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sábado, 18 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25539: Os nossos seres, saberes e lazeres (629): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (154): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
É um adeus e até ao meu regresso, a 111 mantém-se imparável, estou certo e seguro que o Centro de Arte Manuel de Brito nos reservará agradáveis surpresas depois de agosto. Aquele espaço é para mim lugar de culto e aqui faço um arrazoado de alguns achados que me transfiguraram a existência. Não cometo nenhum excesso de linguagem quando digo que na 111 vi com os meus olhos exposições esplendentes, que aqui se cimentou um modo de olhar e que me perdoem ter-me desdobrado a falar do meu deslumbramento por esta exposição onde encontrei pontos de ancoragem para o meu gosto, e daí lembrar com muita saudade o Manuel de Brito que lançou esta bela aventura do espírito.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (154):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 4


Mário Beja Santos

Despeço-me com pesar desta romagem de saudade a um espaço que frequentei nos anos 1960 e 1970, com bastante assiduidade. Antes de começar a trabalhar aos 19 anos, fiz-me sócio da Gravura e alguns dos nomes proeminentes que irei ver desfilar neste espaço recebi a informação e anualmente um trabalho artístico, a quotização era baixinha. Enquanto visitava esta exposição que está patente até dia 3 de agosto lembrei-me de duas conversas havidas, uma com Manuel de Brito, outra com António Dacosta. Brito insistia que eu devia comprar aquela serigrafia do autorretrato da Sonia Delaunay, e eu insistia no meu salário magro e numa filha recém-nascida, ele advertiu-me que me iria arrepender, e o mínimo que hoje posso dizer é que teria sido preferível andar um mês a pão e laranjas, e poder hoje ter esta obra admirável para regalo dos meus olhos; Dacosta, que eu não conhecia, entendeu que eu era merecedor de uma visita guiada, falei-lhe de que convivera com um quadro seu, uma obra admirável do período surrealista, estava pendurada numa parede da sala do poeta Ruy Cinatti, fizemos a visita guiada a falar do Cinatti.

A 111 foi uma casa ofuscante da minha formação, deu facilmente para entender que estes movimentos estéticos que as exposições apresentavam traduziam uma abertura de espírito cada vez mais longe da “política de espírito” de António Ferro e que o regime de Salazar, com maior ou menor aceitação, apoiava nos seus certames, tudo sobre a aura do modernismo. A 111 trazia a rotura, a multifacetada modernidade, a Lourdes Castro, o Costa Pinheiro, o Noronha da Costa, António Areal, Eduardo Batarda, Helena Almeida, João Cutileiro, foi neste espaço que conheci a arte de Palolo, de Paula Rego, o outro Pomar, enfim, a redescoberta daquela Sonia Delaunay. É evidente que estavam em marcha iniciativas que iriam transfigurar a arte portuguesa, logo as bolsas de estudo atribuídas pela Gulbenkian, as exposições de artistas estrangeiros, as celebrações de efemérides, os prémios que, de um modo geral, confirmavam os talentos que ajudaram a reforçar o que veio depois a acontecer com o 25 de Abril.

Despeço-me deste arco histórico de seis décadas de alguma das melhores artes plásticas portuguesas que a 111 guarda no seu bojo, enfim, que me perdoem este paraninfo que envolve aquelas décadas em que se me formou o gosto, e até me apetece recordar o que naquele tempo estava a mudar no design gráfico, o Sena da Silva, o Victor Palla, o Sebastião Rodrigues, o Infante do Carmo, eram novos caminhos, eu não desdenhava as belas capas de livros de Bernardo Marques, João da Câmara Leme ou Paulo Guilherme, até mesmo o Cândido Costa Pinto de que guardo religiosamente alguns livros da Coleção Vampiro, onde ele pontificou até perto do nº100, só que foi neste espaço que alguém que caminhava para os 20 anos e até uma década mais tarde veio aqui ver alguma das mais esplendentes exposições que houve em Portugal.

