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sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21277: Meu pai, meu velho, meu camarada (64): Foto do sargento Joaquim José Fitas, o meu tio Quim, na véspera de partir para Cabo Verde, como expedicionário, em plena II Guerra Mundial (Mário Fitas)



O sargento Joaquim José Fitas, expedicionário em Cabo Verde, na II Guerra Mundial. Faleceu como sargento ajudante. Alguém sabe qual foi a sua unidade mobiliadora ? E onde foi colocado, em São Vicente ou no Sal ?

Foto (e legenda): © Mário Fitas  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 20 do corrente, às 19h30, do Mário Fitas [, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, natural de Vila Fernando, Elvas; foi funcionário a TAP; cofundador da Tabanca da Linha;  tem mais de 140 referências no nosso blogue]
 

Caro Luís, em anexo envio a foto de meu tio, sargento Joaquim José Fitas no embarque para Cabo Verde na 2.ª Guerra Mundial.

Um grande abraço 

Mário Fitas
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21273: Meu pai, meu velho, meu camarada (63): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20565: Convívios (913): A festa dos 10 anos da Magnífica Tabanca da Linha: gente feliz, sem lágrimas, mas com saudades dos que já partiram - Parte I (Fotos de Luís Graça e Manuel Resende)


Foto nº 1 > Da esquerda para a direita,  Zé Carioca, Mário Fitas, dois "homens grandes" da Tabanca da Linha, co o nosso editor Luís Graça.


Foto nº  2 > Aspeto parcial da sala: o evento juntou 59 "magníficos", em dia de chuva...


Foto nº 3 > Gente que veio de longe, de Penamacor, a 275 km,  o C. Martins, o artilheiro de Gadamael, "um dos que fechou a guerra", e que neste foi  um dos quatro "periquitos"; quis takvez recordar os tempos de estudante de medicina, em que aqui viveu, em Algés...


Foto nº 4 >  Outro "periquito", Vasconcelos e Sá, oficial superior reformado (creio que coronel), da FAP..  Veio com o Estrela Soares.


Foto nº 5 > O "periquito" Joquiim Vieira (Lisboa)


Foto nº 6 > O quarto (e último) "periquito", o José Mota Pereira: estava radiante! Veterano da Guiné, de 1965/67...Prometeu integrar   (e escrever para) a Tabanca Grande!


Foto nº 7 > Da esquerda para a direita, Raul Folques (um "Torre e Espada", 'comando', herói de guerra), Virgínio Briote e Luís Graça

Fotos:  © Manuel Resende  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto  nº 8 >  Em primeiro plano, a Maria Elisabete, esposa do Francisco Silva, que já há largos meses, não aparecia, por razões de saúde... Veio, co o Francisco, à última da hora... E ainda bem!... Foi muito bom voltar a vê-la... Quem faltou, desta vez, por razões de saúde, foi o António Marques e a Gina... Dois  históricos, dois Magníficos!... Desejamos rápidas melhoras à Gina, e até ao próximo encontro!... (A flor foi uma gentileza do "Sintra".)


Foto nº 9 > Um belo trio: Maria Elisabete, Alice Carneiro e Maria Irene, esposas respetivamente do Francisco Silva, Luís Graça e Virgínio Briote...


Foto nº 10  > Mais um casal simpático: Arménio Conceição e Madalena (Cascais)


Foto nº 11 > Outro Magnífico... casal "histórico": a Irene e Luís R. Moreira (outro combatente que soube "perdoar mas não esquecer": caímos os dois em minas A/C, em Nhabijões. Bambadinca, no fatídico dia 13/1/1971, eu, ele, o Marques, e outros...)


Foto nº 12 > Joaquim Nunes Sequeira, o "Sintra", que vive em Colares... Sempre afável, bem disposto... Traz sempr uma "coisinha" nova com ele: uma flor, umas tangerinas, um frasco de "água de Lisboa", um "recuerdo" da Guiné... (Neste caso, foi uma fotocópia de bilhetes de entrada num espetáculo da UDIB, Bissau que oremos reproduzir noutro poste)


Foto nº 13 > Miguel Rocha e Manuel Macias, dois grandes amigos e camaradas, um transmontano e outro alentejano (o Macias, da terra do Zé Saúde, Aldeia Nova de São Bento, Serpa)... (Zé, dei o recado ao Manuel: lá estaremos, dia 8 de fevereiro, às 15h, na Casa do Alentejo...)


Foto nº 14 : > O nosso coeditor. do blogue da Tabanca Grande, o  Jorge Araújo, além disso régulo de duas tabancas, Almada e... agora Emiratos!... (Tivemos oportunidade de falar, os dois, por vídeochamada, com a sua "mais que tudo", a trabalhar noutro continente...)


Foto nº 15 > Zé Rodrigues e Manel Joaquim, outros dois "históricos" da Magnífica


Foto nº 16 > Dpois régulos, o Manuel Resende (Taabnca da Linha) e Carlos Silva (Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar)


Foto nº 17 > Joaquim Vieira e João Pereira da Costa (, ambos de Lisboa)


47º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 16 de janeiro de 2020 >  

Fotos (e legendas): © Luís Graça  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Escreveu ontem o régulo, Manuel Resende, na página doFacebook da Magnífica Tabanca Linha (grupo fechado):


Realizou-se hoje o 47º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha com a presença de 59 convivas. Comemorámos o 10º Aniversário da sua fundação, com a presença de dois fundadores, o Mário Fitas e o José Carioca.

