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terça-feira, 17 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14377: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (29): A Ilha das Galinhas que eu conheci e a nostalgia da "prisão" com que o Zé Carlos Schwarz ou Zé Cabalo (, no meu tempo de liceu), nos surpreende, na letra e música de "Djiu di Galinha" (Manuel Amante da Rosa)

1. Mensagem de Manuel Amante da Rosa [Manuel Amante da Rosa [, ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau, 1973/74; atual embaixador de Cabo Verde em Roma]

Data: 16 de março de 2015 às 22:37

Assunto: Prisão na Ilha das Galinhas: localização, etc. (*)

Meus caros editores e leitores:,

Vamos ver se consigo dar uma ideia do que seria ilha das Galinhas.

Ficava bem próxima de Bolama de Baixo. Separada desta parte da ilha de Bolama por um canal navegável com relativa profundidade. O campo prisional (colónia agrícola/colónia penal) da ilha era supervisionado pelo Administrador Civil do Concelho de Bolama.

Havia reclusos de crime comum com penas de longa duração e até presos políticos. Tive por lá, que me lembre, quatro a cinco amigos. Os detentos movimentavam-se com relativa facilidade pela ilha, gozavam alguns de certos privilégios e muitos dedicavam-se à agricultura ou pesca. A população da ilha era amistosa e aceitava sem problemas os presos com quem se relacionavam. Julgo que, a memória não me é certa neste ponto, de haver um chefe da colónia penal e alguns polícias que faziam um controlo da população dos presos.

Passei algumas vezes pela ilhas das Galinhas, quando jovem mas nunca cheguei de ter a perceção de que haveria prisão por lá. Na ida para Bubaque ou Sogá, paravámos em Nbangana, que era uma pequena casa comercial mesmo à beira mar em que na maré cheia as ondas batiam na varanda. Era do velho Manuel Simões, pai do Manelito Simões. Por detrás da casa subia-se por um carreiro até a uma altura de 20 a 30 metros onde se ía para o interior da ilha e  algo próximo se localizava a Tabanka. 

Não raras vezes havia festa nesse aglomerado nas noites que por ali permaneci. O rufar de tambores, característico da etnia bijagó escutava-se de longe. O ritmo, as danças dos cabarôs e campunes era
contagiante. 


Guiné > s/d > s/ l > A embarcação "Bubaque", ostentando a bandeira portuguesa... Era uma antiga LP 4 (Lancha de Patrulha 4, da nossa Marinha, no ativo entre 1963 e 1964)-

Foto: © Manuel Amante da Rosa (2014). Todos os direitos reservados.

Nesta casa, à beira-mar, viveu durante uns dois anos um amigo do Manelito e meu que tinha sido condenado a uma pena por algo acontecido em Portugal. Teve um regime especial. Os navios Corubal e o Formosa nas idas de fim de semana para Bubaque pairavam nesse pequeno porto, ao largo, para deixar ou receber correspondências ou deixar alguém. 

Nbangana era um porto difícil de se entrar porque corria paralelamente à costa uns baixios de pedra, perigosos e sem sinalização. Um pequeno navio do meu pai, o Salomé, feito de teca, trazido da Indonésia (?) ou Timor, antigo patrulha japonês, partiu ali a quilha para nunca mais ser recuperada. Eu próprio, ao leme, com uma tripulação quase toda bêbada, num regresso da ilha de Bubaque com uma excursão da Cícer, fábrica de cerveja da Guiné, encalhei nesses baixios procurando o canal já de noite. Valeu-me a enchente e não ter batido mais à frente. O susto foi enorme lembrando-me do sucedido com o Salomé.

Julgo que.  após ser transferido para a prisão policial de Bissau, ficado preso, incomunicável e tratado de forma desumana pelos carcereiros pela sua ousadia de colocar, pelo menos uma bomba debaixo do reluzente Mercedez Benz de um Chefe de Esquadra, estacionado à frente da UDIB  e,  conhecendo o Zé Carlos, que também chamávamos de Zé Cabalo, por aparecer pelo Liceu Honório Barreto algumas vezes a cavalo, ele terá sentido nostalgia da ilha onde circulava à vontade, escrevia, lidava com a população e convivia livremente com os outros reclusos.

Essa será a diferença fundamental e a razão porque terá escrito uma melodia tão profunda, nostálgica e agradável a todos que escutam o "Djiu di Galinha".

A viúva do Zé Carlos poderá, no entanto, explicar muito melhor e com conhecimento sólidos de uma vida comum de partilhas várias as razões dessa composição.

Escrevi de um fôlego só e sem rever o texto pelo que se vierem a publicar alguns trechos façam as inevitáveis correções. (**)

Um forte e amigo abraço.

Manuel

___________________

Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 16 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14374: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (27): Ainda sobre o cantor José Carlos Schwarz (Bissau, 1949 - Havana, 1977) e a letra da canção "Djiu di Galinha" [, Ilha das Galinhas] (Helena Pinto Janeiro, historiadora)

(**) Último poste da série > 17 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14376: O nosso blogue com fonte de informação e conhecimento (28): motorizadas: eu, com os meus 17 anos e a minha Zundapp Mavic (José Colaço)


segunda-feira, 16 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14374: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (27): Ainda sobre o cantor José Carlos Schwarz (Bissau, 1949 - Havana, 1977) e a letra da canção "Djiu di Galinha" [, Ilha das Galinhas] (Helena Pinto Janeiro, historiadora)

1. Mensagem, de 16 do corrente,  de Helena Pinto Janeiro, comentando o poste P14370 (*):

[à esquerda: a localização da Ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós. Infografia: Wikipédia / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2015]


Caros amigos:

Muito obrigada!... A única dúvida que me resta é entender o paradoxo de o cantor [, José Carlos Schwarz,] ter estado preso na Ilha das Galinhas e ter saudades desse tempo. Não faz sentido, quer conhecendo o percurso político dele quer as letras de outras canções que ele escreveu, com um cariz fortemente político, dando voz ao sofrimento da guerra. Será que não esteve preso mas 'simplesmente' desterrado?

Não poderei, portanto, usar esta canção como exemplo de uma produção artística produzida por um preso político na Ilha das Galinhas (até porque, pelos vistos, ele terá composto a canção já na prisão de Bissau), que era o meu objectivo inicial.

Tenho estado a recolher dados sobre prisões e campos prisionais destinadas a presos políticos em vários pontos do império, em especial durante o período da guerra colonial, e os dados sobre a Ilha das Galinhas são muito vagos.

De momento estou a avançar com outros campos, nomeadamente em Angola, para os quais encontrei dados mais concretos, mas mantenho em projecto responder a estas dúvidas sobre a Ilha das Galinhas, nomeadamente:

(i) se era uma prisão-edifício ou um campo prisional (e se era um campo, com que características);

(ii) onde era localizada exactamente dentro da ilha;

(iiii) durante quanto tempo funcionou, quem a administrava, pessoas que lá estiveram presas.

Naturalmente, os dados mais institucionais irei encontrar (eventualmente) noutros locais mais institucionais mas os testemunhos de quem lá esteve ou quem por lá passou são preciosos, não havendo arquivo algum que os substitua.

