “mesinhas”, desde cerveja à quase intragável aguardente, que sendo tão forte me queimou todo por dentro. Como era de esperar, zonzo não tardei a ter que me deitar e que me tapar com tudo o que era manta. Eu sou pouco resistente à febre e o frio logo deu lugar a um calor intenso, que me começou a provocar alucinações onde qualquer imperfeição da parede, se tornavam em imagens fantasmagóricas e logo a seguir pensava estar noutro lugar. Passava de delírio para delírio.

Quando dei por mim estava na enfermaria, com um violento ataque de paludismo e mal grado as injeções bastante dolorosas por sinal, a febre manteve-se durante praticamente três dias, deixando-me numa prostração de tal ordem, que nem tugia nem mugia. Ainda me apercebi dos olhares de preocupação do Dr. Pereira Coelho e do Catroga. Só vim a saber mais tarde que a minha evacuação quase esteve marcada. Finalmente graças aos cuidados do doutor bem como o resto do pessoal de saúde, a febre acabou por ceder e recuperação foi rápida a partir do momento que me consegui pôr de pé, mas antes de sair da enfermaria assisti à chegada do meu camarada Ivo, também ele com violento ataque de paludismo, que o apanhou no mato e só chegou ao sítio onde uma viatura o foi buscar graças a umas “bombas,” que o André “russo” lhe deu. Estava assim provado que afinal a cachaça era muito boa, mas não servia de nada contra o paludismo.

O Ivo é um dos camaradas com quem mantive estreitas relações de amizade e por diversas vezes visitei. Quando me casei fiz uma viagem pelo o Norte de Portugal na velhinha 4L de três velocidades do meu pai. Visitei o Silva nos Carvalhos, o Passos em Matosinhos, e como não podia deixar de ser, lá fui a S. João de Ver visitar a esposa e os pais do meu amigo Ivo. Ele não estava pois tinha emigrado para a Venezuela. Ficámos lá em casa onde privei com os irmãos e irmãs dele. Lembro-me bem que era altura das vindimas, já estavam a fazer o tal vinho e tinham instalado um pequeno pipo ao alto sem tampa, donde tirávamos grandes canecas e bebíamos sem olhar à quantidade. Chamavam-lhe o vinho doce pois era o sumo da uva esmagada antes de começar a fermentar e só durava aquele dia.

A seguir ao jantar entre estórias e recordações onde o Ivo foi figura central, lá bebemos da tal cachaça que até dava vida aos mortos, nas palavras do senhor Pereira de Lima que ria com francas gargalhadas.

A saudade é isto, são as coisas boas e as pessoas que nos marcaram. O pai e a mãe do Ivo são pessoas que recordo hoje com carinho, como se fossem também da minha família.

Descansem em paz.

À esquerda está o Caramba, nosso tabanqueiro, e à direita o Ivo Pereira de Lima.

De pé: Correia, Catroga, Fur Graça, Dr. Vieira Coelho e André. De cócoras: auxiliar milicia, meninos, sendo um deles o que ficou gravemento queimado no ataque a Campata, e Santos.

Em pé: Passos, Ivo, Catroga, Sertã e Estufa. Em baixa: Cabo Silva, Ferreira, Romão e Silva

A partir da esquerda: Dr. P. Coelho, Alf Vasconcelos, Veiga e Parente
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10363: Estórias do Juvenal Amado (44): O nosso Tenente Raposo

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10363: Estórias do Juvenal Amado (44): O nosso Tenente Raposo

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 30 de Agosto de 2012:

Meus caros Luís, Carlos, Magalhães e restante Tabanca Grande
Mais uma recordação do 3872
Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO (44)

O Nosso Tenente  Raposo

Na minha Companhia foram vários os oficiais mobilizados, que tinham construído carreira na Guarda Fiscal ou na GNR. Foram cumprir comissões de serviço com o fim de progredir na carreira e assim almejarem uma melhor reforma, uma vez que já estavam perto da mesma.