Depois de algumas palavras alusivas ao momento pelo Mário Fitas, em que não foi esquecido o nosso querido amigo Jorge Rosales, cantou-se os PARABÉNS,  seguido de bolo e espumante.

Como já é costume, em todos os convívios temos caras novas e desta vez foram quatro, Joaquim Vieira, C. Martins, José Mota Pereira e Vasconcelos e Sá. Parabéns e sejam bem-vindos.


2. Comentou o Luís Graça, editor da Tabanca Grande (*):

Parabéns ao Manuel Resende que tomou "conta do barco" depois da doença e da morte do Jorge Rosales... Sempre amábel, afável, discreto, eficiente, prestável, impecável...Sempre preocupado com o bem-estar de todos, é o último a sentar-se à mesa depois de fazer a "cobertura fotográfica" de cada evento...

Depois do Hotel Riviera, em Carcavelos, a Tabanca da Linha assentou arraiais" em Algés, no "Caravela de Ouro"... E, penso, que em boa hoa e para  agrado geral: este local bate o outro em todos os parâmetros: acessibilidade, centralidade, comes & bebes...

Parabéns ao Zé Carioca e ao Mário Fitas, outros "dois homens", que representaram os 9 magníficos cofundadores, dois infelizmente já desaparecidos. O Mário lembrou o espírito de comaradagem e convivialidade que sempre tem norteado e  caracterizado os encontros da Magnífica.

Obrigado, Armando Pires (*) e Mário Fitas, pelas vossas palavras, simpáticas, em relação à minha pessoa e sobretudo à Tabanca Grande que, vaidosa, julga-se "a mãe de todas as tabancas"... Mas não há mães sem... pais & filhos!... 

O que é bonito é ver a alegria da malta, num dia como hoje, partilhando três horas do seu tempo, uns com os outros... AS fotos que reproduzimos acima testemunham isso...

Pessoalmente gostei de ter podido ir à festa dos 10 anos da Tabanca da Linha, por várias razões... E uma delas, talvez a principal, é que achei, desta vez, que consegui gerir bem o tempo, de modo a poder dar dois dedos de conversa com cada uma das várias mesas... E depois há sempre jovem "nova" a aparecer, pela primeira vez...Neste caso 4, num total de 59.

Sei que, nas noutras tabancas (do Centro, de Matosinhos, da Maia, dos Melros, só para citar algumas que se reunem com maior regularidade, sem esquecer o "Bando" que é "nómada" e, portanto "não atabanca"...) também reina este espírito, dos amigos e camaradas da Guiné...

E é com este espírito, jovial, que eu quero ver, este ano, a malta toda no próximo Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real... Estamos a negociar datas... o que não está fácil, por causa das muitas "agendas" de todos e de cada um..
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quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20564: Convívios (912): Parabéns, Magnífica Tabanca da Linha: 10 anos, 47 encontros...Houve bolo e espumante e o histórico primeiro régulo, Jorge Rosales (1939-2019), foi lembrado com saudade (Armando Pires)


Foto nº 1


Foto nº 2


 Foto nº 3

Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 16 de janeiro de 2020 > Aspeto geral da sala (privativa), com vista de céu e mar...(Foto nº1), o bolinho de aniversário (Foto nº 2) e o Mário Fitas, um dos 9 magníficos cofundadores da Magnífica, no uso da palavra (Foto nº 3)

Foto (e legenda): © Armando Pires (2020. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem  complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 4 > Magnífica Tabanca da Linha > Carcavelos > Hote Riviera > 21/1/2016 > O Armando Pires, de pé, com o saudoso "comandante", o histórico primeiro régulo (e cofundador) da Tabanca da Linha, Jorge Rosales (1939-2019)

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem  complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem deixada no Facebook da Tabanca Grande, pelo Armando Pires, hoje dia 16, há 1 hora:

10 Anos, 47 Encontros.
A Magnífica Tabanca da Linha esteve hoje em festa.
Para os rapazes da Guiné, houve bolo de aniversário e as palavras do Mário Fitas, um dos gloriosos 9 fundadores, que recordou o que ali nos unia, - "cada um de nós olha esse passado de maneira diferente, mas cumprimos, e cumprimos a camaradagem que nos uniu sempre que aqui dizemos presente", - disse o Mário, convidando todos a uma ovação à memória do Jorge Rosales, o Exmo. Comandante, que há um ano nos deixou.

Uma palavra final, minha, para a Tabanca Grande Luís Graça, "a mãe de todas as Tabancas".
Obrigado, Luís.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17846: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXVI Parte: Cap XVI - O Adeus às Armas


Foi há 52 que a guerra acabou para os "Lassas"...com o regresso a casa, no T/T Niassa, em 26/11/1965.

Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXVI Parte > Cap XV (pp. 94-97)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol];

(xxii) o cap Costa Campos deixa a companhia; a comissão está a chegar ao fim: a Op Suspiro é a última operação realizada, a 5/11/1966.

(xxiii) regresso a casa, no T/T Niassa. a 26 de novembro de 1965.



Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXVI Parte: Cap XV: Adeus à guerra  [3] [pp. 95-97]

XV Adeus à Guerra




A 10 de Novembro de 1966, completamente rota, a CCAÇ 763, começa a ser rendida para regressar a casa. Os primeiros dois grupos de combate partem para Catió, no dia em que é inaugu­rada oficialmente pelo Rev Capelão do Batalhão, a Capela construída exclusivamente por elementos da CCAÇ 763. Assiste à ceri­mónia a maioria da Companhia. O restante pessoal seguirá dois dias depois.