Obrigada,

Helena Pinto Janeiro

2. Comentário do editor:

Temos, na nossa Tabanca Grande,  um único camarada que fez serviço na Ilha das Galinhas, o José António Viegas: foi fur mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68, e integrou a guarnição militar da "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas" [, foto da época à direita]...

Recorde-se que ele chegou à Guiné em 4 de Agosto de 1966, seguindo para Bolama onde foi  receber o  Pel Caç Nat 54, treinado pelo o nosso Jorge Rosales, o "régulo" da Tabanca da Linha...

"Ao fim de 20 meses de mato", foi destacado  para Bolama e daí para a Ilha das Galinhas. Ele próprio nos diz que "desconhecia por completo o que aquilo era, quando cheguei em meados de Junho de 1968"... Mas deu-nos mais informações sobre o que se passava naquela ilha do arquipélago dos Bijagós no tempo do Schulz:

(i) o destacamento era composto por um furriel, um cabo e 3 soldados (!);

(ii) na "parte civil", havia um comandante do campo [, colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas, cruada em 1934]: era  "o Chefe Joaquim, um homem de poucas conversas";

(iii) de vez enquanto "encostava uma lancha LDP com um carregamento de prisioneiros, sempre em mau estado, que vinham das prisões de Bissau, escoltado sempre por dois Pides, que entregavam os presos ao chefe e desandavam para Bissau";

(iv)  os prisioneiros andavam à solta pela ilha, mas sabia-se  "alguns passavam por ali em trânsito para o Tarrafal [, Ilha de Santiago, Cabo Verde]";

(v) na altura não o Zé Viegas não tinha grandes conversas com os prisioneiros, a maioria dos quais "trabalhava na bolanha e nas sementeiras de ananás e mancarra que havia pelo campo";

(vi) era um povo afável, o bijagó, segundo a opinião do nosso camarada que passoi lá "quatro meses", na Ilha das Galinhas, acabando a sua  comissão "em Setembro de 68 com 25 meses de Guiné". (**)

Sobre o José Carlos Schwarz ver também um depoimento do nosso grã-tabanqueiro Leopoldo Amado, que o conheceu em vida, em Bissau, ainda antes do 25 de abril de 1974. Não faz qualquer referência ´`
a sua passagem pela Ilha das Galinhas. Mais detalhada e contextualizada é a extensa nota biográfica que, no blogue Lamparam, publica o Leopoldo Amado, da autoria do Norberto Tavares Carvalho, o "Cote", que foi companheiro de prisão do cantor.

Sob o título "José Carlos Schwarz - A Voz do Povo", passou há uns anos, na RTP,  um documentário, da autoria de Adulai Djamanca (Produção: Lx Filmes/MC / ICAM / RTP, 2006, 52 minutos).



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Junho/setembro de 1968. Foto de José António Viegas, sem legenda. (**)

Foto: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados


(**) Vd. postes de:

3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

11 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)

Resposta do José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68) a algumas perguntas nossas sobre a "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas":

(...) Na parte central na ilha, chamado o campo, havia uma casa colonial e uma parada grande com dois barracões que era onde viviam os presos. Na altura estavam lá perto de cento e tal prisioneiros entre os de delito comum e os presos politico. Pessoalmente, não sabia quais deles eram, não sabia distuingui-los, pois o chefe [Joaquim] não falava comigo nesse aspecto.

O chefe Joaquim que está comigo na foto com o tubarão, esteve na GNR com o Spínola e depois foi chefiar o campo. Penso que estivesse ligado à Pide.

Os presos circulavam à vontade. Alguns mais antigos viviam em palhotas junto ao campo, faziam trabalho agricola, não havia problema com a população e poucas hipóteses tinham de fugir.

A vida da guarnição era fazer umas rondas pela ilha no Uunimog pequeno (Pincha) [, o 411] e pesca. Nada mais.

A comida dos prisioneiros era na base do arroz, algum peixe e carne.

Naquele tempo eu não estava bem dentro dos assuntos, não fazia muitas perguntas ao chefe que ele, sempre de má cara com a sua úrsula [,úlcera], pouco respondia.

Só falei com um preso politico, que eu saiba, quando fui mordido por uma cobra verde, não sei se era médico ou enfermeiro , sei que tinha estado na Repúbklica Checa [, na altura Checoslováqui,] e que veio tratar de mim. (...)

Guiné 63/74 - P14370: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (26): Letra (em crioulo e português) e vídeo da canção "Djiu di Galinha", de José Carlos Schwarz (Helena Pinto Janeiro / António Estácio)

1. Mensagem da investigadora, da FCSH/Universidade NOVA de Lisboa,  Helena Pinto Janeiro

Data: 12 de março de 2015 às 11:46
Assunto: Letra de "Djiu di Galinha", registo áudio e vídeo do cantor (*)

Caro Luís Graça,

Muito obrigada. Entretanto consegui, com a preciosa ajuda da musicóloga Alda Goes, a letra, agora só falta a tradução do crioulo... Foi retirada do LP "Djiu di Galinha", gravado com Miriam Makeba e editado postumamente (1978). Aqui vai:

Djiu di Galinha
Djiu di Galinha ai
Djiu di Galinha
N'disjau ai djiu di Galinha

Manera que piscatures ta pera mare
assim tambe que n'ta pera dia de riba
Manera que labradures ta tchora tchuba
assim tambe que n'ta tchora bu falta.


Envio também um link para uma gravação áudio que tem o interesse suplementar de ser acompanhada de um vídeo do cantor [3' 20'']

https://www.youtube.com/watch?v=46AOuVNmb3M

[Publicado a 22/01/2013 por Vital Sauane, com a legenda: "José Carlos Schwarz em 1976 com Miriam Makeba, o primeiro vídeo encontrado deste famoso musico Guineense".. LG]
Obrigada

Helena Pinto Janeiro

2. Mensagem do nosso camarada António Estácio, guineense, nado e criado no chão de papel, em Bissau, ex-alf mil em Angola (1970/72), escritor, a quem pedidmos a tradução desta letra para português ("António,  aqui tens a letra da 'Djiu di Galinha'... Podes traduzir ?... Vou pedir também ao Manuel Amante da Rosa  e ao Mário Dias, gente que como tu bebeu a água do Geba"):


Monte Real, Palace Hotel> 26 de junho de 2010 > 
V Encontro Nacional  da Tabanca Grande > 
O António Estácio
Data: 15 de março de 2015 às 10:38
Assunto: Letra de "Djiu di Galinha", registo áudio e vídeo do cantor (**)

Meu Caro Luís Graça:

Estimo-te bem pelo e-mail que me enviaste e cuja leitura procurei fazê-la agora.

Como tu deves saber,  não é fácil fazê-la, mas vamos lá tentar.

Ilha das Galinhas
Ilha das Galinhas, ai,
Ilha das Galinhas
Deixai-me, Ilha das Galinhas.

Tal como  os pescadores esperam a maré,
Assim, também eu aguardo o dia de voltar.
Tal como  os lavradores, choram p'la chuva, 
Assim, também eu choro a sua falta.