Manuel de Brito e Costa Pinheiro
António Dacosta e Manuel de Brito
Júlio Pomar, José Saramago e Menez
António Dacosta, Ilha
Bartolomeu dos Santos, Parabéns pela menina de Abril, 1975
Nikias Skapinakis, Santa Liberdade
Noronha da Costa, sem título
Lourdes Castro, Sombra Deitada
Costa Pinheiro, Universonaut
Maria Helena Vieira da Silva, Quer-Luz
Eduardo Luiz, sem título
Sónia Delaunay, Autorretrato
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Nota do editor

Último pose da série de 11 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25508: Os nossos seres, saberes e lazeres (628): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (153): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (3) (Mário Beja Santos)

sábado, 11 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25508: Os nossos seres, saberes e lazeres (628): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (153): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Há razões muito sérias que me levam a prolongar esta viagem encantatória por um lugar que frequentei com grande insistência décadas a fio, primeiro a Livraria e um livreiro afável e pedagogo, ali expunha-se um admirável mundo de livros de ideias, da moderna literatura, naquele tempo a língua francesa tinha grande peso, mas os alunos de Germânicas eram grandes frequentadores à procura de cinema, teatro, romance, ensaio, política; depois abriu-se uma sala ao lado, era a inolvidável surpresa de vermos nas paredes gente de que nunca tínhamos ouvido falar, e apareciam velhos mestres ou artistas consagrados, conversava-se em grupos e havia aquele espanto de tanto se poder escutar Adriano Correia de Oliveira como Bach. Pelo adiante, o espaço cresceu, e agora qualquer um de nós pode ir conhecer a história da 111 por 60 anos de vida, como cresceu, como aquela coleção de Manuel de Brito é uma referência reconhecer o que mais de singular se produziu na segunda metade do século XX, até à atualidade, e a participação de artistas estrangeiros é muito mais do que interessante. Até à próxima.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (153):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 3


Mário Beja Santos

Terá sido à volta de 1966, já decorriam as exposições de novíssimos artistas na sala ligada à Livraria 111, seria um princípio de tarde, ouvia-se um dos concertos de brandeburgueses de Bach, bem sentado, deu-me para pensar por onde andara a minha iniciação estética. Frequentava semanalmente a casa dos meus padrinhos, ali pendurava-se pelas paredes Dordio Gomes, Simão da Veiga, Veloso Salgado, Túlio Vitorino, Maria Adelaide Lima Cruz e até exposto numa vitrina um desenho que Almada Negreiros fizera durante uma lição de desenho ao meu padrinho. Tudo arte figurativa, neoacademismo, naturalismo, modernismo em várias gerações. Fizera-me, anos antes, sócio de uma cooperativa, Gravura, dava-se uma ninharia trimestralmente, ao fim de um ano tinha-se direito a uma gravura, no primeiro ano coube-me Mulher reclinada, de Júlio Pomar, foi prenda de casamento para um amigo. Hoje, quando leio que foram os anos 1960 os de rutura, tenho sérias dúvidas, quando vejo Querubim Lapa, Vespeira, Pomar, Vieira da Silva, Nadir Afonso, Cruzeiro Seixas, Sena da Silva, Carlos Calvete, Nikias, António Areal, entre outros.

Mas será na 111 que irei ter acesso a uma nova dimensão da modernidade, logo Paula Rego, Eduardo Batarda, Costa Pinheiro, Joaquim Bravo, Lourdes Castro, Palolo, Noronha da Costa. Aquilo que os críticos irão chamar as novas linguagens, quanto a ruturas radicais, torço o nariz, há processos de continuidade, vincam-se novas tendências para além do neorrealismo já em vias de abandono, mas ainda o pujante surrealismo, há um conjunto de artistas no estrangeiro, surge a simpatia pelo pop, o minimalismo, a arte gótica, uma transfiguração do expressionismo, sinais do gestualismo, a plenitude da arte abstrata, o desafio das relações entre a pintura e a escrita, criando-se uma pintura caligráfica, aparece o acrílico, os objetos de arte, as pinturas-objeto de Helena Almeida. Tive essa escola, comecei a visitar exposições noutras galerias, mantive-me sócio da Gravura. Fui à guerra e volto à 111 no outono de 1970, senti um choque, as artes plásticas galgavam para novos horizontes, eu vinha do horror e da brutalidade, de patrulhas de flagelações, de golpes de mão, dos meus mortos e dos meus feridos, aqui o mundo seguia noutras direções, manifestamente indiferente às guerras de África. Mas a 111 foi um espaço de readaptação e reequilíbrio, a par da vida familiar, da retoma dos estudos, muita da arte que vou ver ao longo dos anos 1970, antes e depois do 25 de Abril, ajudou-me a ser quem sou hoje. Por isso, a minha dívida para com a 111 é impagável, a solicitude do Manuel de Brito que a todos atendia tão afavelmente, sem nunca ter em conta o poder de compra do cliente próspero ou dos estudantes e o seu viver magro, honra lhe seja sempre feita como galerista que só ansiava por ver multiplicada a arte que aqui se expunha.

