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sábado, 11 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25508: Os nossos seres, saberes e lazeres (628): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (153): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Há razões muito sérias que me levam a prolongar esta viagem encantatória por um lugar que frequentei com grande insistência décadas a fio, primeiro a Livraria e um livreiro afável e pedagogo, ali expunha-se um admirável mundo de livros de ideias, da moderna literatura, naquele tempo a língua francesa tinha grande peso, mas os alunos de Germânicas eram grandes frequentadores à procura de cinema, teatro, romance, ensaio, política; depois abriu-se uma sala ao lado, era a inolvidável surpresa de vermos nas paredes gente de que nunca tínhamos ouvido falar, e apareciam velhos mestres ou artistas consagrados, conversava-se em grupos e havia aquele espanto de tanto se poder escutar Adriano Correia de Oliveira como Bach. Pelo adiante, o espaço cresceu, e agora qualquer um de nós pode ir conhecer a história da 111 por 60 anos de vida, como cresceu, como aquela coleção de Manuel de Brito é uma referência reconhecer o que mais de singular se produziu na segunda metade do século XX, até à atualidade, e a participação de artistas estrangeiros é muito mais do que interessante. Até à próxima.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (153):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 3


Mário Beja Santos

Terá sido à volta de 1966, já decorriam as exposições de novíssimos artistas na sala ligada à Livraria 111, seria um princípio de tarde, ouvia-se um dos concertos de brandeburgueses de Bach, bem sentado, deu-me para pensar por onde andara a minha iniciação estética. Frequentava semanalmente a casa dos meus padrinhos, ali pendurava-se pelas paredes Dordio Gomes, Simão da Veiga, Veloso Salgado, Túlio Vitorino, Maria Adelaide Lima Cruz e até exposto numa vitrina um desenho que Almada Negreiros fizera durante uma lição de desenho ao meu padrinho. Tudo arte figurativa, neoacademismo, naturalismo, modernismo em várias gerações. Fizera-me, anos antes, sócio de uma cooperativa, Gravura, dava-se uma ninharia trimestralmente, ao fim de um ano tinha-se direito a uma gravura, no primeiro ano coube-me Mulher reclinada, de Júlio Pomar, foi prenda de casamento para um amigo. Hoje, quando leio que foram os anos 1960 os de rutura, tenho sérias dúvidas, quando vejo Querubim Lapa, Vespeira, Pomar, Vieira da Silva, Nadir Afonso, Cruzeiro Seixas, Sena da Silva, Carlos Calvete, Nikias, António Areal, entre outros.

Mas será na 111 que irei ter acesso a uma nova dimensão da modernidade, logo Paula Rego, Eduardo Batarda, Costa Pinheiro, Joaquim Bravo, Lourdes Castro, Palolo, Noronha da Costa. Aquilo que os críticos irão chamar as novas linguagens, quanto a ruturas radicais, torço o nariz, há processos de continuidade, vincam-se novas tendências para além do neorrealismo já em vias de abandono, mas ainda o pujante surrealismo, há um conjunto de artistas no estrangeiro, surge a simpatia pelo pop, o minimalismo, a arte gótica, uma transfiguração do expressionismo, sinais do gestualismo, a plenitude da arte abstrata, o desafio das relações entre a pintura e a escrita, criando-se uma pintura caligráfica, aparece o acrílico, os objetos de arte, as pinturas-objeto de Helena Almeida. Tive essa escola, comecei a visitar exposições noutras galerias, mantive-me sócio da Gravura. Fui à guerra e volto à 111 no outono de 1970, senti um choque, as artes plásticas galgavam para novos horizontes, eu vinha do horror e da brutalidade, de patrulhas de flagelações, de golpes de mão, dos meus mortos e dos meus feridos, aqui o mundo seguia noutras direções, manifestamente indiferente às guerras de África. Mas a 111 foi um espaço de readaptação e reequilíbrio, a par da vida familiar, da retoma dos estudos, muita da arte que vou ver ao longo dos anos 1970, antes e depois do 25 de Abril, ajudou-me a ser quem sou hoje. Por isso, a minha dívida para com a 111 é impagável, a solicitude do Manuel de Brito que a todos atendia tão afavelmente, sem nunca ter em conta o poder de compra do cliente próspero ou dos estudantes e o seu viver magro, honra lhe seja sempre feita como galerista que só ansiava por ver multiplicada a arte que aqui se expunha.

