Mostrar mensagens com a etiqueta G3. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta G3. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 19 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8572: Blogpoesia (153): Na Guiné, com a minha bajuda (Albino Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2011:

Bom dia Carlos Vinhal
Neste inicio de uma nova semana, creio que estou a começar bem. Depois de vários temas de que já falei, faltava-me falar da minha badjuda e excelente companheira, enquanto estive na Guiné.
Sim porque isto de badjudas só mesmo na Guiné, e a minha foi bem estimada, nunca a troquei por outra, senão vejam.

Abraços para toda a Tabanca Grande, e ainda para quem a visita e faz dela seu jornal, tal como eu.
Albino Silva.

____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Julho de 2011 > Guiné 63/71 - P8562: Em busca de... (171): Doutores José Luís Pinto Bessa de Melo e Jaime Francisco da Cruz Maurício, CAOP 1, 1968 e 1969 (Albino Silva)

Vd. último poste da série de 18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8566: Blogpoesia (152): Uma parte de nós ficou para sempre lá (Juvenal Amado)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7579: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (6): Evocando a G3...., em dia de aniversário da nossa amiga Cristina ! (Luís Graça)









Fotos: © Jacinto Cristina (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




Continuação da publicação do álbum fotográfico de Jacinto Cristina (Sold At Inf, CCAÇ 3546, 1972/74) [, foto à esquerda] (*).

Recorde-se a história de vida (civil e militar) do nosso Jacinto Cristina:

(i) Natural de Ferreira do Alentejo, hoje com 61 anos, é industrial de panificação em Figueira de Cavaleiros;

(ii) Fez a recruta no RI 14, em Viseu, e a especialidade no RI 2, Abrantes;

(iii) Casado (com a Goretti) e já com uma filha (a Cristina), foi mobilizado para a Guiné, como Sold At Inf, da CCAÇ 3546 / BCAÇ 3883 (Piche);

(iv) O comandante da CCAÇ 3546 era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira;

(v) As outras companhias do BCAÇ 3883 era a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche) e a CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche);

(vi) O Cristina esteve na Guiné entre Março de 1972 e Junho de 1974;

 (vii) Esteve no destacamento de Ponte de Caium, na estrada entre Piche e Buruntuma, cerca de 14 meses (Fevereiro de 1973 / Abril de 1974), onde foi municiador do morteiro 10,7 e padeiro.


As fotos que acima publicamos, de verdadeira declaração de amor à G3 e demais acessórios de qualquer atirador de infantaria (cinturão com 4 cartucheiras, com 20 munições cada, de calibre 7,62; baioneta;  cantil; faca de mato; granada ofensiva e defensiva...) devem constar em milhares de álbuns de camaradas nossos que passaram pelo TO da Guiné e que tratavam  religiosamente o seu  álbum fotográfico... Devem-se ter vendido milhares de fotos destas. Nunca tive álbum fotográfico, nem  mandei, para a metrópole, nenhuma foto destas... Nem sei se a malta mandava fotos destas, pelo correio, às namoradas, madrinhas de guerra, irmãs, mães, amigas... Aqui a G3 aparece como um verdadeiro fétiche, um talismã, um escudo protector, uma companheira inseparável: andámos juntos, fomos unha com carne na Guiné,  amei-te muito, devo-te a vida, jamais te esquecerei... Em termos físicos, simbólicos, psicológicos e até culturais, a G3 é, antes de mais uma figura feminina,  uma arma de defesa;  é uma amante, mas também uma mãe: não sei se a interpretação... algo freudiana, é abusiva; para outros combatentes, poderia ser vista também sob uma perspectiva mais falocrática: uma extensão do nosso corpo, a nossa "canhota", o nosso pénis mortífero...


Não sei se o Jacinto fez muito uso dela, da G3, no destacamento da ponte Caium; deve ter lançado, sobretudo, granadas de morteiro em resposta aos ataques e flagelações a que o destacamento foi sujeito (terão sido apenas dois ou três no tempo em que lá esteve, segundo me confessou)...

Prefiro, em qualquer dos casos, inclinar-me para a analogia da G3 com a mulher... A razão é simples: ele dormia com o retrato das duas mulheres da sua vida, a esposa Goretti e a filhota Cristina...

A minha amiga Cristina, hoje engenheira e empresária, vive na Madeira, é casada com o meu amigo Rui Silva... E hoie faz anos... Já tinha   dois aninhos quando o pai foi parar a Piche e à ponte Caium...
Querida Cristina, que estas fotos "roubadas" ao álbum fotográfico do teu pai (que tu representas aqui no nosso blogue, já que ele não tem computador nem e-mail nem essas modernices...), te ajudem a matar as saudades da terra (e da casa paterna), a encurtar as distâncias, a abrilhantar a tua festa... Daqui te envio muitos beijinhos de parabéns, em meu nome pessoal, mas também de todos os amigos e camaradas do teu pai Jacinto, representados na nossa Tabanca Grande.  Como costumamos dizer, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são...  Um beijo filial do editor-em-chefe... LG

PS - Pessoal: Um xicoração para o Rui, e muitos beijinhos para a nossa "princesa", a tua filhota... (Cá em casa já cantámos hoje, em conjunto os "parabéns a você", em tua honra, nós, os quatro, que temos o privilégio  de sermos amigos teus e do Rui: eu, a Alice, o João e a Joana; o espumante  fica para se abrir num próximo encontro, certamente breve, em Alfragide, em Figueira de Cavaleiros ou até no Funchal).