Não sabemos quando embarcaremos, mas já estamos desarmados. Resta saber se ainda vamos para Bissau, ou como será.

Finalmente sabemos que as lanchas nos vêm buscar no dia 18 e que faremos a viagem directa para o barco. Só mais tarde viemos a saber que seria o Niassa. Sim, senhor, bem nos foderam, nem uma lembrança nos deixam levar. Tiraram-­nos tudo e para não recordarmos, nem um boneco de madeira, ou outra bugiganga qualquer de missanga podemos adquirir. Temos de nos cingir ao mercado de Catió, cujos preços sobem em flecha imediatamente. Compram-se alguns tapetes pelo dobro e triplo do preço, e ficam os militares parvos sem saberem o que levar para pais, esposas, familiares e amigos. Vão eles. Que melhor recordação se pode levar?

Foi a prenda que António e Francisca receberam: o regresso de seu filho.

O voltar para casa é um drama que nos traz sempre problemas. Os soldados, uns festejando o regresso à sua terra, outros para gastarem o dinheiro que não lhes servirá para nada, encharcam-se em cerveja e whisky. É cada bebedeira! Começamos a tentar controlar, não vá haver problemas. Os soldados não largam a casa da libanesa, e vai haver bronca de certeza. Felizmente as coisas não correram muito mal. Uma dezena de blenorragias, e os Lassas embarcam em Catió, directamente para o Niassa.


Nas lanchas que transportam o pessoal, há um misto de alegria e tristeza, reflexo do estado de espírito que antecede os grandes momentos. Os soldados olham-se incrédulos, num so­nho de abandono, ou de retomo à guerra. Vagabundo, vai olhando para as margens da floresta e do tarrafo, entrando rio dentro em maré-cheia. A Natureza pode agora ser admirada na sua pleni­tude, e volta a verificar como é linda esta terra. África! Mistério, que prende e faz o homem branco, sentir-se a ela ligado por um feiticismo indefinível, e que lhe faz sentir uma atracção especial pela Guiné! O sol esconde-se, e podemos continuar a apre­ciar ao luar, como se dia fosse, todas as suas estranhas e selva­gens belezas. Embalado pelo ronronar do barco, o furriel Vaga­bundo puxou por um cigarro, deixou-se escorregar suavemente, e o seu cérebro começou deambulando no sonho ou realidade!?

Vagueando, a sua mente navegou a seu belo sabor.

A amizade é, sem dúvida, uma perene transportadora da paz. Pode-se entender como um êmbolo corrector das tensões. Entre homem e mulher, ela pode até mesmo ensinar o homem a dominar a sua brutalidade e o seu orgulho machista e levar à doação total da mulher sem sacrifício e sem baixeza. Amizade, escolha entre pessoas. Restitui-lhes o seu lugar afectivo, consubstanciando a unidade de dois seres insubstituí­veis entre si, subtraindo-se às ligações efémeras de dois egoís­mos. Se a carne aproxima a mulher e o homem, só a amizade pode abri-los um ao outro. Nesta terra em Guerra se semeou a amizade. Minha boa Miriam!...Obrigado, não és mulher grande, mas foste uma grande mulher.

Vagabundo está encarcerado nas pa­redes da sua prisão, com falsas janelas e portas, símbolos de ilusões e indefinidas perspectivas. Está encarcerado nos seus limites, sendo um homem completamente livre. A sua alma está tão ligada à de Tânia que não necessita dela só para se abrir, mas mais para existir. Mas vê-se caminhar só, numa turbulência de sobe e desce. O vazio escurece-lhe a alma e desce mais do que sobe.

No amolecimento do deslizar da lancha, encostado ao saco de lona verde, sente-se livre da guerra, mas olha para as suas mãos, e estas apresentam-se sujas de sangue e vazias completamente. Estes últimos anos tudo tentou, mas nada en­controu. Apenas dor e guerra. Quem o ajudará a encontrar a tão necessária estabilidade de que tanto carece? Puxa novamente outro cigarro instintivamente, sem o pensamento se lhe ir. Se ao menos uma companheira, amante e amiga, lhe estendesse a mão e apenas pronunciasse:

- Vem!... O tempo é agora todo nosso, repousa no meu ombro, e varre da mente toda a lama da guer­ra!...

Maria de Deus? Tânia? Não, a realidade é outra! Há questões sem solução.

Pois não, não será assim! Apenas sua paciente mãe Francis­ca, o ajudará e sofrerá a sua recuperação de homem, esquecendo a máquina de guerra em que se transformou.

Se a morte existisse, neste momento, a união seria perfei­ta. Há duas coisas que merecem ser desejadas: o impossível e a realidade, mas sente-se, por puro desconhecimento, desejo do impossível.

A fama da guerra na Guiné alastrou cedo entre os militares, e não só. Ao próprio povo incógnito, também chegou essa informação, como ao tio Chico da Camioneta. Só quem não queira, se faz ignorante de que, a simples mobilização para a Guiné, é condenação pura a próximo de vinte e dois, ou vinte e três meses de apodrecimento, enraizados na lama das bola­nhas, dos pântanos, e dos rios de maré, piores que quatro anos de meio barril às costas, subindo a ladeira da fonte do Marechal ao Forte da Graça, em Elvas!... Resta, após a partida, o desejo que a chegada não seja entre tábuas, de muletas ou carrinho de rodas.

Só quando se chega à Guiné, se conhecem os nomes as­sombrados das matas do Cantanhez no sul e do Oio-Morés no norte. Recordando, o furriel faz a comparação, mais uma vez, das matas com a solidão.

