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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7213: Blogpoesia (82): Espero acabar os meus dias em Finete...(Jorge Cabral)


1. Texto de Jorge Cabral, em comentário ao poste P7206 (*)

Caro Mário!
Passaram quarenta anos!
Como estará Missirá?
E Finete?
E a minha querida Tabanca de Fá Mandinga?
Será difícil encontrares pessoas daquele tempo.
Porém, se conheceres Modji Dahaba,
lembra-lhe o seu namorado, o Alfero,
a quem ela escreveu para Missirá,
pedindo que a fosse raptar a Fá.

Mário,
olha também por mim todos os locais
e, na estrada Bambadinca – Bafatá,
corta para Fá;
dois quilómetros depois,
encontrarás uma grande árvore.
Deves colher as bagas.
Espero que as tragas…
antes que eu me transforme
em velho avinagrado (ou aviagrado).

Se chegares a ir a Fá,
sobe ao antigo Depósito da Água,
no qual eu assistia aos ataques a Missirá.
Lá dentro, encontrarás
um caderno
com poesia impublicável.

Repousa na Ponte do Rio Udunduma,
pesca no Rio Gambiel
e deita à água uma garrafa,
no Mato Cão.
Porque o Geba desagua no Tejo,
como na altura me convenci,
obrigando a minha amiga Flora,
a deslocar-se todos os dias
ao Cais das Colunas…
Talvez desta vez, a garrafa chegue…
quem sabe?!

Desejo-te uma empolgante Romagem.

Um Abraço
Jorge Cabral

Ps.: Espero acabar os meus dias em Finete.
Os dias…
porque,  para as noites,
estou a preparar outro destino…

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.](**)


Foto: © Luís Graça (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [***]

_________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7206: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (2): Os meus anfitriões em Santa Helena - Bambadinca


(***) Foto: Lourinhã, Praia de Vale de Frades, fóssil de madeira e mineral de ferro, incrustados na rocha, da época do Jurássico Superior, ou seja, do tempo dos dinossauros (c. 150/200 milhões de anos)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4866: Bibliografia (30): Eu e os Comandos, artigo de Mário Beja Santos na Revista Mama Sume, da Associação de Comandos

1. Texto enviado por Mário Beja Santos à Associação de Comandos que lhe havia pedido para escrever um artigo a publicar na Revista "MAMA SUME"


Eu e os Comandos
 

por Mário Beja Santos

Fui alferes miliciano na Guiné, onde vivi ininterruptamente entre Julho de 1968 e Agosto de 1970. Contei toda esta história da minha comissão em dois livros publicados em 2008: “Diário da Guiné, Na Terra dos Soncó, 1968 – 1969“ e “Diário da Guiné, O Tigre Vadio, 1969 – 1970”, ambos publicados pelo Círculo de Leitores e a Temas e Debates. Durante 17 meses vivi no regulado do Cuor, como comandante dos destacamentos de Missirá e Finete. A minha principal missão era vigiar e garantir a navegabilidade do rio Geba, indispensável para a continuação da guerra. Comandei, na circunstância, um Pelotão de Caçadores Nativos e dois Pelotões de Milícias. Protegia o rio, emboscava, patrulhava e cuidava de centenas de civis, garantindo-lhes o abastecimento, a segurança, o médico, o professor para as crianças, a correcção nas práticas da justiça, ao lado do régulo.

A segunda etapa da minha comissão foi vivida no sector de Bambadinca, intervindo na área operacional, como comandante de colunas até ao Xitole ou Xime, patrulhando, destruindo canoas do inimigo, apoiando as tabancas em autodefesa, mas fazendo igualmente um pouco de tudo, desde de levar e trazer o correio, levar e trazer doentes, garantindo a segurança dos reordenamentos, protegendo a sede do batalhão num posto avançado infecto, para não dizer desumano. Continuei a combater ao lado dos meus caçadores nativos e na companhia de tropa africana, designadamente a Companhia de Caçadores 12 (foi esse o laço que me transportou, décadas depois, para o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde deposito as minhas memórias e o meu indefectível amor àquela terra)

Serve esta apresentação para dizer ao leitor que combati quase sempre com tropa regular que eu apresentei nos meus livros como “alguns dos soldados mais valentes do mundo”, gente que confiou incondicionalmente em mim, a quem confiei missões espinhosas, esgotantes, destemidas.

Os meus soldados ensinaram-me muito, quer os nativos quer os metropolitanos: a crescer entre a solidariedade e a abnegação; e a não fugir ou adiar as missões diárias dos patrulhamentos junto ao Geba, tínhamos nos ombros a responsabilidade de tantas vidas. Eu sei que o leitor considerará inacreditável o que vou dizer: no mínimo dos mínimos, fazíamos 25 km entre Missirá e Mato do Cão, ida e volta, a qualquer minuto de qualquer hora do dia. Missirá ficou praticamente destruída em Março de 1969 e quando partimos, em Novembro desse ano, deixámos um quartel reconstruído, o maior esforço de toda a minha vida. Só foi possível porque contei com dedicação dos meus soldados, que faziam reforços, colunas de reabastecimento, emboscadas nocturnas, não direi sem um queixume (na época das chuvas cheguei a ter 40 por cento dos efectivos acamados) mas com uma elevadíssima capacidade de colaboração. Falo de homens que punham luvas brancas para hastear ou arrear a bandeira portuguesa no mastro três vezes destruído, três vezes renascido, enquanto lá estivemos juntos.

Não combati com os Comandos, dei militares de carácter e de grande valentia para as suas três companhias que se formaram na Guiné:

(i) primeiro, Zacarias Saiegh, meu furriel que comandava Missirá antes de eu chegar. Mantivemos uma relação difícil, mas assente no respeito mútuo, soube em primeira mão da sua decisão em integrar-se na 1ª Companhia de Comandos Africana, que se formou em Fá, e que nos coube proteger durante meses, do lado de cá do rio Geba. Foi fuzilado em 1977, em Porto Gole, nesse estranho drama que foram os fuzilamentos de uma intentona que, enquanto não houver provas, não passou de uma vil purga;

(ii) Mamadu Camará, que quando cheguei a Missirá era o 221, e uma noite, debaixo de fogo, pressentindo que a deflagração de uma morteirada inimiga me ia atingir, atirou-se sobre o meu corpo, tendo ficado com muitos estilhaços nas costas e pernas, foi brutalmente ferido no reencontro na região do Cantanhez, veio em 1972, é cidadão português;

(iii) Cherno Suane, o meu guarda-costas, o mais querido dos meus irmãos, que viveu o inferno do Cumeré, sujeito a prisão arbitrária e às mais horríveis sevícias, entre 1977 e 1980, consegui que viesse em 1992, é também cidadão português, preenche com resignação todos os anos papelada infernal para trazer o filho mais velho, até agora a burocracia delirante é mais forte que o reencontro familiar;

(iv) Queta Baldé, o mais precioso colaborador que tive na preparação dos meus livros, nunca vi memória como a dele, fugiu para o Senegal para não ser morto, em 1974, aqui o temos entre nós, vive na Amadora, tal como o Mamadu e o Cherno subsiste entregue a tarefas humildes para ter os filhos na faculdade;

(v) e Serifo Candé, que fui visitar a Biana, no leste da Guiné, em 1991, e que não acreditou que eu não o tivesse ido buscar para o trazer para Portugal, o Serifo é o meu remorso, é bem provável que eu tenha que voltar à Guiné e trazer este homem de modos tão gentis que nunca percebeu porque é que não volta a hastear, cheio de aprumo, uma bandeira verde rubra que ele prometeu defender até à morte.

Este foi o legado que deixei aos Comandos, este legado é uma das tragédias da minha vida, continuo sem saber aonde arrecadar o sofrimento destes homens que nem sempre puderam refazer o sentido das suas existências.

Deixei para o fim uma sentida homenagem ao meu instrutor em Mafra, já na especialidade de atirador de infantaria. Era pouco mais velho do que eu, um homem seco de carnes, um olhar azul firme e decidido, com uma expressão de rectidão e confiança em tudo o que dizia e fazia. Ensinava com desvelo, era convincente e de bom trato. Tinha uma arte de comunicar, imprimindo sabor, às matérias mais áridas. Ele ficou em Mafra, eu parti para Ponta Delgada, daqui regressei para formar batalhão, fui dado como “ideologicamente inapto para a guerra de contra-guerrilha, mormente no Ultramar Português”, e os meus superiores, à cautela, lançaram-me na rendição individual, acabavam-se assim os incómodos.

