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quarta-feira, 8 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21151: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Óio-Morés em 1963: o caso da queda do T6 FAP 1694 em 14 de outubro de 1963 (Jorge Araújo) - Parte I


Foto 1 - exemplo de um T-6 (matrícula 1688).
(com a devida vénia)



Foto 2 - exemplo de uma parelha (ou esquadrilha) de T-6 (matrículas: 1620 e 1661 …) In: http://riodosbonssinais.blogspot.com/2014/09/ 
( com a devida vénia)




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem cerca de 260 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS 'MATAS' DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS EM 1963
- O CASO DA QUEDA DO «T-6 FAP 1694» EM 14OUT63 -
PARTE I




Mapa da região do Óio-Morés com infografia da queda do «T-6 FAP 1694», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, ocorrida em 14Out1963. Identificam-se, com pontos a azul, três das bases existentes naquela região: Maqué, Fajonquito e Morés. Quartéis das NT mais próximos: Olossato e Mansabá.



1.   - INTRODUÇÃO

A quantidade de documentação histórica que continua em silêncio nos arquivos é de tal monta que será difícil, a cada um de nós, dela ter conhecimento e, quiçá, encontrar respostas às dúvidas que persistem… teimosamente!

É dessa teimosia, que se traduz em revisões continuadas do trabalho histórico, emergente da "pesquisa" e do seu estudo, que às vezes faz-se "luz", e, por acumulações de verdades parciais, conseguimos ir mais longe na objectividade histórica, pois esta deverá ser consistente.

Em novo regresso "às matas da região do Óio-Morés" (*),  o Lourenço Gomes e eu, através de «Memórias Cruzadas» de há cinquenta e sete anos, foi possível reconstruir uma parte do nosso «puzzle» da "guerra", que continua incompleto, mas ao qual lhe adicionamos mais algumas peças, retirando as que não encaixavam correctamente, como procuramos provar ao longo das duas partes em que foi dividida esta narrativa.    

2.   - VISITA A BASES DO NORTE DA GUINÉ: - MISSÃO ATRIBUÍDA A LOURENÇO GOMES, EM OUTUBRO DE 1963

Três meses depois da entrada dos primeiros grupos de guerrilheiros do PAIGC em território da Guiné – Frente Norte – para início da sua acção de guerrilha contra as forças militares portuguesas (europeias e do recrutamento local), Lourenço Gomes, o versátil operacional em território do Senegal, responsável pela "gestão" de problemas logísticos (recursos e informação) dos dois lados dessa fronteira, com particular relevância para os cuidados de saúde, onde se incluíam os primeiros socorros e transporte dos feridos em combate resgatados do interior, foi incumbido de realizar mais uma "missão", esta agendada para o período entre 08 e 18 de Outubro de 1963, cujo objectivo era o contacto com algumas das bases da Região do Óio-Morés.

Eis o que deixou escrito sobre esta sua "missão":

2.1 – RELATÓRIO (elaborado por Lourenço Gomes)

Dakar, 24 de Outubro de 1963 (data em que assinou o documento dactilografado)

Visita ao interior (Bases)

Parti de Samine (Senegal) no dia 8 deste mês (Outubro'63), (3.ª feira), para uma visita ao interior. Cheguei à base do camarada Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira; 1938-1974], no dia 09-10-63 (4.ª feira). 

Visitei três bases do Óio [Morés (Central), Fajonquito e Maqué; bases assinaladas a azul na infografia acima].

Pude fazer a visita das bases de dia sem qualquer perigo. Só causa aos camaradas um pouco de preocupação os aviões portugueses. Vi as armas que vieram e são muito boas. A moral dos camaradas é excelente. Estão animados de uma vontade extraordinária. Visitei todos os sítios onde foram abatidos os aviões portugueses. Contei 16 restos de aviões abatidos.

◙ No dia 14-10-63 (2.ª feira) = 

Na minha presença, os aviões portugueses tentaram atacar a base [Central do Morés] do Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira]. Os camaradas abateram três aviões inimigos [apenas um: o «T-6 FAP 1694», do Cap Pilav João Rebelo Valente]. 

Nós tivemos nove mortos e oito feridos. Esses feridos deviam ser transferidos comigo para Samine [no Senegal], mas tiveram que voltar para o Óio, porque os portugueses descobriram uma cambança por onde deveríamos passar e tentaram apanhar-nos nesse mesmo sítio.

# «MC» ▼ A informação do Lourenço Gomes, sobre os "três aviões abatidos no Morés", é extramente relevante para a historiografia militar relacionada com a "Guerra do Ultramar", em particular os "acidentes da aviação militar" no CTIGuiné.