António J. Estácio

__________________

Notas do editor:


quarta-feira, 11 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14349: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (22): Procura-se letra e/ou registo sonoro de "Djiu di Galinha" [Ilha das Galinhas], canção de José Carlos Schwarz, imortalizada por ele e por Miriam Makeba, a 'Mama Africa' (Helena Pinto Janeiro, investigadora, FCSH / Universidade NOVA de Lisboa)

1. Mensagem da doutoranda Helena Pinto Janeiro, e investigadora no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa:


De: Helena Pinto Janeiro [hjaneiro@gmail.com]
Enviado: terça-feira, 6 de Janeiro de 2015 18:07
Para: Luís Graça
Assunto: Registo sonoro (ou letra) de "Djiu di Galiña", de José Carlos Schwarz

Caro Professor Luís Graça

Antes de mais, os meus parabéns pelo seu magnífico blogue.

Vi lá uma referência a uma música sobre o campo de trabalho da ilha das Galinhas, escrita e cantada por um preso ("Djiu di Galiña", de José Carlos Schwarz) e gostaria de saber se tem ideia (ou se alguém do seu grupo alargado de seguidores na blogosfera) de quem poderá ter o disco, ou uma gravação áudio, ou ao menos da letra da canção, ou quaisquer outros elementos sobre a canção (data, editora, etc.) ou sobre o autor (datas exactas em que esteve preso, etc.)...

Muito obrigada e votos de bom ano

Helena Pinto Janeiro
Instituto de História Contemporânea da FCSH da UNL

2. Comentário dos editores:

Não encontramos na Net a letra da célebre canção do malogrado José Carlos Schwarz (1949-1977),  mas cujo registo áudio pode ser ouvido aqui, na página de Fernando Casimiro (Didinho): Memorável José Carlos Schwarz.

A canção de Djiu di Galinha (aqui na versão do autor, poeta e músico, 3' 26'') ficou celebrizada pela Miriam Makeba, a "Mama Africa" (1932-2008).  O "Djiu de Galinha, de J. C. Schwarz (e não Schwartz), faz parte do álbum "Welela" (1989).
C apa do álbum "Welela" (1989). Cortesia da
página oficial de Miriam  Makeba (1932-2009)
interpretação, em 1989,  da grande cantora sul-africana.

O nosso grã-tabanqueiro António Estácio, guineense e transmontano, do chão de papel, grande apaixonada das coisas da sua terra (tem um livro de 400 páginas sober Bolama e precisa de patacão para o lançar...) traduziu-nos o título dessa canção que em crioulo quer dizer muito simplemente "Ilha das Galinhas".

E a propósito, temos 6 referências sobre este topónimo, Ilha das Galinhas, no arquipélago dos Bijagós, onde foi criada, em 1934, uma "colónia penal e agrícola", e onde em 1973/74 estiveram detidos guineenses como o Norberto Tavares de Carvalho, o "o Cote", e o José Carlos Scwharz.

José Carlos Schwarz nasceu em Bissau a 6 de Dezembro de 1949. Era fillho de Carlos Hans Schwarz, funcionário público (, eletricista, diz-nos o Estácio) e de Justina Schwarz, caboverdiana, doméstica.  O avô paterno era alemão (,e provavelmente, de origem judia, pelo apelido), que terá andado por Bolama, Farim e Bissau (não se sabendo ao certo quando emigrou para a Guiné, talvez nos finais do séc. XIX ou na altura da 1 Guerra Mundial). O Estácio já não o conheceu, conheceu conheceu o filho e o neto.

Dele, José Carlos Schwarz,  escreveu o Norberto Tavares de Carvalho, o "Cote". que também esteve deportado na  Ilha das Galinhas:

(...) "José Carlos, como se sabe, nasceu na Guiné. De pai guineense de origem alemã e de mãe caboverdiana, fez os seus estudos primários e secundários em Bissau, Dakar e Mindelo. Fã de Kanté Manfila, fundou a orquestra «'Cobiana Jazz' com o Aliu Barri e opôs-se abertamente à opressão colonial portuguesa. A voz do José Carlos, incontestavelmente bela, explorando inteligentemente o verbo crioulo, elevou o 'Cobiana Jazz'  ao mais alto pedestal da cultura musical guineense. Preso pela Pide/Dgs, foi libertado após o golpe de estado ocorrido em Portugal em 25 de Abril de 1974. No pós libertação, optou também, como o Jim Morrison nos seus tempos, pela canção de protesto (Protest-song) contra os desvios à moral social e à linha ideológica de Amilcar Cabral, líder da revolução guineense-caboverdiana, assassinado em Conacri em Janeiro de 1973.(...)

"Quando circularam boatos em Bissau de que as canções do José Carlos iam ser censuradas pelas autoridades, Myriam Makeba apregoou de que se a « Apili », o best seller do José, fosse censurada em Bissau, ela mesma cantá-la-ia em todos os Palácios de África. O aviso foi eficaz." (...)

Pelas notas biográficas que estão disponíveis na Net (e em especial o texto do Norberto Tavares de Crarvalho, o "Cote", já aqui reproduzido pelo Virgínio Briote no nosso blogue) (*), o José Carlos Schwarz fez o ensino primário em Bissau, frequentou o liceu de Bissau, e terá prosseguido os estudos liceais em Dakar e Nindelo (aqui, em 1966).

O Estácio ainda se lembra bem dele: morava em Santa Luzia e ia a cavalo (!) para o liceu. Nessa altura ainda não era conhecido como músico. No então liceu Honório Barreto terá tido a nossa dra. Clara Schwarz como sua professora de francês... Apesar do apelido comum, não eram família... (Como se sabe, pelo lado paterno, a Clara é de origem polaca).

Em 1967 o José Carlos parte com a mãe para Portugal onde o pai estava em tratamento por motivos de saúde. E aqui tem o seu primeiro contacto a música "soul" e "jazz", ao mesmo tempo que  começa a despertar  a sua consciência nacionalista.

No princípio de 1970, funda com Ali Bari e outros o mítico grupo musical 'Cobiana Djazz' (que tem gravados dois discos). Gravou com a Miriam Makeba o seu Lp "Djiu di Galinha", editado postumamente.

Morreu prematuramente aos 27 anos, em 1977, quando desempenhava o cargo de Encarregado de Negócios da Guiné-Bissau em Cuba, num acidente aéreo: o avião da Aeroflot que vinha de Lisboa, despenhou-se, ao aterrar no aeroporto de Havana. Ainda hoje subsiste a dúvida se foi acidente ou sabotagem. (**)

________________

Notas do editor:

(*) 22 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2203: Artistas guineenses (2): José Carlos Schwartz (Didinho/V.Briote)


(...) Com o "Cobiana Jazz", o José Carlos Schwarz, o Aliu Barry e as suas retaguardas musicais, entram de rompante no conflito colonial, mudando forçosa e radicalmente uma parte dos peões avançados pelo Spínola, que constituiam, em grande parte, os alicerces da nova política colonial de alienação e submissão da juventude e da massa popular.

Confiantes nas suas acções mobilizadoras, os dois líderes resolvem participar, de maneira frontal, nas actividades da "Zona Zero", a principal antena do PAIGC em Bissau, dirigida por Rafael Barbosa.
No auge das suas actividades contra o Governo Colonial, José Carlos e Aliu Barry decidiram colocar uma bomba na própria delegação da PIDE/DGS em Bissau. Partiram de motorizada que deixaram banalizada nos arredores, atravessaram o portão principal e foram depositar o engenho na porta de grelhas, envidraçada do lado de dentro. Tratava-se de um potente explosivo de comando por relógio. Uma bomba-relógio!