Solidão! Degradação de existência não compartilhada!... Dementação de espírito, que  se destrama no escorregadio carrei­ro da mata, inspirando o seu nauseabundo odor a morte. Neste estádio, apenas as figuras sombras dos companheiros da frente, e a pressentida presença dos que nos precedem, momentos cruéis de stress, sentindo olhares de seres invisíveis, trespassando-nos em minuciosa tomografia computorizada, esperando a altura ideal para clicarem o botão gatilho que nos queimará a car­ne.

São estes os momentos em que a mente, em louco des­prendimento, se desapega do corpo e vagueia, em sonhos de rea­lidade distante. Mortificando, são estes os momentos que nos trazem os mais excêntricos pensamentos da vivência existida, e daquela que é o túnel escuro, do amanhã que se espera ...

Cansado o guerreiro, esgotado o cérebro, o homem duro adormeceu.

Vinte e quatro anos! Quanto pesarão estes últimos dois na sua vida?!...

Chegada a Bissau, ao princípio da tarde do dia seguinte.

Há que embarcar e distribuir o pessoal pelas camaratas, colchões colocados nos porões. Os oficiais e sargentos irão para os cama­rotes. O Niassa largará na maré cheia que acontecerá pelas duas da madrugada. Os oficiais e sargentos, que não estejam de servi­ço, são autorizados a saírem até à meia noite, impreterivelmente.

Chico Zé, Vagabundo, Jata e António Pedro saem juntos e abancam no Tropical. Camarão de Quinhamel, ostras e cerveja, até encharcarem. Fartos como brutos, bêbedos que nem cachos, cada um sonha com a chegada a Lisboa. Próximo da meia-noite, António Pedro, já amparado por Chico Zé e Jata, sobe as escadas do Niassa, mas o peso de António Pedro é cada vez maior. Vagabundo, a meio das escadas manda sentar o pessoal e diz para Chico Zé:
- Porra! Não cantamos um fado à despedida desta linda terra?

Silêncio! Os camaradas não respondem.

-É cambada, ninguém diz nada, cabrões? Se não falam, então ouçam a minha Florbela!

E parecendo que o álcool lhe tomava a voz suave e pro­funda, começou:

“Almas de Vagabundos
Onde há charcos e lagos,
Pântanos e lamas ...
Onde se erguem chamas,
Onde se agitam mundos,
E coisas a morrer. ..
E sonhos... e afagos...


Almas sem Pátria,
Almas sem rei,
Sem fé nem lei!
Almas de anjos caídos, 

Almas que se escondem para gemer
Como leões feridos!”


- Merda, já acabou tudo! Amen!...

Jata pede a Calças de Palanco que dê uma ajuda. Este estende o braço mas escorrega e cai para dentro do portaló. Dois vultos indefinidos rolam no escuro pelas escadas do Niassa. Um mer­gulha nas águas do rio Geba, o outro dilui-se.

Silêncio absoluto.  Nenhum marinheiro gritou: Homem à água!

Na sua voz pastosa alcoolizada, António Pedro perguntou:
-O que ... foi?

Calças de Palanco, agora já em pé, respondeu:
-Foi o Mamadu que não quis abandonar a sua terra e preferiu ficar nas águas e lama do Geba!
-Que fique em paz na lama a sua sombra!

Saiu em uníssono da boca dos quatro militares.
-E o Vagabundo?
-Voltou para Cabolol, para recomeçar a Guerra.


 (FIM)

[O próximo poste será o último desta série: índice, glossário, contracapa e listagem de todos os postes publicados]
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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17715: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXV Parte: Cap XIV - Sangue, suor e lágrimas até ao fim... Op Suspiro, a última realizada pelos "Lassas", a 5 de novembro de 1966.


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, os "Lassas" (1965/67) > Cambança do rio Ganjola, no decurso da Op Petardo, em 10 de junho de 1966.


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 763, os "Lassas" (1965/67) >  Mapa com as zonas de intervenção dos "Lassas". Durante a comissão, estima-se que a CCAÇ 763 tenha percorrido aproximadamente 16 mil quilómetros a pé, 6 mil  de viatura e mil  de LDM. Teve 10 baixas (mortais), sendo 7 em combate e 3 por doença. Sofreu 53 feridos. Dos relatórios constam ter sido feitos 45 prisioneiros e causado 40 feridos e 107 mortos ao então IN.


Infografia: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]








Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]




Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXV Parte > Cap XIV (pp. 87-93)

por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:
(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol];

(xii) o cap Costa Campos deixa a companhia; a comissão está a chegar ao fim: a Op Suspiro é a última operação realizada, a 5/11/1966.




Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXV Parte: Cap XIV:  Regresso à Guerra [3] [pp. 87-93]



Com o meu amigo Humberto já não podemos falar desta merda e do nosso velho Portugal. Agora sim, em parte estou em sintonia com ele, pois apesar de quatrocentos anos de colonização, não fize­mos aqui senão porcaria e os que não o querem ver, continuam sendo piores que os cegos. Este caso já não é de guerra é, de facto, como tu dizias, político.

Não é falta de moral, nem medo. Estou-me cagando para morrer aqui ou noutro lado qualquer! É falta de ética? Sim, é bem possível, só que agora, talvez ainda pudéssemos acompanhar o comboio e fazer algo bonito. Mas, infelizmente, não estou a ver nada. Tenho o pressentimento de que, quando alguém entender e quiser fazer alguma coisa, estaremos todos com as calças na mão e aí vai ser já muito pior para todos.