_____________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 15 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7438: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (5): Canquelifá, a ferro e fogo, 18 de Março de 1974

sábado, 27 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7349: Kalashnikovmania (6): Eu tive três amores, a G3, a HK21 e AK47 (J. Casimiro Carvalho)

1. Comentário do J. Casimiro Carvalho ao poste P7334:

Ó Torcato e Graça :

Ele há coisas que não têm explicação.

Uma delas  são as armas.
Eu, em Lamego, adorava a G3.
Na Guiné adorava a HK 21 
e falava com ela
e ela compreendia-me,
pois eu conhecia.
Comigo a gaja não encravava.

Posteriormente, já em Gadamael, 
apaixonei-me por aquela outra gaja, a AK 47.
E foi amor duradouro, caramba,
mas a gaja era mesmo boa,
que me perdoe a minha querida G3, 
pois não sou gajo de  traições.

Portanto, temos três gajas,
todas elas boas,
com as suas particularidades,
convenhamos.
Como as mulheres, né ?!

Um abraço deste vosso camarigo,
J. Carvalho







O José Casimiro Carvalho foi Fur Mil Op Esp da CCAV 8350, Piratas de Guileje, e da CCAÇ 11,  Lacraus de Paunca, tendo passado por Guileje, Gadamael, Guileje, Nhacra e Paúnca,entre outros sítios, entre 1972 e 1974. Nas três fotos, vemo-lo "afagando" a G3 (em Lamego), a HK21 (em Guileje) e AK47 (em Gadamael ?)... LG

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.
___________

Nota de L.G.:

Ultimo poste da série > 25 de Novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7335: Kalashnikovmania (5): Passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3 (Mário Dias)



Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 > Mini-encontro do pessoal da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita, João Parreira (comando da Guiné), Piedade (nfermeira pára), Miguel (pilav), Giselda (enfermeira pára), Mário Fitas (lassa) e Mário Dias (o comando e instrutor dos comandos da Guiné de 1964/66, que hoje nos dá... música, celestial!... Há 35 anos atrás, em 25 de Novembro de 1975, estava de sargento de dia, no Regimento de Comandos da Amadora... E a música era outra!).

 
Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS/BART 2917 (1970/72) > O Fur Mil Op Esp Benjamim Durães, do Pel Rec Inf, numa tabanca do regulado de Badora, com um milícia, junto  a uma  metralhadora ligeira Degtyarev


Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os  direitos reservados




Segundo o nosso especialista em balística e armamento, Luís Dias, trata-se de um Degtyarev DPM que teve origem no modelo DP (Degtyarev Pechotny/Degtyarev de Infantaria), desenhada na URSS depois de 1917 e que veio a ser adoptada como metralhadora ligeira  do Exército Vermelho, em 1927. Em 1943/44 veio a ser modernizada, passando a ser o modelo DPM (modernizirovannyj). Após o fim da IIª Guerra Mundial irá ser substituída, primeiro pela PK-46 e depois pela RPD. 

Estas armas (nomeadamente metralhadoras ligeiras e LGFog que eram apanhadas ao PAIGC) eram, muitas vezes, distribuídas às companhias de milícias... Já a Kalash, por ser considerada uma arma de elite, era muito disputada pela tropa especial, comandos africanos e oficiais de unidades de quadrícula...

Seria interessante pesquisar as razões desta... kalashnikov-mania que, de resto, chegou ao cinema: veja-se o filme  Lord of War / O Senhor da Guerra (2005)...


Kalashikovmania pode ser definido como uma forte atracção pelo armamento do... IN. No TO da Guiné, inclui kalash e outras armas.Trata-se de um neologismo, inventado pela Tabanca Grande, que paga direitos de autor; um dia irá figurar nos novos Dicionários da Língua Portuguesa, como muitos outros termos que usávamos na guerra: por exemplo, dila=dilagrama, LGFog=lança-granada foguete, ameixa=granada...

Curiosamente só hoje (!) dei conta que a bandeira de Moçambique [, imagem acima], na actual versão (que vem de 1983), contem uma estrela (que "representa a solidariedade entre os povos"), mas também a... AK-47 (símbolo da luta armada e da defesa do país), a par de outros símbolos sugerindo desenvolvimento (livro=educação; enxada= agricultura). É, ao que parece, a única bandeira no mundo  a ostentar uma espingarda moderna... Singularidades da lusofonia... Dessa, ao menos, livraram-se os nossos amigos guineenses. 


Lord of War, com Nicolas Cage, filme norte-americano de 2005, passou em Portugal com o título O Senhor da Guerra (no Brasil, O Senhor das Armas). Cage interpreta a personagem de Yuri Orlov, traficante de armas perseguido pela Interpol,  que no filme faz o elogio da AK 47 (confesso que não o vi):

"Of all the weapons in the vast soviet arsenal, nothing was more profitable than Avtomat Kalashnikova model of 1947. More commonly known as the AK-47, or Kalashnikov. It's the world's most popular assault rifle. A weapon all fighters love. An elegantly simple 9 pound amalgamation of forged steel and plywood. It doesn't break, jam, or overheat. It'll shoot whether it's covered in mud or filled with sand. It's so easy, even a child can use it; and they do. The Soviets put the gun on a coin. Mozambique put it on their flag. Since the end of the Cold War, the Kalashnikov has become the Russian people's greatest export. After that comes vodka, caviar, and suicidal novelists. One thing is for sure, no one was lining up to buy their cars"...

