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segunda-feira, 28 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13439: Notas de leitura (617): “Guiné-Bissau - Páginas de História Política, Rumos da Democracia", por F. Delfim da Silva (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2014:

Queridos amigos,
Fernando Delfim da Silva é nome proeminente na política guineense. Licenciou-se em Filosofia em Leningrado, esteve ligado ao sistema educativo e foi dirigente da juventude Amílcar Cabral.

Entrou na rampa ascendente em 1990, como diretor geral da Presidência do Conselho de Estado, foi depois secretário de Estado e várias vezes ministro; foi prisioneiro político em 1972/73 e em 1985/86.

Este seu livro é assumido como uma coletânea de memórias da sua experiência política, tem um aporte sobre o processo eleitoral e o modo de o emendar e uma análise aos partidos políticos então existentes (conjuntura de 2003).

Trata-se de um depoimento incontornável, estranhamente silenciado em análises posteriores de gente credenciada. Coisa que faz parte dos chamados silêncios africanos…

Um abraço do
Mário


Fernando Delfim da Silva:
Memórias e considerações de um político guineense (1)

Beja Santos

Desafortunadamente, os escritos oriundos de antigos combatentes do PAIGC e de políticos guineenses pós-independência são raros e nem sempre esclarecedores.

Devemos a Luís Cabral, depois da sua prisão, após o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, um depoimento de inegável importância sobre a vida e obra de Cabral, é uma crónica que não deixa equívocos sobre a articulação estreitíssima entre o líder e a sua obra; Aristides Pereira começou por ser comedido e até entediante sobre a história do PAIGC e o fim da unidade Guiné-Cabo Verde, no final da vida, numa longuíssima entrevista a José Vicente Lopes foi de uma franqueza inesperada; Bobo Keita, uma figura militar de segunda grandeza, aceitou ser entrevistado e trouxe dados pertinentes sobre o regime de Nino e lançou uma outra luz sobre o assassínio de Amílcar Cabral; Filinto Barros, um dos políticos mais experientes e íntegros do PAIGC, escreveu um romance primoroso sobre a condição dos ex-combatentes numa Guiné-Bissau já desalentada, Kikia Matcho, o seu derradeiro testemunho foi publicado sem ser revisto, trata-se de um texto intragável onde o antigo político acusa muita gente de gestão danosa sem explicar muito bem quais os corretivos que deviam ter sido aplicados.

E há outros depoimentos, até aos dias de hoje, basta recordar o que aqui se escreveu sobre os livros de considerações políticas atuais assinados por Leopoldo Amado e Julião Soares Sousa. O nome de Fernando Delfim da Silva e o seu livro “Guiné-Bissau, Páginas de história política, rumos da democracia”, Firquidja Editora, Bissau, 2003, não me podia deixar indiferente.

Convivi com Delfim da Silva em 1991, quando ele, pela noitinha, a caminho de casa, e depois de ter trabalhado nos serviços da Presidência da República, me dava boleia entre a Pensão Central e a Cicer, salvou-me muitas vezes de dar trambolhões na noite sem lua; em 2010, quando eu estava a ultimar “A Viagem do Tangomau”, acedeu várias vezes a conversar comigo sobre a história recente da Guiné-Bissau, registei os seus pontos de vista, estou certo que nos despedimos com respeito e consideração mútuos.

O livro do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros divide-se entre considerações de por vezes do grau íntimo sobre políticos guineenses e uma vasta apreciação sobre o processo eleitoral, isto em vésperas das eleições de 2004, após o afastamento compulsivo de Kumba Yalá da Presidência da República onde este, pouco antes da partida, dissolvera a Assembleia Nacional Popular. Por razões compreensíveis, não cabe nesta recensão dissecar as suas opiniões sobre um sistema eleitoral mais apropriado para a Guiné-Bissau, vamos ater-nos às considerações políticas.

Ele chama ao seu depoimento a história de uma geração, “uma história que ninguém sabe quando vai terminar, nem como vai terminar”. Geração vitoriosa, que levou a Guiné à independência, geração do 14 de novembro de 1980, que cindiu o PAIGC a que se seguiu o golpe da polícia política no chamado “caso 17 de outubro de 1985”, e depois a guerra civil de 1998-1999, com outros episódios pelo meio menos relevantes mas muitíssimo significativos de um poder autocrático que procriou um golpismo militar permanente.

É um livro de recordações, por vezes circulares, por vezes ordenadas na cronologia dos factos. Recorda as primeiras eleições legislativas e presidenciais livres, as de julho de 1994, acreditava-se então numa transição política de sucesso. Politicamente, sempre segundo Delfim da Silva, foram falhanços atrás de falhanços, daí ele considerar de primeiríssima importância a necessidade de se construir um modelo de maior justiça eleitoral, o livro termina por uma abordagem e descreve-os resumidamente, são apontamentos de consideração obrigatória para a historiografia política guineense.

Delfim da Silva afastara-se da política quando foi estudar filosofia na então Leninegrado. Em 1990, diz ter acreditado no processo de transição democrática e tornou-se num estreito colaborador de Nino Vieira. Acompanhou a revisão constitucional de maio de 1991 que revogou o artigo 4.º que consagrava o PAIGC como (única) “força política dirigente da sociedade e do Estado”, que tornou possível o aparecimento de legislação sobre os partidos, a liberdade de imprensa, o direito de reunião e manifestação e a liberdade sindical, entre outros.

Ninguém debateu nem ninguém escreveu, nem ninguém anteviu que a competição interpartidária podia vir a acarretar um populismo extremamente corrosivo no quadro de uma democracia parlamentar de fresca data. Parece ter havido uma confiança cega na transição democrática. O PAIGC vivia ferreamente atado aos princípios definidos por Cabral quanto ao partido-Estado, desde 1964. A omnipresença do PAIGC parecia um dogma, como escreveu Amílcar Cabral:

“Estamos organizados como um partido: por tabanca, por zona e por região. O Sul da Guiné é dirigido por um Comité Nacional das Regiões Libertadas do Sul, e o Norte é dirigido por um Comité Nacional das Regiões Libertadas do Norte. Isto constitui uma estrutura básica de Governo. De facto, as regiões libertadas têm já todos os elementos de um Estado – serviços administrativos, serviços de saúde, serviços de educação, forças armadas locais para a defesa dos ataques portugueses, tribunais e prisões. O problema imediato é alargar o nosso Estado até abarcar todo o país. A transição para a estrutura do Estado não será um problema”.

E assim aconteceu, o PAIGC instalou-se em Bissau, em outubro de 1974, e teve a ilusão da sua capilaridade por todo o território, planificou a economia, a direção política imaginou uma industrialização pujante, cercou-se de uma polícia política e instalou o esbirrismo, com os insucessos procuraram-se complôs irresponsáveis, caso dos comandos africanos; a latência da tensão entre os nacionais e os cabo-verdianos atingiu o clímax com uma nova proposta de revisão constitucional.

Nino coordenou o golpe, o poder militar superou o poder político, deu-se a cisão com os cabo-verdianos e a prisão de figuras importantíssimas da luta, guineenses de gema. Reforçou-se o poder autocrático, graças a militares como Ansumane Mané. Delfim da Silva recorda figuras que ele classifica como importantes, caso de Sanussi Cassamá que em julho de 1992 ascendeu a chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, nele se depositou esperança da reforma das Forças Armadas, institucionalizando-as em parâmetros modernos, adequados à tradição democrática. Sanussi Cassamá morreu de doença e sucedeu-lhe Ansumane Mané.

Estava lançada, com insidiosa violência, a questão militar que parecia resolvida desde o Congresso de Cassacá, em fevereiro de 1964. A questão militar entrou de enxurrada na vida política guineense a partir de 1980: o descontentamento dos antigos combatentes, a arrogância dos agentes da segurança do Estado, a clique militar à volta de Nino, uma burocracia de Estado montada à custa dos heróis indiscutíveis, fomentaram rivalidades e espírito de complô que irão desembocar na humilhação de Victor Saúde Maria, na paranóia de um “golpe militar Balanta” e no caso de Paulo Correia e de outros dirigentes, fuzilados em 1986.

(Continua)
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Nota do editor

Ultimo poste da série de 25 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13435: Notas de leitura (616): “Pluralismo Político na Guiné-Bissau", coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13269: Agenda cultural (323): II Colóquio Internacional Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades Nacionais “A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsaariana no Século XX (1914-1974)”: Universidade de Coimbra, Departamento das Ciências da Vida, Antropologia, amanhã e depois, 12-13/6/2014






1. Com pedido de divulgação, reproduz-se mensagem, de 7 do corrente,  do nosso leitor  José Matos [e investigador, especialista em aviação militar, filho de uma camarada nosso, já há muito falecido, fur mil José Matos, da CCAV 677 / BCAV 5499, 1964/66]

Boa noite

No final da próxima semana decorre em Coimbra um colóquio sobre “Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades Nacionais” promovido pelo Grupo “História e Memória” do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século 20 (CEIS20). 

Já está disponível no site do colóquio o programa e a ficha de inscrição. Agradecia a divulgação deste evento no vosso site.

José Matos



II Colóquio Internacional Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades Nacionais
“A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsaariana no Século XX (1914-1974)”



Em Fevereiro 2008, integrado na “X Semana Cultural da Universidade de Coimbra” e organizado pela linha de investigação “Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades Nacionais” do Grupo “História e Memória” do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século (CEIS20), teve lugar o Colóquio Internacional “Comunidades Imaginadas. Nação e Nacionalismos em África”.