E, por isso, vou andando às voltas, em dança e contradança, recordando o que vi ao tempo ou que acabo de conhecer de novas gerações. E a visita continua.

Centro de Arte Manuel de Brito, imagem não atual, Campo Grande, 113A
Golden Girl, por Adriana Molder
Carlos Botelho, Place du Tertre
Foi livraria, já não é, mas continua a ser um recanto de que se gosta de bisbilhotar
Carlos Correia, sem título
Joana Fervença, Unfairtrade
Bartolomeu dos Santos, A Palmeira do Chile – eu em Algés em 1934
Bengt Lindström, Regard D’Ailleurs
Júlio Pomar, Os Mascarados de Pirenópolis
Eduardo Batarda, El instante meaning
Arpad Szenes, Le Couple

(continua)
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Nota do editor

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Último post da série de 7 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25489: Os nossos seres, saberes e lazeres (627): "Monumento aos Combatentes do Ultramar - Belém", um apontamento filmográfico de Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval

terça-feira, 7 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25489: Os nossos seres, saberes e lazeres (627): "Monumento aos Combatentes do Ultramar - Belém", um apontamento filmográfico de Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, enviada no dia 3 de Maio de 2024,via WhatsApp, ao coeditor Carlos Vinhal:

Meu Caro Carlos Vinhal,

Grato pela conversa telefónica havida com duração acima de 01:30. Grande paciência a tua!

O link permite o acesso a um filme que rodei com a minha "GoProHero12Black" em 20240424.

Depois de o referir com alguns elementos históricos descritivos, editei o filme que titulei com o nome de "Monumento aos Combatentes do Ultramar - Belém".
Apenas uma legenda: «esquecidos"
Em:
https://youtu.be/eYEqiJC60Fs


2. Ainda no mesmo dia, via WhatsApp, resposta enviada ao camarada Manuel Lema Santos:

Caríssimo Manuel Lema Santos,

Já vi o teu filme, que mostra muito bem o nosso Memorial, só tenho uma dúvida quanto aos mais esquecidos. Serão os falecidos em campanha, cujo nome ali fica perpetuado, ou nós que passámos uma vida na condição de anónimos até que a maravilha da internet nos pôs todos em contacto para que unidos pudéssemos gritar que ainda cá estamos?

Se não te importares, aproveito a tua mensagem para encimar o link para o teu filme, quando publicar no blog. Publiquei um pequeno comentário ao teu filme no youtube (sou o MrCaresvi). O filme está muito bom, quase um trabalho de profissional.

Aqui fica o meu abraço e os votos de saúde para ti e para a tua excelentíssima família.
Carlos Vinhal


3. Nova mensagem de Manuel Lema Santos

Meu Caro Carlos Vinhal,

Na minha perspectiva aglutinadora é o conjunto de ambos... todos "esquecidos". Julgo que quando falamos de Antigos Combatentes estaremos a referir todo os que se bateram por Portugal, mesmo no pós Guerra do Ultramar. Houve outras pelejas...

Uns tiveram menos ou nenhuma sorte e cairam em combate. Aos que regressaram vivos compete, ainda que com mazelas várias ou saúde mental diminuída de que as memórias históricas são parte, alertar permanentemente responsáveis Políticos e Instituições, para a necessidade de distinguir e honrar os que se bateram pelo País, independentemente do destino último de cada um.
Afinal o que os distingue dos que nunca compareceram à chamada, dos refractários ou dos desertores? Claro que não me permito considerar um devassado conceito de "objector de consciência", onde eventualmente nos classificamos todos em relação a um filosófico conceito de guerra.