Só em pleno século vinte, começámos aqui administra­tivamente a fazer qualquer coisa. Que poderemos querer agora? Qual a cultura? Qual a história nossa aqui presente?

Recordo perfeitamente também a controvérsia quanto à utilização do termo “Velho do Restelo”. Humberto discordante, tinha uma perspectiva que roçava o incompreensível? Para quem?

Falava ele sobre o “Velho”, na assembleia que se formava na messe de sargentos. Sargentos? Porque não furriéis milicianos? Questões económicas? Interessante, a interpretação do Velho do Restelo por Humberto, dizia ele:
-Oh gentes! Deixai o “Velho” sossegado, leiam os Lusíadas, e não ponham em Camões intenções as quais ele nunca teve.

Será Camões contraditório? “C´um saber só de experiência feito,” “tais palavras tirou do esperto peito”. Esta voz veneranda é digna de ser ouvida com atenção. As palavras aos que partem, são precedidas da Mãe.
- Qual é a estrofe, Mamadu? Se não estou em erro é a 90 ou por aí, do Canto IV. E das palavras da esposa. Veja-se a visão de conjunto dos frágeis que ficam: Mães, esposas, filhos, velhos e meninos. Portanto por detrás do “Velho”, está o povo anónimo. As suas palavras são puras análises da condição humana. Segundo ele as bases da viagem do Gama são: a glória de mandar, a vã cobiça a vaidade que se apelida de fama. Impulsos que não passam de fraudulento gosto. Que se é próprio da condição humana ser insatisfeito? Dura inquietação da alma e da vida, veja-se os exemplos dados de Prometeu e Ícaro. Tenhamos em atenção que o Canto!?

-Lopêz! Vai ao meu abrigo e traz-me os Lusíadas, não vá eu confundir isto tudo!

Enquanto o impedido da messe se deslocava ao abrigo de Humberto, que se situava a norte do aquartelamento, virado para Cufar Nalu, Bernardino gerente de messe, voltava a trazer mais umas bazucas e whiskys para o pessoal. Mas entretanto o furriel Humberto ia continuando:
-O Canto IV contem 104 estrofes, pelo que a análise deve ser feita até ao final.


E mesmo com a chegada do livro, o furriel continuava a sua análise:

-Temos então que a análise que se possa fazer, sabendo o “Velho” que o homem estranho animal, que não ouve a voz do bom senso e da lógica lucidamente, ele sabe que as suas não serão ouvidas, procura então inverter os campos, veja-se… Lopez, dá cá o livro!

Folheando…
-Precisamente 100 e seguintes. Oh, gente, temos aqui então a opinião política do “Velho”, e aqui eu vejo Camões e não o “Velho”, pois estão confirmadas as duas correntes existentes no tempo, a expansão para o Norte de África em detrimento do Oriente. Não será que Camões põe na boca do “Velho” a sua própria opção? Com ela ou sem ela, aqui estamos nós, nas mesmas condições, embora com armamento diferente.
- É impossível falar com Camões! Não há duvidas que acima de tudo, mesmo considerando a corrente da época, é que ele era um grande humanista.

Sorrindo para a malta, saiu-se com esta:
-O que o Velho do Restelo critica em tom sério e austero, Gil Vicente fá-lo satiricamente! É ou não verdade?

Seriam subversivas, estas culturais conversas? Esperamos que nin­guém tenha a ousadia de nos considerar antipatriotas, pois nunca virámos a cara às nossas responsabilidades, e medo também jul­go que não o tenhamos. Aliás, valentes e loucos são todos os "Las­sas" .

Vejo-o perfeitamente, na tabanca de Impungueda, fa­zendo segurança a um comboio de barcos mercantes, para abas­tecimento a Bedanda. Eu, sentado de encontro a um cajueiro, tronco velho carcomido, mantendo a G3 assente sobre as pernas esticadas, no solo de terra vermelha. Ao lado, junto a uma palho­ta, duas crianças nuas, encostadas ao barro da parede, olham para os militares. No chão, vê-se um pau rachado em cuja ponta fendida, se encontra incrustada uma cunha de ferro, amarrada por fita de liana. Humberto de pé, à minha frente, olhando o arcaico objecto, nele pegou. Mirou-o bem, pegou-lhe pelo cabo e com movimento rápido, cravou o simulado machado, no enor­me poilão que há frente se encontrava. Aproximou-se, empurrou o capacete um pouco para trás, dobrou-se sobre os joelhos fican­do de cócoras na minha frente, sorriu e disse:
-Já viste, Mamadu!? Olha o resultado de quatrocentos anos, da nossa obra para estes desgraçados!

E apontando as crianças proferiu:
-Se não fosse a escola dos militares de Cufar, eles nem o nome de Portugal conheceriam. Olha para o instrumento de trabalho que nós damos a estes desgraçados! Vês? Mas ... há a contradição! Os pais, amigos, e irmãos deles têm armas melhores que as nossas. Como se pode comparar situações e métodos tão antagónicos?

Olhei para os miúdos, e verifiquei que Humberto estava certo. Só agora aqueles pobres diabos, podiam aprender a língua da nacionalidade imposta, há quatrocentos anos.

Assim eram muitas vezes as conversas entre estes dois furriéis.

Na semana seguinte, voltamos novamente para os lados do norte, Cabolol, e o que existe á sua volta, já se toma obses­são. Mas as coisas, vamo-nos apercebendo, não melhoram e continua tudo sem dar aquela volta necessária que se espera. A sul vamos controlando, e as populações mantêm-se relativa­mente fiéis mas, a partir de Boche-Mende, para norte, é tabu. 