Voltei a ver o já então capitão Garcia Lopes num encontro espúrio em Bissau, ele estava nos Comandos, ouviu-o vibrar na descrição de um regresso de operação com os seus soldados feridos: “Custe o que custar, um Comando traz todos os seus camaradas, feridos ou mortos, nem que necessário seja dar a vida”. Guardei esta frase, dolorosamente já tinha trazido nas espáduas o Paulo Ribeiro Semedo, compreendi perfeitamente a mensagem e os sentimentos do capitão Garcia Lopes.

Gostava muito que esta lembrança chegasse aos ouvidos deste distintíssimo oficial. Aprendi na vida que marcamos os outros com uma simples frase, a rectidão de um gesto ou um sopro de coragem.

Os Comandos, por inerência, são gente exemplar na minha vida. Espero que percebam que tenho muito orgulho nestes meus soldados que partiram para outras guerras e que continuam meus compatriotas, heróis anónimos que ganham humildemente o que as pensões não dão para uma vida decente. Tão gente exemplar como aquele capitão Garcia Lopes que aproveitou um encontro espúrio em Bissau para me recordar que a camaradagem é mais exigente nas horas más que nas boas.

[Revisão / fixação de texto: CV/LG]

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4178: As grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (3): Operação "Gavião"

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69, com data de 11 de Abril de 2009:

Um abraço, amigo:
Carlos Vinhal:

Envio em anexo mais texto (III) sobre a série que iniciei sobre as GRANDES OPERAÇÔES da CART 2339 / Mansambo.

Estes textos, que enviarei todos os meses, publicarás se entenderes.
BOA PÁSCOA.
Carlos e Teresa


OPERAÇÃO GAVIÃO
04/18.00h/Abril 1968


Com a duração de 3 dias e com a finalidade de executar uma acção ofensiva na mata de BELEL, iniciada com um Golpe de Mão ao acampamento de ENXALÉ.

Tomaram parte na OP:

Cmdt - 2.º Cmdt do BART 1904
Dest A – Cart 2338 a 4 GComb
Pel Caç Nat 52
Dest B – Cart 2339 a 4 GComb
Pel Caç Nat 53

Desenrolar da acção:

A Cart 2339 iniciou o seu movimento em meios auto, em 05.1500h de FÁ para o XIME, onde agregou o Pel Caç Nat 53. Iniciou logo de seguida a cambança do Geba, pelas 1800h, recebeu no ENXALÉ 2 guias e iniciou a marcha pelo itinerário estabelecido.

Atingiu o local previsto a Norte de MADINA onde se devia instalar em 06.0700h, após algumas hesitações dos Guias (era quase sempre assim…).
Cerca das 0900h o PCV informou que o Dest A tinha já destruído a Tabanca de BELEL e ordenou que se iniciasse a batida à zona Sul do trilho Madina-Belel.

Durante o deslocamento foi detectado o acampamento do ENXALÉ, que foi atacado e destruído, verificando-se que tinha sido abandonado pouco antes.

O objectivo tinha 8 palhotas e capturámos 1 Mauser, 2 marmitas, 1 granada de LRocket e documentos.

Entretanto os elementos do Dest instalados enquanto se procedia ao assalto, foram atacados fortemente, por abelhas. EU QUE O DIGA. DESESPERO ABSOLUTO.
Este ataque, não previsto, desorganizou a nossa acção e pôs 2 nossos homens em estado grave.

Depois de uma certa demora, reiniciou-se o regresso, tendo as NT sofrido, ainda, mais 3 flagelações, sem consequências para nós, tendo o IN sofrido 5 mortos confirmados.

Já na picada FINETE – ENXALÉ as NT sofreram mais 2 ataques de abelhas, provocando o desmaio de alguns elementos, que tiveram de ser transportados às costas.

Continuando a progressão atingiu-se S. BELCHIOR, onde fomos recolhidos em viaturas, chegando ao ENXALÉ às 18.00h.

De imediato iniciámos a travessia do rio e chegámos a FÁ às 03.00h do dia 07/04/68.
Conferido o material, à chegada, faltavam 2 G3, alguns cantis e bornais.
Comunicadas as faltas, voltámos no dia seguinte, à zona do último ataque de abelhas (foram 3 e… quem não se lembra destes ataques ?).

Recuperámos parte do material.
Regressámos a FÁ às 20.00h de 08/04/68

Note-se que logo a seguir a 10/04 montámos emboscadas e vigilância no MATO de CÃO e em 21 iniciámos a ocupação e construção de MANSAMBO (casernas-abrigo de um novo aquartelamento).

A 22 o meu GComb foi destacado para o GEBA em reforço.

Um abraço,

Notas pessoais:
Um elemento do Pel Caç Nat 53 é abatido numa das 5 emboscadas sofridas e ainda por cima com abelhas. Um homem da 2338 desapareceu no mato, mas felizmente apareceu, mais tarde, no Enxalé.

CMSantos
Mansambo 1968/69
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3927: As Grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (2): Op: "Grão Mongol", "Firmes e Singulares" e "Sempre Firmes"

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, com data de ontem, 25 de Novembro de 2008:

Amigão,

Aí vai estória! (*)

Embora seja preguiçoso,  não terei qualquer problema em escrever cinquenta ou mais.

A História da minha vida está recheada de estórias e as da Guiné constituem um Capítulo. Tenho sido sempre um contador de estórias e que o digam os alunos e principalmente as alunas. Estórias do Tribunal, estórias dos Clientes, estórias do Ensino, estórias da Guiné..!... 


Estórias... Aliás, a maior parte das que mandei para o Blogue, já as havia contado. Agora só as passo a escrito.

Lembro-me que, em 1995, o meu filho me obrigou a concorrer ao Concurso "Quem conta um conto..." da RTP 2, que ganhei e que para a prova de selecção enviei a triste estória de um regressado da Guiné.

Escrever para o Blogue implica porém um redobrado cuidado para não ferir susceptibilidades nem motivar estéreis polémicas... Muitos dos intervenientes das estórias que conto oralmente já morreram, alguns foram fuzilados e outros surgem aí, agora retratados como modelos de competência, sabedoria, bondade, integridade...


Por exemplo, o nosso Major Eléctrico, hoje um simpático velhinho... Se fosse possível perguntar aos meus soldados africanos a causa do acidente que sofreu, todos responderiam que foi um valente feitiço deitado pelo Nanque, após uma visita a Fá, na qual tratou muito mal o Alfero...

Claro que podia escrever sobre essa visita e a consequente sessão de "mau olhado", concorrida e muito aplaudida...

Mas valerá a pena? Até onde será permitido levar o meu corrosivo sentido de humor, sem ofender a memória dos mortos e a consideração dos vivos?

Desculpa o desabafo!

Como sempre um Grande, Grande Abraço, extensivo aos Amigos Co-Editores, Briote e Vinhal.

Jorge Cabral





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > As voltinhas do Geba Estreito... tinham alguma analogia com o sono do Alfero...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


2. Estórias cabralianas (42) > As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa

Texto e foto (de cima): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados.


Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só (**) entrara em greve, mas no Batalhão [, BART 2917,] acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe [, ten cor, cmdt do BART 2917,] para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos...

Perante tal reforço, os Turras não se atreveram... Eram Amigos do Cabral ou temiam-no?

Em Bambadinca, as opiniões dividiam-se, correndo de boca em boca diversos episódios. Que perseguira os Turras pela Bolanha gritando "Não tenham medo, sou o Cabral”. Que lhes ofereceu arroz em troca de um porco. Que estivera com eles bebendo num Choro Balanta, em Mero...

Mentiras? Sei lá! Não faço História. Conto estórias...

Mas sendo Missirá agora um oásis de Paz, porque é que o Alfero dormia mal as noites e era obrigado a recuperar de dia, com prolongadas sestas? De uma dessas noites lembra-se bem o narrador,  até pelo inusitado desfecho...

O jantar fora pé de porco com esparguete, pois estavam reduzidos às conservas e, devido à avaria simultânea do Unimog e do Sintex, faltava quase tudo, até batatas.

O Alfero enjoara e só comia Pão. Pão com whisky, claro... A carência absoluta não tinha tirado a alegria e o serão decorrera animado. Só muito tarde recolheu ao abrigo – condomínio, onde morava, mais três famílias, com mulheres e crianças. Entrou, meteu-se debaixo do mosquiteiro e preparava-se para iniciar o sonho que programara – Santo António em Alfama.(Acreditem ou não o Alfero aprendera a programar os sonhos).

Porém ainda não passara a Sé e a noite prometia, batem à porta. É o Guilherme com uma Mensagem. Decifra? Não decifra? Mais de noventa por cento não interessavam nada... Resolve decifrar... "Info não sei quantos blá, blá, blá, Comandante Gazela... a norte rio, etc., etc.” Querem que eu saia?