Forte abraço,
MLS





Localizado junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa. Foi criado para homenagear todos os militares que combateram nas várias frentes, em defesa da Pátria. Criado em 1991 por uma equipa liderada pelo arquitecto Francisco José Ferreira Guedes de Carvalho.
Foi inaugurado a 15 de janeiro de 1994 por Prof. Doutor Adriano Moreira e pelo General Altino de Magalhães, ao tempo Presidente da Liga dos Combatentes. Desde esse ano, em cada dia 10 de Junho, é ali realizado o Encontro Nacional de Combatentes.

O monumento é constituído por um lago com uma estátua central. No ano 2000, ao longo do Forte do Bom Sucesso, foram afixadas lápides onde figuram os nomes dos caídos no cumprimento do dever pátrio.

Durante o período da guerra em África (1961-1974) foram empenhados nas três frentes cerca de 800.000 militares portugueses, dos quais a maioria, cerca de 70 %, eram oriundos de Portugal Continental, Açores e Madeira e cerca de 30 % de recrutamento local (Angola, Guiné e Moçambique).

As forças militares portuguesas eram constituídas essencialmente por militares do Serviço Militar Obrigatório e, no Exército, essa realidade era bastante mais expressiva, pois os militares do Exército representavam 92 % do total do pessoal, a Força Aérea 5 % e a Marinha 3 %.
Registaram-se 202.000 faltosos e cerca de 20.000 refratários, o que representa um universo superior a 220.000 homens que, deliberadamente não se apresentaram para cumprirem o serviço militar durante o período da guerra (1961-1974), aos quais se juntam cerca de 9000 desertores.

Durante o período em que decorreu a guerra morreram mais de 10.000 militares, sendo a maioria do Exército (9.638), seguidamente da Força Aérea (511) e finalmente da Marinha (260). Entre os civis contaram-se aproximadamente 6.200 mortos e 12.200 feridos.
Entre os movimentos independentistas (Angola, Guiné e Moçambique) contaram-se 28.226 mortos e 9.450 feridos.

Filme, imagens e edição do autor da publicação
Fontes da descrição: Wikipédia, Revista Portuguesa de História Militar, Ano I - nº 1 (Dezembro 2021) e Marcha dos Marinheiros pela Banda da Armada

Manuel Lema Santos
1TEN RN, 1965-1972
LFG «Orion» - Guiné, 1966/68
CNC/BNL, 1968/70
EMA, 1970/72

Música
Marcha dos Marinheiros
Banda da Armada Portuguesa
Antologia do Centenário 1903-2003

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Nota do editor

Último post da série de 4 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25477: Os nossos seres, saberes e lazeres (626): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (152): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 4 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25477: Os nossos seres, saberes e lazeres (626): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (152): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
É uma romagem de saudade, encontro na 111 uma das pontes que me fez chegar à democracia com os equipamentos dados pelos anunciadores do futuro. Os jovens universitários desciam das faculdades de Medicina, Direito e de Letras e tinham no Campo Grande dois postos de acolhimento, um para adquirir as obras de estudo, outro onde se revelavam sinais de mudança, livros ideológicos que não se podiam traduzir, a novíssima poesia, o novo romance, obras de gente proscrita, e daí a 111 ser visitada regularmente para apreensões. Havia sempre o conselho personalizado do Manuel de Brito, até que um dia, no princípio de 1964, abriu um espaço ao lado da livraria, uma pequena sala, ali vieram expor artistas de que eu nunca ouvira falar, caso de Álvaro Lapa, Palolo ou António Sena. 60 anos depois sinto-me embevecido por ver esta coleção, o Arquivo Histórico-Cultural que a acompanha, instituição de referência, e ver a coleção a crescer, com artistas nacionais e estrangeiro. Vale a pena ir até ao Campo Grande até aos princípios de agosto, ali se podem contemplar algumas das obras mais representativas de artistas plásticos que marcaram a nossa geração.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (152):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 2