Seguiu-se depois uma violenta explosão que fez voar em pedaços as grelhas e os vidros da porta da PIDE. José Carlos e Aliu tinham ousado desafiar o inimigo numa das suas mais protegidas fortalezas.
A fama do "Cobiana Jazz" percorrera praticamente toda a Guiné. José Carlos que entretanto fora chamado à tropa, bem como o Aliu Barry, viu-se afectado como condutor de camião em Fá Mandinga onde os Comandos Africanos recebiam preparação. Poucos meses depois seria o José Carlos convocado a Bissau onde receberia a ordem de prisão da PIDE. Aliu Barry teria a mesma sorte.

Deportados para a Colónia Penal da Ilha das Galinhas, Aliu cumpriu aí a sua sentença de dois anos. José Carlos só passou três meses na Ilha, tendo sido retornado ao Pavilhão de isolamento da Segunda Esquadra em Bissau para aí concluir o resto da sua pena fixada em três anos.

Esta dupla sanção dever-se-ia aos seus presumíveis contactos com a população da Ilha das Galinhas ou ao facto de que, entretanto, a PIDE teria descoberto outros casos em que estaria implicado e o teria reconvocado a Bissau. José Carlos defendia a segunda hipótese. Mas o afecto que dedicava aos Bijagós que constituíam a população da Ilha das Galinhas, era eloquente. Aliás, chegou a reivindicar essa paixão no seu famoso "djiu di Galinha"(...)


Foi quando a PIDE o transferiu da Ilha das Galinhas para Bissau, que o conheci de perto. Pois em Novembro de 1972, na sequência de uma greve de estudantes, precedida de manifestação no Palácio do Governo, tinha sido detido pela PIDE, por ordem do General Spínola.

Ocupei momentaneamente a cela n° 12 do Pavilhão de isolamento. O José Carlos encontrava-se na cela n° 16, a última do corredor. Quando lhe expliquei que fazia parte de um grupo de estudantes que fora reivindincar um tratamento mais condigno no plano dos estudos, entusiasmou-se tanto que pronunciou a frase : "É o segundo Pindjiguiti !"

Fui libertado algumas horas mais tarde em troca duma advertência pronunciada pelo Inspector-Adjunto da PIDE, Raimundo Alas, que não tinha matéria suficiente para me prender: "Não é porque o vizinho quer aumentar o seu terreno que vai estendê-lo sobre as margens do outro vizinho." Confesso que até hoje, não percebi o sentido desta frase.

A sentença caiu sobre mim em Maio de 1973. Quando me empurraram na cela n° 6 e fecharam a porta, senti umas batidas na parede, lembrei-me logo da técnica e respondi batendo na mesma. Uma voz vinda do fundo do corredor inquiriu: "Quem é?" O José Carlos Schwarz encontrava-se ainda na mesma cela de há seis meses atrás !

Estivemos juntos, eu na minha cela e ele na sua, durante cerca de quatro meses. Falamos de tudo e de nada. Fiquei desiludido ao saber que, afinal, havia traição na "Zona Zero". (..:)

Durante esse periodo tive o grande privilégio de ser um dos primeiros padrinhos das belas e salientes canções que o José Carlos compôs durante o seu cativeiro. "Minino de criaçon", "Muscuta", "Quê qui minino na tchôra", "Djénabu", "N’djanga" e toda a série que se lhes seguiu. Realizávamos até sessões de discos pedidos: eu animava e ele cantava." (...)

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13452: Efemérides (168): No dia 30 de Julho de 2014 fez 48 anos que embarquei para a Guiné, em rendição individual (José António Viegas)

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68), com data de 28 de Julho de 2014:

Meu caro Luís

O tempo voa faz agora, dia 30 de Julho, 48 anos que embarquei para a Guiné no célebre Uíge que tanta juventude levou para a guerra, para o desconhecido, poucos sabiam ao que iam.

Ainda me lembro desse dia.

Descendo a Calçada da Ajuda vindo dos Adidos, com a malinha na mão, sozinho, parei no quiosque em frente ao museu dos coches e tomei o meu pequeno almoço, nisto e para meu espanto aparecem duas amigas de infância que estavam em França, não sei como me descobriram e dizem: "Tu não vais para a guerra, temos tudo preparado para te levar para França", ao que eu respondi que não, que queria ir para a guerra.

Depois de alguns minutos de discussão foram embora zangadas comigo, e só voltaríamos a fazer as pazes muitos anos depois.

Segui então para o Cais e entrei no Uíge a observar todo aquele espectáculo de despedida, não tinha qualquer família e olhava parvo a ver aqueles gritos lancinantes e lágrimas de todos aqueles familiares. Comecei a ver este espectáculo no principio da guerra quando a tropa que seguia para Angola, que saia de Faro do RI 4, e embarcava na estação de Faro sempre com confusão e policia à mistura.
Depois no Uíge, como ia em rendição individual, lá fui encontrando amigos do curso e amigos de infância.

Em anexo a Ordem de Serviço da minha mobilização, mais umas fotos da viagem, acho com amigos da 1587.

Desembarcámos a 4 de Agosto de 1966, onde fui receber em Bolama o Pel Caç Nat 54, treinado pelo o nosso Camarigo Jorge Rosales.

Voltei a 22 de Setembro de 1968.

Em breve vou escrever as memórias de Porto-Gole

Um grande abraço
Zé Viegas

 





____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13438: Efemérides (167): Homenagem aos Combatentes da Grande Guerra do Concelho de Loures, levado a efeito no passado dia 25 de Julho de 2014 (José Martins)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Colónia Penal e Agrícola > c.julho/setembro de 1968 > Da esquerda para a direita, o chefe Joaquim e o fur mil Viegas, posando com um tubarão capturado.


Foto: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados


1. Resposta do José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68) a algumas perguntas nossas sobre a "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas" (*):

 (i) Mensagem de L.G., de 4 do corrente:

Zé: Tens mais fotos deste tempo e deste lugar ? O que sabes mais do funcionamento da colónia ? Eram presos comuns ou "turras" ? Não fugiam ? A população não tinha medo deles ? Onde dormiam ? Onde comiam e o que comiam ? O Chefe Joaquim era branco ? Era militar ou civil ? ... E vocês, militares (1 fur, 1 cabo, 3 praças...), o que faziam ? Apenas segurança ? Com tão escassos meios ? ... 

Enfim, entende a minha/nossa curiosidade: pouca malta, no nosso tempo de Guiné, ouviu falar da "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas"... Saúde. Luís Graça

(ii) Resposta do José António Viegas:

Na parte central na ilha, chamado o campo, havia uma casa colonial e uma parada grande com dois barracões que era onde viviam os presos. Na altura estavam lá perto de cento e tal prisioneiros entre os de delito comum e os presos  politico. Pessoalmente, não não sabia quais deles eram, n~
aop sabia distuingui-los,  pois o chefe [Joaquim] não falava comigo nesse aspecto.

O chefe Joaquim que está comigo na foto com o tubarão, esteve na GNR com o Spínola e depois foi  chefiar o campo. Penso que estivesse ligado à Pide.

Os presos circulavam à vontade. Alguns mais antigos viviam em palhotas junto ao campo,  faziam trabalho agricola, não havia problema com a população e poucas hipóteses tinham de fugir.