Foi o que se passou com o nosso Tenente Raposo, que era 1.º Sargento praticamente a entrar na idade da reforma. Quando formamos Batalhão e antes de embarcarmos já era Alferes do Quadro. Já na Guiné mas bem no início da comissão, a reforma do então Capitão que comandava a Companhia, também ele sem dúvida nenhuma foi para a Guiné pela mesma razão, de idade mais avançada e saúde pouco conveniente para aquelas paragens, o nosso camarada rapidamente chegou a Tenente e a Comandante de Companhia. No fundo para os militares profissionais, especialmente para os de secretaria, a guerra era uma forma de ganhar uns cobres e alcançar carreiras, onde a subida era mais rápida e a reforma mais confortável. Também é verdade que militares do Quadro era uma espécie em extinção, e à falta deles fazia o Exército recorrer a expedientes destes e outros.

Mas o grande enlevo dele era a Guarda Fiscal. Passava a vida a fazer cercos aos soldados, que via como potenciais futuros elementos dessa organização mas também para a GNR e PSP. Assim levou alguns que por sinal não se deram mal com isso, a julgar pelo bem-estar que ostentam nos nossos almoços anuais.

Outros houve, que usaram da boa-fé do nosso Tenente, para colherem algumas benesses, ao darem-lhe a entender, que estariam também inclinados a seguir essas carreiras.

Escusado será referir que quando já de malas aviadas para casa, lhe deram o nega e a coisa deve ter sido bem difícil de digerir.

Na foto, da esquerda para a direita: Tenente Raposo, Sarg Silva, Caramba (com o pipo), Santos (de cócoras) e Grijó.

O nosso Tenente era um daqueles oficiais que muito gostava de arranjar trabalho para todos aqueles em que poisasse os olhos. Mal apanhava algum soldado a passar nas imediações do seu gabinete, ele o requisitava e invariavelmente lhe dizia vai buscar isto, traz-me lá aquilo, sabes quem é fulano? Vai-lhe dizer que estou à espera dele. Isto passava-se a toda a hora e a todos instantes, pois os mais directos subordinados dele passavam a vida a desenfiar-se e mesmo de folga não estavam livres de serem chamados. Invariavelmente dizíamos que sim, apressávamos o passo como quem ia cumprir a ordem rapidamente e nunca mais lhe aparecíamos. Por vezes, horas depois, víamos o tipo que ele mandou chamar e dizíamos-lhe: “Olha que o tenente anda à tua procura”.

Quando estava de oficial de dia, ou nas chamadas nas formaturas da manhã, onde meia Companhia respondia pela Companhia toda, não era novidade o homem ameaçar com tabefes no focinho a toda a hora e nós gozávamos dizendo, que ele lá em casa só tinha peles a forrar as paredes.

Depois da leitura da ordem do dia, ele perguntava sempre se alguém tinha alguma coisa para dizer e se tivesse e ficasse calado tudo bem, mas se falasse e se o que dissesse não lhe agradasse, estava o caldo entornado. Assim aconteceu comigo por causa dos preços da cantina que já contei noutra estória.

Fiel ao ditado que cão ladra não morde, o bom do nosso Tenente nunca bateu em ninguém e ninguém teve castigo grave por sua causa.

Um dia o Aljustrel disse-me quando eu estava de reforço com ele:
- O Tenente vem sempre com pezinhos de lã para ver se apanha um de nós distraído, hoje vou-lhe pregar um cagaço.

Bem mo disse, bem o fez. Quando o Tenente vinha sorrateiro, o Aljustrel levanta a voz e, ao mesmo tempo que grita “quem vem lá, nem mais um passo”, mete uma bala na câmara da G3. Aquilo no mais completo silêncio gelou o homem. Depois já refeito, ralhou para lá os trinta farrapos, e a brincadeira custou ao Aljustrel uns reforços à “benfica,” o que era da praxe. Nada que não estivéssemos habituados pois eram quase dia sim, dia não. No meu caso fui muitas vezes já no posto chamado para sair da escala, pois ia numa coluna na madrugada seguinte. Bom, um homem habituado à disciplina e respeito na Guarda Fiscal, é bom de ver que não se entendia com aquela tropa macaca que lhe tinha calhado na rifa.