O livro (parcialmente homónimo) de Benedict Anderson foi o ponto de partida, pretendendo-se teorizar, documentar e ilustrar as múltiplas faces da complexa questão nacionalista e as peculiares tonalidades que estas assumiram no cenário africano. Ao longo de dois dias, especialistas consagrados, jovens investigadores, assim como personalidades de formação diversa, enquadraram a problemática e analisaram, em especial, os países nascidos no rescaldo do fim do colonialismo português.

Sendo intenção dar continuidade a iniciativas similares, os investigadores da mencionada linha pretendem organizar o II Colóquio Internacional Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades Nacionais, subordinado ao tema “A Guerra e as Guerras Coloniais em África no Século XX (1914-1974)”.

Com o objectivo de assinalar o centenário do início da I Guerra Mundial e os 40 anos do fim da Guerra Colonial/de Libertação, propõe-se que todos os investigadores interessados dêem o seu contributo com o envio de propostas no âmbito das seguintes temáticas:

1) Das Campanhas de Pacificação” à “Grande Guerra”

2) Cultura, representações e memórias da guerra

3) Demografia, Migrações e Refugiados de guerra

4) A Guerra Colonial/de libertação

5) Psicopatologias em contexto de (pós) guerra



Chamada de Trabalhos : datas importantes

(i) até 31 de Março era  prazo limite para a submissão das propostas;  até 15 de Abril – Comunicação dos resultados; até finais de Abril – Publicitação do programa

(ii) 12 e 13 de Junho – Realização do Colóquio [vd. programa,  em detalhe, em baixo] ;

(iii) 20 de Junho – Data para o envio do texto final para publicação

Data limite para o pagamento da inscrição: 25 de Maio de 2014: (i) Participante com comunicação – 10€; Participante sem comunicação (com certificado e materiais) – 5€

O colóquio terá lugar na:  Universidade de Coimbra, Deprartamento das Ciências da Vida, Antropologia

 Comissão Científica:

Ângela Coutinho | Daniel Gomes | Fernando Pimenta | Joana Damasceno  José Lima Garcia | Julião Soares Sousa |  Sérgio Neto

Comissão Organizadora:

 Alexandre Ramires | Ângela Coutinho | Clara Serrano | Daniel Gomes | Joana Damasceno | José Lima Garcia | Julião Soares Sousa | Marlene Taveira | Sérgio Neto

Programa:

 [, entre outras, chama-se a atenção das comunicação a apresentar, no dia 13, no painel IV - Guerras Coloniais, às 10h00, por José A. Matos  e Matthew M. Hurley, "A arma que mudou a guerra", referência ao Strela; bem como pelo nosso amigo, o historiador guineense Julião Soares Sousa, "A 'guerra de fronteira': Guileje e o corredor de Guileje"; de destacar ainda  a apresentação de testemunhos orais de antigos combatentes da guerra colonial, na tarde do dia 13 ]





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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de junho de 2014 >  Guiné 63/74 - P13244: Agenda cultural (322): Lançamento do livro "Guiné-Bissau, um país adiado - Crónicas na pátria de Cabral", de Manuel Vitorino, dia 12 de Junho de 2014, pelas 18h00 na Biblioteca Florbela Espanca, em Matosinhos.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12989: Agenda cultural (310): Sessão de apresentação do livro de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro", levada a efeito no passado dia 10 de Abril no Palácio da Independência

Palácio da Independência, 10 de Abril de 2014. Sessão de apresentação do livro "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro". À esquerda da foto os autores: Mário Beja Santos e Francisco Henriques da Silva


"Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro"

Sessão de apresentação no Palácio da Independência em 10 de Abril


Numa sala completamente apinhada, Alarcão Troni, presidente da Sociedade Histórica para a Independência de Portugal, saudou o evento e recordou as diferentes iniciativas associadas ao estudo e publicações ligadas à Guiné, por parte da instituição. Victor Raquel, da Fronteira do Caos, manifestou a sua satisfação por ver a editora conotada com obras de referência, incontornáveis na cultura portuguesa com conexões à problemática ultramarina.

O primeiro orador, Eduardo Costa Dias, do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, saudou a publicação deste título e recordou como a história da antiga colónia e do Estado independente careciam de uma leitura que permitisse a linearidade histórica, contemplando os grandes eixos da presença portuguesa, iluminando o percurso ziguezagueante de 1974 a 2012. Considerou que o roteiro inseria e preenchia com informação rigorosa os capítulos essenciais dos cerca de 550 anos que o livro pretende abarcar. Não obstante, lembrou que há lacunas bibliográficas que poderão ser preenchidas em nova edição. Acentuou por último que o roteiro abre enormes perspetivas para novos estudos e investigações sobre a Guiné e outras regiões.

O segundo orador, Julião Soares Sousa, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea de Portugal, pelo seu livro “Amílcar Cabral, Vida e Morte de um Revolucionário”, considerou que a obra que estava a ser apresentada supria uma grave lacuna não só quanto à presença portuguesa como à vida atribulada da República da Guiné-Bissau, mas igualmente estabelecia a charneira quanto às etapas fundamentais da luta da libertação, carreando informações prementes no campo da bibliografia, da literatura e da cooperação. Fez votos para que os conteúdos do roteiro venham a ser matéria-prima para trabalhos mais desenvolvidos de que aquela região africana precisa, e conta com a dinâmica das universidades portuguesas para tal, em colaboração com a investigação sediada em Bissau.

Coube a Francisco Henriques da Silva, um dos coautores, justificar a natureza da obra, apresentou-a como um projeto de diferentes valências, há estudos que carecem de aprofundamento e Portugal dispõe de instituições ímpares quanto a documentação, que é crucial para melhorar os conhecimentos do período colonial, sobretudo. No entender dos autores, o levantamento feito sobre a Guiné-Bissau é um bom ponto de partida e recordou que na guerra civil de 1998-1999 perderam-se arquivos preciosos sobre o passado e a contemporaneidade, o que agrava as dificuldades para densificar o fio condutor entre o período colonial, a luta de libertação e a história do país independente.

O Encarregado de Negócios da República da Guiné-Bissau, M’bala Alfredo Fernandes não escondeu o seu apreço por esta iniciativa e teceu considerações sobre o ato eleitoral em curso na Guiné-Bissau.
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Notas do editor

Vd. poste de 6 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12798: Agenda cultural (305): O livro "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau - Um Roteiro", co-autoria de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, vai ser apresentado no próximo dia 9 de Abril de 2014, pelas 18 horas, no Palácio da Independência. Apresentadores: Julião Soares Sousa e Eduardo Costa Dias

Último poste da série de 14 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12981: Agenda cultural (309): Reportagem do Porto Canal feita com a Tabanca Pequena será emitida hoje, dia 14 de Abril, depois do Jornal Diário das 20 horas

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11832: Notas de leitura (499): A "Guiné" na literatura portuguesa de viagens (séc. XV-XVII), por Julião Soares Sousa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Felizmente que fui bafejado pela solicitude do historiador Julião Soares Sousa, teve a gentileza de me enviar uma cópia da sua dissertação de mestrado, trabalho muito sério e rigoroso, ele espera em breve dá-lo à estampa, como merece.
Fica-nos a incógnita das teses de mestrado e doutoramento que jazem nas estantes da bibliotecas de instituições universitárias de toda a sorte, qualquer dia alguém lembra-se de fazer uma tese de doutoramento sobre este riquíssimo acervo que acumula pó em tais estantes…
Quem sabe se não estarão reservadas grandes surpresas…

Um abraço do
Mário


A «Guiné» na literatura portuguesa de viagens (séc. XV-XVII)

Beja Santos

Julião Soares Sousa, nome cimeiro da historiografia luso-guineense, teve a amabilidade de me oferecer cópia da sua dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Logo me alertou para o facto de se tratar de documento que ele está interessado em rever e beneficiar e dá-lo à estampa como livro, convindo pois encarar este documento à luz da sua provisoriedade.

Pegando nos clássicos da literatura de viagens como André Álvares d’Almada, Luís de Cadamosto, Francisco de Lemos Coelho, André Donelha, André de Faro, Valentim Fernandes, Diogo Gomes, Fernão Guerreiro, Duarte Pacheco Pereira, Gomes Eanes de Azurara, isto sem esquecer o Padre Manuel Álvares, a Monumenta Missionária Africana do Padre António Brásio, entre outros, dá-nos imagens vivacíssimas do espaço e dos homens, interpela o sagrado e o espetáculo no poder real, de acordo com relatos por vezes de uma rara beleza, detalha os diferentes instrumentos do Governo (aparelhos administrativo, militar e judicial) com tal pormenor que o leitor se entristece, tal a curiosidade em querer saber mais…

A literatura de viagens de Quatrocentos assenta na necessidade de obter informações: quem controlava comercialmente as ricas regiões auríferas do Sudão, qual a natureza do poderio mouro, já que a Coroa pretendia impedir a expansão dos mouros na “terra dos negros”, o mesmo é dizer que se apostava num esforço de missionação que travasse a islamização; acresce que a Coroa tinha em mente estabelecer relações com os reinos do interior de África, não havia condições para instalar assentamentos de grande porte, não havia população suficiente para tal, desejavam-se relações pacíficas para que o comércio não ficasse turbulento ou sujeito a razias para as quais não havia resposta.