Traduzindo: "De todas as armas do vasto arsenal soviético, nada foi mais lucrativo do que o modelo Avtomat Kalashnikova de 1947, mais conhecido como AK-47 ou Kalashnikov. É a espingarda de assalto mais popular do mundo, uma arma que todos os combatentes amam. Um amálgama elegante de quatro quilos de aço e madeira prensada, que não quebra, emperra ou sobreaquece. Dispara sempre mesmo que esteja coberto de lama ou de areia. É tão fácil de usar que até uma criança é capaz de o fazer (e com frequência há crianças que o fazem). Os soviéticos cunharam uma moeda com a sua efígie; Moçambique colocou-a na sua bandeira. Desde o fim da Guerra Fria, a Kalashnikov tornou-se o maior produto de exportação dos russos. Só depois dela vem o vodka, o caviar e os romancistas suicidas. Uma coisa é certa: ninguém fazia bicha fila para comprar os carros soviéticos"...
 (LG).




1. Texto de Mário Dias, enviado em 15 de Janeiro de 2008, publicado dois a seguir sob o título Em louvor da G3. Face duelo AK 47 / G3 (e à onda de... kalashnikovmania que atingiou as NT), justifica-se a repescagem e republicação deste poste.  

O Mário Dias ou M. Roseira Dias é um Sargento Comando Reformado, membro do nosso blogue (desde a 1ª hora), e também um conceituado arranjador e compositor musical, a par de maestro de coros. No TO da Guiné, foi comando e instrutor dos primeiros comandos da Guiné (1964/66), entre os quais alguns dos nossos camaradas da Tabanca Grande, como o Virgínio Briote, o João Parreira, o Luís Raínha, o Júlio Abreu, etc.



2. Passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3

por Mário Dias [, foto à esquerda, com o Domingos Ramos, hoje herói nacional da Guiné-Bissau; foram camaradas e amigos, tendo frequentado o 1º Curso de Sargentos Milicianos, Bissau, 1959]

Foto © Mário Dias(2006). Todos os direitos reservados.


É muito vulgar e frequente tecerem-se comentários depreciativos à espingarda G3, quando comparada à AK47. Em minha opinião, nada mais errado. Analisemos, à luz das características de cada uma e da sua utilização prática, os prós e contras verificados durante a guerra em que estivemos empenhados em África:

(i) Comprimento: G3 - 1020mm; AK47 - 870mm
(ii) Peso com o carregador municiado: G3 - 5,010Kg; AK 47 – 4,8Kg
(iii) Capacidade dos carregadores: G3 – 20 cartuchos; AK47 – 30 cartuchos
(iv) Alcance máximo: G3 – 4.000m; AK47 – 1.000m
(v) Alcance eficaz (distância em que pode pôr um homem fora de combate se for atingido): G3 – 1.700m; AK47 – 600m
(vi) Alcance prático: G3 – 400m; AK 47 – 400m

Passemos então a comparar.(A) No comprimento e peso:
 A AK47 leva alguma vantagem. A capacidade dos carregadores, mais 10 cartuchos na AK47 que na G3, será realmente uma vantagem?

Se, por um lado, temos mais tiros para dar sem mudar o carregador, por outro lado esse mesmo facto leva-nos facilmente, por uma questão psicológica, a desperdiçar munições. E todos sabemos como o desperdício de munições era vulgar da nossa parte apesar de os carregadores da G3 serem de 20 cartuchos.

O usual era, infelizmente, “despejar à balda” sem saber para onde nem contra que alvo. 
Sem pretender criticar a maneira de actuar de cada um perante situações concretas, eu, durante todas as acções de combate em que participei ao longo de 4 comissões, o máximo que gastei foi um carregador e meio (cerca de 30 cartuchos). 
Por tal facto, em minha opinião, a dotação e capacidade dos carregadores da G3 é mais que suficiente, além de que os próprios carregadores são mais maneirinhos e fáceis de transportar que os compridos e curvos carregadores da AK47.(B) Quanto ao poder balístico:
Também aqui a G3 leva vantagem pois, embora na guerra em matas e florestas seja difícil visar alvos para além dos 100/200 metros, tem maior potência de impacto e perfuração sendo a propagação da onda sonora da explosão do cartucho muito mais potente na G3, o que traz uma maior confiança a quem dispara e muito mais medo a quem é visado. 
A G3 a disparar impõe muito mais respeito.


Porém, os principais motivos que me levam a preferir a G3 à AK47 (creio que a fama desta última é mais uma questão de moda) são as que a seguir vou referir ilustradas, dentro das possibilidades, com gravuras:


(C) A importância do silêncio e da rapidez de reacção

Deixem-me, então, começar a vender o meu peixe em louvor da G3. Todos sabemos a importância do silêncio e da rapidez de reacção numa guerra de guerrilha e de como o primeiro a disparar leva vantagem.

Normalmente o combatente numa situação de contacto possível em qualquer lado e a qualquer momento leva geralmente a arma com um cartucho introduzido na câmara e em posição de segurança. Eu e o meu grupo tínhamos bala na câmara e arma em posição de fogo desde a saída à porta de armas do aquartelamento até ao regresso e nunca houve um único disparo acidental. Mas, partindo do princípio que nem todos teriam o treino necessário para assim procederem, a arma iria então com bala na câmara e na posição de segurança.

Quando dois combatentes se confrontam, o mais rápido e silencioso tem mais possibilidades de êxito e, nesse aspecto, a G3 tem uma enorme vantagem sobre a AK47. Talvez poucos se tivessem dado conta dos pequenos pormenores que muitas vezes são a diferença entre a vida e a morte.



Um caso concreto:

Vou por um trilho no meio do mato e surge-me de repente um guerrilheiro. Levo a arma em segurança e tenho rapidamente de a colocar em posição de fogo. Do outro lado o guerrilheiro terá de fazer o mesmo. Em qual das armas esta operação é mais rápida e fácil? Sem dúvida alguma na G3.