A vida da guarnição era fazer umas rondas pela ilha no Uunimog pequeno (Pincha) [, o 411] e pesca. Nada mais.

A comida dos prisioneiros era na base do arroz,  algum peixe e carne.

Naquele tempo eu não estava bem dentro dos assuntos,  não fazia muitas perguntas ao chefe que ele,  sempre de má cara com a sua úrsula [,úlcera], pouco respondia.

Só falei com um preso politico, que eu saiba, quando fui mordido por uma cobra verde, não sei se era médico ou enfermeiro , sei que tinha estado na  Repúbklica Checa [, na altura Checoslováqui,] e que veio tratar de mim.

Se encontrar mais fotos no baú,  logo envio
Um abraço
Viegas


2. Comentário de L.G. ao poste P12383 (*)

 Estou grato ao Zé António Viegas por nos mandar estas curtas memórias da Ilha das Galinhas (**)... Não imaginava que lá houvesse tropa... Um ano depois, em finais de 1969, haveria lá uma guarnição a nível de pelotão, conforme se pode ler no seguinte documento, consultado no Arquivo Amílcar Cabral, portal Casa Comum:

(...) "9) Ilhéu das Galinhas – Tem um Quartel. Tem 25 soldados armados de G3, granadas, tem bipé [sic]. Tem Polícia de Segurança. Tem Pide tuga e africana. Há 1 Pide tuga. O Chefe de Tabanca da Ilha das Galinahs, de nome Ansumane Bêcó [sic], é um Pide. Está junto com a sua família.

No quartel há um só carro: um Enimog [sic] [Unimog]. Há algumas pessoas favoráveis ao Partido  PAIGC]. Por exemplo, a tabanca de Amitite. Há uma pessoa favorável ao Partido, de nome Curancô, chefe de Amitite. Tem campo de aviação grande. Pousam lá os aviões que vêm de Bissau" (...)


Citação:

(1969), "Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41391 (2013-12-3).

Ver documento completo em Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.128.006
Título: Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós.
Assunto: Informações de carácter militar, extraídas da audição com os "camaradas" vindos dos Bijagós, sobre Soga, Bubaque, Formosa, Uno, Caravela, Orango, Orangozinho, Canhabaque, Galinhas e Uracane. Organização e formação política e ideológica dos Bijagós, manuscritos por Vasco Cabral.
Data: Terça, 2 de Dezembro de 1969.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1965-1969.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.


3. Ainda sobre a "colónia penal e agrícola" da Ilha das Galinhas:


Sabemos que foi criada em 1934 (ou pelo menos já existia nesta data). Cite-se o preâmbulo do Diploma Legislativo nº 884 (Boletim Oficial nº 44, de 29/10/934).

"O Governo da Colónia da Guiné, integrado na Política Nacionalista do País, empenhou-se na realização de uma obra profícua de assistência geral, pela protecção  social e revigoramento moral  de que tanto carecem as  populações admninistradas no momento que passa.

"Neste campo foi já promulgado um conjunto de medidas conducentes a tal desiderato: ontem a instituição do Reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor, depois a criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas; recentemente o diploma de protecção aos nacionais contra a crise do emprego e, hoje, a assistência geral sob os aspectos de trabalho, médico e social”  (…).

Era então governador da colónia (1932-1940), como então se dizia, sem complexos, Luís António de Carvalho Viegas, um militar de carreira, mais tarde general. Enquanto major de cavalaria, foi o herói da batalha de Canhabaque. Tem vários publicações sobre a Guiné dos anos 30: vd. por ex, Ilha de Canhabaque : relatório das operações militares em 1935-1936 (Bolama: Imprensa Nacional, 210 pp.)  [Vd. o sítio da Universidade de Aveiro > Memórias de África e do Oriente]. 


Fonte: (1934), "Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42954 (2013-12-4)

Ver e ampliar documento aqui > Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.028
Título: Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné
Assunto: Cópia do Diploma Legislativo n.º 884 (Boletim Oficial n.º 44, de 29 de Outubro de 1934) sobre a promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné. Instituição do reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor; criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas.
Data: Segunda, 29 de Outubro de 1934
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Operação de Cadigue / com. em 1-3-1963 / Notas gerência mercearias.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

(**) Último poste da série >10 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12423: Memória dos lugares (258): Bissau, 1968, aquando da visita do Presidente da República à Guiné (José António Viegas)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

Guiné- Bissau > Região de Bolama > Ilha das Galinhas >  "Galinhas é a ilha mais a nordeste do Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau, com 50 km2 de área e uma população estimada de 1 500 habitantes. Está situada a sudoeste da Ilha de Bolama, da qual está separada por um canal com 4,5 km de largura,e a cerca de 60 km a sudoeste de Bissau, a capital da Guiné-Bissau. Os principais povoados da ilha são Ambancana, Ametite, Acampamento, Ancano e Anchorupe. Durante o período colonial funcionou na ilha uma prisão, designada por "Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas", entretanto abandonada."

Fonte:  Wikipédia > Galinhas (Guiné-Bissau) (Reprodução, com a devida vénia). Inagem do domínio público, editada.

1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68), com data de 29 de Novembro de 2013:

A minha passagem pela Ilha das Galinhas ou mais correctamente Colónia Penal e Agrícola da Ilha das Galinhas.


Ao fim de 20 meses de mato fui enviado para Bolama e daí para a Ilha das Galinhas. Desconhecia por completo o que aquilo era, quando cheguei em meados de Junho de 1968.

O destacamento era composto por um Furriel, um cabo e 3 soldados.
Na parte civil e a comandar o campo tinha um chefe que era o Chefe Joaquim,  um homem de poucas conversas.


De vez enquanto encostava uma lancha LDP com um carregamento de prisioneiros, sempre em mau estado,  que vinham das prisões de Bissau, escoltado sempre por dois Pides, que entregavam os presos ao chefe e desandavam para Bissau.

Os prisioneiros andavam pela ilha soltos, mas soube que alguns passavam por ali em trânsito para o Tarrafal [, Ilha de Santigao, Cabo Verde].


Na altura não me despertava muito a curiosidade e as conversas com os prisioneiros eram poucas, a maioria trabalhava na bolanha e nas sementeiras de ananás e mancarra que havia pelo campo.

O povo Bijagó era muito afável. Passei quatro meses e acabei a minha comissão em Setembro de 68 com 25 meses de Guiné.











Guiné > Arquipélagos dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Junho/setembro de 1968. Fotos de José António Viegas, sem legenda.

Fotos: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12318: Memória dos lugares (255): Missirá, Zacarias Saiegh e Jobo Baldé em 1968 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6303: Historiografia da presença portuguesa em África (35): 100 presos políticos guineenses enviados em 1962 para o Campo de Chão-Bom, Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde (Luís Graça)

































Lisboa > IndieLisboa'10 > 7º  Festival Internacional de Cinema Independente > Culturgest > 23 de Abril de 2010 >  Sessão de estreia do filme Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, de Diana Andringa (2009)  >  Não se trata de fotogramas mas de imagens obtidas por máquina fotográfica durante a exibição do filme (com a devida vénia à realizadora  a quem não pedi expressamenete autorização...), e editadas por mim  > (*)

As três últimas fotos são de sobreviventes guineenses, que são entrevistados no filme e cujos nomes, lamentavelmente, não consegui fixar. Apreciei a descontracção, a naturalidade, a capacidade de memória, a coragem, a dignidade  e a emoção com que estes homens evocaram esses duros tempos de exílio e de prisão. Um deles  (o da última foto) confessou, inclusivamente, que por três vezes abriu a sua própria cova, lá na Guiné, e por três vezes foi salvo, talvez graças à sua juventude... 