Então, e o meu sonho? Não, não me mandam sair! Bissau informa o Agrupamento, este, o Batalhão que informa o Alfero, que se informa a si próprio...

Volta ao sonho, são quase duas horas e já cheira a sardinhas, mais uma vez alguém à porta. O Milícia Cherno vem pedir, calculem, um livro da terceira classe.

A esta hora? Lá o despacha e regressa a Alfama. Emborca o primeiro copo e, zás, ao fundo do abrigo começa a algazarra.
– Alfero! Alfero! - É a Binta que grita.

O soldado Daíro, seu marido, está a bater-lhe! E lá vai o Alfero:
– Não podias guardar para amanhã?

Acalmados os ânimos, pensa o Alfero poder saborear ao menos uma sardinha e continuar o sonho. Mas não, pouco tempo depois, assoma o Demba. Quer patacão. De Tombali chegou o seu Paizinho.

Desiste de sonhar! O sol está a nascer. O galo que aqui reside já cantou! E mais uma vez, batem à porta. Quem é?
–  Sou eu, ó meu Alferes – responde o cozinheiro.– É para saber o que faço para o almoço.
–  Faz piças fritas! Piças fritas, ouviste! E olha que as quero bem tostadas!

Atarantado, desapareceu num ápice o cozinheiro...

Descansem as almas mais sensíveis... O almoço foi... pé de porco, mas com arroz.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Estórias cabralianas > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

"De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

"A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?"(...).



(**) Vd. poste de 22 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)


(...) "Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 – para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) – o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções...

"Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca (...), mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

"Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor .(...)"

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2841: Estórias cabralianas (35): A bajuda de Belel, os Soncó e o amigo dos turras (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (197o/72) > Um despojo de guerra, uma fotografia de uma bajuda, certamente de etnia mandinga, oferecida a um tal Soncó, tendo no verso a data de 2 de Fevereiro de 1971. Foi apanhada, a foto, pelo Jorge Cabral no acampamento temporário de Belel, a norte do Enxalé, a sul do Oio, no limite do Cuor, e do Sector L1 (1).


Foto : © Jorge Cabral (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, hoje jurista e professor do ensino superior universitário.

Estórias cabralianas > A bajuda de Belel... e o amigos dos turras (2)
por Jorge Cabral


Também eu entrei em Belel (1) em Junho de 1971. De Missirá até lá e de lá ao Enxalé, percorri o trajecto na companhia dos Páras e do Comandante do Pelotão de Milícias de Finete (3).

Saímos ao fim da tarde de Missirá, e pela manhã deu-se o assalto à Base. A resistência não foi muito forte, pois muitos fugiram. Ainda assim, alguns ficaram prisioneiros. Recordo um que ostentava umas divisas vermelhas de Cabo. Não se destruíram as instalações, armadilharam-se, designadamente, um depósito de arroz.

Lembro-me do Soncó ter quase causado uma catástrofe, quando a certa altura, me apontou ao longe tropa africana, dizendo-me que eram turras. Tratava-se da CCAÇ 12, que tomou parte na operação, saindo do Enxalé, e que logo depois embrulhou forte e feio, ao atravessar uma extensa bolanha.

Recordo o pesado bombardeamento da Força Aérea e a eficaz intervenção do Helicanhão.

Tive pois oportunidade de, sem ser convidado, visitar com o vagar possível a casa dos meus vizinhos.

Como recordação apenas guardei a fotografia de uma bela bajuda, certamente perdida na confusão da fuga. Tem a data de 2 de Fevereiro de 1971 e fora oferecida a alguém de apelido Soncó.

O especialista em Soncós, Beja Santos, que explique… Terei ido com um Soncó ao encontro de outro Soncó?

Ainda hoje, não entendo porque me mandaram sem o meu Pelotão. De quem foi a ideia? Do Polidoro? Ou de mais alto?

Como tive mais uma vez ocasião de confirmar no almoço da CCS / BART 2917, os boatos sobre a minha pretensa amizade com os guerrilheiros corriam... Contou-me o motorista Rogério, adido em Missirá, que uma vez o fui acordar às três da manhã, para me levar a Bambadinca, pois esquecera o meu pingalim. E que ele foi, sem medo nenhum, pois "toda a gente sabia que os turras gostavam do Alferes Cabral" (sic)...

Terá sido obra dos boatos, feitos mito. Mistério que um dia gostaria de desvendar…

A fotografia é esta que junto. Mas será legítimo e ético publicá-la? A decisão é vossa!

Jorge Cabral


2. Comentário de L.G.:


É uma despojo de guerra, meu caro. É cruel, mas é assim. Antes uma foto do que uma orelha. Ou uma orelha com brincos. Ou uma perna. Ou uma cabeça. Percebo o teu pudor, que não era certamente o do teu amigo Polidoro, já falecido, tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que nós, os quadros metropolitanos da CCAÇ 12, fomos rendidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971). Não sei por que caíste no goto do homem com quem andei no mato, uma vez, mas com quem não privei, como tu. Era um durão, ele, e certamente que adorava o teu gosto pelo teatro do absurdo. Em Belel, quis-te pôr à prova. Ou lixar-te. A tua fama vinha de longe e ele, por certo, sabia que Cabral só havia um..., o de Missirá e mais nenhum! ... Tal como Tigre de Missirá só houvera um, o nosso Beja Santos, ao tempo do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)...

Escrúpulos já não tenho eu, ao transformar esta tua história em estória... cabraliana.Tu também nunca fizeste questão de separar a ficção e a realidade, o humor e o depoimento, a estória e a história. Ou melhor, contigo, connosco, lá no cú do mundo, nunca se sabia onde acabava uma e começava outra... Espero que não me leves a mal, mas os teus fãs (onde eu me incluo) têm feito insistentes pedidos para publicar mais uma estória cabraliana... Ando a ver se isto esticadinho, chega a livro. Esta é a estória cabraliana nº 35. Ainda falta 15 para a meia centena. Em boa verdade, andas pouco produtivo ou então muito ocupado com a tua criminologia e o teu instituto e o teu ganha-pão de advogado. A última estória aqui publicada data de 10 de Março (2)... Desculpa o castigo, mas foi por uma boa causa.

Fica por responder a tua pergunta sobre legitimidade e ética. Estou a ver que vou ter que arranjar um comité de deontogia e ética (bloguísticas) para apoiar os nossos editores. Além de um conselho editorial... Pensa nisso, já que és jurista. Vemo-nos em Monte Real. Faz boa viagem. E, por favor, não alimentes mais boatos... sob pena de, in extremis, ainda ires parar a tribunal militar, acusado do crime (que nunca prescreve) de traição à Pátria que te pariu. Humor, puro humor negro, com a cumplicidade do editor... L.G.
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

11 de Maio de 2008 > Guiné 63/74: P2833: Op Gavião (Belel, 4-6 de Abril de 1968) (Armando Fernandes, Pel Rec CCS / BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1966/68)

7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2817: Blogoterapia (51): O Alentejo do Casadinho e do Cascalheira, o Tura Baldé, a Op Gavião... (Torcato Mendonça / Beja Santos)

10 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2831: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (31): Tigre Vadio: Um banho de sangue no corredor do Oio


(2) Vd. último poste desta série > 10 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2623: Estórias cabralianas (34): O Alferes, o piano e a Professora (Jorge Cabral)

(3) Vd. poste de 19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2778: Álbum das Glórias (45): Bacari Soncó, ex-comandante do Pel Mil Finete e actual régulo do Cuor, Janeiro de 2008 (Beja Santos)


Guiné-Bissau > Janeiro de 2008 > Fotografia de estúdio de Bacari Soncó, antigo comandante de milícias de Finete, na altura em que o Beja Santos era o comandante do Pel Caç Nat 52, e estava em Missirá (Agosto de 1968/Outubro de 1969), e actual régulo do Cuor.