De facto, em nome da verdade, não foram três os "aviões abatidos", como ele refere. Somente o «T-6, matrícula FAP 1694», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, caiu naquela região na data por ele indicada, e que se confirma.

Seria igualmente relevante saber se esta aeronave era a única que estava em "missão", naquele momento, ou se, porventura, fazia parte de uma parelha ou esquadrilha? uma vez que Lourenço Gomes refere-se a três unidades.

Já anteriormente esta ocorrência tinha merecido o meu interesse no seu aprofundamento, como, aliás, deixei expresso na narrativa publicada em 25 de Julho de 2019 – P20010 – a que dei o nome de «O T-6G FAP 1694 e o Cap Pilav João Rebelo Valente, desaparecido em 14/10/1963, na região do Óio-Morés».

O "mistério" ou o "conflito histórico" nascera da discrepância observada entre as fontes consultadas, em que, no primeiro caso, a causa foi consequência de "voo de experiência do avião, embatendo no solo ao fazer acrobacia a baixa altitude", conforme registo abaixo: 




No segundo caso, o acidente é descrito que a mesma aeronave "ao colidir com o solo após manobra acrobática, em Olossato, provocou a morte do Capitão Piloto aviador João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, facto que pode ser comprovado com a informação seguinte:



A recuperação das duas imagens, que se apresentam abaixo, servem para testemunhar que a aeronave «T-6 FAP 1694» se despenhou na região do Óio e, segundo Pedro Pires (1934-), "muito próximo da base [Central] do Osvaldo Vieira, perto da tabanca de Morés".

Perante a violência das imagens observadas ao estado em que ficou a aeronave, onde só se vêm ferros retorcidos, é aceitável considerar-se que durante o movimento da queda ou após o seu embate com o solo, o avião se tenha incendiado, e o corpo do piloto carbonizado.

Mesmo tratando-se de fotos "preto e branco", fica-se com a sensação de que o capim e as folhas das árvores se encontram queimadas. É que estas imagens não foram registadas no dia do acidente, mas sim algum tempo depois… certamente!




Foto 3 - Citação: (1963) "Lay Sek junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: 



Foto 4 - Citação: (1963) "População junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: 

Quanto aos nove mortos contabilizados por efeito do bombardeamento, referidos por Lourenço Gomes, este mesmo acontecimento volta a ser abordado por Osvaldo Vieira, no documento que enviou do Óio ao Secretário-Geral, em 10 de Novembro de 1963, relatando: "no dia 14 do mês de Outubro'63 sofremos um bombardeamento na base onde perdemos 13 [treze] camaradas entre eles o 1.º responsável das mulheres do Morés, de nome Joncon Seidi", o que difere dos números avançados por Lourenço Gomes.



Ainda no que concerne a este episódio, nomeadamente em relação às mortes registadas, Amílcar Cabral (1924-1973), em carta dirigida, de Conacri, a Osvaldo Vieira, datada de 31 de Dezembro de 1963, destaca um nome – o de Joncon Seidi.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36712, com a devida vénia.

Medicamentos no interior = 

O camarada [enfermeiro] Tiago Lopes já não dispõe de mais medicamentos. Há dias tive de comprar 30.000 francos de medicamentos para o interior. Precisamos de ter em conta que hoje muita gente não pode ir à consulta dos portugueses. Todas as crianças doentes vão ver o Tiago Lopes. 

Gasta-se muito medicamento. Os feridos menos graves têm sido tratados pelo Tiago Lopes. Só têm saído os feridos graves. Hoje necessitamos de muitos medicamentos.

Material de Guerra = 

Segue o camarada Chico Té [Francisco Mendes; 1939-1978], que há-de fazer um relatório completo sobre o que foi discutido e decidido.

Despesas = 

Recebi os cem mil francos pelo Pedro Pires. Esse dinheiro é pouco. Hoje, se não gastamos com a alimentação de camaradas, temos que gastar muito com os feridos. Tenho de comprar medicamentos para mandarmos para o interior e de pagar todos os tratamentos feitos no Hospital de Ziguinchor. O transporte dos feridos são pagos por mim. Há dias gastei 20 mil francos por duas viagens com feridos. 

No Hospital de Ziguinchor temos de pagar tudo. A alimentação dos doentes também é paga. Pago à Carmem 30.000 francos por mês para alimentação dos doentes. Só por esses dados podem ver as despesas que fazemos. Temos de comprar até as ligaduras.

Com os camaradas do interior também temos despesas: compro óleo para as armas, sal, etc.. Tenho comigo uma lista de artigos de necessidade urgente que tenho de mandar, quando voltar a Samine. Peço que avaliem qual é a nossa despesa, hoje, no Norte. Preciso que enviem mais 200 mil francos para despesas até ao fim do mês de Novembro'63. Mas tem de ser urgente, porque estou à espera dos oito feridos do interior e nessa altura terei catorze feridos em Ziguinchor. 