Julgo que muitos deles não teriam qualquer ligação ao PAIGC, criado em 1956,  e que a partir de 3 de Agosto de 1961 passa à chamada acção directa - sabotagens, corte de vias de comunicação, etc- , antecipando a luta armada, iniciada oficialmente em 23 de Janeiro de 1963. Este período, de 1961 a 1963, de forte repressão por parte da PIDE (que não teria no território mais de 30 agentes metropoliitanos), é mal conhecido de todos nós, e está pouco documentado no nosso blogue...  Tal como é pouco conhecido o papel do Exército na "luta contra a subversão", neste período.

Já aqui evocámos, em tempos, a figura do advogado e escritor Artur Augusto Silva (1912-1983), casado com a nossa amiga Clara Schwarz e pai do nosso amigo Pepito, e que se destacou nesta época na defesa de presos políticos guineenses:

"Cidadão empenhado, africano nacionalista, jurista corajoso, fez questão de defender presos políticos guineenses, muitos deles seus amigos 'ou que passaram a sê-lo, acusados de sedição pela potência colonial'; mais concretamente, 'foi defensor em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações';

Fotos: Luís Graça (2010)


Por Portaria nº 18539, de 17 de Junho de 1961, assinada pelo então Ministro do Ultramar,  Adriano Moreira, foi reaberto o antigo campo de Tarrafal (que funcionou entre 1936 e 1954), agora designado Campo de Trabalho de Chão Bom, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, originalmente destinado aos presos políticos de Angola.

Trinta e dois portugueses - incluindo Bento Gonçalves (1902-1942), secretário-geral do PCP, entre 1929 e 1942- , dois angolanos e  dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência das condições infra-humanos em que ali viveram. "Famílias houve que, sem nada saberem o destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias fúnebres".

Os últimos detidos (angolanos e cabo-verdianos) foram libertados apenas em 1 de Maio de 1974.... Trinta cinco anos, e a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires, os sobreviventes  reencontraram-se no âmbito de um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal. Durante a realização do Simpósio, a cineasta Diana Andringa entrevistou mais de 3 dezenas desses sobreviventes, incluindo o português Edmundo Pedro, um dos que foram estrear o Tarrafal, em 1936. Mas a realizadora preferiu concentrar-se na 2ª parte da história  menos conhecida ou menos falada, deste campo de concentração  (**).

O documentário, com duração de hora e meia, foi feita basicamente com estas três dezenas de entrevistas, feitas no interior do antigo campo, e inclusive nas antigas celas.

Em 4 de Setembro de 1962 chegou uma leva de 100 presos políticos da Guiné, que se juntaram aos 107 angolanos que já lá estavam (mas alojados em alas separadas). Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sendo os restantes libertos no tempo de Spínola, em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor". Recorde-se que. ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um histórico do PAIGC, Rafael Barbosa  (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós.

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estão ainda hoje vivos. No 1º período (1936-1954) , o número de presos foi de cerca de 340, todos eles portugueses, opositores ao regime de Salazar, literalmente desterrados, presos arbitrariamente, sem direito a defesa nem a cuidados de saúde...

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6204: Agenda cultural (72): Documentário, de Diana Andringa, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, no IndieLisboa '10, na Culturgest, a 23 (Grande Auditório, 21h30) e 25 (Pequeno Auditório, 18h30)

(**) Vd.,  no blogue  Caminhos da Memória, o texto de um comunicação de José Augusto Rocha     feita em 29/10/2008, no Colóquio Internacional «Tarrafal: uma prisão, dois continentes» > 29 de Outubro de 2009 > Tarrafal – 29 de Outubro de 1936. O autor, um conhecido advogado, defensor de presos políticos antes do 25 de Abril,  foi Alf Mil da CCAÇ 557 (Cachil, Bafatá, Bissau, 1963/65).

domingo, 10 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3125: História de vida (14): Norberto Tavares de Carvalho, O Cote: do PAIGC ao exílio (A. Marques Lopes)


O Cor DFA Ref A. Marques Lopes, nosso amigo e camarada, juntamente com o Norberto Tavares de Carvalho, O Cote, que nasceu no Xime, foi líder estudantil no tempo de Spínola, preso pela PIDE/DGS em Novembro de 1972, comndenado em 1973 a três anos de prisão com deportação para o campo de concentração da Ilha das Galinhas, e finalmente libertado em Maio de 1974... Vive exilado na Suíça, desde 1983, na sequência do golpe de 'Nino' Vieira, em 1980
Fotos: © A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem de A. Marques Lopes, com data de 5 de Agotso:

Caros camaradas

No início das minhas férias (que já acabaram, ai, ai...) encontrei-me com um amigo guineense que veio de visita a familiares que tem em Portugal. Chama-se Norberto Tavares de Carvalho, "O Cote" (*). Tem uma história interessante.

Entre 1970 e 1973 foi estudante da Escola Industrial e Comercial de Bissau, tendo também trabalhado, em 72 e 73, como acompanhante na Ponte Cais de Bissau (trabalho nocturno); em 2 de Novembro de 1972 foi preso pela PIDE, por ordem expressa do General Spínola, na sequência de uma greve dos estudantes; em 8 de Maio de 1973 foi novamente preso pela PIDE, tendo sido condenado, em Setembro desse ano, a 3 anos de prisão e deportação para a Ilha das Galinhas (campo de concentração na Guiné para presos políticos). Foi libertado a 3 de Maio de 1974, na sequência do 25 de Abril.

Após a independência, foi dirigente da Juventude Africana Amilcar Cabral, tendo também trabalhado como funcionário público nos Arquivos da Segurança do Estado, entre Novembro de 1974 e Setembro de 1978, e sendo Comandante do Departamento Central da Migração em 1978-1980; foi preso em Novembro de 1980, depois do golpe de Nino Vieira de 14 de Novembro desse ano, tendo sido deportado, em Dezembro de 1982, para trabalhos forçados na ilha de Carache (nos Bijagós). Foi libertado em 1 de Maio de 1983, tendo fugido para o Senegal em Julho desse ano.

É exilado político na Suíça desde Novembro de 1983.

A alcunha de "O Cote" foi-lhe dada pela PIDE, disse-me ele. Os seus pais eram empregados de um alemão, de nome Cote, que estava na Guiné, e começaram a chamar-lhe assim. E é o nome por que ficou conhecido entre os seus camaradas do PAIGC.

Está a preparar um trabalho sobre aspectos da história da Guiné-Bissau, dizendo-me que encontra questões de muito interesse no nosso blogue, de que é leitor assíduo. Perguntei-lhe, já depois do nosso encontro, se podia enviar as fotografias em que estamos juntos bem como a sua estória. Respondeu-me que não vê inconveniente nenhum, "antes pelo contrário, a honra é minha" e "Fique djamtum e que a Tabanca Grande continue a se expandir pelo blogue fora".

Penso que é de publicar o que vos conto.