Foto: © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Originalmente, em finais de 1968, o Pelotão de Milícias de Finete era o nº 102, e pertencia à Companhia de Milícias nº 1 . Em Missirá estava o Pel Mil 101, o Pel Mil 103 em Moricanhe, o Pel Mil 104 em Taibatá e Amedalai, e o Pel Mil 105 em Demba Taco. No final da comissão do BCAÇ 2852, em Maio de 1970, o Pel 201, o Pel 202 e o Pel 203, da Comp Mil nº 1 estão em Missirá, Finete e Madina Bonco/Bissaque, respectivamente. Por sua vez, Amedalai (Pel Mil 241), Taibatá (Pel Mil 242) e Demba Taco (Pel Mil 243) pertenciam então à Comp Mil nº 14. Moricanhe tinha sido abandonada em Junho de 1969. O respectivo Pel Mil (o 145) foi para Amedalai. Teria havido, portanto, uma reorganização das milícas do sector L1, da Zona Leste. Tudo isto girava (ou parecia girar) sob a batuta do poderoso régulo de Badora, fiel aliados dos tugas, e de quem se dizia que tinha 50 mulheres, uma cada tabanca do seu chão... e vários filhos na CCAÇ 12. Terá sido executado, publicamente, em Bambadinca depois da Independência. Curiosamente, temos falado muito pouco deste cabo de guerra e chefe tribal, precioso aliado das NT e da administração portuguesa. Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), faz-se-lhe justiça, ao escrever-se a seu respeito o seguinte:

"(...) "A população Fula de um modo geral é-nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora que tem como chefe/régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido no meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população fortes dúvidas se tem, especialmente Nhabijões, Xime e Mero" (...).

Ainda de acordo com a mesma fonte, em 2 de Junho de 1969, "três grupos não estimados flageram durante a noite, simultaneamente, os Destacamementos de Amdedalai, Demba Taco e Moricanhe, utilizando 7 canhões s/r, 8 Mort 82, 13 LGFog, MP 12,7, várias ML e armas automáticas, causando 1 morto e 3 feridos, milícias, 1 morto e 4 feridos, civis, e danos materiais nas tabancas"...

Uns dias antes, a 28 de Maio de 1968, "um Gr IN de mais de 100 elementos flagelou com 3 canhões s/r, Mort 82, LGFog, ML, MP e PM, durante 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros"...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2561: Ser solidário (5): Um mimo para o Beja Santos (Xico Allen/Albano Costa)



Guiné-Bissau > Região de Baftá > Janeiro de 2008 > Estrada Bissau-Bafatá > Passagem do Xico Allen pelas proximidades de Finete e de Mato Cão, que faziam parte das Terras dos Soncó e da zona de acção do Beja Santos, quando comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá, 1968/69).

Fotos: Xico Allen / Albano Costa (2008). Direitos reservados

1. Mensagem de ontem, do Albano Costa (Guifões, Matosinhos):

Caro Luís Graça:

Hoje estive a ver as fotos do Xico Allen (1), e vi duas que me chamaram mais atençao e então pedias para as enviar para o blogue, para se achares que as deves publicar.

Visto que se fala com regularidade de Finete e Mato Cão, é sempre um pequeno presente para o Beja Santos.

2. Comentário dos editores:

Obrigado, Xico, obrigado Albano. É um regalo para o nosso camarada e amigo Beja Santos na vésperas do lançamento do seu livro... Boa viagem para o Xico, o nosso andarilha, o nosso papa-léguas, que parte, amanhã, em caravana, novamente rumo à Guiné-Bissau, com mais camaradas nossoas e outros amigos de Coimbra e do Algarve (2).

3. Comentário posterior do Mensagem do nosso querido amigo e camarada Joaquim Mexia Alves (Monte Real, Leiria), que foi Alf Mil Op Esp, Guiné, Dez 1971 / Dez 1973, CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa):

E para mim também, gaita, que fui comandante do destacamento de Mato de Cão com o [ Pel Caç Nat] 52.

Que raio, no meu tempo não havia placa......eheheh

Abraço amigo

Joaquim Mexia Alves

______

Nota dos editores:

(1) Vd. postess de:

21 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2466: Ser Solidário (1): Pe. Almiro Mendes, Pároco da freguesia de Ramalde, Porto, partiu hoje de jipe, para a Guiné-Bissau

24 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2476: Ser solidário (2): Notícias do Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)

28 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2488: Ser solidário (3): Notícias do Pe. Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)

(2) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)

Guiné > Algures em zona controlada pelo PAIGC > 1970 > Guerrilheiro, armado de Kalash...

Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)


1. Mensagem de hoje, enviada pelo Jorge Cabral, nosso querido amigo e camarada, que foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, primeiro em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. É autor da série Estórias Cabralianas (1) cuja publicação em livro tem vindo a ser insistentemente reclamada pelos/as seus/suas inúmeros/as fãs...


Querido Amigo,

O Comentário fica para amanhã. Faces da Guerra? Só duas?

Sexta-feira (1) tive o prazer de conhecer e conversar com o Marques Lopes, o qual também aprecia as minhas estórias. Confessei-lhe que ia mandar esta. E aí vai.

Abraço Grande
Jorge Cabral


PS. 1) Devo a possibilidade de me ter recordado do episódio ao Ex-Alf Mil Jaime Pereira, da CCAÇ 12 (1971-73) que me enviou uma afectuosa mensagem.

PS. 2) Quando me vim embora, vendi por mil pesos ao Reis – Alferes do Pel Caç Nat 52 – que, me substituiu em Missirá, um belo armário com todo o seu recheio, incluindo a Obra Paroles, da qual faz parte o Poema (1).

Estórias cabralianas > Turra desenfiado encontra Alferes entornado...
por Jorge Cabral


Já é noite cerrada e o Alferes de Missirá continua em Bambadinca. Numa mão o copo, na outra, o pingalim, encostado ao balcão do Bar, declama. Trata-se do longo poema de Jacques Prévert, “L’orgue de Barbarie” (2). É interrompido, engana-se, esquece-se, volta atrás, mas não desiste.

Moi je joue du piano
Disait un
Moi je joue du violon
Disait l’autre...
(3)

Aborrecido com a situação, o Polidoro Monteiro (4) chama o Alferes Jaime da CCAÇ 12 e ordena-lhe que leve o Cabral, e só o largue dentro do Sintex, a caminho de Missirá. O Jaime cumpre, mas ao regressar ao Quartel, encontra o Comandante furioso.

O declamador voltou ao Bar e continua dizendo que está quase a acabar.

Moi je jouais au cerceau
À la balle au chasseur
Je jouais à la marelle
Je jouais avec un seau...
(4)

Então o Tenente-Coronel mete-o no seu jipe, e transporta-o ao cais. É muito tarde porém, e o Sintex já não funciona. Como fizera em outras ocasiões, o Alferes vai acordar o barqueiro da piroga que, a troco de alguns pesos, lá o atravessa.

Em Finete, os Milícias querem impedi-lo de prosseguir, mas ele está determinado, e deixa-os estupefactos, falando-lhes em francês:

Et l’homme prit la petite fille par la main
Et ils s’en allèrent dans les villes
Dans les maisons dans les jardins...
(5)

Continua o seu percurso, rememorando os versos, até que subitamente lhe surge pela frente um homem. É jovem, traz uma arma em bandoleira, e uma carga à cabeça. Sem dúvida um turra desenfiado, que acaba de passar um bom bocado amoroso em Mero (6), pensa o Alferes, que lhe grita:


Et puis ils se mirent à parler parler
Parler parler parler
on n’entendit plus la musique
et tout fut à recommencer! (
7)


Assustado o bom do turra desatou a fugir, metendo-se mato dentro. Quanto ao Alferes ficou radiante. Finalmente terminara de declamar o Poema…

Jorge Cabral
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último desta série > 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)

(2) Paroles [Palavras], livro de poemas, publicado em 1946, do grande poeta surrealista francês, muito popular, Jacques Prevért (1900-1977).


Também foi argumentista de cinema.


O título do poema recitado pelo J.C. era, em português, O órgão da barbárie.


(3) Tradução de L.G.:

Eu toco piano,
Dizia um,
Eu toco violino
Dizia outro.


(4) Último comandante do BART 2917. Considerado um oficial superior spinolista, corajoso, competente, desassombrado, truculento, usando e abusando da linguagem de caserna. O único, de resto, que vi, de arma na mão, a meu lado, no Sector L1, entre Julho de 1969 e Março de 1971... Já morreu. Era amigo de alguns dos nossos tertulianos: O Jorge Cabral, mas também do Paulo Santiago… Há vários posts publicados, fazendo referência ao Ten Cor de Infantaria João Polidoro Monteiro.

(5) Tradução de L.G.

Eu, eu brincava ao arco,
À bola, ao caçador,
Eu jogava à malha,
Eu brincava com um balde…


(6) Mero: Aldeia, balanta, considerada sob duplo controlo. Fica(va) a norte de Bambadinca, e a oeste de Fá Mandinga, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito). Vd. post de 18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas

(7) Tradução de L.G.:

E o homem pegou a rapariga pela mão,
E partiram dali para as cidades,
Para as casas, para os jardins...


(8) Tradução de L.G.:

E depois puseram-se a falar,
A falar, falar, falar,
Já não se ouvia mais a música
E tudo teve que recomeçar.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2154: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (4): Cartas de Missirá, Setembro de 1969

Texto enviado, em 8 de Agosto último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).