Se olharmos para as gravuras observamos que na G3, levando a arma em posição de combate, à altura da anca com a mão direita segurando o punho dedo no guarda mato pronto a deslizar para o gatilho, utilizando o polegar sem tirar a mão do punho com toda a facilidade e de forma silenciosa passo a patilha de segurança para a posição de fogo e disparo.

E o portador de AK47? Sendo a alavanca de comutação de tiro do lado direito da arma e longe do alcance da mão terá que, das duas uma: ou larga a mão do punho para assim alcançar a alavanca de segurança ou então tem que ir com a mão esquerda efectuar essa manobra. Em qualquer das soluções, quando a tiver concluído já o operador da G3 terá disparado sobre ele.

Suponhamos agora que o homem da G3 vê um guerrilheiro e não é por este detectado. A passagem da posição de segurança à posição de fogo, além de rápida, é silenciosa pois a patilha de segurança é leve a não faz qualquer ruído ao ser manobrada. O guerrilheiro não se apercebe de qualquer ruído suspeito e mais facilmente será surpreendido. Ao contrário, um guerrilheiro que me veja sem que eu o veja a ele e tenha que colocar a sua AK47 em posição de fogo para me atingir, de imediato me alerta para a sua presença pois a alavanca de segurança dá muitos estalidos ao ser accionada. Assim, não é tão fácil a um portador de AK47 surpreender alguém a curta distância.



Outro caso concreto:

Todos certamente estaremos recordados de quantos vezes era necessário combinar o fogo com o movimento nas manobras de reacção a emboscadas ou na passagem de pontos sensíveis. Nessas ocasiões, em que fazíamos pequenos lanços em corrida para rapidamente atingirmos um abrigo para o qual nos teríamos de lançar de forma a ficarmos automaticamente em posição de podermos fazer fogo (a chamada queda na máscara), a G3, devido à sua configuração era de grande ajuda,  pois, não tendo partes muito salientes em relação ao punho por onde a segurávamos, (o carregador está ao mesmo nível) permitia que de imediato disparássemos com relativa eficácia.

E a AK47? Reparem bem naquele carregador tão comprido e saliente do corpo da arma. Como fazer manobra idêntica? Impossível. Mesmo colocando a arma com o carregador paralelo ao solo para facilitar a “aterragem”, isso faz com que tenhamos que perder tempo a corrigir a posição de forma a estarmos aptos a disparar. E em combate cada segundo é a diferença entre a vida e a morte.





(D) Defeitos

Um defeito geralmente apontado à G3 é que encravava facilmente com areias e em condições adversas.

Quero aqui referir que ao longo dos muitos anos da minha vida militar, tanto em combate como em instrução ou nas carreiras de tiro, tive diversas armas G3 distribuídas e nunca nenhuma se encravou. A G3 possui de facto um ponto sensível que poderá impedir o seu funcionamento se não for tomado em conta. Trata-se da câmara de explosão, onde fica introduzido o cartucho para o disparo, que tem uns sulcos longitudinais (6 salvo erro)* destinados a facilitar a extracção do invólucro.

 Acontece que se esses sulcos não estiverem limpos e livres de terra ou resíduos de pólvora não se dá a extracção porque o invólucro fica como que colado às paredes da câmara. Se houver o cuidado em manter esses sulcos sempre livres de corpos estranhos nunca a G3 encravará. Outra coisa que poderá levar a um mau funcionamento é as munições estarem sujas ou com incrustações de calcário ou verdete.

Nós tínhamos por hábito, como forma de prevenir este inconveniente, untarmos as mãos com óleo de limpeza de armamento, para esfregarmos as munições na altura de as introduzirmos nos carregadores. E resultou sempre bem.

São pequenos pormenores que deveriam ter sido ensinados na recruta mas, pelos vistos, nem sempre havia essa preocupação bem como muitas outras que foram, a meu ver, causa de algumas (muitas) mortes desnecessárias.



CONCLUSÃO

Depois de passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3. Se voltasse ao passado e as situações se repetissem, novamente preferia a G3 à AK47.


Mário Dias


[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
____________

Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7334: Kalashnikovmania (4): O fetichismo da G3... Há amores que não se esquecem (Torcato Mendonça)




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69) > Fotos Falantes II > O Alf Mil Torcato Mendonça e a sua G3...


Fotos: © Torcato Mendonça (2010). Todos os direitos reservados




Olá,  Virgínio Briote.


Que bom ver-te,  vb. Sodade...sodade!




Também eu gostei da minha G3 (*). Era quase uma peça de arte, coronha de madeira polida pelo uso, ronco com mesinho na parte mais estreita, meiga e sentia-se certamente estimada. Tanto assim que respondeu sempre ao que lhe pedi.


Só para nós, vb, também passaste por aqueles momentos de solidão da emboscada montada ou a ansiedade do assalto e, nesse momento, eu e ela éramos um, falava com ela, um afago, uma palmada de carinho. Nada me dizia,  claro,  mas a resposta era dada no tiro, na rajada curta ou do empurrar do dilagrama... Disso talvez gostasse menos,  era violento e os roletes tinham maior esforço.


Há aí mais que uma foto com ela. Era a minha defesa, a minha defensora. Deixei-a em Bissau com ronco e tudo. Já aqui perguntei por ela. Certamente julgaram-me louco. Não. Há amores que se não esquecem.
Volta mais vezes. Agora um abraço do T.
___________


Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7329: Kalashnikovmania (3): A minha namorada, a G3, que me foi fiel durante toda a comissão (Virgínio Briote)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7329: Kalashnikovmania (3): A minha namorada, a G3, que me foi fiel durante toda a comissão (Virgínio Briote)





Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Fotos do álbum do Jacinto Cristina... Os nossos soldados tratavam a G3 como uma verdadeira "namorada"... Neste álbum fotográfico há meia dúzia de fotos destas... Não sei se as namoradas, de carne e osso, que ficaram para trás, não teriam ciúmes da G3... 


Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Texto do nosso co-editor Virgínio Briote (*):

Meu Caro Furriel Mário Dias,

Não é o Luís, sou eu, o Briote,  que assumo o encargo de publicar a tua (minha também) defesa da G3, essa namorada que, tanto quanto me lembre, me foi fiel durante a minha comissão na Guiné.


Não dei muitos tiros em combate. Ainda hoje me lembro que foram 22, em toda a comissão. Só que de uma vez, logo no início da comissão, quando me encontrava ainda em Cuntima, na CCAV 489, despejei o carregador até ao fim numa emboscada entre Faquina Fula e Faquina Mandinga.

Depois nos Comandos, a minha história com a G3 quase dava um romance. Na carreira de tiro que havia lá para os lados do aeroporto (lembras-te?), esvaziei um cunhete. Há quem diga que foram cinco, não acredito. Certo é que o cano, sem tapa-chamas, rachou. E o Saraiva obrigou-me a pagar a asneira.

Achei, na altura, que ela me tinha sido ingrata, pela vergonha que me fez passar. E que o Cap Saraiva era um exagerado. Troquei-a por uma FN, também sem tapa-chamas (ainda estou para saber porque é que eu as preferia assim).

Meses depois, reconciliámos-nos, fizemos as pazes e foi a minha namorada até ao fim. Custou-me tanto a liquidação da dívida que, a partir daí, passei a ser eu a tratar dela. Como tu dizes, com as mãos na massa.

Mário, foste um dos instrutores que me ensinaste a pegar nela. A pôr os meus olhos no cano, a usá-la o estritamente necessário, a trazê-la no colo, com meiguice.

Não vou aqui falar de outras coisas que me ensinaste, que a hora é de honrar a G3. Mas é sempre tempo para publicamente reconhecer que foste um instrutor que nos deixou marcas muito positivas, nomeadamente pelo teu saber e conhecimento daquela terra e daquelas gentes que, eu sei, tanto apreciavas.

vb

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. 17 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)

Guiné 63/74 - P7328: Kalashnikovmania (2): AK 47 versus G3 (Luís Dias)







Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > "Chegada a Galomaro da CCAÇ 3491 [, pertencente ao BCAÇ 3872,]  no dia 9 de Março de 1973. No jipe podemos ver o Alf  Luís Dias, atrás o Fur Baptista,  do 1º Gr Comb,  e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que, no dia anterior, se tinha entregado a uma patrulha nossa na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, no calibre 7,62 mm Tokarev, mais conhecida por "costureirinha" e com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do habitual tambor de 71". (Foto do Luís Dias, reproduzida com a devida vénia, do seu blogue, Histórias da Guiné, 71-74:  A CCAÇ 3491, Dulombi.




1. Texto do nosso camarada  Luís Dias (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e  Galomaro, 1971/74) que, na vida civil, é  Consultor/Formador em Ciências Criminais e de Segurança (Texto organizado a partir de um comentário ao poste P7322) (*):




Caro Luís Graça


Em primeiro lugar os meu parabéns pelo artigo sobre o armamento (*).


Em relação ao diferendo entre a Kalash (**) e a G3,  devo dizer-te o seguinte: 


(i) A Kalash tem uma ergonomia fantástica e nisso bate a G3;


(ii) É uma arma simples, barata, que trabalha em más condições, possivelmente devido às folgas propositadas no material com que é feita;


(iii) Leva mais munições no carregador, como dizes (30 para 20);


(iv) Mas a cadência de tiro é semelhante (sensivelmente 600 tpm para a Kala e 600 a 700 tpm para a G3);


(v) É uma arma mais curta e portanto mais manobrável;


(vi) Não é tão fiável no tiro de precisão como a G3;


(vii) E no tiro automático (rajada) não é tão equilibrada como a G3 (isto nos modelos AK-47 e AKM, porque a partir do Modelo AK-74, a situação mudou);


(viii) A HkG3A3 era uma arma cara, de mecanismo elaborado, embora também trabalhasse em condições de pouca limpeza e muito comprida para o nosso tipo de guerra;


(ix) A nossa munição era mais poderosa, mas o 7,62mm M43 soviético possuía um filamento 
de aço no núcleo do projéctil que o tornava terrível ao entrar no corpo humano;


(x) Por fim e não menos importante, um dos pontos a favor da HK-G3, em relação à Kalash era a passagem da patilha da posição de segurança, para tiro a tiro: enquanto na G3 o movimento era de um clique (silencioso), da arma dos guerrilheiros era dois cliques (a primeira posição era a de fogo automático e só depois se passava para a posição de tiro a tiro) que não eram silenciosos,  o que na mata podia fazer toda a diferença.

No caso dos dilagramas e no meu tempo, os nossos Gr Comb  usavam-no muito porque percebemos que os rebentamentos eram mais eficazes numa reacção a uma emboscada do que propriamente os tiros de G3. 


Os elementos que transportavam os dilagramas usavam um carregador só com munições apropriadas, devidamente identificado com uma fita de cor berrante (amarelo ou vermelho) e nunca, nunca, usavam só uma munição para atirar um dila e depois tinham a seguir bala real. 


Os lançamentos eram efectuados ao ombro, com arma a 45%, e depois do disparo, contando rapidamente até 12/15, dava-se o rebentamento.


Sobre a bazooka, que nós deixámos de usar no mato (só em colunas e em defesa do aquartelamento), já tínhamos granadas energa (de ponta de mola) que eram anti-pessoaL e que davam um coice terrível, sendo normalmente atiradas com a arma apoiada à anca.