Abraço

A. Marques Lopes


2. Nova mensagem do A. Marques Lopes, com data de 8 de Agosto:


O Norberto de Carvalho, "O Cote", enviou-me esta correcção:

Excelente, gostei do meu curriculum. Só um pequeno pormenor, pois devo ter-me explicado mal, ou pouco: os meus pais não trabalharam para um alemão, não. É que eles moravam em Xime e, nesse dia 6 de Junho de 1952, data do meu nascimento, resolveram ir para Bambadinca onde haviam parteiras que podiam melhor ajudar no parto. Só que, chegados na "Ponta do Sr. Côte", uma horta há alguns quilómetros de Xime, para quem vai para Bambadinca, o bébé já estava aí! Tiveram que fazer uma alta e a mulher, assistida pela esposa do dono da horta, teve o seu bébé aí mesmo.

O Sr. Côte, dono da horta, de origem alemã (e libanês), ouvindo finalmente o bébé chorar, foi bater à porta do quarto onde o parto se desenrolava e perguntou à sua mulher, (num crioulo sem falhas):
- É rapaz ou rapariga?

Como a resposta foi "rapaz!", o agricultor decidiu que se chamaria Côte, como ele. Não foi lá muito democrático para o recêm-nascido, mas enfim, o patrónimo foi respeitado até hoje. Mas olhe, Marques Lopes, isto é para si, quanto a mim pode deixar o texto tal como está para ser publicado no blogue. Este é um pequeno pormenor sem incidências quaiquer. Avise-me quando o Luís Graça passar o curriculum no blogue. A propósito, explique-me como localizar no blogue o seu trabalho sobre a guerra colonial na Guiné. Devo confessar que me perco um pouco nas minhas buscas no site. Vai um abraço amigo."


Tinha-me pedido, para o trabalho que está a fazer, uma cópia do livro do Alpoim Calvão, De Conakry ao MDLP. Enviei-lho hoje. Recomendação aos editores, especialmente ao Luís Graça, que ele refere: dêem atenção a este caso. É uma relação de interesse para a tertúlia, um guineense da luta que poderá participar.

A. Marques Lopes

____________

Nota de L.G.:

(*) O Norberto Tavares de Carvalho tem publicado, desde Maio de 2006, diversos textos na página de Fernando Casimiro (Didinho). Já aqui pubicámos um desses textos, com a devida autorização do Didinho: 22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2203: Artistas guineenses (2): José Carlos Schwartz (Didinho/V.Briote)

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Guiné 63/74 - P1337: O campo de concentração da Ilha das Galinhas (João Tunes)

Guiné > Região de Tombali > Catió > Mato Farroba > Abril de 1970 > Em primeiro plano, o ex-Alf Mil Transmissões e hoje nosso estimado camarada João Tunes .


Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.


Mensagem do João Tunes, já enviada a toda a tertúlia.

Sobre os Outros
por João Tunes

Caro Luís e restantes camaradas,


Como era incontornável, o nosso blogue, cada vez mais rico e recheado de facetas mais encadeadas, assenta sobretudo na visão da guerra de um dos lados, o das NT. Não podia ser de outra forma. Mas, julgo eu, sobretudo a esta distância no tempo, não entenderemos o que passámos e lá estivemos a fazer, sem compreender o outro lado, o lado do IN. Só numa compreensão abrangente das duas metades, é que, nós e os guineenses, podemos ter a percepção da epopeia daquele drama comum e que nos ficou a unir.

Infelizmente, da parte do PAIGC, há uma exiguidade de produção histórica e tratamento documental e testemunhal sobre a sua luta. A par do facto terrível de que a grande maioria dos antigos combatentes do PAIGC ou morreu ou para lá caminha proximamente sem deixar lavrados os seus imprescindíveis relatos e testemunhos (é muito curto o horizonte de vida na Guiné).

Esperemos que a saída à luz do dia, e em breve, da tese académica do nosso amigo tertuliano Leopoldo Amado compense uma parte das lacunas que nos atrapalham a visão larga da memória da guerra na Guiné (1).

Entretanto, aproveitando para o divulgar e recomendar, saiu um livro importante da Dalila Cabrita Mateus (*) em que ela apresenta um conjunto de depoimentos recolhidos e verificados junto dos prisioneiros africanos no período da guerra colonial. Julgo até que este livro é de leitura impositiva pois possibilita, coisa rara, que se oiçam vozes do sofrimento daqueles que
combatemos e nos combateram. O que é útil a vários níveis - permite-nos relativizar os nossos sofrimentos enquanto combatentes coloniais; traz à luz do dia uma bestialidade escondida no tratamento da pessoa humana que era o lastro do suporte ao nosso combate e sobrevivência. Sem aquilo, sem aquela PIDE, poucos de nós estaríamos aqui a escrever e a contar.

Uma parcela importante do livro de Dalila Cabrita Mateus é composta de entrevistas com prisioneiros da segunda fase de funcionamento do Campo de Concentração do Tarrafal (Ilha de Santiago - Cabo Verde). Como se sabe, o Campo (também conhecido como Campo da Morte Lenta) funcionou entre 1936 e 1954 para prisioneiros políticos portugueses e o seu encerramento deveu-se ao escândalo internacional devido à demasiada semelhança com os campos nazis.

Após o declarar da guerra em Angola, o então Ministro do Ultramar Adriano Moreira (o mesmíssimo académico hoje celebrado como o grande visionário geoestratégico do desígnio português no mundo), firmou despacho legislativo para que o Campo do Tarrafal fosse reaberto para os prisioneiros capturados nas colónias. Esta medida coincidiu com o fim dos julgamentos, em Tribunal Militar, dos prisioneiros africanos. A partir de então, os prisioneiros passaram a ser dispensados de julgamento e, depois de interrogados e torturados, era-lhes fixada administrativamente (pelos Governadores sob proposta da PIDE) residência por tempo indeterminado num dos campos de concentração existentes em África.

No que respeita à Guiné, os prisioneiros que não eram liquidados pelas NT e pela PIDE, passaram a ir para a ilha das Galinhas (Bijagós-Guiné) (2) ou para o Tarrafal. Neste Campo,
além de alguns caboverdianos, estiveram, até 1974, muitos prisioneiros angolanos mas o grosso do número foram guineenses (várias centenas). E uma norma imposta era a proibição de qualquer contacto entre os prisioneiros das várias nacionalidades. Mas, os prisioneiros guineenses não só perfaziam a maior percentagem como estavam sujeitos a piores condições relativas (3).

Primeiro, ao contrário da maioria dos angolanos, não recebiam ajuda dos seus familiares (em géneros, em dinheiro, em correio). Segundo, cúmulo do sadismo administrativo, a alimentação dos presos fornecida no Campo era diferente pela razão que o orçamento era diferenciado consoante a origem. Uma regra estabelecia que eram os governos das províncias que custeavam a alimentação dos presos e enquanto o Governo Provincial de Angola dotava de 20$00 os
cofres do campo para a alimentação diária de cada prisioneiro angolano, Spínola atribuía apenas 5$00. O que levava a que, na alimentação dada a cada prisioneiro guineense, se gastasse um quarto do custo havido com cada angolano!