Foto (à esquerda) > O Beja Santos, em Bissau, em Janeiro de 1970.

Luís:

Aqui vai o episódio nº 4. Já seguiram os livros correspondentes, amanhã segue uma fotografia do Carlos Sampaio. Não posso escrever mais esta semana, depois faço férias, na semana de 20 escrevo-te.

Vai haver mais uma flagelação a Missirá, depois vou ficar sem o Casanova, exactamente no momento em que mais precisava da sua ajuda. É sempre assim na vida. Recebe um abraço do Mário.


Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (1)
por Beja Santos

Carta para Luís Zagalo Matos

Estimado Luís Zagalo,

Aqui vão notícias que seguramente lhe darão alegria. Voltámos ao Enxalé, conciliei um patrulhamento a Mato de Cão, levei duas viaturas e picadores, ainda há vestígios da época das chuvas, na estrada andámos com água até aos joelhos junto da bolanha, os nossos soldados iam contando histórias vividas em 1966 e 1967, o seu nome era permanentemente invocado, junto da antiga picada para Madina encontrámos um sinal de trânsito de sentido proibido(!) e sinais recentes de presença humana.

Continuam a impressionar-me muito as casas dos ponteiros em ruínas, a maquinaria abandonada, a beleza do Geba é inexcedível, na estrada para Porto Gole virámos á direita e picou-se com muita prudência já que a picada para o Enxalé é muito arenosa, propícia a minas.

O alferes recebeu-nos com simpatia, ao princípio estava desconfiado, julgava tratar-se de uma operação para Madina. A estrada de Porto Gole está interdita, o Enxalé é reabastecido através de um pequeno porto a 3 Km, e o correio é atirado da avioneta (seria assim já no seu tempo?). Alguns dos abrigos foram ainda construídos pelos meu soldados, há dois anos e meio atrás.

Em Missirá, todas as cubatas estão protegidas por abrigos, nenhuma cubata aparece como protecção do abrigo. No Enxalé há um aterro entre as instalações e os abrigos do pelotão, é uma enorme tabanca povoada por balantas e mandingas, escandalizou-me que a tabanca aparecesse com um escudo do quartel.

Dei a notícia ao nosso camarada que passaríamos ambos a pertencer ao sector de Bambadinca e que eu contava que iríamos colaborar regularmente face ao mesmo inimigo. Almoçamos à pressa, tínhamos que regressar rapidamente pois começou a cair uma chuva torrencial, isto quando a manhã fora resplandecente... Coisas do fim da época das chuvas.

Sei que não acredita, mas o seu nome foi várias vezes referido no Enxalé. De Missirá, tenho pouco a contar. No início do mês, fomos fogueados ao anoitecer sem consequências. Com as viaturas muitas vezes empanadas, usamos o Sintex para transportar os combustíveis e munições para Missirá. A burocracia está pior do que no seu tempo. Imagine que caiu um Unimog na bolanha de Finete, foi o cabo dos trabalhos removê-lo, perderam-se acessórios e ferramentas, foi um dia inteiro que passei num auto de averiguações, em Bambadinca. E foi só a abertura do auto...

Tenho um grande favor a pedir-lhe, é se V. podia visitar no Hospital Militar Principal dois militares gravemente feridos que o conhecem. Se estiver disponível, por favor, escreva-me. Junto uma fotografia junto da fonte de Cancumba, tal como me pediu. Receba a muita estima daquele que ouve todos os dias elogios ao seu nome e ás suas façanhas.

Carta para Ruy Cinatti

Ruy, dear Father,

Obrigado pela sua linda carta. Gostei sobretudo dos seus pequenos poemas que me lembram os haiku, não sei porquê. Por exemplo:

Vamos chorar tanto
que a terra se inunda
Como inundar
o mar?
-
Atracção do nada
é o mar em frente.

Vejo aproximar-se
quem do mar me chama.


Que maravilha! Acabo de saber pela a Amélia Lança que V. lhe comprou a Enciclopédia Britânica... Que luxo! As notícias que tenho para si são triviais: cheio de limitações, espero o inimigo e, regra geral, ele não vem; fala-se que iremos abandonar Missirá, o que não me parece razoável quando tenho obras em curso, mas suspeito que os meus soldados anseiam partir, devem ter a ilusão quanto ao fim das nossas dificuldades.

Como eu suspeitava, Finete sofreu uma pequena flagelação, houve um ferido ligeiro e uma cubata atingida, foi um foguetório pesado mas mal dirigido, já que o quartel está num baixio, é fundamental a precisão de tiro, o inimigo não tem a visão a não ser a dos abrigos posicionados no alcantilado da rampa que protege toda a estrada para Canturé e Malandim.

O seu afilhado e meu padrinho, Felipe Fernandes, continua a enviar-me livros da Portugália. Estive a ler cheio de interesse A Revolução de 1383, de António Borges Coelho. É uma visão marxista da caracterização feita por Fernão Lopes da revolução burguesa. O historiador começa por registar o Portugal da segunda metade do Séc. XIV, observando muito bem o que distingue a agricultura feudal dos centros urbanos e os núcleos burgueses rurais do centro e do sul do país, que elegeram o Mestre de Avis.

Depois, descreve o Portugal marítimo, os interesses dos mercadores e a sua hostilidade aos senhores feudais. Temos depois a revolução, a conjura chefiada por Álvaro Pais e Antão Vasques e o confronto a nobreza feudal. Nuno Álvares Pereira é para Borges Coelho um herói dúbio. Segue-se a apresentação de um rei que é eleito pelas Cortes, submetido a essas mesmas Cortes, e a um conselho régio.

Com D. João I entrámos no mundo contemporâneo, no renascimento urbano e, aproveitando-se de um continente em convulsão, os portugueses avançam para África. É uma tese curiosa, guardo aqui o livro para si. Estou a cair de sono, ainda vou escrever à minha Mãe, pelas 5 da manhã parto para Mato de Cão. Como tenho saudades suas e gostava tanto de conversar consigo! Só falta um ano para que isso aconteça. Receba a profunda estima.


Capa do ensaio do historiador António Boregs Coelho, A Revolução de 1383. Lisboa: Portugália Editora. 1965. Capa de João da Câmara Leme

.Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados

Carta para Ângela Carlota Gonçalves Beja

Querida Mãezinha,

Fico contente pela visita que o Teixeira lhe fez. Espero que tenha apreciado o anel em prata filigranada de um ourives de Bafatá, a pedra é insignificante, sugiro que ponha uma ametista ou um topázio.

Passando para assuntos mais sérios, volto a insistir de que gostaria que os meus familiares não se envolvessem nas minhas decisões e que me fosse evitado este massacre de acusações acerca da Cristina. Nada está decidido sobre a sua vinda, não sei se vou para Bissau, gostaria de deixar adiantado o que aqui comecei, independentemente da guerra, as pessoas devem ser respeitadas, verem obras acabadas, enfim, haver continuidade na criação de bem estar, instrução, apoio médico e até reagrupamento das populações. Tenho agora novos milícias em Finete, vai haver um período de adaptação, eles vão colaborar nos patrulhamentos à volta do Geba, são fulas que nunca viveram dentro de uma comunidade mandinga.

Obrigado pelos livros que me enviou. O que é curioso é que eu não conhecia o Dennis McShade, não sei quem é, logo que possa vou ler este Requiem para Dom Quixote. Estive a folheá-lo, lembra-me o romance negro norte-americano tipo Raymond Chandler ou Ed McBain.

Diverti-me imenso com Dois crimes no Inverno, por S.S. Van Dine. Desta vez Philo Vance acompanha o procurador Markham a casa de Carrington Rexon, proprietário da uma importante colecção de esmeraldas. Tudo se passa num sítio campestre, dentro de uma propriedade onde se concentram convidados, jovens do jet set da época, gente que vem acompanhar uma possível noiva do filho do proprietário. É assassinado um guarda e depois um escroque. Desaparecem esmeraldas e Philo Vance, num ápice, desvenda tudo. Como é próprio dos romances de S.S. Van Dine, o criminoso suicida-se. A obra tem subtileza mas não tem chispa.

Falando da guerra, tenho muitos soldados doentes, Missirá e Finete sofreram só pequenas flagelações, não se assuste com os comunicados que aí aparecem, este fogo aqui é uma ninharia. Muito obrigado pela visita que fez ao Paulo Semedo e ao Fodé. Prometo escrever ainda esta semana. Beijinhos do filho que nunca a esquece e reza pelas suas melhoras.