Se vocês não me mandarem a quantia pedida, estou a ver que terei de ir a Conacri para discutir convosco a questão das despesas e arrumar as contas com o Aristides Pereira [1923-2011]. Nestas condições, sairei de Dakar no dia 08 de Novembro'63. Conto que vocês saberão compreender as nossas necessidades actuais e terei a quantia pedida dentro de pouco tempo.

Viatura = 

Novamente tenho de vos falar da questão de uma viatura. Torna-se necessário ter-se uma viatura para transporte dos feridos. Como vocês sabem, Samine é uma vila muito pequena e muitas vezes não há carro nenhum de aluguer aí. Também as despesas de transporte são grandes por isso insisto nesta questão da viatura.

Refugiados Portugueses = 

Vieram de Bissau dois militares portugueses, enviados pelo camarada Zain Lopes [Rafael Barbosa]. Foram conduzidos até à base do Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira] por um camarada do Partido [Biagué]. Tratam-se do alferes miliciano Fernandes Vaz [subtenente Manuel José Fernandes Vaz] e do sargento miliciano Fernando Fontes [ambos militares da marinha].

Quando chegaram a Ziguinchor foram presos pela Polícia de Sureté [Segurança] senegalesa e transferidos para Dakar. Também estive preso com eles em Ziguinchor durante três dias e transferido para Dakar. Em Dakar fui posto em liberdade. 

Os camaradas portugueses encontram-se ainda na polícia a fim de prestarem declarações. A minha prisão em Ziguinchor foi motivada mais pelas intrigas do 'Ndjai Bá, que tive que expulsar do Comité de Ziguinchor porque estava pedindo dinheiro em nome do Partido.

# «MC» ▼ 

Os dois desertores da marinha portuguesa, acima identificados, por terem entrado em território do Senegal, foram detidos pela Polícia de Fronteira e levados para Ziguinchor, onde permaneceram em cativeiro durante três dias. Seguiu-se a sua transferência para Dakar, a fim de concluírem o processo de interrogatório. Após serem postos em liberdade, tomaram a iniciativa de escrever uma carta de agradecimento a Amílcar Cabral, pelo apoio prestado, de cujo conteúdo reproduzimos a parte que segue:



Citação: (1963), Sem título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, 

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36581, com a devida vénia.

Fico aguardando ou a vossa resposta urgente ou a minha partida para Conacri.
Dakar, 24 de Outubro de 1963.
Lourenço Gomes.



Citação: (1963), "Relatório sobre a visita de Lourenço Gomes à região de Óio", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41412, com a devida vénia.
Continua…
► Fontes consultadas:

Ø  CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07075.147.046. Título: Relatório sobre a visita de Lourenço Gomes à região do Óio. Assunto: Relatório assinado por Lourenço Gomes sobre a sua visita ao interior, região de Óio. Visita aos locais onde foram abatidos os aviões portugueses; ataque à base de Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira]. Necessidade de medicamentos no interior. Material de Guerra. Despesas. Viatura para transporte dos feridos. Envio dos militares portuguesas, Fernandes Vaz e Fernando Fortes, para a base de Abel Djassi. Em anexo documento assinado por Pedro Pires, datado de 21 de Outubro de 1963, com as informações colhidas das declarações de Biagué. Data: Quinta, 24 de Outubro de 1963. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04JUL2020

_______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 2 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21130: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - II (e última) Parte

sábado, 23 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21000: PAIGC - Quem foi quem (13): Areolino Cruz, professor do ensino primário, que alegadamente terá perdido a vida ao tentar salvar os seus alunos durante um bombardeamento, em Cubucaré, em 17 de fevereiro de 1964 (Cherno Baldé / Jorge Araújo)


Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 07065.084.016 > Título: Requisição de material de ensino > Assunto: Requisição de material de ensino, assinada por Areolino Cruz, para a zona Sul > Data: Quarta, 22 de Julho de 1964
Citação:
(1964), "Requisição de material de ensino", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40014 (2020-5-22)

1. Troca de comentários ao poste P20994 (*);

(i) Cherno Baldé:

Estas cartas mostram, se dúvidas existissem, quão difícil foi iniciar a luta na zona Leste, pois eles (os guerrilheiros) estavam mais aterrorizados do que as populações civis a quem deviam aterrorizer e meter medo: tinham que passar todo o tempo escondidos no mato, porque se fossem detectados pela população eram presos e apresentados as autoridades coloniais.