Imagine-se o resultado pois não havia suplementos alimentares por falta de apoios familiares. Foram inúmeras as mortes por doença entre os prisioneiros guineenses, nomeadamente por défice vitamínico que conduziu a várias mortes por escorbuto (!). E como não eram permitidos quaisquer contactos entre prisioneiros angolanos e guineenses, obviamente que a solidariedade inter-africana não tinha meios para se verificar.

Naquelas terríveis e ainda pouco conhecidas condições, compreende-se o desânimo e o desespero de grande parte dos prisioneiros guineenses. E como a PIDE nem ali dormia, entende-se também que ela tenha conseguido trabalhar um grupo de combatentes aprisionados no Tarrafal para os levar á traição dos seus e colaborado com a formação do grupo libertado que se reinfiltrou no PAIGC e levou a cabo o assassinato de Amílcar Cabral em 1973 (3).

Depois da PIDE reduzir aqueles homens à miséria humana ainda encontrou matéria-prima para que alguns dos miseráveis se prestassem a reproduzir a miséria.


Abraços para todos os camaradas.

João Tunes

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(*) - Memórias do Colonialismo e da Guerra, Dalila Cabrita Mateus, Ed. ASA . Sobre este livro, coloquei post no meu blogue > Água Lisa (6) > 27 de Novembro de 2006 > A África e Nós
Cópia da capa do livro de Dalila Cabrita Mateus > Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: Edições ASA. 2006. Colecção: Arquivos Históricos. 672 pp. Preço: 24,00 € (com IVA).


Fonte: © Edições ASA (2006) (com a devida vénia...).


(...) "Neste quadro, assume um relevo extraordinário o trabalho da Professora Doutora Dalila Cabrita Mateus, do ISCTE, que tem vindo, desde há vários anos, a debruçar-se sobre a guerra colonial no período 1961-1974 e que culminou numa monumental tese de doutoramento sobre o tema após aturadas investigações nos arquivos e na recolha de testemunhos orais em Portugal e em África. Desta tese, a Editora Terramar já havia publicado a síntese do corpo principal (**) incidindo sobre a acção da PIDE nas colónias africanas.

"A Editora ASA acaba agora de editar (***) um complemento de enorme valor testemunhal e que são os depoimentos orais que a investigadora recolheu, aferiu e cruzou junto de portugueses e africanos que foram protagonistas, nos vários cenários coloniais, do drama do conflito-estertor do colonialismo português, esse banho de sangue com que quisemos selar o fim da presença portuguesa em África, na teimosia de contrariar os ventos da história.

"Significativamente, os depoimentos recolhidos por Dalila Mateus entre 1999 e 2001 e sistematizados neste segundo livro, são quase todos acompanhados de uma nota em que se refere os falecimentos da maior parte dos depoentes antes da edição do livro. O que demonstra que essa recolha, para além dos seus valores próprios e impressivos, foi salva à tira, ou seja, mais uns poucos anos passados e testemunhos únicos e riquíssimos perdiam-se na poeira das leis da vida.

"Para um português, não deixa de ser inovador e perturbador ouvir as vozes das elites dos africanos que nos sofreram em África. Dando-nos uma dimensão mais profunda à nossa vergonha necessária. E obrigando-nos, até, a relativizar o nosso próprio quadro europeu de sofrimento da ditadura e do consequente preço pelo alcance da democracia. E o único consolo que resta, no quadro abrangente do regime ditatorial, é que a brutalidade estremada utilizada no cenário colonial (basta comparar as práticas da PIDE na metrópole e nas colónias, lá mais brutal para os prisioneiros que cá, lá mais apoiada que cá pela população branca) acabou por ser a pá de cal deitada no caixão da ditadura.

"Vem aí o Natal, época de prendas. Para os outros e para nós. As minhas sugestões ficam aqui. Porque não há melhor oferta que a de nos ajudarmos a entender. E essa obra de entendimento (do eu, de nós, dos outros), ideia minha, é mister sobretudo dos poetas e dos historiadores. Sem uns e outros, seremos apenas, por muito bem que cantemos, pássaros à janela (para sair ou entrar)" (...).

__________


(**) –A PIDE/DGS na Guerra Colonial (1961-1974), Dalila Cabrita Mateus, Ed. Terramar. 2004.

(**) – Memórias do Colonialismo e da Guerra, Dalila Cabrita Mateus, Ed. ASA. 2006.


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Notas de L.G.:

(1) Há vários posts do Leopoldo Amado no nosso blogue. Vd., por exemplo, posts de:


22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVI: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte


(2) Ilha das Galinhas: fica situada a sudoeste da Ilha de Bolama, separada desta pelo Canal de Bolama. Por lá passaram muitos dirigentes e militantes do PAIGC, incluindo um dos seus fundadores, Rafael Barbsa:

(...) "Ora, para lá do provável ou mesmo real empolamento de Pindjiguiti e da justeza ou não das formas e conceitos, sempre discutíveis, sobre a forma como Pindjiguiti foi etiquetado (contenda laboral, massacre ou carnificina) ou ainda do quantitativo de mortes que se saldou na decorrência do acontecimento enquanto tal, temos para nós que o que se afigura importante é o reconhecimento da importância e o alcance históricos que o mesmo teve, à jusante e à montante da guerra colonial/guerra de libertação, no contexto do processo libertário do povo guineense.

"Aliás, não foi por acaso que depois de Pindjiguiti o PAIGC logrou atingir uma assinalável mobilização que permitiu o desencadeamento da luta armada de libertação. Também, não foi por acaso que no decorrer da guerra colonial/ guerra de libertação, invariavelmente, o PAIGC normalmente assinalava a efeméride com ataques simultâneos a várias localidades, inclusivamente os centros urbanos, sobretudo a partir de 1968.

"Não foi igualmente por acaso que em 1962, os vários partidos e movimentos de libertação que pululavam em Dakar e Conakry (mais contra o PAIGC do que contra o colonialismo português) decidiram criar a 3 de Agosto desse mesmo ano uma frente de luta, a FLING.
"Por fim, não foi também por acaso que Spínola, por ironia do destino, mas com objectivos claramente à vista, procedeu, no âmbito da sua política da Guiné Melhor, a 3 de Agosto de 1969, a uma espectacular libertação de cerca de uma centena de prisioneiros políticos guineenses, dos quais Rafael Barbosa, ex-Presidente do PAIGC, bem como todos os que se encontravam na colónia penal d da Ilha das Galinhas, da Colónia Penal de Tarrafal em Cabo Verde e os que se encontrvam no Forte de Roçadas, em Angola, em pleno deserto de Moçamedes" (...).

(3) Vd. blogue de Leopoldo Amado, Lamparam II > 14 de Maio de 2006 > Simbólica de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau



Fonte: Guiné-Bissau Contributo (blogue de Didinho)


Também José Carlos Schwarz (que não tem qualquer parentesco com o nosso Pepito) esteve desterrado na Ilha das Galinhas.O pioneiro da moderna música da Guiné-Bissau - poeta, músico, compositor e intérprete - nasceu na capital em 6 de Dezembro de 1949. Fez os seus estudos em Bissau e Dacar. Preso político, foi deportado para a Ilha das Galinhas. Após a independência, foi director do Departamento de Arte e Cultura do Comissariado da Juventude e Desportos e encarregado de negócios da Guiné-Bissau em Cuba. Foi, de resto, aqui que encontrou a morte, num dedsastre de aviação, ocorrido a 27 de Maio de 1977 .