Continua sem se saber a origem do topónimo “Guiné” e qual o seu verdadeiro âmbito geográfico, se bem que exista hoje entendimento que o termo designava um vasto espaço geográfico que ia do Cabo Não aos confins de África, com o tempo fixou-se no limite superior do rio Senegal. Sendo o significado de Guiné “terra dos negros”, o autor escolhe como âmbito geográfico a região entre o Senegal e os baixos de Santa Ana, em plena Serra Leoa. E recorda que, segundo João de Barros, o termo deriva de guinauhá, expressão berbere para designar negros ou terra calcinante. Conhecido o significado do termo Guiné, os portugueses em contacto com gente de cor negra alteraram o âmbito geográfico do topónimo, fixando novo limite. Cita Duarte Pacheco Pereira: “aquy [rio Senegal] he o principio dos ethiopios & homens negros…”, portanto Guiné ou Etiópia inferior ou ocidental.

Este âmbito geográfico foi conhecendo alterações entre os séculos XV e XVII, mercê de vários fatores, como sejam: o falhanço das tentativas de penetração pelo rio Senegal, o que dificultou a aproximação ao país do ouro, principalmente de Bambuk; a inexistência de rios suficientemente navegáveis muitas léguas no espaço entre o Senegal e o Gâmbia; a incapacidade em manter o monopólio devido à concorrência dos holandeses, franceses e ingleses, cujas naus frequentavam com alguma assiduidade toda a região do Senegal. A despeito destas dificuldades, há dados fiáveis sobre a presença portuguesa no comércio da região, aqui se resgatavam escravos, 10 ou 12 por um cavalo, como relatou Duarte Pacheco Pereira no princípio do século XVI; André de Donelha registará o mesmo panorama quanto ao comércio do rio da Gâmbia e S. Domingos, resgatavam-se escravos mas também cera e marfim por vinho, panos, algodão ou cavalos. Com a intensificação do comércio negreiro, os portugueses passaram a comercializar os seus produtos entre o rio Casamansa e o rio Camponi, âmbito geográfico que virá a ser designado por rios da Guiné.

E vêm as descrições à volta desta multidão de povos, uma enormidade de reinos e nações, alvo preferencial desta literatura de viagens. Logo na segunda metade do século XIV, Diogo Gomes escrevia que a Guiné era povoada por uma multidão de povos que custa a acreditar. Segue-se a descrição minuciosa destes reinos, o seu regime alimentar, a indumentária, as tatuagens, as indústrias, o mercadejar, a natureza da habitação, as práticas religiosas, a disposição espacial destes povos, incluindo os Bijagós. A sucessão e simbologia do poder real é também objeto da atenção destes escritores de viagens. Por exemplo, a propósito do regime de sucessão foram identificados pelo menos três sistemas: o sistema matrilinear, em que entravam na sucessão sobrinhos, filhos da irmã mais velha; sucessão por eleição, e regime rotativo.

Esta Guiné encontrava-se, no período em análise, politicamente organiza em numerosos reinos e senhorios. André Álvares de Almada escrevia, nos finais do século XVI, que pelo menos no reino da Gâmbia em “cada 20 léguas havia um rei sujeito a outro denominado Farões/Farins, título de maior dignidade que rei”. Nos reinos da Senegâmbia havia o costume de contratar djidius ou judeus para com as suas canções animarem as guerras como todo o efeito psicológico que isso podia causar nas hostes. E também os exércitos são descritos, bem como os mercenários e os comerciantes, estes reinos irão conhecer uma profunda desintegração no século XVII, o que vai levar à diminuição substancial dos efetivos militares. Os escritores referem uma arma temível, as flechas envenenadas com veneno de origem vegetal (provavelmente o acónico), eram as flechas “ervadas”. A guerra não se fazia só com armas e em terra, o mar e o leito dos rios foram palco de reencontros militares, frotas de embarcações feitas a partir de troncos de grandes árvores (poilões) estas embarcações ficaram conhecidas na literatura de viagens por almadias, algumas havia que tinham capacidade para transportar de 100 a 120 homens de guerra.

Julião Soares Sousa [foto à direita] observa que esta diversidade de povos constituía uma unidade civilizacional que se refletia a vários níveis: na alimentação feita à base de milho, arroz, leguminosas e carne de diferentes animais a que se juntava o vinho de palma, a bebida preferida; o vestuário contribuía para marcar a profunda diferenciação social entre a classe dirigente e os de baixa condição; é no domínio do poder que melhor se espelha a unidade civilizacional, aqui se incluindo a sacralidade e o espetáculo. Os exércitos destes povos começaram por utilizar armas de madeira, mas nos finais do século XVI já há notícia de armas de fogo, o que significa que se fez comércio com portugueses e os seus concorrentes. O uso da cavalaria na região da Senegâmbia também ficou registado. Os reis assumiam um papel de juízos supremos, o aparelho judiciário vergava-se à sua vontade.

Como conclusão maior, escreve o autor, “do ponto de vista sincrónico e diacrónico, pode-se concluir que não há alterações dignas de registo no espaço estudado, séculos XV a XVII”.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11814: Notas de leitura (498): Guineidade e Africanidade, por Leopoldo Amado (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11735: Recortes de imprensa (66): Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC, e um dos principais responsáveis pela Op Amílcar Cabral, sustenta, na mesa-redonda, em Coimbra, no passado dia 23/5/2013, a versão do cerco total ao quartel de Guileje e afirma que as forças sitiantes dispunham de um dispositivo (do qual teria sido utilizado menos de 10%), com condições para actuar durante um mês (AngopPress)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > 22 de maio de 1973: por decisão do comandante do COP 5, maj art Coutinho e Lima, as NT e a população civil abandonam o aquartelamento e a tabanca de Guileje, num total de cerca de 600 almas, dirigindo-se, de madrugada, a Gadamael, através de um carreiro que só a população local conhecia, e iludindo a pretenso cerco das forças do PAIGC. Entre os sitiantes, estava o Nino 'Vieira' e outros comandantes do PAIGC como o aqui citado Osvaldo Lopes da Silva...

Esta foto é, em princípio,  de autor desconhecido. Creio que a vi originalmente reproduzida na revista Pública, do jornal Público,  numa reportagem sobre a retirada de Guileje (provavelmente o artigo do Eduardo Dâmaso, "Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola", Público, Domingo, 16 de Maio de 2004). Mas a cópia, dessa imagem, que temos,  faz parte do espólio "Guiledje Visual" e foi-nos gentilmente cedida pelos nossos amigos (e parceiros) da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2005.

Espero que um dia o autor apareça e dê a cara... Era muito provavelmente alguém da CCAV 8350 ou subunidades adidas... Foi editada por nós, para ilustrar este poste... Entretanto, apareceu o J. Casimiro Carvalho, fur mil op esp, da CCAV 8350, a dizer que muito provavelmente a foto, tal como outras do pessoal (militar e civil) na retirada, é do seu camarada Carlos Santos. A foto de qualquer modo é notável, estando longe de sugerir debandada, pânico, desorganização... Pelo contrário, parece haver alguma dignidade e disciplina na retirada do pessoal (dois terços, civis...).  (LG).


1. Conforme poste P11552, de 10 de maio último, realizou-se em Coimbra, no dia 23 do mesmo mês, a    Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné".

O historiador guinense, doutor Julião Soares Sousa, investigador  do  Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra,  conseguiu juntar à volta da mesma mesa alguns dos protagonistas dos acontecimentos de há 40 anos (Op Amílcar Cabral, na designação do PAIGC),  homens esses que então se confrontaram de um lado (Coutinho e Lima, Ferreira da Silva, Raul Folques, José Calheiros, Pedro Lauret) e do outro (Osvaldo Lopes da Silva, Fandji Fati) da barricada.

A moderação da mesa redonda coube ao historiador, prof doutor Luís Reis Torgal. Não assistimos ao evento. Nem vimos que a nossa imprensa, escrita e falada, tenha feito grande cobertura da iniciativa.  Um dos "recortes de imprensa" que nos chegou, foi este, da Angop - Agência AngolaPress.  Vamos aqui reproduzi-la, com a devida cortesia, e com uma chamada de atenção: não podemos garantir o rigor dos excertos das declarações dos participantes. Algumas merecem-nos reservas, como a do caboverdiano Osvaldo  Lopes da Silva, "então comandante do PAIGC"  e um dos principais responsáveis militares pela 'Operação Amílcar Cabral'  que - passo a citar - "salientou que o quartel português em Giledge estava 'completamente cercado' e que as suas forças dispunham de 'um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês'."

A teoria do cerco (total) a Guileje, por parte do PAIGC, só pode ser uma "figura de estilo", na medida em que é incongruente com a retirada, sem baixas, das NT, na madrugada de 22 de maio de 1973, tendo as forças sitiantes ocupado o aquartelamento, vazio, 3 dias depois, a 25 de maio.

Osvaldo Lopes da Silva (n. 1936) publicou recentemente o livro autobiográfico "Nos tempos da minha infância" (Cabo Verde, 2011).

Feita esta ressalva, aqui fica mais esta peça para os nossos dossiês sobre os 3 Guês (Guidaje, Guileje, Gadamael). Negritos (bold) e realce a amarelo, do editor L.G.

2. Recortes de imprensa > Angop > 24-05-2013 12:23 Guiné-Bissau:  Portugueses e guineenses debatem operação militar em 1973


Coimbra - Oficiais das tropas portuguesas e dirigentes das forças guineenses em 1973, evocaram e debateram, hoje (sexta-feira), em Coimbra, a "Operação Amílcar Cabral", uma das mais "marcantes ofensivas militares" da guerra colonial na Guiné.