As cartas sobre o ataque a Pirada e sabotagens [pontes, linhas telefónicas,,,], provavelmente, nada seriam do que um "bluff", para mostrar, à direcçao superior do partido, alguma acção no terreno, porque na verdade tinham imensas dificuldades de movimentaçao e abastecimentos e não podiam contar com o apoio da população local.

Esta situação de desespero criou no partido o sentimento anti-fula que resultou depois no genocídio dos líderes desta etnia no pós-independência.

O Areolino Cruz é hoje  considerado herói nacional [, tem nome de rua em Bissau e nome de liceu regional/escola secundária em Catió].

Desse grupo de guerrilheiros, penso que só Chico Té [ , Francisco Mendes,]  assistiu à independência em 1974.

O Areolino Cruz foi professor numa escola da região de Cubucaré (no Sul do país) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964, dia festejado na Guiné Bissau como o dia do Professor em homenagem à sua morte.

Quanto ao Yaya Koté, a grafia do seu nome indica que é natural ou naturalizado no Senegal, podendo ser descendente de pais de origem Guineense, pois a grafia portuguesa na Guiné portuguesa seria Iaia Coté, portanto diferente. Seria daqueles aventureiros que se juntaram ao movimento,  contando com a rápida independência do território, mas que depois se afastaram em virtude das dificuldades encontradas no terreno...Fazia de elo de ligação com os elementos de Dakar, facto que confirma a sua facilidade de movimentos no Senegal.

Quanto ao tal Demba... Não se trata do mesmo Demba, criado do [comerciante de Pirada,] Mário Soares, este ninguém o tirava da mesa do M. Soares, muito menos para ir morrer de fome no mato. Se calhar morreu depois da partida do patrão em 1974/75.

O Demba mencionado na carta, fazia parte do grupo dos poucos fulas que, no início, o PAIGC conseguira mobilizar para a guerrilha no Senegal, mas que, de seguida, abandonariam o barco devido às dificuldades e à feroz perseguição de que foram alvo no Chão fula.

(ii) Luís Graça:

Estes documentos de 1963 são bem elucidativos das tremendas dificuldades por que passou a guerrilha do PAIGC no chão fula, em especial no Gabu... Pirada (e não só) era um sítio hostil...Já em Bambadinca e Xime havia importantes núcleos balantas... como Nhabijões, Samba Silate, Poindom...


(iii) Cherno Baldé:

Contrariamente ao que se possa pensar, em Bambadinca e Xime a semente da rebelião não estava na população Balanta (vítima do seu caracter rebelde e belicoso), mas sobretudo entre os ponteiros mestiços e assimilados (Guinéus e Caboverdianos) das familias dos Semedos e Pereiras que detinham grandes extensões de terras agrícolas e que utilizavam os Balantas como mão de obra nas suas pontas (as tais pontas do Inglês, entre outras). 

No inicio as autoridades militares não conseguindo fazer uma leitura correcta da situação, perseguiram e massacraram muitos inocentes apanhados no meio e assim conseguiram empurrá-los para o lado da guerrilha.

(iv) Jorge Araújo:

Caro Cherno Baldé: Antes de mais, os meus agradecimentos pelas informações complementares ao meu texto acima. São sempre achegas oportunas e relevantes, que ajudam à compreensão do(s) contexto(s)

[...) Quanto ao assunto relacionado com a morte do Areolino Cruz (e não Aerolindo):

Referes que "foi professor numa escola da região de Cubucaré (Sul do país) onde morreu durante um bombardeamento no dia 17 de Fevereiro de 1964 [último dia do I Congresso do PAIGC], dia festejado na Guiné-Bissau como o dia do Professor em homenagem à sua morte”.

Porém, em consulta aos meus apontamentos, verifico que em 17 de Junho de 1964, ou seja, quatro meses depois, Amílcar Cabral manda-o apresentar ao Nino Vieira, com uma guia de marcha, onde consta:

“Vai o camarada Areolino Cruz apresentar-se ao camarada João Bernardino Vieira (Nino) na zona 11, para ser integrado nos serviços de instrução (ensino) no chão dos Nalus.

"O camarada Areolino Cruz, que era estudante e tomou parte activa no complô contra o Partido, está sujeito a uma sanção suspensa de expulsão do Partido. Por isso, não tem quaisquer direitos de membro do Partido e deve ser rigorosamente controlado pelos responsáveis. Deve ser enviado um relatório mensal sobre a sua conduta, ao Secretário-Geral.”

Fonte: Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40246

Será que se trata da mesma pessoa?

(v) Luís Graça:

Mito ou não, o Areolino Cruz é descrito, na “hagiografia” do PAIGC, como um professor que perdeu a vida ao tentar salvar os seus alunos durante o bombardeamento de Cubucaré, no dia 17 de Fevereiro de 1964...