Capa do romance policial de S.S. Van Dine, Dois crimes no inverno. Lisboa: Livro so Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 57). Capa de Cândido Costa Pinto.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Para a Cristina Allen


Meu adorado amor,

A ver se consigo dar ordem a tudo quanto gostaria de te dizer. Não fiques atormentada com os comunicados de guerra que por aí aparecem. As flagelações a Missirá e Finete foram insignificâncias, mais adiante vou falar de Finete onde chegaram novos soldados milícias oriundos de Amedelai e Quirafo, não conhecem esta região.

O gerador eléctrico continua sem poder atravessar o rio. O correio que aqui me chega da minha família, magoa que se farta. O Ruy Cinatti escreveu furioso por causa do casamento por procuração, acha-nos loucos e imprevidentes, desaconselha o casamento por procuração, diz não entender quem está a fazer este casamento uma exigência. Eu penso que deve haver aí uma orquestração de vozes, conjugam-se contra ti más vontades. Já não sei lidar com a situação, no caso do Ruy tinha-lhe dado conhecimento das diligências em Bafatá para o casamento por procuração. Acho estranho este tipo de reacção, paciência.

Gostava que fizesses uma lista dos meus convidados, lembra-te da minha prima Teresa, da Amélia Lança, das minha amigas Cândida Lopes e Maria Júlia Apóstolo, dos serviços mecanográficos. O Paulo Semedo escreveu, mandou a fotografia do seu rosto mais composto, deu-nos a boa notícia que o braço que se julgava perdido já faz movimento. Comprei em Bafatá O Trigo e o Joio, do Fernando Namora, fala dos trabalhos e canseiras do teu Alentejo, vou mandar-te esta leitura para as tuas férias.

Escreveu o Jolá Indjai, está tuberculoso, vai para o Caramulo. Recebi hoje carta do Carlos Sampaio, está num teatro de operações muito duro. Amanhã vou a Bambadinca, o comandante quer falar-me, parece que vamos mesmo sair de Missirá. Nada tenho a opor, os soldados insistem que chegou a hora de mudar, não sei se é bom para as populações estas mudanças e interrupções nos trabalhos. Amanhã escrevo de lá, logo que saiba coisas. Não me esquecerei de ir até Bafatá por causa dos documentos. O Teixeira ainda não chegou. Beijinhos e ternura e até muito breve.

Carta para Carlos Sampaio

Meu inesquecível amigo,

A tua carta deixou-me muito preocupado, não sabia que o norte de Moçambique estava a ferro e fogo. Por favor, não te excedas. Os nossos teatros de guerra são diferentes. Dou-te um exemplo. Chegávamos ontem aqui a Missirá ao fim da tarde, quando foi desencadeada uma flagelação a Finete, de que há tanto suspeitava. Eu vim do tal patrulhamento a Mato de Cão, ainda estive em Finete a falar com os novos milícias, conversei depois sobre o abastecimento de arroz que é sempre deficítário e deixei lá elementos de uma esquadra de morteiro. Logo desencadeado o fogo, pedi pelo rádio para a sede do batalhão que usassem o morteiro 120 na retaguarda da força atacante.

E lá regressámos a Finete, onde cheguei pela meia noite, felizmente fora uma flagelação sem consequências, um fogo desalmado mas desorientado. Apurei que houve um comportamento destemido de um jovem de 16 anos, chamado Mafoge Djau, que combateu de peito feito, quando se acabaram os dilagramas veio para o arame farpado lançar granadas de mão. De manhã fiz um patrulhamento, o inimigo retirou sem baixas, foi um quase empate. Esta é a nossa dura guerra, mas como vez diferente da vossa. Não temos sossego, o inimigo está muito perto, benefiicia do efeito surpresa.

Nos poucos tempos livres, oiço música (estou a descobrir as cantatas de Bach, que prazer), leio e escrevo. Já te disse que deixei de ter ilusões sobre a qualidade da minha poesia e gostava sinceramente de desistir. Mando-te o que escrevi ontem. Podes mandar para o lixo depois de leres:

Patrulhamento de rotina

Tu és o agrimensor do meu passado, a minha primeira litania e primeira testemunha.
Tu és o campanário feito catavento que em mim é o feto libertado.
Redigimos, tu e eu, ao longo destes anos a nossa lei interna,
com o giz traçámos o próximo e o distante,
conformámos todas as sílabas onde se lêem o dia e a noite, a paz e a guerra.
Tu és o proscénio deste teatro da linguagem, em teus dedos ponho anéis,
aos teus lábios levo diademas.

Tun és o exemplo de cadastro terrestre, graças ao drama plaino de tanto sofrimento,
minha Mãe evanescente.
Para ti, nesta lonjura feita de lianas que se prendem nas a´rvores gigantes no mais fundo da floresta tropical,
aqui vai o meu trapézio que se eleva acima do mar azul
e grita a abastança do teu sangue no meu.
Neste trapézio onde te encimo o meu amor, tu és uma nave balouçante.
Porque com a nossa lei interna, eu tenho o poder de te transformar em areia escaldante,
vibração atómica ao olfacto e ao tacto.
E de te dizer que me suavizas com a tua veste opalina
o tormento deste meu tempo com armas na mão.

Sê o mar uterino que me aplaca a solidão,
meu mar encantador que chegará porta do meu abrigo-casamata, minha Mãe!

Carlos, continua, dentro das tuas possibilidades, a dar-me companhia. Não podes imaginar o bom que é receber as tuas notícias. Recebe um abraço que atravessa todo o interior de África.

________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último post > 28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2138: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (3): Op Pato Rufia (Xime, Setembro de 1969)

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2123: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (2): Não te esqueças de me avisar que já sou teu marido

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Messe e instalações dos oficiais > O Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52 (1968/70). Irá casar-se em Abril de 1970 com Cristina Allen.

Guiné > Bissau > Abril de 1970 > "A Cristina chegou a 18 de Abril e praticamente nunca saiu de Bissau a não ser umas curtas visitas a Safim, Nhacra e Quinhamel. Não podíamos, evidentemente, ir passear a quaisquer teatros de operações. Durante os praticamente 20 dias que ela aqui viveu, visitámos as amizades feitas em Bambadinca e Bissau e fomos recebidos regularmente pelo David Payne, Emílio Rosa e mulheres. Não resistíamos à curiosidade de andar pelos mercados, ver artesanato e pequenas festas locais. Muitas vezes, o Cherno acompanhou-nos, insistia que não havia pausas no seu papel de guarda-costas" (BS).


Lisboa > Julho de 2007 > Finalmente o Queta Baldé deixou-se apanhar pelo fotógrafo... Ei-lo aqui com o seu antigo comandante Beja Santos. Tem sido um precioso "auxiliar de memória" do nosso camarada, autor de Na Terra dos Soncó, Diário de Guerra (1968/69), a editar proximamente pelo Círculo de Leitores.

Fotos: © Beja Santos (2007). Direitos reservados


Texto enviado em 25 de Julho último pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):


Caro Luís, aqui vai o episódio nº 2 da nova série. Tudo farei para te deixar em stock quatro textos para Agosto. Um abraço, Mário



Operação Macaréu à Vista - Parte II

Texto nº 2 - Não te esqueças de me avisar que já sou teu marido
por Beja Santos (2)


(i) Muitas lembranças de Finete e as memórias do Queta

O Queta apresentou-se ao princípio da manhã, diz que a alvorada é muito boa para manter as recordações que traz do sono, sai depois da Praça do Saldanha e ruma para o Rossio para ir comunicar com a sociedade guineense que se reúne ali para o Largo de S. Domingos. Propus uma agenda farta para a nossa reunião de hoje: quem vivia em Finete?; a sua versão das duas operações Pato Rufia, que se realizaram na última semana de Agosto e na primeira de Setembro, de 1969, na região do Xime; como era Missirá em 1967, quando lá chegou o Pel Caç Nat 52.

O mais glorioso dos artistas do batuque, agora septuagenário, que percorreu a palmo Enxalé, Cuor, Mansomine, Joladu, Oio, Badora e Cossé, para além de toda a região entre Xime e Bambadinca, mantém a sua memória praticamente intocável. A prova disso, veio de um mail recentemente enviado pelo Matos Francisco, o primeiro comandante do nosso pelotão. Sentado diante da imagem posta à sua apreciação, o Queta olhou-me com um sorriso e esclareceu sem uma hesitação:
- Trata-se do Capitão Amna Nonça, que vivia em Porto Gole e era régulo de Enxalé. Comandava a polícia administrativa e morreu em 1967, em Bissá, de uma roquetada que o matou mais seis homens. Era um homem justo, que acreditou na bandeira portuguesa.