Entramos então na operação Saguim, para verificar o que se passa por Cachaque. Evitamos seguir pela estrada até à ponte do rio Caianquebam, onde tínhamos sido emboscados a outra semana. Utilizamos outra forma de progressão e, pelas três da manhã, alcançamos o atalho para Cachaque, cambando o rio. Podemos agora verificar e confirmar que as coisas estão muito diferentes do que anteriormente era, pois a C.CAÇ chegou a fazer isto com dois grupos de combate. E mais, até a fazer nomadização. Agora vamos três companhias do exército e, mesmo assim, temos pro­blemas. Nós fazemos muito estrago, é verdade, mas também levamos muita pancada. Carlos tinha razão quando falava na inutilidade do Cachil.

Mas, voltemos então à Op Saguim. Após a cambança do rio, a CCAÇ e a outra companhia dispõem-se em linha e iniciam a batida no sentido norte sul. A tabanca foi cercada e a população foi reunida. Constituída por mulheres e crianças essencialmente, havendo alguns homens válidos, rece­bemos a informação que o IN não se encontrava naquela zona, mas sim mais a norte, na região de Boche-Bissã, e que, por ve­zes, transitavam por ali grupos de elementos armados, mas vin­dos de Cansalá. Desta vez regressámos sem contacto com o IN.

A oito de Março, um ano depois de aportar a Cufar, Car­los abandona os Lassas nas mãos do Bolinhas. Valha-nos São Paulo.

Quem parte não leva saudades, quem fica, tem pena de não partir. A experiência de Carlos é vista pelos cegos dos gabi­netes.

Com esta partida de Carlos, renasce uma esperança na CCAÇ 763, é possível que olhem para a nossa obra e que, em vez dos louvores e condecorações, nos coloquem num local onde se descanse um pouco, pois a continuar neste ritmo, em breve vão começar a aparecer situações graves.

Vã esperança a destes homens a quem, depois de lhe comerem a carne, irão tirar-lhe a pele e tentarão com os seus ossos refinar açúcar. Meus amigos, há três hipóteses apenas: ou morrem na estrada de Cabolol, tanto faz, ou ficam apanhados da mona e são evacuados para tratamento no Júlio de Matos, ou en­tão resistentes, antes quebrar que torcer aguentarão o pacote até entrarem directamente daqui para o Niassa.

Vontade e sorte, azar ou pouca sorte, o destino já nos está traçado.

Mamadu concentra a mente em duas forças: Ou o padre velhote orou e pediu a Deus por si e estará safo, ou então o homem grande "palhinha" de Miriam, não deixa o diabo fazer entrar bala no seu corpo. Outras alternativas não vê.

Voltamos a Darsalame, executando a Op Safanão.

Desta vez ainda entrámos nas bordinhas da mata. Não espera­vam a nossa manobra. Enquanto estavam entretidos connosco, os periquitos apareceram-lhe nas costas, e tiveram que dar às de Vila Diogo. Eis aqui a sorte, azar, ironia do destino. Os periquitos que tinham andado todo o dia na mata sem contacto e sem dar um tiro, só a sua aproximação fez o IN debandar. Quando se reuniam a nós, um tiro isolado apanha um pobre soldado em pleno coração. Mamadu, já um pouco longe do militar guerrilheiro, voltou a sentir os olhos húmidos por aquele pobre jovem.

Cuidado rapaz, ainda há muito pela frente e, se começas a ficar sentimental, é uma merda. Acorda! Isto está para durar.

Abril [de 1966]. Continuamos a obra a sul, e a manutenção da população em fidelidade. Mas há que voltar para norte. A CCAÇ começa a estar muito cansada, e as baixas vão minando o moral, influenciando e reflectindo-se no desempenho das missões, mal conseguimos arranjar dois grupos de combate, pois o resto está no estaleiro, mas vamos com a milícia efectuar a operação Toi a Camaiupa e Cachaque. Sem problemas, conseguimos falar nova­mente com o pessoal nativo de Cachaque. O chefe de tabanca informa que tinham sido levados para Cansalá por um grupo IN, chefiado por um indivíduo de nome Brandão. Mais tarde teriam fugido e regressado a Cachaque. Seria? Mamadu tomou-se incrédulo. Já não acredita em ninguém.

No regresso, no cruzamento de Cachaque com a estrada de Cabolol, monta-se uma emboscada. Nada de novo e nem viva alma. Levantamento da emboscada e voltamos a Cufar. As viaturas vão buscar o pessoal à entrada da mata de Cufar Nalu na estrada para Catió. O furriel retoma o seu velho hábito de se sentar no tejadilho do unimog, por cima do condutor. A visuali­zação da paisagem de capim seco leva-o para longas terras, para a sua planície, para confirmar o contraste. É Abril. A planície não deve mostrar a sua terra, mas sim a pujança da beleza parida no seu ventre. O furriel deixa-se levar no enlevo do seu pensa­mento, e vê os caminhos bordejantes de douradas grisandras dançando na brisa primaveril. Os montes e vales, telas verde­jantes com maravilhosas pinceladas dos arroxeados chupa-méis, alternando com a margaça e margaridas de áureo olho e alvas pétalas, mostram a beleza da Planície. Na cidade, a pequenada começará pacientemente com uma agulha, enfiando as marga­ridas em linha grossa, fazendo os seus colares e grinaldas com que se enfeitam e à boneca de trapos, que será posta em simulado altar, pedindo depois aos transeuntes e vizinhos, um tostãozinho para a “Maia”. Assim irão tentando mais qualquer coisa, para mediar o magro mealheiro. As ruas encher-se-ão de cheiroso rosmaninho, para dar passagem à procissão do Senhor dos Passos que rememorando a Via-sacra a caminho do Gólgota, percorrerá todos os Passos da cidade. A semana da Paixão termi­nará com o enterro do Senhor. É Páscoa, é Ressurreição, devia ser renovação, mas a civilização, depois de perder a Fé em Deus e no próprio homem, volta-se para a mistificação das formas e cria símbolos, embalagens ocas que, obsessivamente vai cuidando, tentando esconder o vazio em que existe.