É um dos heróis nacionais, "combatente da liberdade da Pátria"... E os guineenses, como todos os povos, "precisam de heróis". de exemplos inspiradores... Tem nome de ruas, de estabelecimemtos de ensino, etc.

Mas o que passou realmente com este Areolino ?

Também já tinha dado conta, no Arquivo Amílcar Cabral, do "anacronismo" apontado pelo Jorge Araújo... Ele morre, estranhamente, no último dia do Congresso de Cassacá, no Cubucaré, em 17/2/1964... E em 17 de junho do mesmo ano, Amílcar Cabral manda-o, de castigo, com "guia de marcha",  para o sul, para ser "reeducado" pelo 'Nino' Vieira ?  Afinal, onde é que ele estava ?

Pode ser um erro de dactilografia, um erro no ano... Mas podia ser 17/6/1963 ? Nessa altura está em Pirada e é co-autor da carta de 10 de julho de 1963, transcrita pelo Jorge Araújo...

Já agora, de que chão seria o Areolino Cruz ? Manjaco ?

No portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, encontrámos o seguinte documento, da época colonial (1933), que faz parte hoje do arquivo do INEP / Bissau, e que fala de um "arrolador" (recenseador) de nome Areolino Cruz, talvez um antepassado do homónino, combatente do PAIGC... Pai ? Avô ? Bisavô ?.

Instituição:
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau
Pasta: 10426.215
Assunto: Solicita envio dos elementos do arrolador Areolino Cruz.
Remetente: António Pereira Cardoso, 1.º oficial, Direcção dos Serviços e Negócios Indígenas
Destinatário: Administrador da Circunscrição Civil de Canchungo
Data: Sexta, 3 de Novembro de 1933
Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas
Tipo Documental: Correspondencia
Cota Original: C1.6/13.215

http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10426.215

(vi) Cherno Baldé:

Caro Jorge Araujo,

Pode haver algum problema com a data oficial da sua morte em Cubucaré, que não sei explicar, é bem provavel que tenha sido um ano depois, em 1965.

De notar que, alguns meses depois da sua passagem por Pirada e arredores,  documentada pelas cartas publicadas neste Poste (*), o Areolino (Lopes) da Cruz seria enviado à URSS para continuar seus estudos e em finais de 1963 (Setembro e Outubro) ele escreve aos irmãos Cabral (Luís e Amílcar) da cidade de Leninegrado onde estava a frequentar a Faculdade preparatória da lígua Russa. Todavia, sabe-se que depois houve problemas no seio dos estudantes sobre questões políticas, nomeadamente sobre a difícil questão da luta no interior e sobre a unidade Guiné/Cabo-Verde. (Fonet: Arquivo da Casa Comum)

Tudo leva a pensar que se trata do mesmo individuo que, infelizmente, terão mandado regressar e transferido para uma escola do Sul, na zona 11, como referiste na nota, para ser cuidadosamente observado, tipico dos métodos estalinistas usados pelo PAIGC durante e apás a luta.

(vii) Jorge Araújo:

Caro Cherno Baldé,

Obrigado pelas notas supra. Algumas delas já estavam incluídas nos meus apontamentos, pois fazem parte do espólio documental do Arquivo de Amílcar Cabral, disponível na Casa Comum, onde a sua consulta é pública.

Perante a ausência de informações concretas, sobre as questões em aberto, significa que este dossiê não ficará fechado, aguardando por novos/outros desenvolvimentos. Até breve.

(viii) Luís Graça;

No livro de Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita" (Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp) (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11), há uma informação detalhada sobre "guerrilheiros caídos no campo da honra" (Parte V). São duas dezenas, entre eles o Areolino Cruz.

Diz Bobo Keita,  na pág. 242:

 (...)"pertencia a uma família bem conhecida em Bissau. Indivíduo bastante instruído, foi para a luta e o seu desejo foi sempre o de trabalhar no domínio da educação. Era responsável pelo setor de educação no Sul (...). Ocupava-se do enquadramento e da educação dos jovens na escola primária. Morreu durante um ataque inimigo apoiado pela aviação. Foi violento".

Não diz o o local e a data da sua morte. (**)
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)



Foto 1: Pirada, Maio de 1945. Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.

Citação: (s.d.), "Visita oficial do Governador Sarmento Rodrigues à Guiné - inauguração de um monumento a [Manuel Maria] Sarmento Rodrigues [1899-1979], Pirada. Maio de 1945.", Fundação Mário Soares / INEP-CEGP-MGP, 
Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_10635 (Autor desconhecido), com a devida vénia.


Foto 2: Vista aérea de Pirada em Agosto de 1972. Foto de António Martins de Matos – P20867, com a devida vénia.