Na noite em que o Alferes X, meteu a granada descavilhada debaixo da cama e por causa dela saiu pelo telhado, tinha o Tenente Raposo estado a guardá-lo até dez minutos antes, o que o deixou muito abalado.

Quem o queria ver era de papelinho na mão para apontar uma ocorrência, ameaçar com uma “porrada”. Quando havia coluna a Bafatá, especialmente quando acabávamos de receber o pré, todos queriam ir “arejar” o patacão, o nosso herói olhava para as viaturas apinhadas de voluntários, fazia a chamada para os que estavam na lista, e mesmo estando lá quase o dobro, ninguém arredava pé até ele começar a barafustar depois de contar e recontar o pessoal.

- Raios partam a minha sorte, logo me fui meter com uma canalha destas - dizia furibundo exibindo um ar de vítima.

No Xime a caminho de casa > O Caramba e o Tenente Raposo

Quando fomos atacados entre as primeiras rajadas do Lourenço e os RPGs deles, ainda ouvimos o nosso Tenente a perguntar com a voz irada:
- Quem que foi a besta que deu os tiros? - Gritava depois no meio das explosões pelos homens do canhão, quando não tínhamos canhão nenhum. Decerto traria um papelinho na mão para apontar a ocorrência.

Nunca mais o vi depois de desembarcar, e atendendo que já era pessoa de idade, possivelmente já faleceu. Quando me encontro com o Caramba, que o sabia levar muito bem, falamos dele com algum carinho. Disse-me que o chegou a ver em Évora, já era ele Major e possivelmente na reforma.

Incontornável falar da CCS do 3872 sem falar do Tenente Raposo.

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10305: Estórias do Juvenal Amado (43): Olha o Silva!!!

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10305: Estórias do Juvenal Amado (43): Olha o Silva!!!




Guiné > Zona leste > Galomaro > CCS/BCAÇ 3872, 1971/74) > Malta do Pel Rec Info



Vila Nova de Gaia > Carvalhos  > s/d > O casamento do Silva e da Ester

Fotos: © Juvenal Amado (2012). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado, com data de 21 do corrente

 Caro Luís, Carlos, Magalhães e restante Tabanca Grande

Esta pequena estória serve para recordar o meu amigo Silva e faz parte da parede que tento construir. Cada nome, cada caso, cada recordação são tijolos para essa parede.

Seguem algumas fotos com a particularidade de que numa delas aparece um africano que eu não tenho a certeza de ser o Jamba. Tentei confirmar junto de alguns camaradas, mas penso que só o dr Pereira Coelho o conhecer hoje. Fiz alguns apelos mas até agora nada.

Mas mesmo assim vou falar sobre o Jamba. O Jamba era um civil contratado pelo quartel que fazia vários trabalhos. De forte compleição, de bom trato ia connosco à lenha, por vezes há água, estava por todo o lado à vontade pois gosava de total liberdade de entrar e sair do quartel. Também fazia os recados do comandante nas relações comerciais com as lavadeiras, levando-lhe a roupa suja e trazendo a lavada.

Enfim era uma pessoa de toda a confiança... Só mais tarde se veio a descobrir que ele era militante do PAIGC na clandestinidade. Quando reunir informação suficiente contarei o resto da estória se ouver material para isso.

Até lá um abraço
Juvenal Amado


2. Estórias do Juvenal Amado > Olha o Silva!!!
por Juvenal Amado
(ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)



O Silva foi 1º cabo do Pel Rec e era um amigo de todas as horas. Fazia parte de um grupo que se tinha formado ainda em Abrantes após a mobilização, todos do mesmo pelotão excluindo eu que fui praticamente adoptado.

Viemos todos do RI6,  na Sra da Hora,  no Porto,  para Abrantes no mesmo dia e no mesmo comboio, eu com os condutores e com pouca ligação ou nenhuma a essa malta, que depois viria a ser e ainda são como meus irmãos.