Visando os aquartelamentos militares de Guidage, no norte da Guiné, e de Guiledje e de Gadamael, no sul do país, em Maio de 1973, a "Operação Amílcar Cabral" tinha como objetivo final, "a liquidação do colonialismo, através do aproveitamento dos seus resultados do ponto de vista da política doméstica e internacional", recordou o historiador guineense Julião Sousa.

Promovida pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra, a mesa-redonda visou evocar os 40 anos de "acontecimentos incontornáveis no desenrolar do conflito".

Além de evocar os 40 anos daquela guerra, o [evento...]  também "servirá de introdução e mote" para o primeiro colóquio internacional "Colonialismo, Anti-colonialismo e Identidades Nacionais", a realizar em Coimbra, no final de 2013, adiantou, à agência Lusa, à margem do encontro, Julião Sousa.

Nas operações militares dos "3 G da Guerra da Guiné" (Guidage, Guiledje e Gadamael) "foram empregues elevadas quantidades de meios humanos e materiais", salientou Julião Sousa, que também é investigador do CEIS20, sublinhando que é, igualmente, preocupação dos promotores da iniciativa, perpetuar a memória de uma das mais" marcantes ofensivas militares" da guerra na Guiné.

A retirada, na madrugada de 22 de Maio de 1973, das tropas portuguesas do aquartelamento de Guiledge, então comandadas por Alexandre Coutinho e Lima, actualmente coronel na reserva, foi um dos momentos recordados pelo próprio e um dos temas que ocupou boa parte do encontro, em que participaram pelo menos uma centena de pessoas e se prolongou por cerca de seis horas, durante a tarde de hoje.

Na sequência da sua decisão de retirar as tropas, Coutinho e Lima foi preso pela hierarquia militar portuguesa, situação que se manteve até 14 de Maio de 1974.

"Tive a oportunidade, mas também a grande responsabilidade de ter nas mãos o destino de centenas de pessoas civis e militares", recordou o coronel Coutinho e Lima, considerando que pagou "bem caro" a sua "ousadia, que, seguramente, teria consequências mais graves, não fora o 25 de Abril de 1974".

Sublinhando o "acto de coragem política, mas também física" de Coutinho e Lima, Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e um dos principais responsáveis militares pela "Operação Amílcar Cabral" (***), salientou que o quartel português em Giledge estava "completamente cercado" e que as suas forças dispunham de "um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês".

A retirada de Giledge foi "a decisão mais acertada", conclui a generalidade dos intervenientes na sessão, que também consideram, "sem margem para dúvidas", que "a Guiné era uma causa perdida" para Portugal, no plano militar.

Em termos de armamento "havia um desequilíbrio" muito acentuado, em favor das forças guineenses, destacou o coronel José de Moura Calheiros (que se deteve sobre a situação de Guidage em maio de 1973), sublinhando que "os guerrilheiros do PAIGC estavam muito bem preparados, bem organizados e muito bem comandados".


2. A par desta notícia, da Angop, que reproduzimos acima, emos também, no Diário Digital, de 24/5/2013, a seguinte: 

"Colóquio em Coimbra vai debater colonialismo e anticolonialismo"

O Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra vai promover, em novembro, naquela cidade, um colóquio internacional para debater, «sem tabus», colonialismo, anticolonialismo e identidades nacionais.

«É necessário discutir estes temas sem tabus» e «já há condições» para que isso possa acontecer, acredita o historiador guineense e investigador do CEIS20 Julião Sousa, sublinhando que «nota-se, claramente, que há uma tendência para as pessoas fazerem a catarse - que também faz parte da história»

Ainda há «alguns tabus», reconhece o historiador, considerando que para os ultrapassar é necessário estudar e discutir as questões e isso já é possível com algum distanciamento, pois já passaram 40 anos (sobre o fim da guerra colonial portuguesa) e já há muita documentação sobre aquele tempo, designadamente memórias e biografias de muitos dos seus protagonistas.

Diário Digital / Lusa


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de maio de2013 > Guiné 63/74 - P11552: Agenda cultural (269): Convite para a Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné", dia 23 de Maio de 2013, pelas 14H00, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra (Julião Soares Sousa)


(**) Último poste da série 26 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11474: Recortes de imprensa (65): O filme lusoguineense "A batalha de Tabatô", de João Viana, veio pôr Tabató e a cultura da Guiné-Bissau no mapa das rotas do cinema internacional (Luís Graça)

(***) Publicou, no jornal Público, em 26 de julho de 2004, um depoimento, como protagonista dos acontecimentos, sob o título, "Amílcar Cabral: 'Se o quartel de Guiledje cair, cai tudo à volta' ". Reproduzido, na íntegram, pelo cor art ref Alexandre Coutinho e Lima, no seu livro "A retirada de Guileje_ 22 maio 1973: a verdade dos factos, 1ª ed." (Linda a Velha, Oeiras: DG Edições, 2008, p. 358--361). O arttigo de Osvaldo Lopes da Silva vem na sequência da reportagem do jornalista Eduardo Dâmaso, acima referida, publicada no Público, 16 de maio de 2004. O artigo do Osvaldo Lopes da Silva nunca chegou a ser reproduzido no nosso blogue.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11552: Agenda cultural (269): Convite para a Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné", dia 23 de Maio de 2013, pelas 14H00, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra (Julião Soares Sousa)

A pedido do Prof. Julião Soares Sousa [foto à esquerda], leva-se ao conhecimento da tertúlia, e leitores em geral, a realização da Mesa Redonda "GUIDAGE (Cumbamori), GUILEDJE, GADAMAEL 40 ANOS DOS 3 G's DA GUERRA NA GUINÉ", a ter lugar no próximo dia 23 de Maio, pelas 14H00, na Sala Francisco Sá de Miranda, na Casa Municipal da Cultura, em Coimbra.


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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11544: Agenda cultural (268): Exposição, Lisboa, Museu da Eletricidade, de 3 a 26 de maio de 2013, entrada gratuita: World Press Photo 2013

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11025: Agenda cultural (253): Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense. Auditório CIUL, Picoas Plaza, 17h45, Lisboa, 30 de Janeiro de 2013

Ciclo de conferências sobre a Guiné-Bissau > "Guiné-Bissau: da multidimensional encruzilhada ao bem comum guineense"

Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense.
 

Auditório CIUL, Picoas Plaza, 17h45, 
Lisboa, 30 de Janeiro de 2013


Exmos./as Senhores e Senhoras,

Apresentando os nossos melhores cumprimentos temos o prazer de convidar para a 3ª conferência do Ciclo de Conferências intitulado "Guiné-Bissau: da multidimensional encruzilhada ao bem comum guineense".

A conferência, sob a insígnia Mesa redonda: reflexões sobre o devir guineense terá lugar no próximo dia 30 de Janeiro, com início agendado para as 17h45, no Auditório CIUL, Picoas Plaza.

Mais informamos que a conferência contará com a participação de:

(i) Mamadú Saibana Baldé (Projecto Tchintchor), 
(ii) Ednilson dos Santos (Presidente da Associação de  Estudantes da Guiné Bissau), 
(iii) Diana Lopes (Projecto Musqueba – Agricultura para Mulheres), 
(iv) Dr. Anaxore Casimiro;
(v) e  Professor Doutor Julião Soares.

A sessão será presidida e moderada pelo Professor Doutor Leopoldo Amado.
Contamos com a presença de V. Exa.
Com os nossos melhores cumprimentos,

Organização do Ciclo de Conferências

Contactos para informações adicionais:

Luís Vicente Barbosa: 968 469 223 / Eduardo Jaló: 965 744 737

"Guiné-Bissau: da multidimensional encruzilhada ao bem comum guineense"

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11017: Agenda cultural (252): Apresentação do livro "Guineidade & Africanidade: Estudos, Crónicas, Ensaios e Outros Textos", dia 3 de Fevereiro de 21013, em Lisboa

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10977: Notas de leitura (451): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
A proposta do conceituado historiador guineense Julião Soares Sousa é um documento redigido com franqueza e profundo afecto pelos sofrimentos do seu povo, passa em revista as sucessivas crises, tumultos, intentonas e inventonas desde 1974 ao presente.
Desvela contradições e a posse maníaca pelo poder, recorda como as elites se divorciaram dos interesses da maioria e vivem em permanente locupletação.
Enuncia uma série de pontos que ele considera relevantes para levantar o Estado. E pede debate.
Os guineenses que têm este blogue como sala de conversa, parece-me, têm agora ensejo para depor nos termos construtivos que são o apanágio deste guineense que está a fazer carreira científica brilhante entre nós.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: A destruição de um país (2)

Beja Santos

“A estabilização da Guiné-Bissau passa essencialmente pela desmilitarização da política, pela despartidarização das Forças Armadas e pelo fim das lutas pelo controlo do poder na esfera político-partidária. A resolução da crise nacional depende, única e exclusivamente, da nossa capacidade em assumirmos coletivamente os erros cometidos ao longo de quase 40 anos de independência. Depois de tantas convulsões, da desagregação da sociedade guineense e das ameaças que pairam sobre o seu futuro imediato, parece ter chegado o momento de grandes decisões. A única saída é vencer a fragmentação da nossa sociedade, através de uma discussão livre, com a participação de todos os sectores da vida nacional; a recuperação do país e das instituições do Estado é uma matéria que deve interessar e envolver todos os guineenses”, escreve Julião Soares Sousa nas reflexões finais do seu livro “Guiné-Bissau: A destruição de um país” (edição de autor, Coimbra, 2012, contacto: juliaosousa@hotmail.com).