Mapa da Zona Leste, com a indicação de algumas localidades onde estavam estacionadas as unidades de quadrícula atribuídas ao Comando do BCAÇ 238 (1961/63).




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873
 (Xime e Mansambo, 1972/1974); professor de eduxção física, 
docente do ensino superiro; nosso coeditor, autor da série "(D)o outro kado do combate"; régulo da Tabanca dos Emiratos,



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE:
O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963:   
 EM BUSCA DAS "PEÇAS" DO PUZZLE 

1.   - INTRODUÇÃO

A publicação das últimas narrativas relacionadas com o comerciante Mário Soares, de Pirada, suscitaram-me um particular interesse, neste tempo de confinamento prolongado, devido à pandemia de COVID-19.. Encontrei em todas elas "assunto", mais do que suficiente, para aprofundar todas as dúvidas e interrogações emergentes em cada uma delas, particularmente a partir das "pontas" ou dos "pontos" que o camarada Luís Graça deixou em aberto.

Desde logo o P20927 abriu o caminho sobre o caso do "ataque a Pirada em 28/5/1965". No P20867, síntese do P4879: «Gavetas da Memória», série de episódios da autoria de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66, a questão principal era: "Pirada, naquela época, resumia-se a uma rua de terra batida que tinha a meio uma espécie de praceta, com um pequenino monumento [?] e tudo". 

Que monumento seria esse? Pois é o que se indica na foto 1, inaugurado em Maio de 1945. Finalmente, o P20927, o último desta série até á data, coloca-nos em frente de uma nova "picada", agora em direcção ao "ataque a Pirada em 15 de Julho de 1963" de que resultou (está escrito) a morte de 1 soldado europeu" (?).

É sobre esta "peça" da história que trata este fragmento.  

2.   - SUBSÍDIO HISTÓRICO MILITAR DA ZONA LESTE, COM DESTAQUE PARA PIRADA

Ao Batalhão de Caçadores 238 [BCAÇ 238], mobilizado pelo BC 8, de Elvas, foi-lhe atribuída a responsabilidade da Zona Leste, com fronteira com o Senegal e a Guiné-Conacri, e para oriente da linha Cambajú-Xime-Rio Corubal, após a sua chegada a Bissau, em 06 de Julho de 1961, 5.ª feira, sob o Comando reduzido do Major Inf José Augusto de Sá Cardoso.

Em 19Jul61, esta Unidade assumiu a responsabilidade da referida zona de acção, com sede em Bafatá, comandando e coordenando a actividade das companhias estacionadas em Nova Lamego (CCAÇ 90) e Bafatá (CCAÇ 84) e pelotões de reforço, cujos efectivos se encontravam disseminados por Contuboel, Piche e sucessivamente, a partir de 16Ago61, por Pirada [3.ª CCaç (RL) e 1 Sec/CCAÇ 84], Buruntuma [2 Sec/CCAÇ 84], Canhamina, Sare Bacar, Paunca, Bajocunda, Canquelifá, Enxalé, Bambadinca e Saltinho.

2.1   - INÍCIO DAS ACTIVIDADES SUBVERSIVAS NA REGIÃO DE PIRADA

Segundo a literatura Oficial, em particular o livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974); Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; "as actividades subversivas, atribuídas ao PAIGC, tiveram início no final de Junho com diversas sabotagens na região de Pirada-Sonaco".

3.   - O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963 - DOCUMENTOS ANALISADOS

Ainda que não tenha obtido registos de prova, quanto ao modo como decorreu o ataque a Pirada e suas consequências, mesmo que ele tenha sido executado, é possível garantir que não produziu quaisquer baixas nas NT, quer sejam de origem africana ou europeia.
Para melhor análise e interpretação do seu valor factual, damos conta abaixo, por ordem cronológica, dos diferentes conteúdos reportados à correspondência trocada entre remetentes e destinatários, conforme se indica no quadro.



3.1   - PIRADA, 09 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NOME DE GUERRA DE NORBERTO ALVES]

Pirada, 9 de Julho de 1963 (3.ª feira) – (tradução do francês)
Caro camarada Yaya Koté.

Gostava que esta carta chegue pelo menos a tempo, encontrando-o com saúde, assim como os outros camaradas. O objectivo da carta é informar que dois dos nossos guerrilheiros abandonaram a luta por falta de resistência necessária aos desempenhos físicos e morais da luta, de acordo com os seus próprios testemunhos. Eles vão-lhe contar tudo minuciosamente. Por outro lado, fizemos uma boa viagem e começámos hoje os actos de sabotagem, para depois iniciarmos a luta armada. Esta será em breve!