O Silva a nível dos soldados só tinha amigos, o mesmo já não digo aos graduados, pois não se coibia de criticar e mesmo tomar posições de certa maneira complicadas de ordem disciplinar. A título de exemplo conto uma pequena estória.

Os camaradas que saíam para as patrulhas nocturnas, quando chegavam ao quartel e depois de tomar banho, dirigiam-se para o refeitório por volta da meia-noite para assim jantarem.

Mas o jantar era difícil de comer àquela hora,  frio e normalmente em papas, pois estava feito desde a 18 horas. De queixa em queixa, de crítica em crítica, as situações iam-se repetindo. Uma bela noite o pelotão recusou-se a comer, fazendo um levantamento de rancho ainda que restrito.

Veio o oficial de dia, que tentou convencê-los a comer e não conseguindo, passou às inevitáveis ameaças, das inevitáveis porradas disciplinares. Tudo foi em vão, pois os camaradas do Pel Rec estavam irredutíveis com o Silva à cabeça.

O oficial passou das ameaças e pensando que vergando o Silva os outros se renderiam, agrediu-o para o obrigar a comer. O Silva manteve-se firme e não comeu. Não me lembro como se resolveu o problema gerado pela agressão, mas as partes envolvidas acabaram por chegar a um acordo e a coisa ficou por ali, com a promessa que o problema das refeições seria resolvido, o que veio a acontecer a partir daquela data e nos meses posteriores até ao fim da comissão.

O Silva subiu na nossa consideração e todos lhe gabamos a coragem de fazer frente ao graduado, embora, se o não segurassem, teria ele respondido à agressão e a coisa tinha ido a mais.

Mas o Silva tinha uma particularidade que nós estranhávamos. Nunca se embebedava. Bebia uns copos mas não passava dali. Coisa estranha, pois até os mais controlados acabavam por se “encharcar” e  tanto mais que a comissão já ia bem adiantada.

Um belo dia, com o pré fresco no bolso fomos a Bafatá,  já com os nossos periquitos e foi de arrasar. Iam os do costume, o Silva, o Ivo, o Caramba, o Ferreira etc. Não será necessário aqui mencionar todos, embora tenha que aqui fazer uma ressalva para o Estofador e o Aljustrel que,  não tendo recebido autorização para seguir na coluna, nos foram esperar ao fundo da bolanha e assim passarem a perna ao tenente Raposo que tinha negado a licença aos dois.

Bom, em Bafatá,  o circuito do costume, começou na Transmontana e entre este mata- bicho e o almoço já encomendado no Libanês, a cerveja corria a rodos.
- É hoje que pregamos uma bebedeira no Silva. - combinamos nós.

E assim foi quando chegamos ao restaurante do Libanês, já todos íamos bem bebidos. Lá como de costume, corria a rodos o vinho branco bem fresco a acompanhar o bife. Depois vinham os charutos e o whisky, normalmente oferecido pelo dono da casa. Inconsolável estava o meu periquito, porque o não deixamos beber nada a não ser Fanta e Coca-Cola.

Não será preciso ter grande imaginação, para ver em que estado estávamos e em que estado chegamos ao quartel. Ao Silva, esse estava que ninguém o podia aturar. Uns usavam o termo “atravessado”, que é um estádio entre a bebedeira e a negação do facto, outros diziam que ele estava com uma “cabra” de todo o tamanho. Uma coisa era certa, ninguém o segurava, não dava um minuto de descanso pois queria apresentar-se ao comandante, ou ir chatear o tenente Raposo, beber um copo à messe, ir para a tabanca e sabe-se lá o que ele faria se o largássemos.

Já noite ia adiantada quando finalmente o deixei no abrigo do Pel Rec e fui para o meu, que era no extremo oposto do quartel. Estava a pegar no sono, pensando que não contassem mais comigo para o embebedar, e que finalmente o gajo tinha sossegado, levo uma palmada fortíssima na coxa, acompanhada de um exclamação do Silva com aquela pronúncia dos Carvalhos:
- Olha o Amado!!!!! estás aqui,  filho da puta!!!! - E tive que o aturar o resto da noite.