Fiquei muito satisfeito de saber que o meu poste sobre armamento foi muito lido.


Um abraço


Luís Dias


[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
___________


Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 23 de Novembro de 2010 >Guiné 63/74 - P7322: A minha CCAÇ 12 (8): O armamento do PAIGC no meu sector L1 (Bambadinca, 1969/71)


(**) Vd. poste anterior desta série > 29 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6909: Kalashnikovmania (1): Foi o Alf Graduado Comando João Uloma quem me emprestou uma Kalash (António Inverno)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6202: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (6): Quem ficou com a minha G3

1. Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), gostava de saber por onde pára a sua G3. É o que ele pergunta ao correr da bolha, em mensagem com data de 10 de Abril de 2010:


AO CORRER DA BOLHA - VI

QUEM FICOU COM A MINHA G3


Quem ficou com a minha G3?

Gostava dela. Coronha de madeira com um ronco ou amuleto na parte mais estreita, o fuste igualmente em madeira luzidia, tratada, toda ela, com carinho e, por isso mesmo, sempre pronta a trabalhar.

Quem teria ficado com aquela beleza?

Era muda, felizmente, e um pouco surda ou muito mesmo. Falava com ela e nada me dizia claro, se era muda só me ouvia, penso eu.

Nunca me deixou envergonhado, a minha G3 de coronha de madeira. O ronco ou amuleto, impensável tirá-lo sem o danificar, dava-lhe um ar africano. Talvez tenha sido herdada de um africano. Quem sabe.

Tive vários objectos herdados. Um cinturão, um bornal com divisórias interiores e um ou outro mais. Não herdados mas oferecidos, mais trocados talvez, dois ou três roncos de cintura e um de peito, pulseira e anéis. Estes e o cinturão ainda estão comigo. O bornal talvez o tenha oferecido. Houve ainda uma pulseira de prata e, em ouro, um anel de sete “escravas”. Trabalho excelente de um ourives de Bafatá. Objectos que se foram em braço e dedo de duas mulheres.

Há tempo, não muito, vi o cinturão e rodeei a cintura com ele. Espanto meu, espanto meu, para o fechar precisava mais um palmo de cinturão.

Rápido, mas cuidadosamente, enrolei-o lendo os nomes dos lugares nele escritos. Tantos? Não me lembro de alguns. Se lá estão escritos é porque por lá andei.

Voltando ao assunto principal, porque falo saudosamente da minha antiga G3?

Olhei, em leitura mais de folhear, para uma revista e vi dois militares, de hoje, em preparação para partida para terras distantes, outras guerras e outras vidas, só que nas mãos tinham G3. Ainda? Ainda duram as velhas G3 de meu tempo e os senhores das guerras, de hoje, não encontraram melhor? Será que algumas fizeram as guerras do meu tempo? Será que a minha G3 andou mundo fora, tiro aqui e rajada acolá? Não. Certamente já não teria os “roletes” funcionais. Daí talvez ainda esteja funcional e em boas mãos.

Se foi bem tratada, como no meu tempo, talvez. Limpa e oleada, culatra e eteceteras tratados e a até a alma brilhava. Sim porque as armas têm alma, neste caso a minha G3. O dono é que ainda hoje a procura. A alma claro.

Era companheirona a G3 e atirava tão bem bala 7,62 ou dilagrama com granada M/62.

Por onde andará?
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6197: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (5): Mentes com dúvidas

sábado, 17 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6172: Da Suécia com saudade (24): Histórias desconhecidas do 25 de Abril: Quando Marcelo Caetano quis armar a GNR com as G3 de Beirolas

1. Texto do José Belo, com data de 13 do corrente:


Assunto: Histórias desconhecidas do 25 de Abril




Caro camarada e Amigo:

Volto a incomodar, para te chamar a atenção do que acabo de publicar na TABLAP [, Tabanca da Lapónia,]  quanto à tentativa desesperada de Marcelo Caetano de armar a GNR de G-3, a curtas semanas de Abril.

Não sei se interessa ao blogue, mas é sem dúvida uma das pequenas/grandes histórias, sempre por muitos desconhecidas, que (e quem sabe hoje?) poderá ter tido alguma influência no decorrer daquele histórico dia!

Meia-dúzia de humildes empregados civis de armazém de material de guerra, um Ten Cor para todos desconhecido e alguns jovens oficiais menos convenientes podem, nas suas obscuridades, terem evitado banhos de sangue, naquela FESTA que foi ABRIL!

Valerá a pena ser mais divulgada que...SÓ...na Lapónia?!


Um grande abraco do José Belo.




Lisboa > Quartel do Carmo > Sede da Guarda Nacional Republicana (GNR). 2007.
Foto de JSobral. Copyleft. Cortesia de Wikipédia.

2. Histórias desconhecidas do 25 de Abril: Quando Marcelo Caetano quis armar a GNR com as G3 de Beirolas (*)

por José Belo

O Regime já podre de Caetano é sacudido pela revolta militar das Caldas da Rainha. As greves, a agitação e e os confrontos com as forças policiais, tanto por parte de milhares de operários nas zonas industriais como também de jovens estudantes criavam nos círculos governamentais uma crescente preocupação com o 1 de Maio que se aproximava.

Tudo levava a presumir que a data seria uma verdadeira apoteose de agitação e as numerosas inscrições, um pouco por toda a parte, referindo um 1 de Maio "vermelho", não contribuíam para acalmar os responsáveis pela "seguranca".