E, por isso, vou andando às voltas, em dança e contradança, recordando o que vi ao tempo ou que acabo de conhecer de novas gerações. E a visita continua.

Centro de Arte Manuel de Brito, imagem não atual, Campo Grande, 113A
Golden Girl, por Adriana Molder
Carlos Botelho, Place du Tertre
Foi livraria, já não é, mas continua a ser um recanto de que se gosta de bisbilhotar
Carlos Correia, sem título
Joana Fervença, Unfairtrade
Bartolomeu dos Santos, A Palmeira do Chile – eu em Algés em 1934
Bengt Lindström, Regard D’Ailleurs
Júlio Pomar, Os Mascarados de Pirenópolis
Eduardo Batarda, El instante meaning
Arpad Szenes, Le Couple

(continua)
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Nota do editor

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Último post da série de 7 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25489: Os nossos seres, saberes e lazeres (627): "Monumento aos Combatentes do Ultramar - Belém", um apontamento filmográfico de Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval

sábado, 4 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25477: Os nossos seres, saberes e lazeres (626): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (152): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
É uma romagem de saudade, encontro na 111 uma das pontes que me fez chegar à democracia com os equipamentos dados pelos anunciadores do futuro. Os jovens universitários desciam das faculdades de Medicina, Direito e de Letras e tinham no Campo Grande dois postos de acolhimento, um para adquirir as obras de estudo, outro onde se revelavam sinais de mudança, livros ideológicos que não se podiam traduzir, a novíssima poesia, o novo romance, obras de gente proscrita, e daí a 111 ser visitada regularmente para apreensões. Havia sempre o conselho personalizado do Manuel de Brito, até que um dia, no princípio de 1964, abriu um espaço ao lado da livraria, uma pequena sala, ali vieram expor artistas de que eu nunca ouvira falar, caso de Álvaro Lapa, Palolo ou António Sena. 60 anos depois sinto-me embevecido por ver esta coleção, o Arquivo Histórico-Cultural que a acompanha, instituição de referência, e ver a coleção a crescer, com artistas nacionais e estrangeiro. Vale a pena ir até ao Campo Grande até aos princípios de agosto, ali se podem contemplar algumas das obras mais representativas de artistas plásticos que marcaram a nossa geração.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (152):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 2


Mário Beja Santos

Nos chamados Anos de Chumbo, havia os retratistas de encomenda (Henrique Medina ou Eduardo Malta), os mestres das empreitadas oficiais (Barata Feyo), os modernistas que António Ferro tolerava (Paolo Ferreira, Carlos Botelho, Bernardo Marques, Almada Negreiros, Sarah Afonso, Ofélia Marques…), os neorrealistas (Júlio Pomar, Vespeira…) que, de um modo geral, transitaram para outras correntes estéticas no início da década de 1960, os surrealistas (Cruzeiro Seixas, Cesariny, Carlos Eurico da Costa, Cândido da Costa Pinto) e, fora destas tendências, emergiram uns jovens que irão encontrar guarida, imagine-se, em galerias como a do Diário de Notícias ou no lugar de exposições numa sala anexa à Livraria 111, no Campo Grande, sonho de Manuel de Brito, a 111 tornar-se-á, nas décadas subsequentes, um espaço memorável para estreantes e novos consagrados como Nikias Skapinakis, Sá Nogueira, Pomar, Paula Rego, Menez, entre muitíssimos outros. Ao longo de 60 anos aqui farão exposições Maria Helena Vieira da Silva, Lourdes Castro, Charrua, Eduardo Batarda, Noronha da Costa, Cutileiro, José Escada, Eurico Gonçalves, Jacinto Luís, João Moniz Pereira, Palolo, Vespeira, João Vieira, entre muitíssimos outros, uma centena e tal de exposições, e hoje um acervo histórico documental de referência para as artes plásticas portuguesas. A coleção cresceu com aquisições de importantes artistas estrangeiros, como Arman, Sonia Delaunay, Bengt Lindström, Karel Appel, Vasarely, Arpad Szenes, e muitos mais.