Mário Beja Santos

Nos chamados Anos de Chumbo, havia os retratistas de encomenda (Henrique Medina ou Eduardo Malta), os mestres das empreitadas oficiais (Barata Feyo), os modernistas que António Ferro tolerava (Paolo Ferreira, Carlos Botelho, Bernardo Marques, Almada Negreiros, Sarah Afonso, Ofélia Marques…), os neorrealistas (Júlio Pomar, Vespeira…) que, de um modo geral, transitaram para outras correntes estéticas no início da década de 1960, os surrealistas (Cruzeiro Seixas, Cesariny, Carlos Eurico da Costa, Cândido da Costa Pinto) e, fora destas tendências, emergiram uns jovens que irão encontrar guarida, imagine-se, em galerias como a do Diário de Notícias ou no lugar de exposições numa sala anexa à Livraria 111, no Campo Grande, sonho de Manuel de Brito, a 111 tornar-se-á, nas décadas subsequentes, um espaço memorável para estreantes e novos consagrados como Nikias Skapinakis, Sá Nogueira, Pomar, Paula Rego, Menez, entre muitíssimos outros. Ao longo de 60 anos aqui farão exposições Maria Helena Vieira da Silva, Lourdes Castro, Charrua, Eduardo Batarda, Noronha da Costa, Cutileiro, José Escada, Eurico Gonçalves, Jacinto Luís, João Moniz Pereira, Palolo, Vespeira, João Vieira, entre muitíssimos outros, uma centena e tal de exposições, e hoje um acervo histórico documental de referência para as artes plásticas portuguesas. A coleção cresceu com aquisições de importantes artistas estrangeiros, como Arman, Sonia Delaunay, Bengt Lindström, Karel Appel, Vasarely, Arpad Szenes, e muitos mais.

Para a minha geração, descendo a Alameda da Universidade, havia duas livrarias onde íamos bater à porta, a Universitária e a 111, conteúdos distintos. A 111 era uma caverna de curiosidades, as novas correntes de poesia, aqui se trocavam informações sobre autores face aos quais não havia condições para traduzir, as editoras conheciam as linhas vermelhas da PIDE e da Censura, Manuel de Brito sugeria aquisições que sabíamos impensáveis noutras livrarias, era ali ou junto do senhor José Barata, livraria do mesmo nome, na Avenida de Roma. E depois surgiu a pequena sala anexa, quem não tinha dinheiro como eu era ali que podia ouvir Jacques Brel ou Adriano Correia de Oliveira, e para surpresa de muitos podíamos entremear música destes novos trovadores com Bach, os russos clássicos ou de vanguarda. Foi assim.

Esta exposição dos 60 anos da 111 (1964-2024) é credora da nossa visita. A primeira vez que lá entrei para a visitar parecia-me uma galeria de estampas à moda antiga, fui arrebatado pela disposição das obras, há para ali muita luminosidade, claros-escuros, mensagens encriptadas, roturas, enfim, um espectro de correntes estéticas que chega praticamente aos nossos dias. Tenho todo o prazer em lá voltar e gostava de vos dizer que a exposição está patente até ao início de agosto, entrada grátis, o visitante até pode receber uma curiosa lembrança.

Manuel de Brito frente à Livraria 111, a rua chamava-se então Estrada de Malpique, naquele prédio viviam Mário Soares e Maria Barroso e os filhos, a livraria fazia esquina com o Campo Grande, Manuel de Brito alargou a livraria a um espaço onde entraram as artes plásticas, a música clássica e os trovadores que anunciaram o 25 de Abril
Montra da Livraria 111 nos bons velhos tempos
João Leonardo, Busto, beatas de cigarros e caixa em acrílico
René Bertholo, Bateau a Qual II, objeto mecânico em metal
Eduardo Luís, A Gaveta Desabitada
Manuel de Brito, desenho de um grande artista
José Escada, guache e tinta-da-china sobre papel
Nikias Skapinakis, Paisagem
Júlio Pomar, Pantagruel, ilustrações para o livro
João Vieira, Sonsoar, guache sobre papel
António Palolo, guache sobre papel