Surge então, por parte do Governo, a ideia de armar a GNR com espingardas-metralhadoras G-3. O Depósito Geral de Material de Guerra em Beirolas é superiormente encarregado de fornecer alguns milhares dessas armas. O Oficial que na altura Comandava o Depósito prestara, anteriormente, serviço, durante longos anos, na GNR, tendo um conhecimento mais do que abalizado da organização e funcionamento da mesma.

A  organização do MFA dentro de Servico de Material, conhecendo-o, assim como o seu irmão, oficial de Cavalaria, como elementos democratas, já o tinham contactado, insinuando aproximar-se para breve "algo". Entretento, e invocando a sua experiência de anos de serviço na GNR, comentava o Comandante do Depósito em roda de amigos Oficiais:
- A GNR tem mantido a ordem,e de que maneira, nas últimas dezenas de anos, utilizando as espadas de Cavalaria para umas "chanfalhadas" oportunas, e a espingarda Mauser que lhes está distribuída. A coronha da espingarda Mauser presta-se às mil maravilhas para dar umas boas cacetadas, e a cadência de tiro é mais que suficiente para acções de ordem pública!... Agora a G-3?!...Uma metralhadora de guerra?.........SÓ SERVE PARA MATAR!... E reparem que, com a sua pequena coronha de plástico, nem serve para dar as tais cacetadas! E as quantidades requisitadas que significado têm? Para fazer frente a operários armados com pedras e a estudantes com livros? Não será antes para outros voos?

Mas as pressões faziam-se sentir sobre Beirolas. Apoiado por elementos do MFA, foi conseguindo protelar os fornecimentos, invocando mil e uma razões burocráticas. Mas as pressões aumentavam, por parte de quem não estava habituado a não ser rapidamente...obedecido. Tornou-se necessário utilizar o bluff para ganhar mais algum tempo precioso...

Algumas centenas de mecanismos de disparar das G-3 foram desmontados (Nota: não me refiro a culatras, mas sim à totalidade dos mecanismos de disparar), em todos os seus diminutos componentes, e espectacularmente colocados sob panos de tenda ocupando chão de enorme armazém. Quando os Oficiais da GNR, responsáveis pelo levantamento das armas, se deslocaram a Beirolas, foi-lhes mostrado todo este "espectáculo", seguido do comentário do Comandante:
- Como podem verificar, a montagem de todos estes mecanismos de disparar é trabalho demorado, e infelizmente o DGMG não dispoe de pessoal qualificado em quantidade suficiente para acelerar o mesmo como seria desejável!...

E continuou:
- Têm duas hipóteses: Ou aguardam que nós terminemos a montagem, o que será demorado, ou assinam documento responsabilizando-se pelo levantamento de todas estas pequenas peças e componentes, podendo montá-las depois vocês próprios na GNR... No entanto,e falo-lhes com experiência, não vos aconselho a segunda hipótese, pois como vêem são milhares de pequenas peças que facilmente se podem extraviar com o transporte e armazenamento, e depois sao só mais problemas e problemas.

O ar paternalista do Comandante, aliado por certo ao facto de terem que "assinar papel", levou-os a partir mais uma vez sem o armamento, perante crescente dificuldade de alguns presentes, "dentro do assunto", em conterem o sorriso irónico.

Abril aconteceu! O Largo do Carmo foi o símbolo da resistência de um Regime que caiu de podre. A GNR, honra lhe seja feita,serviu esse regime com lealdade, até ao último minuto. Foram dos poucos que, com armas na mão, demoraram a capitular. No entanto, como profissionais, sabiam e sentiam o "peso" da inferioridade do armamento individual de que dispunham frente ás forças militares que os cercavam. Teriam sido mais "arrogantes" se dispusessem das centenas de milhares de espingardas metralhadoras que nessa altura deveriam já estar-lhes distribuídas?

BEIROLAS CUMPRIU... ANTES DE ABRIL...EM HUMILDE SILÊNCIO... na pessoa de um Ten Cor desconhecido, de uma meia-dúzia de humildes trabalhadores civis de armazém, e de alguns jovens Oficiais... menos convenientes.

 José Belo

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 23 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6038: Da Suécia com saudade (21): A Tabanca da Lapónia em mudanças para a... Flórida! (José Belo)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3845: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (19): O aniversário do Cabo Tomé

1. Mensagem de Alberto Branquinho, ex-Alf Mil da CArt 1689, Guiné 1967/69, com data de 2 de Fevereiro de 2009:

Caros Editores

Junto o texto do UMBIGO nº. 19, com os agradecimentos de continuarem a aceitar o título da série.

Três abraços
Alberto Branquinho



2. NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (19)

O ANIVERSÁRIO DO CABO TOMÉ


- Eh pá! Deu a “maluca” ao Tomé. Ele vem aí.
- Qual “maluca”… Ele está é com uma “cardina” que nem se endireita.

O cabo Tomé aproximava-se daquele espaço chamado “bar”, feito de tábuas e de chapas de zinco. Vinha em tronco nu, debaixo de uma chuva contínua e miudinha, que há um mês caía sem parar. Trazia um guarda-chuva aberto, quase sem pano, na mão esquerda e uma garrafa de cerveja na mão direita. Tinha as divisas de cabo penduradas das orelhas. E berrava:
- Cá o filho da Marianinha é maior. Não há pai para ele.

Repetia e repetia o discurso. E cantava:
- “Ó rosa, ó linda rosa, ó rosa da Alexandria, tu és a mais linda rosa…

O cabo festejava, assim, os vinte e três anos.

Não entrou no bar e atravessava a parada, em chinelos, calções e tronco nu, pisando água e lama. Sentia-se grande, agigantado pelo álcool, com a água a correr por ele abaixo. Sentia a cabeça do tamanho do rebentamento de uma granada de obus, a ferver, a ferver e a pôr-lhe à frente dos olhos pataniscas de bichas-de-rabear.