Este grupo onde está também o Passos [, foto acima,] tem-se mantido sempre em ligação excluindo o Ferreira que nunca mais deu sinal de si e a ultima vez que o vi, foi numa foto numa revista, quando ele ganhou uma viagem à Disneylândia.

Eu fui ao casamento do Silva com a Ester  [, foto acima,] e eles posteriormente vieram ao meu. O Silva, depois de muito ter trabalhado num negócio que montou, acabou por ter que emigrar para França há meia dúzia de anos. Nunca mais o vi. Esteve cá agora de férias na sua terra, mandei-lhe um abraço virtual e pensei que gostava de estar com ele, mas desta vez bebia cerveja sem álcool.

Um abraço

Juvenal Amado
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Nota do editor:


Último poste da série > 12 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento

sábado, 12 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Maio de 2012:

Carlos, Luís, Magalhães e restante Tabanca Grande
Este é um texto sobre um improvável interesse em relação a um produto que nos acompanhou de forma quase tão constante como as botas ou a G3.
Sobre os benefícios e malefícios do arroz muito foi escrito, mas o que chegou até nós, foi a memória de tempos difíceis como soldados naquela terra que se estranhou e que depois, se entranhou em nós até aos dias de hoje.
As fotos são do meu camarada Caramba e mostram o Restaurante da Morte Lenta em Galomaro, em todo o seu explendor.

Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL (42)

NA GUINÉ O ARROZ DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

Portugal é por herança dos árabes um dos países europeus que cultiva arroz no seu território. Devido ao Advento dos Descobrimentos onde cerca de 100.000 homens embarcaram nas caravelas à conquista de novos Mundos, foi necessária a importação de mão de obra africana, que colmatasse a falta de braços para cultivar os nossos campos e assim também o arroz. Este veio tornar-se da máxima importância, sendo a sua cultura depois distribuída pelos novos territórios das descobertas. Fácil de transportar e de armazenar, utilizável em qualquer situação, o arroz é consumido por mais de metade da população Mundial, com muita incidência no III Mundo onde é um poderoso antídoto contra a fome.

Esses mesmos trabalhadores possivelmente guineenses ou daquela região, fruto da escravatura, diluíram-se posteriormente nas sucessivas gerações e os descendentes, continuam por aí, como provam especialmente as mulheres de tez morena, lábios carnudos, belíssimos cabelos negros encaracolados e não menos belos bronzeados, quando apanham um pouco de sol.

A inegável beleza da mestiçagem bem patente.

Eu nunca fui grande apreciador de arroz, mas o dito é uma parte importante da nossa gastronomia e foi muito importante na guerra. Os exércitos só se movem de barriga cheia, isso quer dizer, que arroz e feijão estão em lugares cimeiros na dieta dos combatentes.

Em tempo de fartura ele come-se em sopa, quem não gosta de um arroz de feijão, malandrinho, de pimentos, de tomate, com grelos, com iroses, de lampreia, arroz doce, de marisco, de peixe, de polvo, com pasteis e no “Pó de Arroz” que o nosso malogrado Carlos Paião tão bem cantava.

Enfim, é um sem fim de iguarias que o nosso arroz tem por base.

Tempos houve que quase foi banido por ser considerado um perigo para a saúde pública, acusando a sua cultura de mais maléfica do que benéfica. Mudam-se os tempos e mudam-se os conhecimentos e aconselham-nos a ter cuidado com certezas e fundamentalismos. Como noutros casos que são bem actuais, misturou-se politica, saúde e interesses económicos, tendo estes sempre a última palavra.

A minha mãe também pegava na colher de pau e dizia, com um olhar carregado de ameaças: “Anda cá que eu já te dou o arroz”!

Mas com a minha ida para a Guiné, o dito atingiu outros patamares gastronómicos de qualidade “insuspeitável”. Lá era sempre branco. Acompanhava feijoadas, “Estilhaços à Chefe”, com gorgulho, com sardinhas de conserva, com salsichas, com Corned Beff, em alguns destacamentos com marmelada, etc, etc..