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 27 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25451: Os nossos seres, saberes e lazeres (625): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (151): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 21 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25419: No dia 25 de Abril de 1974 eu estava em... (31): Lisboa, de licença de férias, e depois de uma noitada o meu cunhado acordou-me às 9h00: "Eh, pá, já não voltas mais para a guerra" (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)





















Lisboa >Av Lierdade e Marquês de Pombal>  28 de abril de 1974, domingo > Um alferes de Fulacunda, de férias na metrópole, transformado em fotojornalista,captou estas imagens...

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplemene: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]



Jorge Pinto
1. O Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) mandou-nos, há tempos, fotos do seu arquivo pessoal relativas ao 25 de Abril de 1974.(*)

Escreveu ele: "Como sabes, tive o privilégio, de estar de férias na 'metrópole' , nessa data. No próprio dia 25, vim de Alcobaça (Turquel) para Lisboa e por aqui permaneci, até regressar a Bissau no dia 3 de Maio."

Nessa altura, enviou-nos fotos f tiradas no primeiro domingo (28.04.74), a seguir ao 25 de Abril, que fora numa quinta feira. (**) 

E explicou-nos que foram  "tiradas junto ao Marquês de Pombal, apanhando manifestação (ões) espontânea(s) que subia(m) a Avenida da Liberdade".

Ontem almoçámos juntos, em casa de amigos comuns, no lugar da Estrada,  
Geraldes, Peniche. (Um belíssimo almoço, acrescenta-se  de "arraia com batata e cebola cozida",  em dois panelões, éramos 16 à mesa, à moda das aldeias ribeirinhas do concelho da Lourinhã.)

Em Fulacunda
Depois de folgar em saber que ele está melhor das suas mazelas músculo-esqueléticas (foi operado ao fémur), falámos desta história do 25 de Abril. E ele esclareceu algunas das minhas dúvidas... 

Se bem percebi, ele já estava em Lisboa no 25 de Abril, deitou.se muito tarde, depois de estar com amigos até às tantas, ficou na casa da irmã,ali perto do Marquês de Pombal e às nove horas, foi acordado abruptamente pelo cunhado, que eufórico lhe disse:
- Jorge, tu já não voltas para a Guiné!

Ele estava a acabar de licença de férias, com viagem marcada  para o dia 3 de maio. 

Como muitos de nós, face à escassez de notícias nerdsa manhã,  ficou na dúvida se se tratava de um golpe militar encabeçado pelo Kaulza de Arriaga, do Spínola ou de outros generais...Com o passar das horas, as coisas começaram a clarificar-se. Não conseguiu chegar ao Terreiro do Paço nem ao Carmo, mas já não saiu de Lisboa, até ao regresso a Fulacunda.

Tomou o avião no dia 3, voltou a Fulacunda que foi atacada em força com canhão s/r no dia 7...Terminou a comissão em junho, mas só regressou em setembro... Nessa altura, além do 3ª C / BART  6520/72,  Fulacunda dispunha  do Pel MIl 221 e do 31º Pel Art (obus 14 cm).  

PS - O Jorge Pinto trabalhava na União Gráfica, como revisor de texto,  e já tinha o 1º ano da licenciatura em História, quando foi chamado para  tropa.

2. Comentário do editor LG:

Jorge, recuperei e reeditei as tuas fotos, que ficam para a história do nosso blogue

São de uma manife (o vocábulo já foi grafado pelos nossos dicionaristas...) do dia 28, domingo...

Como escrevi na altura (28 de fevereiro de 2016, também domingo), há 8 anos, há um certo olhar "naïf" do fotógrafo de Alcobaça, ou se calhar, mais de Fulacunda do que Alcobaça ... Afinal, só agora fico a saber que já vivias e trabalhavas em Lisboa.