Com os meus melhores cumprimentos, termino com muita amizade por ti. Saúde. Kanfrandi Ká - Norberto Alves.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36861

3.2   - PIRADA, 10 DE JULHO DE 1963; ASSINAM: AREOLINO CRUZ E KANFRANDI KÁ

Pirada, 10 / Julho de 1963 (4.ª feira)

Caro [Pedro] Pires.

Saúde em primeiro lugar e acima de tudo. Nós vamos indo bem graças a Deus. O portador desta carta é um camarada que se encontra doente talvez por causa da frieza. Ele costuma ter dores na região lombar (?). É preciso tratá-lo bem para que ele possa voltar depressa porque é um elemento precioso para a nossa zona e é adjunto do nosso responsável. Ontem quando voltámos da sabotagem que fomos fazer em Pirada ele foi atacado fortemente por tal doença que só muito dificilmente pôde marchar em braços. Fomos obrigados a sair do mato essa noite e entregá-lo numa tabanca vizinha pois que chovia torrencialmente e ele não podia de modo nenhum estar exposto à intempérie.

Tentámos fazer explodir a ponte do rio Bidigor, entre Pirada e Bafatá, metemos na acção 700 g de plástico mas da explosão só resultou um buraco na dita ponte. É uma ponte bastante resistente. Cortámos os fios telefónicos numa distância de quase 300 metros. Na região de Pirada é difícil de trabalhar, pois que não foi mobilizada; nela só há um responsável (?) mas ele tem medo de contactar connosco e até de nos alimentar. Passamos dias seguidos sem comer e por isso dois fulas que vieram connosco recusaram a continuar. Precisamos de dinheiro para a alimentação, precisamos de explosivos TNT e balas de calibre 7,75.

Após a sabotagem os fulas da região [3.ª CCAÇ] mobilizaram-se e entraram para o mato à nossa procura. O Borges pode melhor contar-te a situação. Diz ao senhor Bebiano que o Kouko já chegou e foi cá recebido com grande entusiasmo. A escassez de explosivos deixa-nos uma falta terrível.

P.S. - Espero que não te esqueças de me enviar as botas de lona e as calças americanas. O responsável quer também 1 par de calças. Para mim manda-me o cobertor do Caetano que ele não vem agora.

Sempre esperando, Areolino Cruz e Kanfrandi Ká (Norberto Alves)  



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36865.

3.3   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo) – (tradução do francês)

Caro irmão e companheiro de luta Yaya Koté.

Neste momento decisivo da história de nosso povo, onde surgem dificuldades de todos os lados, a acção de cada um de nós é essencial para o triunfo, pois os nossos companheiros já derramaram o seu sangue.

Na última carta que lhe enviei, destaquei as dificuldades que nos cercam, mas até agora não nos conseguimos livrar delas ou, pelo contrário, estão aumentando dia-a-dia. Para isso, é necessário partir sem demora para Dakar para entrar em contacto com a Direcção, expondo concretamente a nossa situação a fim de estudarmos juntos e decidirmos como nos livrar desse impasse. Irmão deve deixar tudo para cumprir esta missão, que é tão importante, caso contrário tudo estará condenado ao fracasso.

Em anexo está uma carta em português para ser entregue à Direcção. Ela transmite tudo o que precisamos aqui e ainda a nossa situação concreta.

Devemos adverti-los de que, para atender às necessidades urgentes no campo de equipamentos, já enviei 40 jovens a Koundara para receber os equipamentos para a região. O seu irmão para sempre - Chico Té [Francisco Mendes]



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36869.

3.4   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo)

Ao Secretariado-geral – Bureau de Dakar

Boa saúde. Nós por cá estamos todos bons apesar de estarmos rodeados de dificuldades que tentamos transpor para o triunfo urgente da nossa causa.

Essas dificuldades são as seguintes: devido à grande pressão em que se encontra o povo desta região, a fome coloca-se em primeiro lugar, porque sem alimentação um combatente não pode pegar em armas para fazer combate. Encontramos nesta situação desastrosa. Desde que entrámos no país sentimos falta de alimentação o que obrigou à deserção de vários camaradas fulas. A fome é tão maior que não podemos fazer nenhum combate e resolvemos unicamente defender a nossa pessoa contra os ataques dos colonialistas e dos régulos fulas. Na fronteira a cotização rareia devido à situação económica dos militantes.

A outra dificuldade é a falta de munições que no princípio não era suficiente porque para cada metra só havia munições para os carregadores.

Os medicamentos que alistei na presença do camarada Bebiano e que ele prometeu que desde que chegasse a Dakar faria todo o possível para que cheguem às nossas mãos, tal não aconteceu. A decisão dele era simplesmente para se desembaraçar de nós. Há camaradas que saiem por falta de comprimidos para febre ou outra crise parecida.