No texto anterior procedeu-se a uma análise sumária das crises, choques político-ideológicos que invadiram a vida da jovem república da Guiné-Bissau, praticamente desde a sua fundação. Retomamos o fio desta meada exatamente com conflito de 1998-1999, que introduziu uma viragem neste ciclo de autoritarismo e despotismo. Se é facto que Nino Vieira, após o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, introduziu uma modificação radical nas relações entre o partido/Estado e a sociedade, durante cerca de 20 anos as Forças Armadas foram progressivamente saindo da dependência do poder político, misturaram-se com dirigentes políticos no acesso ilícito de bens, foram coniventes em perseguições e assassínios, e por fim no tráfico de armas. Em 1998, a sociedade guineense ainda estava em estado de choque pela passagem ao franco CFA, a questão dos antigos combatentes e os vencimentos das Forças Armadas eram questões graves, eternamente dependentes; acresce a divisão do PAIGC e o confronto entre Nino e Ansumane Mané. Ciente da falta de apoios interno, Nino pede a intervenção do Senegal e da Guiné Conacri: o Senegal intervinha para liquidar os rebeldes do Casamansa e, conforme escreve o autor “A precipitação do Senegal em direção à Guiné foi instigado pelo facto de, logo nas primeiras horas, constar que os rebeldes do MFDC combatiam em Bissau ao lado da Junta Militar; a Guiné Conacri e o regime de Lânsana Conté vieram retribuir o apoio que Nino lhes dera a quando da rebelião militar de Fevereiro de 1986, que se saldou em 50 mortos, Nino e Lânsana tinham um acordo de ajuda reciproca, alicerçado em relações pessoais antigas e interesses privados em Lânsana na Guiné-Bissau. Foi um longo conflito de onze meses com vários acordos de cessar-fogo que, mal assinados eram rasgados".

Ainda na presidência de Nino, em Fevereiro de 1999, Francisco Fadul foi designado primeiro-ministro à frente de um Governo de Unidade e Reconciliação Nacional. Depois de desafios e tensões, a junta militar tomou poder em Maio, Nino renunciou e Malam Bacai Sanhá ascendeu ao cargo de presidente da República interino. O que se seguiu trouxe a revelação que os militares não queriam abandonar o poder, exigiram um pacto de transição, confiscaram poderes constitucionais do presidente da República, ao mesmo tempo que o PAIGC em congresso expulsava uma dezena de personalidades de primeiro plano. Seguiu-se um período em que à sombra do desgaste do PAIGC Kumba Ialá soube impor-se pelo seu popularismo. Este período da presidência de Kumba o autor chama-lhe a IV República. A paz não chegou à Guiné. Ansumane Mané foi assassinado, os militares demitiram Kumba em 2003, nunca mais pararam as tricas entre a presidência da República, o primeiro-ministro e a oposição, isto enquanto a situação económica e financeira tinham resvalado para um novo caos. Os militares voltaram à ribalta, exigiram a criação de um Conselho Nacional de Transição Política. O líder do comité militar, Veríssimo Seabra, foi assassinado em Outubro de 2004, Henrique Rosa foi a personalidade escolhida pelas chefias militares e pela sociedade civil para ocupar o cargo de presidente interino, depois do golpe de Estado que depôs Kumba. Nino irá apresentar-se a eleições em Junho de 2005 que derrotará Kumba na segunda volta. É este o marco da fundação da V República, segundo o autor. A instabilidade não parou: em três anos de mandato Nino nomeou três chefes de Governo. Em 2009, em dois dias consecutivos, são assassinados Tagma Na Waie, CEMGFA, e Nino. Repetiu-se a dança do presidente interino, Carlos Gomes Júnior e Zamora Induta foi nomeado CEMGFA. O PAIGC entregou-se a novas lutas internas dilacerantes entre Carlos Gomes Júnior e Malã Baicai Sanhá. Houve novas querelas na hierarquia do mando, desta feita Malam Sanhá exonerou o Procurador-Geral da República, em condições nada pacíficas.

Julião Soares Sousa explica ao detalhe todas estas convulsões, e assim chegamos às eleições de 18 de Março de 2012, interrompidas por novo golpe de Estado militar que iniciou mais um doloroso período com afastamento da Guiné-Bissau da cena internacional. Refletindo sobre a função presidencial, o autor reflete sobre os equívocos e interpretações erróneas dos presidentes que se excederam no uso do poder e escreve: “O regime presidencialista é o que menos serve os interesses do nosso país. O chefe de Estado deve ser suprainstitucional, ter a função de moderação nos grandes debates nacionais. Os presidentes da República eleitos em lugar de serem presidentes de todos os guineenses são por norma presidentes das clientelas, daqueles grupos que apenas sobrevivem bajulando o poder e com grande capacidade para fomentar intrigas e semear ódios”. A sua observação prossegue pelo estado das finanças públicas e a grande desconfiança da comunidade internacional, fala na necessidade de projetos novos na área do turismo, da agricultura, das pescas e da exploração das riquezas de subsolo. Propõe, em consequência, uma alteração, maioritariamente aceite pelo povo guineense para o desempenho macroeconómico reapetrechamento do aparelho de Estado, a dignificação dos funcionários, a coesão da política educativa, uma nova política externa de credibilidade e de boa governança. O que pressupõe um diagnóstico rigoroso e uma energia para superar contradições entre o interesse público e o mercado liberal. Desde os anos 1980 que a Guiné-Bissau promete implementar reformas económicas e políticas, o resultado é a manutenção do poder típico de regimes totalitários e a deriva neoliberal, temos assim explicada a estagnação do país.

O apelo deste insigne historiador é a favor do poder democrático alicerçado em reformas: redução dos poderes do presidente da República; clarificação dos poderes do Procurador-Geral da República, e dessa recuperação política há que passar para a recuperação das instituições do Estado como entidade promotora de bem-estar. Este apelo é escrito na convicção de que a Guiné-Bissau está no limite entre a clarificação democrática e a penosa e inglória ditadura militar. Apela a um grande debate e lembra as palavras do bispo D. Septímio Ferrazzeta, proferidas na sede de Bissau, em 9 de Agosto de 1998: “O povo da Guiné-Bissau é pacato, sabe sofrer, mas até certo ponto… Quando cada um de nós pergunta as razões desta guerra, a resposta estará nos pontos seguintes: ninguém dá ao poderoso direito de ser arrogante; ninguém dará ao soberbo o direito de ser prepotentes; ninguém dará a quem exercer o poder o direito de receber o que pertence aos outros; ninguém dará o direito ao corrompido de matar o inimigo”.

É nestes tempos incertos que é preciso encontrar novos rumos em prol do resgate definitivo do nosso país, conclui o historiador guineense neste documento apresentado com uma proposta susceptível de levantar o Estado e garantir a paz a todos os guineenses.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10956: Notas de leitura (450): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10956: Notas de leitura (450): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2012:  

Queridos amigos,
O historiador guineense Julião Soares Sousa, Prémio Fundação Calouste Gulbenkian concedido ao seu trabalho sobre a vida e a obra de Amílcar Cabral, vem agora a terreiro com um diagnóstico das instituições da Guiné-Bissau, desde 1974 ao presente.

Rememora os diferentes ciclos políticos, as suas tensões e rupturas, até chegar a um manifesto, elencado iniciativas, susceptível de tirar a Guiné-Bissau da situação anticonstitucional em que se encontra, mercê de uma solução nacional que será a única solução para se obter a confiança e a harmonia entre todos os guineenses, que aspiram à paz e ao desenvolvimento.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: A destruição de um país

Beja Santos

“Guiné-Bissau: A destruição de um país” é o livro mais recente do historiador Julião Soares Sousa (edição de autor, Coimbra, 2012, email do autor juliaosousa@hotmail.com).

Trata-se de um contributo, como um apelo em matérias de interesse nacional, contra o subdesenvolvimento, a corrupção e toda a espécie de imoralidades que pautam a vida política, económica e social da Guiné-Bissau, adianta o autor. Tudo o que ele pretende é intervir construtivamente, diagnosticando as causas da crise e propondo linhas de rumo que permitam à Guiné-Bissau ir resolvendo os seus problemas mediante uma solução nacional que possivelmente a presente crise irá abrir as portas.

Na sua visão, a história da Guiné-Bissau entre 1974 e o presente, tem várias repúblicas e períodos de transição. Começando na I República, o historiador refere que a independência formal não foi pacífica com a instalação e o controlo do país por parte do PAIGC, numa lógica de partido/Estado e de um modelo de desenvolvimento estatizado. Houve logo uma caça aos inimigos internos e aos inimigos da revolução, concretamente os ex-comandos africanos, os régulos, membros de antigos movimentos nacionalistas e opositores declarados. O PAIGC foi confrontado com a fracassada tentativa de politização das massas urbanas, o partido isolou-se e entregou a administração do país à burocracia do país, totalmente impreparada, era abissal a distância entre a organização dos territórios libertados e o novo país. As perseguições davam ilusão de que o partido/Estado possuía as rédeas do poder. Fuzilaram-se ex-comandos; entre 1974 e 1980 mais de meio milhar de guineenses pereceu nas mãos da polícia política. O autor esclarece: “Foi na diáspora que alguns filhos da Guiné se (re)organizaram no sentido de combaterem o regime de partido único. Assim, em 1976, foi fundada (no exílio de Lisboa) a Organização Anticolonialista da Guiné-Bissau (OANG), por Viriato Pã, entre muitos outros quadros guineenses. Rapidamente, a OANG criou células clandestinas em Bissau, na região de Oio e em Farim, tarefa para a qual contou com o trabalho incansável de António Mendes Fernandes, Zinha Vaz, entre outros. Podemos mesmo afirmar que, em pouco tempo, a OANG penetrou na estrutura da sociedade guineense que quase minou o edifício em que assentava o poder despótico do monopartidarismo no pós-independência, se não fosse a sanha implacável da segurança do Estado e a prisão de grande parte dos elementos que constituíam a sua célula clandestina na Guiné, em meados de 1977”.