Diz sim! Diz, Maria de Deus que eu sou um romântico, coração mole, travestido de homem duro. Podes dizê-lo, contigo eu sou obrigado a reconhece-lo, mas que mais ninguém o saiba, principalmente Tânia. Pronto, não vou pensar mais nisso! Ou vou? Eterno indeciso!...

Pensa na sua aldeia, e percorre-a através da poesia de Manel Piorna.


Recordo-te!...
Nas desalinhadas calçadas
De pedra britada.
No Rossio terreiro
Ginásio da pequenada.


Contorno-te!...
Em cada Esquina
Pilar da tua memória.
Em cada largo
A pedra marco da história.

Descubro-te!...
Em cada casa
Orgulhosa de alva brancura.
Aldeia planície
Do coração saudosa procura.

Revejo-te!...
Aninhada, ao redor da Igreja
Em penitente oração.
Vila Fernando agora...
Voltando a Conceição.

Ouço-te!...
No anunciar da Natureza
Os diversos destinos.
Repicando em festa ou dobros saudade
Os teus sinos.


Suplico-te!...
Jardim de grisandras e chupa-méis
Horizonte sem serra.
Planície! Dá-me abrigo no teu ventre...
Amada terra!


-Então meu furriel, não desce?
- O quê?
- Já chegámos?!.

Mamadu não tinha dado pelo caminho nem pela entrada no aquartelamento.

A vida não pára e os Lassas também não. Maio, Junho, o chefe de grupo armado IN Ala Na Mone e Varna Na Buta, constantes do ficheiro fotográfico, são aprisionados por um grupo de combate, numa rusga em Cantone e em Mato Farroba são aprisionados Sande Na Manan de Catunco e Sulé Na Brama de Cabedu. As operações continuam: Signo, Sonda, Sarilho, nesta operação a população de Cachaque a seu pedido, foi recolhida e levada para Catió. 

Na Op Petardo vamos para Ganjola, mas já não somos uma Companhia de Caçadores, somos um Grupo a quem outros têm de emprestar pessoal. Lá está a 1484 a ceder os seus Grupos de Combate, tempos duros, amigo Benito! Obrigado a ti e aos teus homens pelo companheirismo.

Chegamos à triste situação de só conseguirmos arregi­mentar quarenta e oito Lassas em condições operacionais. É uma tristeza!. .. Paolo chega a ir a Bissau e tomar posição, como já foi descrito. Se não fossem outras causas, o mostrar que tinha os tomates no sítio certo, podia-lhe custar uma porrada em grande. Carlos, apesar de estar fora, ainda era útil.

Na operação Petardo, foi-nos dada a oportunidade de ver um homem chorar e desistir de viver. É simplesmente horrível quando a pessoa já não acredita nos outros e em si própria. Os rios de maré são autênticas ratoeiras, para os cambar, é neces­sário esperar pelo momento certo, e saber fazer a cambança, ou seja, a passagem para a outra margem. Tem saber, não há dúvida, e só a experiência nos ensina e dá o saber. Como as margens são só lodo, a abordagem tem de ser feita de forma a haver uma distribuição do peso do corpo, por uma base o maior possível, e nunca devem vários homens passar pelo mesmo sítio; de forma, que a melhor maneira de o fazer, na generalidade é passar de gatas. Esse gatinhar terá que ser arrastante, de forma a não nos enterrarmos muito na lama, porque como nas areias mo­vediças, quanto mais força fazemos, mais nos enterramos. Foi pois o que aconteceu ao pobre soldado periquito, durante a ope­ração referida. 

Após cumpridos os objectivos, começámos o re­gresso e havia que atravessar um dos milhares de pequenos rios que enchem esta terra. Os Lassas já macacos velhinhos como o caralho e a malta da 1484, já experientes também, foram pas­sando de gatas, pondo ramos de tarrafo, para melhorar a sustentação. A ânsia do regresso, por vezes é perigosa, e já tivéramos experiências dolorosas por causa disso. Mamadu, com a sua secção em último escalão, aguardou mantendo a segurança. Praticamente tudo passado, foi a vez de Tambinha, com os seus homens do outro lado, tomar posições de segurança, para os Vagabundos de Mamadu passarem, o que foi simples e rápi­do. Só que havia um problema: um periquito, da 1499 enterrado até à cin­tura, debatia-se num descontrolo total. E para fazer parar o ho­mem? Estar quieto, não se mexer, para haver possibilidade de arrancá-lo daquela si­tuação? Era impossível! Para não lhe darem dois socos e pô-lo a dormir, como se faz aos náufragos que se estão a afogar, o fur­riel teve de gritar:
-Pára porra! Que merda é esta? Temos aqui crianças?!
-Vão-se embora! Eu morro aqui! - tespondeu o periquito.