Não me deu tempo a fazer-lhe perguntas sobre Finete, ele hoje queria contar-me mais um episódio da sua vida. Começara na milícia em 1964 no pelotão de Bazilo Soncó, na Ponta do Inglês:
- Já naquele tempo o Bazilo vivia para a fatiota: roupa sempre engomada, as divisas a brilhar, o pingalim que ele agitava como se fosse um grande senhor, levando os dedos ao bigode lustroso. O Bazilo era o homem mais vaidoso do mundo. Vaidoso e medroso.

Depois de três meses na Ponta do Inglês, aquele pelotão de milícias foi deslocado para Finete, pois o régulo Malã Soncó, seu irmão mais velho, pedira a Bafatá que houvesse protecção para o população civil que cultivava a extensa bolanha de Finete:
- Há poucas terras mais ricas, nosso alfero. Todos aqueles quilómetros de Malandim até Ponta Nova, subindo de Finete até Boa Esperança e à volta de Gã Joaquim, até Aldeia de Cuor, dá arroz com fartura. A população de Finete fugira para o mato no princípio da guerra. O régulo vivia em Missirá mas deslocou muita gente para Finete, e depois da vinda da milícia, veio também mais povo ali viver, originário de Canturé, Chicri, Sansão e Aldeia de Cuor. Havia ali muitas lojas de comércio, brancos e cabo-verdianos, que vinham buscar a mancarra, o arroz e o coconote. Todas essas lojas desapareceram com a guerra. Fiquei em Finete até 1966, altura em que fui tirar a recruta em Bolama. Nunca disse a nosso alfero mas em Finete havia gente que informava os familiares em Madina, o que fazíamos, o que construíamos, o armamento que tínhamos. Esta noite estive a pensar muito tempo sobre a pergunta que me fez sobre as razões por que é que eles não nos atacavam em Mato de Cão. Não nos atacavam por que nosso alfero ia lá a toda a hora. E se começassem a atacar Finete, certamente que haveria mais emboscadas mortais como a de 3 de Agosto. Madina queria que as colunas de reabastecimento não tivessem problemas. Em Setembro, lembro-me bem, Missirá e Finete voltaram a ser atacadas, aqueles ataques pareciam brincadeira, umas morteiradas e roquetadas e nada mais.

Eu também estava convencido que Madina vivia desorientada com as nossas permanentes andanças pela mata e não queria aumentar a tensão à volta de Finete, aquele corredor estratégico devia permanecer despercebido.

Já de pé, o Queta que hoje vai tirar uma fotografia comigo, não me deixa de dar informação útil:
- Nosso alfero, Finete tinha duas fileiras de arame farpado, foi graças a si que se fizeram cinco novos postos de vigia e que as Mauser foram substituídas por G3. Não tínhamos morteiro. Já em 64 usávamos granadas defensivas. E lembro-me de uma história. Uma das primeiras vezes que o nosso alfero atravessou a bolanha a pé ficou alertado para os barulhos de rebentamentos dentro dos arrozais. Explicámos que eram os meninos a apanhar peixe. Nosso alfero proibiu que os meninos usassem granadas. Não gostámos, mas nosso alfero fez bem.

(ii) A Operação Pato Rufia

A ideia desta operação nasceu no dia em que foi capturado um guerrilheiro pelos pára-quedistas, na região de Mansambo (3). Interrogado, confessou vir de um acampamento situado na estrada entre Xime e Ponta do Inglês, dizendo que havia lá quarenta homens armados com um grupo especial de apontadores de RPG2 que tinham a missão de atacar a navegação no Geba.

A 24, a meio da tarde, na sala de operações de Bambadinca, o Major Sampaio explicou aos oficiais presentes que haveria dois destacamentos que trabalhariam conjugadamente com os pára-quedistas. Sairíamos pela meia noite do Xime com dois guias e o prisioneiro. Eu comandaria metade do 52, fazendo parte do destacamento que ficava à espera que os guerrilheiros fugissem no rescaldo no ataque às casas de mato.

O Queta lembrava-se muito bem daquele calvário. Saímos de uma noite escura, amanhecia e ainda andávamos às voltas, com os guias desorientados:
- Quando amanheceu, vi perfeitamente que estávamos ao pé da Ponta do Inglês, ora nosso alfero tenha falado em Ponta Varela e Gundagué Beafada, qualquer coisa como quatro quilómetros atrás. Amanheceu cheio de nevoeiro, ninguém via nada.

De facto, assim foi. E a aviação não pôde largar os pára-quedistas, pelo que a meio da manhã se iniciou uma retirada, e é já a caminho de Madina Coelho que o prisioneiro reconheceu os trilhos de acesso, numa altura em que tudo desaconselhava o golpe de mão. Foi um regresso muito difícil até ao Xime, pois os picadores detectaram anti-pessoal, certamente ali metidas desde que os pára-quedistas tinham aprisionado o nosso informador. Assim terminara, com muita canseira e sem nenhuma glória, a primeira Pato Rufia, que se irá repetir a 7 de Setembro. Nessa segunda versão, como veremos, haverá três destacamentos de tropa do exército, e ficaremos com os pelotões 53 e 63.

(iii) Um casamento por procuração que é quase um trabalho sem esperança

Nunca visitei tanto Bafatá como nas últimas semanas. Os papéis para o casamento por procuração estão sempre engatados: pedem-me um bilhete de identidade que ardeu em Missirá, bem como outras certidões; dizem-me que não me posso casar sem a morada do sogro e que só pedi a convenção antenupcial mas que me esqueci de falar na separação de bens. Haverá um momento em que o administrador me pôs a mão no ombro e me felicitou pois por ali eu já estava casado. Mas na semana seguinte recebi a indicação de voltar lá com urgência. Ali chegado, o administrador pediu-me para ir buscar duas testemunhas que confirmassem a minha identidade. Não aceitou nenhum dos meus acompanhantes, avançou mesmo a sugestão que o nome de dois superiores resolveriam a questão de vez. Enquanto conversamos, entra o Coronel Hélio Felgas que, para minha surpresa, avança sorridente para mim, dizendo ter ouvido que eu ia casar e precisava de uma assinatura de um superior.

Naquela sala que parecia uma estufa, com população acocorada à espera de vez, oiço-o transido dizer-me que tem muito apreço pelo meu desempenho militar e que me quer no Agrupamento de Bafatá. E falou mais alto para toda a gente ouvir:
-Faça a rapariga feliz, vou louvá-lo, é pena que tenha havido aquele contratempo, espero vê-los em Lisboa.

Volto a sair de Bafatá aturdido e desorientado, na certidão correspondente ao meu casamento por procuração faço representar-me pelo Ruy Cinatti, fica esclarecida a separação de bens, assinei a convenção antenupcial. Em Bambadinca, um pouco antes de partir para Missirá, escrevo à Cristina:
- Não te esqueças de me avisar quando for teu marido.

Recebera uma carta do meu amigo José Manuel Nogueira Ramos, de quem a Cristina gostava muito, a informar-me do preocupante estado de saúde da mãe e peço à Cristina para visitar a Dnª. Raquel no Campo Pequeno, 11, 2º Esq., telefone 775204. Despeço-me fingindo que estou cheio de saúde, sem deixar de referir que as picadas estão de novo intransitáveis, que voltou a faltar o arroz e que morreu a mulher de um soldado milícia de Missirá.

Capa do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary. Lisboa: Estúdios Cor. 1960. (Ed. orig. em fr., 1857). Trad. de João Pedro de Andrade.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados


(iv) Madame Bovary sou eu!

A semana de leituras trouxe-me à vida. Em primeiro lugar, li um assombroso romance policial, Maigret e o seu morto, de Simenon. Assombroso na estrutura, na inovação formal, na narrativa trepidante. Enquanto entrevista uma alucinada no seu escritório, vão sucedendo-se telefonemas de um homem que se apresenta como marido da Nina, dizendo-se perseguido. Os telefonemas caem. Maigret vai para a rua, procura refazer o itinerário do perseguido. Ele vai aparecer morto em pleno centro de Paris. O inquérito mobiliza tudo e todos, até se descobrir que uma quadrilha de carniceiros checos o liquidou por ele saber a sua identidade.

A tradução de Lima Freitas é um primor e a capa do Cândido da Costa Pinto não lhe fica atrás. Simenon usa na plenitude todos os seus recursos imaginativos: o suspense da caçada, um agente da polícia que se transforma em taberneiro, Madame Maigret a fazer telefonemas profissionais, Maigret a receber patifes em casa e a enfiar um murro no verdadeiro chefe da quadrilha. Para quem desvaloriza a literatura policial, recomendo que leia e releia este Simenon, e depois conversamos.