Era tão importante que quando ele faltava, tínhamos que por vezes com assinaláveis riscos por picadas pouco seguras e até de travessias de rios em canoas, (como aconteceu algumas vezes no Saltinho) de o pedir emprestado a um quartel vizinho, quase como quem pede hoje uma chávena de arroz à vizinha do 2.º esquerdo, salvo as distâncias da comparação.

Dificilmente os nossos cozinheiros: Nascimento, Esteves, “Risinho” e o ajudante Borrego, teriam pretensões a chegar às tão almejadas estrelas Michelin e se não fossem os conhecimentos dos ajudantes africanos, o caso atingiria foros de tragédia.

Ele ficaria como uma bosta branca tipo papa, que se pegava de tal maneira a tudo, e quando se virava o prato ao contrário ele nunca caía. Os nossos especialistas cozinheiros, confeccionavam-no mais ao menos como foi usado para construir a famosa Muralha da China, com os resultados que todos sabemos ou ouvimos falar.

Está lá há muitos anos e até a única coisa construída pelo homem, que é avistado pelos astronautas nas viagens espaciais.

Mas os ajudantes de cozinha africanos cozinhavam-no ao vapor com um sabedoria difícil de igualar, deixando-o solto, que até parecia milagre para quem ainda cá na Metrópole o tinha gramado da forma argamassa que a tudo se colava.

Galomaro City > Restaurante da Morte Lenta

Quando regressei cumprido que foi o serviço militar na Guiné, o dito cujo foi praticamente banido da minha alimentação durante anos, na companhia das tão celebradas latas de conservas. Hoje já o como nas variadas formas com moderação e há uns tempos de visita a uns amigos angolanos, fui surpreendido com arroz de atum superiormente confeccionado pela Dona Verónica, matriarca da família.

Acompanhado com banana, uma belíssima salada a fazer lembrar aromas e sabores africanos… não é que fiquei fã?

Só provando se pode dar o valor.

Um abraço para todos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

sábado, 31 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

Pelotão da Ferrugem na despedida de Galomaro

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 21 de Março de 2012:

Carlos e Luís
Esta é uma pequena estória de um grande camarada.

Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL (41)

O DRAMA CAUSADO PELO ESQUECIMENTO DO CARTEIRO

O Lourenço chegou quatro meses depois de nós, mas nunca se livrou da alcunha de periquito.
Algarvio já casado e com um filho, situação que deve ter transformado a mobilização muito mais difícil. Bem disposto, amigo, raramente levava a mal um brincadeira ou mesmos uma partida e não foram poucas. Com ele descobri o sabor e o prazer de comer cogumelos sabiamente cozinhados. Recordo as dúvidas sobre a qualidade dos mesmos. Dizia ele que eram iguaizinhos, só que muito maiores.

Ele, o Caramba, o Aljustrel e eu tentamos fazer uma horta com cenouras, tomates, pimentos num canteiro atrás do abrigo. Quando estava tudo muito verde e viçoso, vieram os gafanhotos às centenas e devoraram tudo.

Não desistiu e construiu uma capoeira onde resolveu criar galinhas. No dia 1 de Dezembro de 1972 um RPG destruiu a capoeira e das galinhas não sobrou nada. Mas voltou a construi-la, teimou em criar lá galinhas e em boa hora, pois deram azo a grandes petisqueiras com cerveja a correr a rodos, por causa do piripiri que como se devem lembrar era rijo de paladar.

Também foi valente e posso afirmar, que eu e os camaradas que estavam na cantina na noite de 1 de Dezembro de 1972 quando Galomaro foi atacado ao arame, lhe ficamos a dever a vida nesse dia. Foi ele que desconfiou de um movimento estranho de um rebanho de cabras e ovelhas, que se estendia junto do campo de futebol, na direção da cantina onde jogávamos às cartas e bebíamos naquela noite. Embora com medo de alguma porrada (estávamos em zona de guerra mas não nos podíamos comportar como tal) por dar tiros, ele agarrou na G3, com duas rajadas obrigou o IN a denunciar-se e iniciar o ataque, antes de se ter colocado como pretendia. Fariam tiro ao alvo com resultados desastrosos para nós.