Para a minha geração, descendo a Alameda da Universidade, havia duas livrarias onde íamos bater à porta, a Universitária e a 111, conteúdos distintos. A 111 era uma caverna de curiosidades, as novas correntes de poesia, aqui se trocavam informações sobre autores face aos quais não havia condições para traduzir, as editoras conheciam as linhas vermelhas da PIDE e da Censura, Manuel de Brito sugeria aquisições que sabíamos impensáveis noutras livrarias, era ali ou junto do senhor José Barata, livraria do mesmo nome, na Avenida de Roma. E depois surgiu a pequena sala anexa, quem não tinha dinheiro como eu era ali que podia ouvir Jacques Brel ou Adriano Correia de Oliveira, e para surpresa de muitos podíamos entremear música destes novos trovadores com Bach, os russos clássicos ou de vanguarda. Foi assim.

Esta exposição dos 60 anos da 111 (1964-2024) é credora da nossa visita. A primeira vez que lá entrei para a visitar parecia-me uma galeria de estampas à moda antiga, fui arrebatado pela disposição das obras, há para ali muita luminosidade, claros-escuros, mensagens encriptadas, roturas, enfim, um espectro de correntes estéticas que chega praticamente aos nossos dias. Tenho todo o prazer em lá voltar e gostava de vos dizer que a exposição está patente até ao início de agosto, entrada grátis, o visitante até pode receber uma curiosa lembrança.

Manuel de Brito frente à Livraria 111, a rua chamava-se então Estrada de Malpique, naquele prédio viviam Mário Soares e Maria Barroso e os filhos, a livraria fazia esquina com o Campo Grande, Manuel de Brito alargou a livraria a um espaço onde entraram as artes plásticas, a música clássica e os trovadores que anunciaram o 25 de Abril
Montra da Livraria 111 nos bons velhos tempos
João Leonardo, Busto, beatas de cigarros e caixa em acrílico
René Bertholo, Bateau a Qual II, objeto mecânico em metal
Eduardo Luís, A Gaveta Desabitada
Manuel de Brito, desenho de um grande artista
José Escada, guache e tinta-da-china sobre papel
Nikias Skapinakis, Paisagem
Júlio Pomar, Pantagruel, ilustrações para o livro
João Vieira, Sonsoar, guache sobre papel
António Palolo, guache sobre papel

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 27 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25451: Os nossos seres, saberes e lazeres (625): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (151): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 27 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25451: Os nossos seres, saberes e lazeres (625): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (151): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Foi uma tarde de domingo para encher a alma de gostosas memórias. Há umas boas décadas, tinha comprado um livro do fotógrafo Luís Pavão com as tabernas de Lisboa, imagens espantosas. Elas reaparecem agora na exposição que o grande fotógrafo tem no Museu de Lisboa, vem bem a propósito agora, que estamos meio século separados do Estado Novo, como éramos e como somos, até parece que nos estamos a ver ao espelho, é um registo impressionante desta viagem pelo tempo. E um quilómetro à frente, entrei num espaço de culto, a Galeria 111, inaugurada em 1964, ao lado da Livraria onde Manuel de Brito nos facultava quer obras proibidas ou nos dava informações sobre novidades editoriais, não era propriamente a livraria dos livros do meu curso, essa era a Livraria Universitária. Tenho uma dívida impagável com a Galeria 111, foi espaço iniciático, é mais do que um dever de memória saudar os 60 anos da Galeria 111, a perseverança dos seus familiares que mantêm vivacissimo este espaço de cultura e convidar os leitores a vir até cá, a exposição prolonga-se até agosto.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (151):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 1


Mário Beja Santos

Nos anos 1960, a aquisição e descoberta de livros fazia-se no Campo Grande, descia-se a Alameda da Universidade, virava-se à direita, enteava-se na Livraria Universitária, era aí que fui comprar livros para as disciplinas de Pré-História, Antiguidade Oriental e Antiguidade Clássica, Teoria da História, Idade Média, Cultura Medieval, etc., havia que conversar com a “senhora doutora”, a proprietária, se estivesse só a empregada só atendia quando apontávamos o dedo para este ou aquele livro, caso contrário era melhor virmos mais tarde. Tínhamos depois a Livraria 111, aqui primava a variedade, até na música, mesmo sem dinheiro para compras, ouvia-se José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Joan Baez, Bob Dylan, Jacques Brel, Leo Ferré, o acervo de música clássica era impressionante. Depois apareceu o anexo, em fevereiro de 1964, a galeria de arte, festejam-se agora os 60 anos. O que ali aprendi não é enunciável, a galeria também funcionava como uma tertúlia, podia-se consultar livros, era local onde a PIDE se mantinha ativa e vigilante, e tinha razão para isso, vendiam-se obras proibidas de à sorrelfa. Ali iniciei a minha formação de gosto pela arte contemporânea, há exposições inesquecíveis, ali aprendia a deslumbrar-me com a arte de Sonia Delaunay, com as primorosas gravuras de Bartolomeu Cid dos Santos e David de Almeida, com a arte terna de António Dacosta, que começou no surrealismo e na plena maturidade se fascinou por temas de grande ingenuidade e delicadeza; ali passei a admirar Jacinto Luís e Eduardo Luís, o período pop de António Palolo, os temas ligados à sociedade de consumo e da luta pelos direitos personificada nos trabalhos de Sá Nogueira, foi aqui que descobri o génio da Paula Rego e de Júlio Pomar, de quem tinha umas gravuras que adquiri quando fui sócio da Gravura, uma cooperativa de artistas que revolucionou a arte seriada.