A I República (1975-1980) falhou no domínio económico, sobretudo não conseguiu adequar os incentivos à agricultura, não houve qualquer conversão desta bem como falhou a tentativa de instalação de unidades industriais ligadas ao sector primário. Ocorreu uma subida de custos devido à monopolização das importações e das exportações, os camponeses abandonaram os campos e avançaram para os grandes centros urbanos. Caiu de forma alarmante a produção agrícola sobretudo em 1979 e 1980. Falharam as prometidas reformas, caso do complexo Agro-Industrial do Cumeré, da fábrica de compotas de Bolama, entre outras. Mesmo com este caudal de desaires, observa o autor, é inegável que havia uma visão estratégica de desenvolvimento, apenas comparável aos governos de Carlos Gomes Júnior. O falhanço de muito projetos durante a administração de Luís Cabral deve-se, adianta o autor, à incúria, falta de profissionalismo e de patriotismo de alguns funcionários estatais e dirigentes políticos nacionais: “Ainda hoje passamos um atestado de incompetência a nós mesmos por sermos incapazes de criar e de manter uma fábrica de transformação do bauxite em alumínio destinado à exportação, como pretendia Luís Cabral, preferindo alienar a exploração a outros países e a empresas estrangeiras, sem um estudo sério do impacte ambiental”. Repertoria o conjunto de pequenas e médias unidades industriais que se pretenderam implantar durante a I República. Tratou-se de uma euforia estatizante mas onde também havia a lógica de transformar no país muitos dos recursos locais. O regime apostara no processo de industrialização em sintonia com a eletrificação dos principais centros urbanos, a criação de hospitais e não se pode negar que houve um grande esforço feito no domínio da educação. A par da ajuda externa, o Estado foi-se endividando devido às inúmeras despesas com as importações de bens de consumo. Até ao golpe de Estado de 1980, assistiu-se a um aumento da inflação para níveis incontroláveis, deu-se a centralização e a concentração do poder nas mãos de uma elite tendencialmente mais isolada e afastada da base sociológica de apoio.

O golpe de 14 de Novembro assentou neste profundo descontentamento, na tensão interna dentro do PAIGC devido a um projeto de revisão constitucional que na lógica dos golpistas acarretaria à absoluta personalização do poder e a marginalização dos guineenses no aparelho de Estado. Entrou-se na II República (1980-1994). Nino Vieira e o seu regime, desde muito cedo lançaram mão a falsos golpes de Estado, perseguições e sequestro de militantes e dirigentes de movimentos rivais. Houve assassinatos, como o que vitimou o líder da FGUIRIN, Aladje Baldé, nos anos 80 e os de Paulo Correia e Viriato Pã, e de muitos outros cidadãos nacionais. Os planos em vários sectores iniciados na I República foram postos em causa, ridicularizados e mesmo abandonados pelas novas autoridades. Caíram por terra projetos como a produção de mel e cera no Gabu, a fábrica de cerâmica de Bafatá, a fábrica de fundição e oficinas metalo-mecânicas, entre tantos projetos. Quanto aos projetos que o novo regime elaborou nunca foi capaz de os executar, muito do financiamento evaporou-se no mar de corrupção. A seguir houve que abraçar o Programa de Ajustamento Estrutural, era visto como a única saída possível para a resolução da crise económica e social.

Em simultâneo com a descrença total nas capacidades do Estado em fazer face à crise, emergiram novas revoltas que vieram acentuar a fragilidade do Estado. Constituiu-se a Frente Unida para a Libertação da Guiné (FULGUIBI), organização fundada em Lisboa e liderada por Bailo Djau. No Senegal, para além da FLING, a oposição contava com a FGUIRIN, liderado por Aladje Baldé, assassinado em 1982. Evocando tentativas de golpe, Nino chegou a convocar um congresso extraordinário, em 1981, com o objetivo de concentrar o poder. E na Constituição de 1984, Nino passou a acumular a chefia do PAIGC como secretário-geral, a do governo (depois de extinguir o cargo e de afastar Vítor Saúde Maria, acusado de estar planear um golpe de Estado). Segue-se o “caso 17 de Outubro”, de 1985 que irá culminar na prisão de 63 oficiais e civis, teremos mais fuzilamentos. O Estado ia sendo progressivamente confiscado, crescia o clientelismo, e Nino que se dizia avesso ao neoliberalismo veio a converter-se formalmente à democracia e ao multipartidarismo. Emigrados em Portugal fundaram a Resistência da Guiné-Bissau/Movimento Bafatá, uma peça importante para a abertura política que se iria consumar nos primeiros anos da década de 90. Não parou de crescer a degradação do nível de vida, foram aparecendo os partidos políticos enquanto descia a produção do arroz e se promovia a monocultura do amendoim que mais tarde dará lugar à monocultura do caju. E o autor observa: “O golpe de Estado de 1980 foi também um golpe contra o processo de industrialização em curso. Para isso concorreram o desprezo voltado ao plano industrial, a falta de divisas para a compra de equipamentos, a falta de quadros especializados e a ausência de uma rede energética para consumo das unidades industriais. E assim se caminha a passos largos para um tumultuoso conflito, aquele que eclodiu em Junho de 1998, a rebelião capitaneada por Ansumane Mané".

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10938: Notas de leitura (449): Palavras de um Defunto... Antes de o Ser, por Mário Tito, o nosso camarada Mário Serra de Oliveira (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10472: Agenda cultural (219): Lançamento do livro de Julião Soares Sousa, "Guiné-Bissau: A Destruição De Um País", dia 5 de Outubro de 2012, pelas 18h45 na FNAC do Colombo, Lisboa


LANÇAMENTO DO LIVRO, DE JULIÃO SOARES SOUSA, "GUINÉ-BISSAU: A DESTRUIÇÃO DE UM PAÍS", DIA 5 DE OUTUBRO DE 2012, PELAS 18H45, NA FNAC DO COLOMBO, LISBOA




Julião Soares Sousa* é guineense (Guiné-Bissau). Licenciou-se em História pela Universidade de Coimbra em 1991, concluiu o Mestrado em 1996 e o doutoramento na mesma Universidade em 2008.

É o primeiro guineense a concluir o Mestrado e o doutoramento na Universidade de Coimbra. Atualmente é Investigador no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra.

Entre algumas das suas publicações destacam-se: Amílcar Cabral (1924-1973). Vida e morte de um revolucionário africano (Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea, da Academia Portuguesa da História (2011); “Os movimentos unitários anticolonialistas (1954-1960). O contributo de Amílcar Cabral”, in Estudos do Século XX, 3, Coimbra, 2003; Um Novo Amanhecer, Coimbra, Minerva, 1996; “Amílcar Cabral: do envolvimento na luta antifascista à manifestações de tendência autonomista no Portugal do pós-Guerra (1945-1957)”, In Cabral no cruzamento de épocas. Comunicações e discursos produzidos no II Simpósio Internacional Amílcar Cabral realizado na Cidade da Praia, 9 –12 de Setembro de 2004, Praia, Alfa Comunicações, 2005; “O fenómeno tribal, o tribalismo e a construção da identidade nacional no discurso de Amílcar Cabral”, In Comunidades Imaginadas. Nação de nacionalismo em África, Coord. Luís Reis Torgal, Fernando Pimenta e Julião Soares Sousa. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008; "MPLA: da Fundação ao Reconhecimento por parte da OUA", Latitudes, Cahiers Lusophones, nº 28, 2006; “Amílcar Cabral: um contemporâneo de Francisco José Tenreiro no Portugal dos anos 40/50”, in Francisco José Tenreiro: As múltiplas faces de um intelectual, Coord: Inocência Mata, Lisboa, Edições Colibri, 2010; As associações protonacionalistas guineenses durante a I República: o caso da Liga Guineenses e do Centro Escolar Republicano (no prelo, Afrontamento); A cisão sino-soviética e suas implicações nos movimentos de libertação em África (no prelo, Universidade da Beira Interior).
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Notas de CV:

(*) Vd. Poste de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8322: Agenda cultural (125): Odivelas, Biblioteca Municipal, 25 de Maio, 18h30: Apresentação do livro Amílcar Cabral (1924-1973): Vida e morte de um revolucionário africano, da autoria do guineense Julião Soares Sousa

Vd. último poste da série de 2 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10470: Agenda cultural (218): Conferência Militar intitulada Portugal Militar em África|1961-1974, 5 de Outubro de 2012 em Góis

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9126: Agenda Cultural (173): Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, entregue a Julião Soares Sousa, na Academia Portuguesa da História, dia 7 de Dezembro de 2011 pelas 15 horas