Era um entardecer cor de chumbo, com pequenas pinceladas de amarelo-rosa no horizonte, por cima da cobertura de zinco da caserna.

- Ó rosa, ó linda rosa, ó rosa… Anda uma mãe a criar um filho… p’ra… p’ra…

Tropeçou e caiu de joelhos na lama, apoiado no cotovelo direito. Tentou levantar-se, mas o pé direito fugiu-lhe muito lá para trás. Até pareceu que o pé lhe ia fugir do corpo. Agarrou o pé com a mão direita e fugiu a garrafa. Puxou o pé, puxou, puxou, perdeu o equilíbrio, caiu sobre o lado direito e, depois, ficou deitado de costas. Ouviram-se gargalhadas do pessoal que, em volta e debaixo dos telheiros, observava a cena.

O Tomé atirou o guarda-chuva. Tentou abrir a braguilha, não conseguiu e rebolou sobre si mesmo, rindo, rindo. Cheio de lama, voltou a tentar abrir a braguilha, mas não conseguia.

- Quero mijar. Eh pá, abram-me aqui isto, qu’eu quero mijar.

Dois ou três tentaram levantá-lo.

- Eh pá, eu só quero mijar.

Com a ajuda conseguiu levantar-se. Os que o ajudaram correram para debaixo dos telheiros. Conseguiu abrir a braguilha e, com a mão direita, procurava, procurava dentro dos calções, em dificuldades de equilíbrio.

- Perdi a picha. Perdi a picha.

Ajoelhou-se e desatou a chorar:
- Perdi a picha. Perdi a picha. Ai minha mãezinha…

Levantou-se, escorregou na lama e caiu de novo.

- Sou um desgraçado! O filho da Marianinha… Mãe, mãe, cortaram-me a gaita!

Chorava, chorava. As lágrimas corriam pela cara, misturadas com chuva e ranho. Tossia, tossia, engasgou-se e desatou a vomitar. Acudiram-lhe de novo.

Vomitava aos arrancos e estremecia-lhe todo o corpo. Levaram-no, amparado pelos sovacos.

Colocaram-no debaixo da água do “chuveiro” que corria dos bidões, ao lado da caserna. Deitaram-no na cama, ainda molhado. Chorava abraçado aos mais próximos, entre risos de uns e críticas de outros.

- Este gajo é sempre a mesma merda.
- Sou uma merda. É, sou uma merda… Mas não vou mais p’ró mato. Nã é Zé? A gente nã vai mais p’ró mato, nã é Zé?

O Zé abanou a cabeça, concordando. O Tomé agarrou-o pelo pescoço, puxou e deu-lhe um beijo na cara.

- A gente nã vai mais p’ró mato. Que vá o capitão, que leve o comandante e os oficiais todos. Que se fodam. P’ra que é a guerra? P’ra ganhar a taça? Que se foda a taça. Andamos aos tiros p’rás árvores. Os cabrões dos turras pintam-se de verde. Nã é Zé? A gente nem os vê. Deixa vir o alferes: - “Ó Tomé, tu hoje levas a basuca.” – “Leve-a você”.

- Vá pá, tem calma. Vou-te buscar uma Pérrier.
- Água?! Arranja-me uma cerveja.
- Não. Tu já bebeste muito.
- Apetece-me apanhar chuva.
- Não, tens que dormir. Faz-te bem.
- Dormir? Ah Zé, a gente nã vai mais p’ró mato. Que se fodam. Um gajo quase na “peluda” e ir p’rá Metrópole num sobretudo de pau.

Teve um vómito e sujou a almofada.

- Deixa lá. Está na hora do jantar. Queres que te traga alguma coisa?
- Nã. Não.

Ficava mais calmo. Adormecia. O outro foi jantar.

No telheiro grande, coberto de zinco, que servia de refeitório, amontoavam-se para o jantar, apupando o cozinheiro.

- Ide-vos foder! ‘Ó tempo que não há frescos…

No meio do barulho das conversas ouviram-se, lá longe, para norte o som das “saídas” de granadas de morteiro pesado e de canhão.

Num instante era uma barafunda. Corriam aos magotes em varias direcções, para as armas pesadas, para os abrigos, em busca das G-3s e cartucheiras, para os abrigos. As primeiras granadas começaram a assobiar por cima das cabeças, seguidas dos rebentamentos e dos ruídos que parecem loiça a partir-se.

Gritos, ordens, cheiro intenso, excitante a explosivos, pó, fumo, mais rebentamentos, gritos e mais gritos. Duas ou três granadas caíram dentro do quartel, voaram coberturas de zinco em placas retorcidas, pedaços de tijolo e cimento, vidros partidos. Um barracão começou a arder.

Dois grupos saíram a correr, pelas portas norte e leste, para cortarem caminhos de acesso. Parecia que o pandemónio nunca mais parava.

Começou a diminuir o fogo. Só pequenas rajadas de arma ligeira e vozes que interpelavam ou berravam ordens. Vultos apagavam o fogo com baldes de água. A serenidade voltou aos poucos. Havia movimentações para o posto de socorros. Alguns comeram como puderam o que, frio, ficara a aguardar nos pratos. Outros não saíram tão depressa dos postos ou dos abrigos.

Quando os primeiros voltaram à caserna, viram o cabo Tomé mesmo à entrada, nu, deitado de costas, de olhos espantados, como que olhando o tecto de zinco, retorcido, enquanto um fio de sangue lhe escorria do lado esquerdo da boca, passava pelo pescoço e fazia uma poça de sangue debaixo da cabeça.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3805: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (18): O doutor não tem um remédio para a guerra?