Volto agora para contemplar neste espaço de que guardo doces memórias a exposição dos 60 anos. Venho com as pernas doridas da exposição que está no Museu da Cidade dedicada à fotografia de Luís Pavão. Pedi uma cadeira e folheei um desdobrável de apresentação. Foi aqui que expuseram pela primeira vez artistas como Álvaro Lapa, António Palolo ou António Sena. O que aqui se pode disfrutar são imagens da coleção Manuel de Brito. “Ao longos destes 60 anos foi reunido um importante arquivo com toda a documentação das exposições, livros, catálogos, artigos de imprensa e a correspondência trocada pelos artistas, que é regularmente consultado por estudantes portugueses e estrangeiros para as suas teses de mestrado e doutoramento.” Em janeiro de 2023 abriu, no espaço do Campo Grande o Centro de Arte Manuel de Brito, sem objetivos comerciais, mostra-se as obras da coleção. O objetivo da efeméride é exibir duas centenas de obras de quase todos os artistas que expuseram na galeria ao longo destas décadas.

Enquanto me vou fixando em obras que me tocam, recordo Manuel de Brito e o modo afável como ele tratava os estudantes desabonados, e mesmo mais tarde, nas décadas de 1970 e 1980, quando os proventos eram parcos, e quando mostrávamos entusiasmo perante uma gravura ele propunha prontamente compras a prestações. Foi assim que adquiri uma ponta seca da Vieira da Silva que o David Almeida gentilmente removeu umas sujidades. E aqui deixo ao leitor imagens de obras que sempre me impressionaram, de gente tocada pelo génio ou por talento desmesurado, de que não escondo a profunda admiração, admiração que estendo à mulher e ao filho de Manuel de Brito, a Maria Arlete e o Rui Brito que continuam a adquirir obras para a coleção e que mantêm vivo este espaço dominante das artes plásticas.

Manuel de Brito e Sonia Delaunay, 1962
Paula Rego em pleno labor criativo, na Galeria 111, 1982
Obra de Paula Rego na Exposição Comemorativa dos 60 anos da Galeria 111, esteve exposta num outro lugar até março de 2024, na companhia de obras da Lourdes Castro
Obra de Sonia Delaunay
Obra de António Palolo
Obra de Miguel Telles da Gama
Arman
Duas obras de Paula Rego
Obra de Jacinto Luís
Obra de Menez
Bartolomeu Cid dos Santos

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25416: Os nossos seres, saberes e lazeres (624): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (150): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 20 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25416: Os nossos seres, saberes e lazeres (624): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (150): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
É um museu de grande beleza, e não tenho qualquer pejo em dizer que podemos observar neste espaço alguns dos quadros fundamentais da História de Portugal, o nosso hino nacional conclama-nos a gritar às armas, e elas estão aqui desde tempos antigos até aos tempos próximos. Consta que o museu se irá aprimorar com um espaço dedicado às guerras que travámos em África, faz todo o sentido, importámos muito armamentos mas também produzimos pela nossa indústria, basta lembrar a Metalúrgica Duarte Ferreira, dali saíram viaturas que percorreram picadas africanas. A Academia Militar reserva espaço a quem nela se preparou e se glorificou, essa visita foi feita e mostrados sinais de que a Academia não esquece alguns dos seus heróis. O que talvez vá aumentar a importância deste Museu Militar é revelar os armamentos e o modo de viver dos que combateram por longos anos, resta dizer que o Museu Militar de Lisboa, pelo seu esplêndido acervo, bem pode abrigar a memória desses tempos que conduziram ao fim do império e ao enlaçamento com países de língua oficial portuguesa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (150): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade - 2

Mário Beja Santos

Tive sorte no dia da visita, o Museu Militar de Lisboa estava aberto para uma cerimónia, as salas imbuídas numa luminosidade velada, parecia que tinha as salas por minha conta, há para ali espaços que têm o poder magnético para quem andou com as armas na mão e ouviu explodir umas bombardas à volta, é o caso deste espaço da Primeira Guerra Mundial, é uma museografia que tem lampejos cinematográficos. Aqui me detive, a pensar nas trincheiras, inevitavelmente acudiu-me à memória o arame farpado e todas aquelas noites ensombradas pela expetativa de uma flagelação.