1. Mensagem de Julião Soares Sousa(1) dirigida a Mário Beja Santos que por sua vez a reencaminhou para o nosso Blogue:

Acabo de ser distinguido com o prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea de Portugal, da Academia Portuguesa da História, pelo livro "Amílcar Cabral (1924-1973) Vida e morte de um revolucionário africano" (Nova Vega, 2011).(2)

A cerimónia de entrega do prémio terá lugar no dia 7 de Dezembro, pelas 15 horas, na Academia Portuguesa da História.(3)

Julião Soares Sousa
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Notas de CV:

(1) - Sobre o Doutoramento de Julião Soares Sousa vd. poste de 17 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2447: Julião Soares Sousa, o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra (Carlos Marques Santos)

(2) - Sobre a recensão de Mário Beja Santos ao livro de Julião Soares Sousa "Amílcar Cabral (1924-1973)" vd. postes de:

5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8508: Notas de leitura (253): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (1) (Mário Beja Santos)

13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)

19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)
e
2 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8629: Notas de leitura (261): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (4) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9115: Agenda Cultural (172): Lançamento do livro A Primeira Derrota de Salazar, de Paulo Aido, dia 1 de Dezembro pelas 17 horas, na Casa de Goa, em Lisboa (Teresa Almeida)

(3) - A Academia Portuguesa da História situa-se no Palácio dos Lilases, na Alameda das Linhas de Torres, 198-200 - Lisboa

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8629: Notas de leitura (261): "Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano", por Julião Soares Sousa (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Desculpem insistir na importância primordial deste livro, não estou preparado para dizer que é a mais importante biografia política de Amílcar Cabral, não hesito em dizer que se trata de um estudo muito acima das conjunturas e das conjecturas, estabelece com rigor o arco histórico entre a evolução dos movimentos independentistas e dá-nos o percurso ímpar de um pensador que não teve rival ao nível das colónias portuguesas.
Por favor, travem conhecimento com esta biografia de Amílcar Cabral

Um abraço do
Mário


"Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano"

Amílcar Cabral: o revolucionário e o mito

Beja Santos

“Amílcar Cabral, vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa (Nova Vega, 2011), não nos cansamos de opinar, é um livro incontornável para quem se interessa por aprofundar os seus conhecimentos acerca da Guiné em guerra, queira conhecer a personalidade política do mais talentoso dos líderes revolucionários das colónias portuguesas ou quem esteja a investigar, em toda a amplitude, a história da Guiné-Bissau. Amílcar Cabral, por razões sobejamente conhecidas, confunde-se e entranha-se na vida do PAIGC, desde a sua fundação e até mesmo depois da sua morte, arquitectou uma estratégia diplomática para tornar a Guiné-Bissau independente e gizou um plano militar ofensivo que foi desencadeado a partir de Maio de 1973, quando já tinha entrado na lenda.

Julião Soares Sousa analisa exaustivamente a transição para a fase revolucionária à luz das manobras diplomáticas desenvolvidas sobretudo até 1963; aprecia e detalha os preparativos para o início da guerra chamando a atenção, como nenhum autor até hoje, para o conjunto de diligências que efectuou para tentar uma convergência com outros movimentos rebeldes; mostra como a luta armada foi previamente precedida de uma organização ideológica, e que, a despeito de inúmeras dificuldades de armamento, em escassos meses a região Sul desarticulou-se e o sistema económico-colonial entrou no plano inclinado, de onde nunca mais saiu. A par dessas diligências e da organização militar, Cabral continua tenazmente à procura de uma solução pacífica para a independência. Descobre, enfim, que tem apoios políticos em África mas este continente não lhe dá ajuda financeira nem se compromete a uma intervenção militar conjunta. China, URSS e Cuba vão ser os principais doadores. Os óbices, reticências, desconfianças também são enormes, tanto no Senegal como na Guiné Conacri. Cabral não desfalece, supera os escolhos internacionais, prestigia-se em areópagos em vários continentes, redige documentos teóricos ainda hoje dignos de leitura.

Emergem, com o crescimento da guerrilha, os focos de contestação interna, Cabral, longe dos teatros de operações, apercebe-se bastante tarde que a luta armada fez surgir caciques, alguns deles sanguinários, verdadeiros terroristas. Também aqui o autor descreve os antecedentes e as consequências do congresso de Cassacá, que mudaram o curso da história do PAIGC. A conquista da população torna-se um imperativo tanto para o PAIGC como para as tropas portuguesas. A historiografia de ambos os lados é praticamente omissa sob a forma como decorreu a sublevação das populações entre 1962 e os anos subsequentes, como se intimidaram as populações, como estas foram obrigadas a tomar partido e a entrar no chamado “jogo duplo”, a que nenhuma etnia escapou. Exerceram-se muitas formas de repressão brutal, corremos o risco de ficar sem o relato desses acontecimentos. Tanto Vasco Rodrigues como Arnaldo Schulz, os governadores que precederam Spínola, têm sido criticados por favorecer a opção militar em prejuízo das medidas de carácter social. É de facto com Spínola que Cabral e a direcção do PAIGC bem como os comandos militares da guerrilha vão conhecer um confronto sério: Spínola aprofundou a aliança histórica com os chefes islamizados e o seu plano de obras públicas expressa-se em números gordos: entre 1969 e 1973 foram construídas 8313 casas, 61 tabancas conheceram melhoramentos significativos e largos milhares de pessoas foram reagrupadas; em idêntico período foram alcatroados 520 km de estradas comparativamente aos 35 km construídos entre 1960 e 1968; a governação de Spínola também se fez sentir na saúde, na educação, na agricultura e no plano político – administrativo, sobretudo graças a uma instituição que granjeou imensa popularidade, os congressos do povo. Também acerca do número de pessoas controladas, o autor manifesta a sua isenção, chamando a atenção para vários exageros da propaganda, quer para a população fora do controlo das autoridades coloniais quer para os refugiados na Guiné-Conacri e no Senegal. Não obstante, com o evoluir da guerra alguns espaços de controlo passaram inequivocamente para a alçada do PAIGC.
 Por exemplo, com o abandono de Béli e Madina do Boé, o PAIGC estendeu a sua influência em direcção à região do Gabu e conseguiu o maior domínio da margem direita do rio Corubal até ao Xitole.

As questões de formação eram primordiais no pensamento de Cabral, ele sempre estabeleceu uma conexão entre as duas componentes de guerra (as acções militares e políticas ou ideológicas) tal como disse em 1969: “Podemos derrotar os tugas em Buba ou em Bula, podemos entrar e tomar Bissau, mas se a nossa população não estiver politicamente bem formada, agarrada à luta como deve ser, perdemos a guerra”.

Noutra vertente, assume em grande peso as lutas internas, as dissidências e a constante tensão entre cabo-verdianos e guineenses, ainda hoje a historiografia guineense é estranhamente omissa sobre as crises de liderança, as tentativas de assassinato, as contestações surdas ou abertas, o que denota o pouco à vontade no tratamento das dificuldades que sempre ocorreram na vida do PAIGC, em todos os sectores.

Julião Soares Sousa deixa-nos também um quadro bastante claro sobre o entendimento que Cabral tinha do socialismo, ele pensava num estado descentralizado, pela manutenção de uma posição de não alinhamento na Guerra Fria, havendo que privilegiar a experiência das zonas libertadas e rejeitar a prevalência do aparelho administrativo colonial. Há muitas dúvidas sobre a solidez do seu pensamento marxista, mas é inegável que ele acreditava convictamente no partido único, seria o PAIGC a vanguarda da libertação nacional, isto sem prejuízo de uma estratégia para a prevenção do neocolonialismo, que também era uma das suas preocupações. Todo o ano de 1972, tempo em que o prestígio de Cabral está no zénite, é da procura do reconhecimento internacional, de eleições internas para se obter um consenso quanto à independência, mesmo que esta fosse declarada unilateralmente, tal como Cabral admitia desde Maio de 1968. A visita de uma missão da ONU aos chamados territórios libertados foi o teste de confiança decisivo para a ofensiva diplomática de Cabral.

E chegamos ao seu assassinato. Julião Soares Sousa sopesa as diferentes teses, aponta os autores materiais, equaciona os diferentes relatos, dá-nos um quadro vigoroso de quem e como actuou naquela noite. Sendo certo que o governo português equacionara a sua eliminação física no passado, naquele momento o seu desaparecimento provocou danos irreversíveis às estratégias de Spínola. Não é de negar a hipótese de que o seu assassinato iria atrasar a data da independência mas ninguém de boa fé pode advogar que as autoridades de Lisboa ou de Bissau iriam encontrar um interlocutor mais capaz, o PAIGC é já uma força incontestavelmente motivada e tem uma vida política com garantias de autonomia mesmo com o desaparecimento do seu líder carismático. E o autor escreve: “A análise dos acontecimentos do dia 20 de Janeiro parece não deixar margens para dúvidas que o assassinato de Cabral foi obra de dissidentes do PAIGC”. Tratou-se de um complot em grande escala e que ultrapassa as fronteiras da Guiné-Conacri, como ele enumera: as muitas contradições do discurso oficial; a história fantasiosa que esse mesmo discurso criou e recriou para, em nossa opinião, continuar a encobrir a verdade e o facto de, até hoje, não se conhecer nenhum relatório das três comissões de inquérito entretanto criadas. Não há nenhum documento que incrimine, directa ou indirectamente a PIDE, há hesitações e nuances em torno de Sekou Turé ou até mesmo de Osvaldo Vieira. E há provas de que a ala guineense do PAIGC projectava não se envolver na questão da independência de Cabo Verde, ficando a luta na Guiné a cargo dos guinéus. É de admitir que nunca se consigam juntar provas que tragam luz sobre quem instigou toda esta trama que levou os descontentes guineenses do PAIGC a liquidarem Cabral.