Nessa altura eu estava a viver e a trabalhar em Mafra, e o dia 25 de abril de 1974, quinta-feira, foi de alguma inquietação, ansiedade, incredulidade e depois de alegria... Também eu bão sabia de que lado é  que estavam as tropas sublevadas... Pela "Máfrica", a EPI, estava tudo aparentemenet calmo... Já não tenho a certeza se nesse fim de semana fui a Lisboa, mas fui, isso sim, ao 1º de maio... Irrepetível, esse 1º de maio histórico.

Tenho pena de nessa época não fazer fotografia!... Nem se quer tinha máquina...

De facto, foste fotojornalista de ocasião, e estas fotos, mesmo de amador, vão ter daqui a muitos anos grande valor documental... Aliás, já têm... Não é todos os dias que a História nos entra pela porta dentro... No teu caso, pela porta dentro do quarto adenetro de um alferes miliciano, em férias, e com bilhete marcado de regresso a Bissau (e depois Fulacunda, na região de Quínara, lá no cu de Judas)...

Por outro lado, até o analista do mercado automóvel e o sociólogo é capaz de achar piada às tuas fotos: está ali o Portugal no seu melhor em autorrodas: os Fiat 127, os minis, a carroça do burro, a Panhard AML 60... para além os marinheiros aventureiros, os briosos cavaleiros do RC 7, e até as "flausinas" da Reboleira e arredores!...

É um retrato socioantropológico do teu, do nosso Portugal dos anos 70... Espantoso, ternurento, humano, ingénuo, lírico, desconcertante, espontâneo, mágico, solidário, piroso, popular, desenrascado, enrascado, generoso, sonhador, interesseiro, sublime...

O Portugal no seu melhor, que o Zé Povinho éramos todos nós, fomos todos nós, que aguentamos há mil anos a insustentável leveza deste estranho e fascinante país à beira mar plantado, destruído,replantado, recontruído, inventado, reiventado... Representado, aqui, neste blogue pelos melhores dos seus filhos!
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 18 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25404: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (30): Em Bolama, à espera do meu "periquito"... Embarquei nos TAM, em meados de maio, a expensas minhas (João Silva, ex-fur mil at inf, CCAV 3404, Cabuca; CCAÇ 12, Bambadinca e Xime; CIM, Bolama, 1972/74)

sábado, 20 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25416: Os nossos seres, saberes e lazeres (624): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (150): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
É um museu de grande beleza, e não tenho qualquer pejo em dizer que podemos observar neste espaço alguns dos quadros fundamentais da História de Portugal, o nosso hino nacional conclama-nos a gritar às armas, e elas estão aqui desde tempos antigos até aos tempos próximos. Consta que o museu se irá aprimorar com um espaço dedicado às guerras que travámos em África, faz todo o sentido, importámos muito armamentos mas também produzimos pela nossa indústria, basta lembrar a Metalúrgica Duarte Ferreira, dali saíram viaturas que percorreram picadas africanas. A Academia Militar reserva espaço a quem nela se preparou e se glorificou, essa visita foi feita e mostrados sinais de que a Academia não esquece alguns dos seus heróis. O que talvez vá aumentar a importância deste Museu Militar é revelar os armamentos e o modo de viver dos que combateram por longos anos, resta dizer que o Museu Militar de Lisboa, pelo seu esplêndido acervo, bem pode abrigar a memória desses tempos que conduziram ao fim do império e ao enlaçamento com países de língua oficial portuguesa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (150): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade - 2

Mário Beja Santos

Tive sorte no dia da visita, o Museu Militar de Lisboa estava aberto para uma cerimónia, as salas imbuídas numa luminosidade velada, parecia que tinha as salas por minha conta, há para ali espaços que têm o poder magnético para quem andou com as armas na mão e ouviu explodir umas bombardas à volta, é o caso deste espaço da Primeira Guerra Mundial, é uma museografia que tem lampejos cinematográficos. Aqui me detive, a pensar nas trincheiras, inevitavelmente acudiu-me à memória o arame farpado e todas aquelas noites ensombradas pela expetativa de uma flagelação.