Lembranças da Primeira Guerra Mundial, combatemos a Flandres, em Angola e Moçambique
Para além da extraordinária coleção de peças de artilharia depositadas no Pátio dos Canhões, há uma sala do Museu Militar de Lisboa que alberga aquelas armas que infundiram respeito (o melhor é dizer terror) no Império Português do Oriente, a sala é um espetáculo de policromia.
A meia luz da sala produziu estas vitrinas que parecem incendiadas, é um longo corredor com um acervo que permite dizer que este Museu Militar é uma outra face da História de Portugal, aqui estão depositados e expostos armamentos e os diferentes tipos de materiais que foram usados pelas forças terrestres e armadas, houve neste palácio um forte investimento em talha dourada, pinturas murais e estatuária. Li num roteiro dos museus militares que o acervo, inicialmente organizado em 1842, no Real Arsenal do Exército, pelo barão de Monte Pedral, constituíra-se com a finalidade de guardar e conservar material que perdera relevância. Qual quê! Para aqui foi drenado dinheiro e talento. Fizeram-se decorar novas salas com intervenções de Adriano Sousa Lopes, Columbano, Malhoa, Carlos Reis, Veloso Salgado, entre ouros. A história militar de Portugal confunde-se com a história de Portugal, no seu todo.
Mais um exemplo de tetos enriquecidos com homenagens, onde não faltam elementos de apoteose.
A luminosidade precária permite estes reflexos artificiais, tons de aquário, de ondulação turquesa. Possuímos muitas memórias militares em diferentes museus, até núcleos de museus municipais, não nos falta até a fragata de D. Fernando II e Glória e museus de forças especiais, como os Fuzileiros. Mas não há espetacularidade como a desta casa, digamos que aqui prima o chamado bom gosto de uma época, os diretores e os artistas convocados não se pouparam a procurar dar o seu melhor nas novas salas, e é bom referir que o primeiro diretor do museu, general José Eduardo Castelbranco, em que está patente toda a sua marca, o vigor do seu projeto.
O Velho do Restelo, quadro de Columbano
Os versos camonianos que guiaram o pincel de Columbano para este seu admirável quadro
Apoteose, sempre
O museu não esqueceu os Templários, de que a Ordem de Cristo foi herdeira
D. João V, o Magnânimo, não podia ser esquecido, foi ele que deu ordem para se criar a Fundição de Cima e nomeou o arquiteto francês Fernando de Larre, deve-se-lhe, entre outras intervenções, o imponente pórtico da entrada principal, onde ganha relevo a triunfal escultura de Teixeira Lopes
Em permanência a sumptuosidade do barroco, o que D. João V deixou inacabado foi concluído o que faltava no tempo do Marquês de Pombal, coordenou um tenente-general francês, aqui temos o medalhão do rei D. José.
A sumptuosidade sobe pelas paredes até ao teto, o tema é alegórico, aquela senhora no pódio bem podia ser Atena, o ponto curioso é o uso de elementos neoclássicos como as duas colunas ao fundo desta cena onde não falta a rendição ao saber e ao poder, eram tempos do absolutismo.
Outra perspetiva do Pátio dos Canhões, por cima temos a Rua do Paraíso, que desemboca no Largo de Santa Clara, aqui espero vi para visitar a Casa dos Gessos. E a encimar a fotografia pode ver-se melhor o zimbório do Panteão Nacional. Está prometido que numa primeira oportunidade vou até à Casa dos Gessos e aos núcleos museológicos das Oficinas Gerais do Fardamento e Equipamento, núcleos que funcionam no Largo de Santa Clara, sobretudo ponho muito interesse no segundo, estão seguramente lá os nossos fardamentos e equipamentos, é sempre bom lembrá-los.
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Nota do editor

Último post da série de 13 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25380: Os nossos seres, saberes e lazeres (623): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (149): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade (1) (Mário Beja Santos)