E muito provavelmente Marcel Niedergang, colunista do jornal Le Monde, teria razão num artigo que li publicou três dias após o assassinato de Cabral: com o seu assassinato era também a esperança de uma colaboração ainda possível entre Portugal e o seu território africano que se afastava abruptamente.

Por todas estas razões, o estudo monumental de Julião Soares Sousa é uma leitura imperdível.
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Notas de CV:

Vd. postes anteriores de:

5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8508: Notas de leitura (253): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (1) (Mário Beja Santos)

13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)
e
19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 29 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8616: Notas de leitura (260): Costa Gomes, o último Marechal, por Maria Manuela Cruzeiro (Mário Beja Santos)

terça-feira, 19 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): "Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano", por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
O livro de Julião Soares Sousa bem merece uma análise mais detalhada, tal a riqueza de pormenores e a investigação aturada que ele levou a cabo. Este primeiro doutor guineense pela Universidade de Coimbra supera as melhores expectativas, tal o rigor e equidistância que soube manter na sua investigação, do princípio ao fim. Propõe teses novas sobre a formação de Cabral, as bases da construção do PAI/PAIGC, analisa a ideologia socialista do líder do PAIGC sem tabus. Como é desassombrada a sua análise quanto ao assassinato que ocorreu em 20 de Janeiro de 1973, matéria a que dedicaremos a terceira e última recensão.
Estou à vontade, não conheço Julião Soares Sousa, posso propor sem hesitação a sua leitura como indispensável para a compreensão da guerra que todos nós travámos.

Um abraço do
Mário


"Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano"

Amílcar Cabral: à volta do projecto de unidade Guiné e Cabo Verde

Beja Santos

Um dos aspectos mais relevantes do livro de Julião Soares Sousa sobre Amílcar Cabral é o de permitir um estudo desapaixonado e rigoroso em torno do contexto africano de unidade, a par da génese e evolução do projecto federalista entre Guiné e Cabo Verde que o líder carismático do PAIGC desenvolveu e que estará certamente na base dos maiores sucessos alcançados na luta de independência mas que comporta, de igual modo, o gérmen da destruição dessa mesma unidade.

O autor recorda-nos que o conceito de unidade africana fez fortuna e apareceu associado à ideia pan-africana de unidade do continente: Guiné e o Gana manifestaram a sua intensão de se unir, logo em 1958; Nkrumah defendia que a força do continente africano radicava na união; Nierere, da Tanzânia, advogava que apenas com a unidade se poderia assegurar que os africanos governavam realmente a África. Foi um movimento que culminou com a organização da unidade africana. No percurso, assistiu-se a várias tentativas de uniões regionais e sub-regionais: Gana e a Guiné Conacri; Daomé (actual Benin), o Sudão, o Alto Volta (actual Burkina Faso) e o Senegal formaram a Federação do Mali, etc. Como se sabe o projecto que se tornou mais duradouro na África Austral foi a união entre o Tanganica e Zanzibar que deu origem à Tanzânia, os outros foram simplesmente efémeros.

No final dos anos 50, Cabral estava atento a estes projectos de uniões regionais. O contexto africano era de superar os nacionalismos particularistas. Julião Soares Sousa está convicto de que o projecto federalista de Cabral surgiu em 1959, é a partir de Setembro desse ano que se começa a falar da unidade entre Guiné e Cabo Verde. Nos estatutos do PAI diz-se claramente que é uma “organização política das classes trabalhadoras da Guiné dita portuguesa e de Cabo Verde” e que a sua actividade será exercida nos dois países; esses mesmos estatutos previam a criação de comités e conferências para cada um dos territórios em questão. De acordo com alguns testemunhos da época, a começar por Luís Cabral, Amílcar destacava a origem ancestral comum e facto da Guiné e Cabo Verde dependerem da mesma potência colonial; e argumentava de que a separação da luta das duas colónias seria aproveitada pelo colonizador que poria os cabo-verdianos a dominarem guineenses. Cabral estava pois convencido que o projecto de união tinha solidez histórica e cultural, referia o tráfico de escravos transportados do continente para as ilhas, falava na paridade do crioulo e até na união orgânica ao longo de séculos. Contudo, não deixa de causar perplexidade não ver, por parte dos estudiosos e biógrafos de Cabral, nenhum exame a este conceito francamente voluntarista da unidade histórica e cultural, nem os investigadores cabo-verdianos ou guineenses têm mostrado iniciativa em desmontar esta confabulação montada em elevado conceito; nem se conhece nenhuma reacção, a partir desses anos 60 e até mesmo à independência, de assembleias internacionais ou políticos africanos, parece ter descido uma cortina de silêncio ou aceitação sobre as teses de Cabral acerca da unidade Guiné e Cabo Verde.

Julião Soares Sousa vai destacando reacções desfavoráveis quer de cabo-verdianos quer de guineenses, ela será uma constante no fraccionamento dos diferentes grupos e grupúsculos oposicionistas, sediados no Senegal, na Guiné-Bissau e na Guiné-Conacri, isto para já não falar da contestação em certas elites cabo-verdianas. O discurso de Cabral passará a ser rebarbativo e assumirá quase uma toada mágica: seriam povos irmãos, mesmo com problemas específicos; Guiné e Cabo Verde eram do ponto de vista histórico, étnico, económico, social e cultural, um só povo; ele falava em “o nosso povo do continente e das ilhas” como se houvesse uma única comunidade nacional. Obviamente que este discurso dogmatizante ganhava carga contraditória quando ele próprio aludia às diferenças na situação económica, social e cultural dos dois povos, eram diferenças que ele considerava suficientes para consolidar a unidade.

Como toda esta concepção ideológica era destituída de rigor histórico e político, Cabral foi usando de argumentação de elevada plasticidade até ao seu assassínio, sempre que invocava a unidade. Como é evidente, o conceito acabou por funcionar como uma peça estratégica ao serviço de outros movimentos de libertação, e foi inegavelmente um factor no combate às tentações étnicas que se foram camuflando dada a capacidade de manobra e a oratória de Cabral.

O líder apercebeu-se que tinha que passar para o terreno, interiorizar a subversão graças a quadros preparados. O seu conceito revolucionário foi aceite pelos diferentes movimentos independentistas das colónias portuguesas, a começar por dirigentes de alto coturno como Viriato da Cruz, Lúcio Lara e Mário de Andrade, com quem Cabral tinha excelentes relações. Em Maio de 1960, Cabral chega a Conacri onde se fixam o PAI e o MPLA. Começa um longo percurso até assumir a liderança do movimento de libertação, desarmando gradualmente os grupos opositores. A sua capacidade de trabalho é enorme, na elaboração de documentos teóricos e de comunicados, na correspondência trocada com outros líderes, na participação em reuniões internacionais e na organização do PAIGC, no acompanhamento da subversão ao nível de Bissau, o líder parece incansável, uma onda gigantesca em movimento. Acresce que foi necessário superar desconfianças mesmo dentro da Guiné Conacri e uma suspeita de Senghor quanto aos propósitos políticos de Cabral. Aos poucos, os quadros foram sendo formados no exterior, na Guiné-Bissau. Rafael Barbosa comportava-se como um impetuoso revolucionário, os grupos de oposição desagregaram-se. Sem que as autoridades portuguesas se apercebessem do alcance subversivo, encetou-se a mobilização junto dos camponeses, preparando-os para a hostilidade contra os portugueses. Mas os revezes também chegaram cedo: as prisões em 1961 e 1962, sobretudo as últimas que levaram Rafael Barbosa à detenção. Mas nesse ano o quadro revolucionário encontrara terreno para a prática subversiva: a região Sul é praticamente desmantelada, destroem-se pontes e embarcadouros, isolam-se localidades, aniquilam-se as comunicações.

Em Janeiro de 1963, com o ataque a Tite, é dado o sinal do desencadeamento da luta armada. No final desse ano, há grupos de guerrilheiros e populações apoiantes por praticamente toda a região Sul, no Corubal e no Morés. Cabral é um teórico, um diplomata, um organizador, um estratega. Quando se lê esta biografia política de Julião Soares Sousa não deixa de impressionar a distância colossal que o separa quer dos seus pares dentro do PAIGC quer dos outros líderes independentistas: criou uma doutrina socialista especifica e vai ditar regras dessa originalidade em areópagos onde o pensamento soviético primava por ser o único; usa a unidade Guiné-Cabo Verde como contribuição indispensável para a união africana; é um pensador e um agitador sempre em movimento. A sua obra teórica é de grande valor, toda ela escrita num português exímio.

O seu calcanhar de Aquiles, ver-se-á na próxima e última recensão, residiu na incapacidade de dar resposta ao contencioso entre guineenses e cabo-verdianos que, de um modo geral, não se reviram completamente na construção do Estado proposta por Cabral. No auge do seu prestígio, será assassinado: a criação revoltou-se contra o criador. E, como é por todos sabido, a criação ainda não ganhou identidade.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8559: Agenda Cultural (143): Cartas de Amor e Saudade, por Manuel Botelho, no Centro Cultural de Cascais até ao dia 28 de Agosto de 2011 (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)