Li também na colecção Miniatura os contos Biombo Chinês por Somerset Maugham. As histórias dos Mares do Sul de Maugham são um encanto. Agora é a China e estas pequenas pinturas, águas-fortes de sentimentos, olhares, vivências. Maugham guardou tudo num diário da viagem que fez em 1920. Refez as suas observações nestas obras-primas da pequena história que consigo ler em todos os bocadinhos que tenho disponíveis. Mas o grande tiro de artilharia que li esta semana foi Madame Bovary, de Flaubert.

Dizem os estudiosos que Madame Bovary é o primeiro grande livro realista da literatura mundial. O que está em causa nas minhas noite de Missirá, na primorosa tradução de João Pedro de Andrade, é o arranque de uma toada da emancipação feminina, o fim do silêncio sobre o adultério, a passagem da mulher do meio puramente rural para o sonho cosmopolita. Carlos Bovary, o marido de Ema, é um homem monótono e pouco arrebatado. Ema, pelo contrário, sonha com a paixão, lê Balzac, quer emoções. Terá amantes e profundas decepções. A tragédia irá desenvolver-se em torno desses arrebatamentos e dessas amarguras até chegar à sua morte, a que se seguirá a de Carlos. O dinheiro vai desaparecendo, a filha de ambos, Berta, ficará na miséria.

Leio entusiasmado estas centenas de páginas, tendo em conta que a obra-prima data de 1857. A edição é linda, corresponde a um período glorioso de Estúdios Cor, de quem tive muitos livros, lembro uma edição ilustrada por Júlio Pomar para o Gargantua de Rabelais. Madame Bovary é a modernidade, percebe-se facilmente a barafunda que causou, envolvendo tribunais, a igreja, os colegas de Flaubert. Os acessos românticos e a grande amorosa, os amores transviados, o ilícito amoroso ganharam nova expressão com Flaubert.

Este é um mês com muitas dores à minha espera: a nova Pato Rufia e um morto transportado em padiola improvisada, uma cena digna de um drama wagneriano; novos tiros sobre Missirá; as peripécias de um casamento ainda não realizado; os camaradas que partem e chegam com notícias da Cristina; Finete flagelada, felizmente só houve feridos ligeiros; mais uns tiroteios em Chicri; até recebi um louvor dado pelo Felgas e depois pelo Comandante Militar da Guiné. A acabar o mês, imprevistamente como um tufão, o colapso nervoso do Casanova foi horrível de presenciar. Mas o mais horrível foi a solidão que me deixou a partida em evacuação Y do meu mais precioso auxiliar.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1329: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (22): A memória de elefante do 126, o Queta Baldé

(2) Vd. post de 13 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2102: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (1): Mamadu Camará, a onça vigilante

(3) Vd. posts de:

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1011: A galeria dos meus heróis (4): o infortunado 'turra' Malan Mané (Luís Graça)

25 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P906: CART 2339 e Malan Mané, duas estórias para duas fotos (Torcato Mendonça)

30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) (Luís Graça)

sábado, 24 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P905: A morte na estrada Finete-Missirá ou um homem com a cabeça a prémio

1. No passado dia 21 de Junho de 2006, o Beja Santos mandou-me a seguinte mensagem:

Meu caro Luís,

Fico preocupado pela capacidade de retenção da tua memória.

A maior parte dos acontecimentos que aqui descreves são fidedignos. Não te esqueças que eu tive um papel vagabundo nesta guerra. Cheguei a Missirá a 4 de Agosto de 68 e lá permaneci até Novembro do ano seguinte. Só abandonei Missirá porque os soldados estavam fartos daquele tipo de guerra em que eu os envolvi. Depois, parti para Bambadinca, onde era pau para toda a obra. Se quiseres, um dia posso-te fazer esta memória descritiva. Talvez seja útil para os nossos netos. Tenho muito gosto em encontrar-me contigo a partir de Julho. Vê no que te posso ser útil. Penso reformar-me aos 67 anos, se não houver problemas de saúde. Depois, tenho agendado escrever SPM 3778. Caso não te recordes, era o meu endereço na guerra. Manda-me a morada do blogue onde está o meu texto, por favor.

Recebe um abraço do Beja Santos


2. Respondi-lhe no dia seguinte nestes termos:


Camarada e amigo Beja Santos:

Fico contente por saber dos teus planos… Vou ficar à esperar do teu SPM 3778… Que Deus te proteja, como te protegeu na Guiné, e te dê saúde para escrever as tuas memórias… Eu também tenho coisas na calha… Sei que eras católico, eu não…

Quanto à minha memória, é capaz de não ser assim tão famosa… Na Guiné ia escrevendo o meu diário… Memória de elefante tem o Humberto Reis, mas tu sabes como nós somos selectivos… Por exemplo, eu invejava a tua discoteca de música clássica quando ia a Missirá; em contrapartida, só há tempos soube que alguns colegas teus, alferes milicianos, te chamavam o tigre de Missirá… Digo-te isto com ternura, até porque sempre admirei a tua relação com os teus homens… A idade, a maturidade e a distância permitem-nos estas (in)confidências: mas é também para isto que o nosso blogue serve…

O Mário Dias, um durão dos comandos de Brá (1963/66), acabou de escrever isto a teu respeito, e que é lindo: “Antes de mais, congratulo-me com o aparecimento de novos militares na nossa caserna. Sem desprimor para os restantes, quero saudar o Beja Santos cujo Presépio de Chicri me encantou e comoveu até às lágrimas. A idade tem destas coisas: torna-nos um pouco piegas. Ou será outra coisa? Estou em crer que as barreiras sentimentais que a nós próprios impomos enquanto novos, devido à nossa condição de machos, se esboroam com a idade".

(...) Estou a reunir material para construir uma página só dedicada aos destacamentos de Bambadinca: Missirá/Finete, Fá Mandinga, Ponte Rio Undunduma, Nhabijões… Se tiveres material fotográfico ou outro, a malta agradece… Os direitos de autor ficam sempre garantidos: o seu a seu dono... Num ano, já juntámos mais de 100 camaradas … e alguns amigos, não-combatentes, como o historiador Leopoldo Amadao, o jornalista Jorge Neto, ou o Pepito – Carlos Schwarz – mentor do Projecto Guileje, fundador e director da prestigiada ONG AD – Acção para o Desenvolvimento (estará cá de férias em Julho)…

3. Resposta do Beja Santos:

Meu caro Luís, mentir-te-ia se te dissesse que não me tocou profundamente a carta e os mais conteúdos. Fiquei petrificado a ver a Capela onde eu ia à missa. Assim nasceu o conto que te ofereço para o blogue. E agora pára de fazer chatagens sentimentais, obrigando-me a escrever através de novas revoadas de comoção.

Esta guerra é desinteressante para a geração dos nossos filhos, pois vem no nevoeiro de uma outra época terminal. Passará à moda na geração dos nossos netos. Por isso é que [acções] tão meritórias como aquela que estás a fazer merecem ser apoiadas. Faço Frequências na segunda e fica prometido que quando te telefonar terei à mão as fotografias que me pedes.

Atenção, que já há muita bibliografia sobre a nossa guerra. Por exemplo, o Freire Antunes escreveu dois volumes no Círculo de Leitores. Eu apareço no primeiro, com extracto do meu relatório da operação Rinoceronte Temível e o poema que o poeta Ruy Cinatti escreveu quando lhe mandei o relato que deu origem ao Presépio de Chicri. Recebe um abraço do Mário Beja Santos.


4. Acho que acabei de lhe fazer outra surpresa ao publicar a fotografia que mostra o estado em que ficou o Unimog 404, depois de accionar uma mina, quando o Beja Santos seguia de Finete para Missirá, no dia 15 de Outubro de 1969, por volta das 18h00... Era voz corrente que ele tinha a cabeça a prémio... Ele acaba de o confirmar no magnífico texto que é a carta ao Alcino Barbosa e a que chamou "mais um continho para o teu álbum de memórias" (vd. post anterior).

O Beja Santos não me levará a mal se eu lhe roubar a ideia do título de um dos seus próximos livros e passar a chamar às suas estórias, reais e ficcionadas, SMP 3778 ou estórias de Missirá...

Só uma ressalva: Mário, o blogue não é meu, é nosso... Ficamos honrados com a tua presença, a tua lucidez, a tua frontalidade, o teu talento, o teu testemunho, puro e duro... Como sabes, uma das nossas poucas regras, é o respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem)... Aqui, nesta caserna virtual, ninguém é juiz de ninguém... É a única maneira de falarmos, abertamente, sem ressentimentos, das nossas experiências como homens e como combatentes...

Obrigado também pelas publicações que me mandaste pelo correio. Com tempo, farei aqui uma breve recensão dos teus livros, para os nossos amigos e camaradas te conhecerem melhor... (LG)