A devoção à esposa era tal, que não havia um dia sequer que não lhe escrevesse. Ela retribuía e quando era distribuído o correio, também recebia um monte de cartas que o enchia de alegria. Este hábito criou no entanto uma das maiores ralações do nosso camarada e por sua vez a nossa preocupação, quanto ao estado psicológico dele, quando de repente deixou de receber o tão desejado correio.

Passaram-se as semanas até que ele nos confidenciou, que não tinha notícias de casa. Inicialmente ainda brincámos com o assunto, mas o caso estava já muito sério pois, quando ele se abriu connosco já estava desesperado. Acabou por se falar com o Tenente Raposo e o periquito foi chamado ao Comandante onde contou o que se passava. Rapidamente quanto possível se resolveu o assunto e também se ficou a saber o que tinha acontecido. A esposa bem respondia às cartas cheias de preocupações do marido, mas não percebia porquê que as cartas dela não chegavam a Galomaro como era de esperar.

São por vezes desencontros que nos pregam grandes partidas do destino. O responsável foi o carteiro substituto, que não conhecendo a localização do sítio de recolha de correio, o lá deixou até o carteiro regressado deslindar tudo. O Lourenço acabou por receber de uma vez só o correio de um mês para grande alegria dele e nossa, pois estávamos muito preocupados com ele.

Na foto > Periquito, Juvenal Amado e Aljustrel

Quando fizemos o primeiro almoço da Companhia (Seia) vinte anos passados, o Lourenço disse presente e foi com enorme alegria que contamos à esposa na frente dele, como ele tinha sofrido durante o jejum de notícias dela. Ele riu-se e disse naquele jeito simples:
- Foi verdade foi.

J. Amado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9586: Blogpoesia (182): Mulher - Esposa e Mãe (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 23 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9261: Estórias do Juvenal Amado (40): O meu compadre Aljustrel

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9261: Estórias do Juvenal Amado (40): O meu compadre Aljustrel

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado*, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 21 de Dezembro de 2011:

Carlos, Luís, Virgínio e restante Tabanca Grande
Há muitos camaradas que, por vezes, quando estou com eles já não sei se eram da CCS ou de alguma companhia operacional. Conheço-os e pronto, mas também há os que passados estes quase quarenta anos, a sua recordação está tão viva que parece que nunca estive sem os ver. O Aljustrel é a par de muitos outros uma figura incontornável e já há algum tempo fazia tentativas para relatar as suas andanças. Muitas mais coisas há para dele contar mas por agora fico por aqui.
JA


ESTÓRIAS DO JUVENAL (40)

AI COMPADRE AMADO, QUE DOR TÃ GRANDE!

O meu compadre "Aljustrel" era um daqueles camaradas que as estudava e armava a cada passo.
Era mecânico e acompanhou-me nalgumas das piores colunas que fiz pelo Leste. Como já contei, era ele que ia comigo quando o Teixeira caiu na mina e também me acompanhou a Buruntuma em 1973, quando se esperava um grande ataque do PAIGC naquela zona, depois dos ferozes ataques a Copá. Nessa altura também sapadores do 3872, foram destacados para essas paragens e por lá ficaram durante uns tempos a "semear" os mortíferos engenhos. Eu e o "Aljustrel" tivemos mais sorte pois viemos logo embora no mesmo dia, depois de descarregarmos a nossa perigosa mercadoria.

Da esquerda para a direita: Lourenço (periquito), eu e o Aljustrel.

Mas o que eu quero é falar do "Aljustrel", que tinha uma propensão para a tonteira e alguns disparates, que fizeram dele personagem única.
Ele estava sempre envolvido na matança de algum cabrito, que entrasse no arame, chegando mesmo a matar um que tinha sido oferecido ao nosso Comandante.
Quando soube de quem era o bicho, apresentou-se com ele debaixo do braço ao nosso T.Coronel, dizendo que ele andava à solta e que o tinha matado sem querer. Está claro o nosso Comandante olhou para ele e disse, que se andava à solta não era dele. A verdade é que ele tinha proibido os animais à solta dentro do quartel e assim não quis dar o dito por não dito.