Lembranças da Primeira Guerra Mundial, combatemos a Flandres, em Angola e Moçambique
Para além da extraordinária coleção de peças de artilharia depositadas no Pátio dos Canhões, há uma sala do Museu Militar de Lisboa que alberga aquelas armas que infundiram respeito (o melhor é dizer terror) no Império Português do Oriente, a sala é um espetáculo de policromia.
A meia luz da sala produziu estas vitrinas que parecem incendiadas, é um longo corredor com um acervo que permite dizer que este Museu Militar é uma outra face da História de Portugal, aqui estão depositados e expostos armamentos e os diferentes tipos de materiais que foram usados pelas forças terrestres e armadas, houve neste palácio um forte investimento em talha dourada, pinturas murais e estatuária. Li num roteiro dos museus militares que o acervo, inicialmente organizado em 1842, no Real Arsenal do Exército, pelo barão de Monte Pedral, constituíra-se com a finalidade de guardar e conservar material que perdera relevância. Qual quê! Para aqui foi drenado dinheiro e talento. Fizeram-se decorar novas salas com intervenções de Adriano Sousa Lopes, Columbano, Malhoa, Carlos Reis, Veloso Salgado, entre ouros. A história militar de Portugal confunde-se com a história de Portugal, no seu todo.
Mais um exemplo de tetos enriquecidos com homenagens, onde não faltam elementos de apoteose.
A luminosidade precária permite estes reflexos artificiais, tons de aquário, de ondulação turquesa. Possuímos muitas memórias militares em diferentes museus, até núcleos de museus municipais, não nos falta até a fragata de D. Fernando II e Glória e museus de forças especiais, como os Fuzileiros. Mas não há espetacularidade como a desta casa, digamos que aqui prima o chamado bom gosto de uma época, os diretores e os artistas convocados não se pouparam a procurar dar o seu melhor nas novas salas, e é bom referir que o primeiro diretor do museu, general José Eduardo Castelbranco, em que está patente toda a sua marca, o vigor do seu projeto.
O Velho do Restelo, quadro de Columbano
Os versos camonianos que guiaram o pincel de Columbano para este seu admirável quadro
Apoteose, sempre
O museu não esqueceu os Templários, de que a Ordem de Cristo foi herdeira
D. João V, o Magnânimo, não podia ser esquecido, foi ele que deu ordem para se criar a Fundição de Cima e nomeou o arquiteto francês Fernando de Larre, deve-se-lhe, entre outras intervenções, o imponente pórtico da entrada principal, onde ganha relevo a triunfal escultura de Teixeira Lopes
Em permanência a sumptuosidade do barroco, o que D. João V deixou inacabado foi concluído o que faltava no tempo do Marquês de Pombal, coordenou um tenente-general francês, aqui temos o medalhão do rei D. José.
A sumptuosidade sobe pelas paredes até ao teto, o tema é alegórico, aquela senhora no pódio bem podia ser Atena, o ponto curioso é o uso de elementos neoclássicos como as duas colunas ao fundo desta cena onde não falta a rendição ao saber e ao poder, eram tempos do absolutismo.
Outra perspetiva do Pátio dos Canhões, por cima temos a Rua do Paraíso, que desemboca no Largo de Santa Clara, aqui espero vi para visitar a Casa dos Gessos. E a encimar a fotografia pode ver-se melhor o zimbório do Panteão Nacional. Está prometido que numa primeira oportunidade vou até à Casa dos Gessos e aos núcleos museológicos das Oficinas Gerais do Fardamento e Equipamento, núcleos que funcionam no Largo de Santa Clara, sobretudo ponho muito interesse no segundo, estão seguramente lá os nossos fardamentos e equipamentos, é sempre bom lembrá-los.
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Nota do editor

Último post da série de 13 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25380: Os nossos seres, saberes e lazeres (623): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (149): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade (1) (Mário Beja Santos)