O Yaya Koté exporá tudo quanto nos é preciso aqui pois a fome não me deixa prolongar a carta. Até breve. Chico Té.

Para responder às necessidades da luta já enviei 40 jovens para Koundara com o fim de receber material para a Região porque estamos num momento difícil para nós. O camarada Koté explicará tudo. Chico Té. 



  
Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36873.

3.5   - PIRADA, 15 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Comunicado

Na madrugada do dia 15 de Julho de 1963, 2.ª feira, um grupo de guerrilheiros do nosso Partido, comandados pelo camarada Kanfrandi Ká, atacou por força o quartel de Pirada. Do ataque resultou da parte inimiga um morto. Não puderam os guerrilheiros apoderar-se da arma do inimigo morto por aquele se encontrar nas traseiras do quartel que é rodeado de arame farpado. Kanfrandi Ká (Norberto Alves)



Citação: (1963), "Comunicado [Região 4]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40527.

3.6   - PIRADA, 17 DE JULHO DE 1963; ASSINA: AREOLINDO CRUZ

Pirada, 17 / 7 / 63 (4.ª feira)
Caro [Pedro] Pires~

Saúde é o que te desejo. Nós vamos indo menos mal. Há dias escrevi-te uma carta tendo por portador um camarada doente, o Borges.

Já não vale a pena enviares as minhas correspondências pois que elas podem extraviar-se. Terei alguma carta do Fernando? Não estará ele já em África?

Na madrugada de 15 deste mês [Julho], 2.ª feira, fizemos um ataque ao quartel de Pirada e incendiamos a casa de um tipo da Pide. Morreu 1 soldado europeu. Os soldados têm agora medo de sair à noite e mesmo depois das 6 da tarde. Formaremos de agora em diante um só grupo comandado pelo Chico Té [Francisco Mendes] com aproximadamente 22 homens. Com saudações imensas, Areolind
o Cruz-

Cumprimentos ao Paulo, Caetano, José Araújo, e Bebiano. Quando o Borges tiver de voltar, dá-lhe o que tiveres para mim. Obrigado.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36881.

3.7   - PAUNCA, 20 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Paunca, 20 / 7 / 63 (sábado)

Camarada Yaya Koté

Desejo-te saúde e felicidades em companhia de todos.

Comunico-te que o Chico Té [Francisco Mendes] está mal, 10 dias sem comer e não sabemos o paradeiro dele, chegou cá o Umaro, onde ele informou o estado dele. Ele teve que vir à frente, porque ele confessou que não podia resistir, e alguns dos camaradas fugiram. Comunico-te que dos meus camaradas alguns desistiram e alguns doentes.

Tive que vir colaborar com o Domingos, que é para trabalhar melhor, é único plano.
Comunico-vos que de facto o camarada Pulo desistiu da luta, onde que ele disse que não podia aguentar a maçada do mato, fui informado mesmo pelos militantes do Domingos e alguns responsáveis. Dos meus camaradas são 3 doentes e dois que desistiram. Vocês que arranjem dinheiro para nós de alimentação e para mandar ao Chico Té e mandar uma pessoa à sua procura.

Manda dinheiro urgente, estamos mal, não temos apoio do povo principalmente em Pirada, passamos 5 dias sem comer.

Tive que procurar o camarada Domingos, o Demba [será o criado do Mário Soares, P20904?) e o Cruz, foram para Açadung (?) porque eles estão doentes.

Comunico-te que o camarada Umaro chegou fraco. Veja se arranja um montiador [caçador] que conheça bem o mato para ir à procura do Chico Té, porque ele não pode ficar a padecer dentro do mato.

Diga ao Bebiano que nós aqui estamos no meio de dois inimigos: Colonialistas e fulas. Estamos com faltas de munições e da alimentação. À noite quando fizemos emboscada para Colonialistas, de dia os fulas também fizeram as suas emboscadas contra nós. Manda procurar o Chico no mato na área de Contuboel na Tabanca Sama.

Sou, Canfrandim Cá.




Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36885, co m a devida vénia.

► Em resumo:

1.    Em função da análise documental, não é possível confirmar a execução do ataque ao quartel de Pirada, no dia 15 de Julho de 1963 [informação de Kanfrandi Ká (Norberto Alves), simultaneamente autor do comunicado e comandante do ataque].

2.    Quanto ao incêndio provocado na casa de um elemento da PIDE, em Pirada, na sequência do ataque indicado no ponto anterior, e referido por Areolindo Cruz na carta enviada a Pedro Pires dois dias depois, também não foi possível confirmar. Não se entende, porém, como é que o comandante da missão se tenha "esquecido" de o mencionar no seu comunicado.

3.    Há "peças" que não encaixam neste "puzzle".

► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04MAI2020
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