No inicio da nossa comissão quando fez o primeiro reforço resolveu pregar uma rajada de G3 numa vaca e gritar que eram turras. Escapou dessa como de muitas outras.
Um dia disse-me: "oh compadre Amado o periquito tem umas galinhas já matadoras e o que é que acha de a gente matar uma e fizer um petisco?" Assim foi, matamos, assamos a galinha e quando estava pronta, fomos ao posto de sentinela onde o Lourenço periquito estava de serviço e zás, fizemos uma petisqueira.

O periquito ficou tão contente e tão agradavelmente surpreendido, que até pagou as cervejas, enaltecendo a nossa amizade por nos termos lembrarmos dele para o pitéu. Escusado será dizer quando no outro dia deu pela falta da galinha, nunca mais se calou de f.d.p. para cima.

Um dia foi entregar material para abate a Bissau e pela terceira vez pediu à mãe dinheiro para a carta de pesados. Ele ia para Bissau com boas intenções, mas uma vez lá, havia umas raparigas muito acolhedoras lá para os lados do Pilão e a carta ia à vida, nas ditas, da vida.
Entretanto quando pediu à mãe o dinheiro para a carta, ela perguntou-lhe se a mesma era da avião, pois estava cansada de lhe enviar o dinheiro para o efeito.

Quandos os "periquitos" estavam para chegar, brincávamos com coisas sérias. O Aljustrel, eu e o Esteves na enfermaria

Outra vez foi chamado ao Comandante, porque uma madrinha de guerra, a quem com o tempo acabou por prometer casamento se queixou dele. Ela fez queixa porque ele lhe deixou de escrever. Foi obrigado a escrever-lhe e à cautela, passou a escrever a todas as outras, não fosse alguma lembrar-se de fazer queixa dele também. O Comandante avisou-o, mais alguma fizesse queixa dele e ia ver como elas lhe mordiam.

Mas umas das melhores teve a haver com as férias.
O nosso herói fez requerimento para o gozo de férias, mas como não vinha à Metrópole, entendeu passá-las no quartel e deitado. A malta achou graça e assim levavam-lhe as refeições à cama, deixou de se barbear, só saía de noite para ir para a tabanca ou para a cantina, não fosse o azar de ter um mau encontro com o Tenente Raposo ou mesmo com o Comandante.
Não esperava ele que tanto descanso lhe fizesse mal.

Um belo dia o compadre "Aljustrel" ia para se levantar e não conseguiu. Umas dores lancinantes nas costas, não o deixavam endireitar nem dar passada. "Aí compadre Amado que me desgracei. Que dor tã grande!!!!!" Amparado por mim e pelo periquito, a caminho da enfermaria com as costas num ângulo de 90º, assim mais ao menos como a Alemanha perdeu a guerra.
Resultado, o "Aljustrel" acabou as férias na enfermaria a levar umas injecções, que o Dr Pereira Coelho lhe receitou. Doeram que se fartou, mas curou-o.
Este episódio teve outro realce ao ser responsável, por ter acabado com o direito a férias, para quem permanecesse no quartel.

Passado pouco tempo depois de termos regressado, apareceu-me em Alcobaça com a esposa e já uma filha. Depois disso deixei de o ver durante 34 anos, não sabendo nada dele durante esse tempo pois correu o Mundo como embarcadiço. Num almoço em 2008 na Mealhada apareceu com esposa, a segunda filha e mais o marido desta. Foi uma alegria reviver as estórias.
Era ver a esposa e a filha olharem incrédulas para ele.
Faltava-lhes aquilo para acabarem de o conhecer melhor.
Um abraço
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9227: Blogoterapia (194): Como é bom não termos dúvidas (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8857: Estórias do Juvenal Amado (39): O meu Avô Juvenal, o Benjamim e Eu