As lágrimas caíam-lhe em catadupa, e foram as únicas palavras que lhe saíram da boca. Homem completamente no fundo, acei­tando piamente a morte.

Mamadu informa pelo rádio para na frente aguentarem um pouco. Manda cortar ramos de tarrafo, que são estendidos até junto do esgotado militar, e diz a Orlando para se esticar sobre a cama ramificada dos pedaços de tarrafo. Orlando, deitado, pede a mão ao camarada, mas sente nela uma mão vazia e sem vigor nenhum. Mamadu manda retirar a arma ao soldado e as cartu­cheiras já semienterradas. À outra malta, pede mais ramos de tarrafo, que Orlando agora vai enfiando junto às pernas do soldado, que parece ser já decepado tronco, rebentando por baixo. Trabalho pronto, vamos ao mais difícil: tentar acalmar o homem. O fur­riel, agora com voz calma e incutindo-lhe confiança, manda-o inclinar o corpo para a frente, e não fazer força nenhuma. Tem de ser rápido, pois o soldado parece estar a entrar em estado de cho­que. Pede a Orlando, que lhe agarre o camuflado com unhas e dentes. Entretanto, já uma corda humana ligada aos pés de Or­lando, estava preparada para entrar em acção.
-Atenção malta, vamos puxar o Orlando devagar até ele estar firme, e sentir que o homem está a mexer, O.K.!?
-Orlan­do, quando sentires que és capaz de o sacar, grita para dar o puxão final!
-Certo, meu furriel.
-Vá pessoal, devagar, o homem é nosso caralho! Ou ele ou nós todos juntos.

Mamadu vai entusiasmando e morali­zando os seus homens. De repente o corpo de
Orlando começa a esticar, e dá um berro:
-Força!

São momentos de sufoco. O pessoal puxa e Orlando aguenta. Não se nota nada, o camuflado do infeliz começa a rasgar e a malta começa a gritar:
-Vai! ... vai!

E foi mesmo, o corpo do homem começa a subir e o de Orlando a deslizar. Está ganho, os Vagabundos sentem-se orgulhosos, e o pobre rapaz chora, tentando pôr-se de pé. As unhas de Orlando estão rasgadas e começam a sangrar. Eis aqui com a maior sim­plicidade, a trilogia do Sangue, Suor e Lágrimas.

Mereceis melhor sorte, e regressar a casa sãos e salvos, meus valentes Vagabundos. Tenho um imenso orgulho, em ter homens com esta fibra assim. Um dia compreendereis, que a minha dureza foi e é apenas armadura para defesa de todos nós. Relembrando o seu tempo de escuteiro, Mamadu verifica a utilidade presente, dos apreendimentos de antanho. Em Cufar festejaremos com uma bazuca de 6,6 dl. 


Pela segunda vez temos novamente a porra da época das chuvas e voltam os problemas das viaturas nas picadas e nos reabastecimentos. De manhã fica-se atolado em lama, à tarde tem de se pôr um lenço na cara por causa do pó.

Mais uma emboscada na estrada maldita, mais um morto, mais uns feridos! Não interessa, estamos cá para isso, só pensamos que seja breve e sem muito sofrimento, quando nos calhar a nós. Pensamento colectivo.

A 22 de Junho [de 1966], os Lassas saem a fim de tomar parte na operação Salsifré. A Companhia, a 2 GComb reforçada com um GComb da 1484 e pessoal da Compª. Milª. 13, sai de Bedanda pelas 22H00. Progredindo pelo itinerário previamente determinado, com a 4ª.CC em 1º. Escalão, atingido o objectivo cerca das 9h00 do dia seguinte. A CCAÇ emboscou-se no itinerário Salancaur - Mejo, à direita da 4ª. CCAÇ.


Havia informações sobre uma coluna de fornecimentos para o PAIGC.
Cerca das 14h00 o inimigo fez três tiros de reconhecimento da mata em frente procurando localizar a nossa posição, não se tendo respondido. Pelas 16H00 o PCV ordenou que fosse levantada a emboscada. Com a 4ª. C.C. novamente em 1º. Escalão iniciou-se a retirada pelo itinerário previsto. O objectivo foi percorrido sem ter sido detectado qualquer coluna nem localizado algum acampamento IN. Cerca das 19h00 e quando o último GComb dos Lassas, com os Vagabundos na retaguarda se encontrava a cambar um pequeno rio, o IN abriu fogo sob as NT com armas ligeiras e uma MP. Mamadu com seu pessoal atascado na lama do rio, a merda do rádio banana sem funcionar, tentava responder de qualquer maneira. Apenas o GComb da 1484 e os outros Lassas, recuaram para ajudar à cauda da coluna, porque os meninos da 4ª. CCaç nem pararam, pois o que queriam era chegar a Bedanda. Resolvido este incidente, a Companhia reagrupou continuando a progressão em direcção a Bedanda, onde chegou cerca das 22h30, sem ter tido mais contacto com o IN.

Dia 24 os Lassas regressaram a Cufar da Op Salsifré.

Vagabundo, encontrou em Bedanda o conterrâneo sargento Ventura, também lutando naquelas paragens.

Nesta altura Baté já tinha deixado Empada e regressado a Lisboa. De certeza, os dedos calejados de tanto tocar os botões do seu “Rómio, Alfa, Delta, Índia, Óscar,” tentando desenras­car os seus companheiros.
-Poucos quilómetros nos separavam, meu amigo. Empa­da fica um nadinha a Norte! Mas, também havemos de beber um copo na nossa aldeia.

Quantos filhos teus, minha aldeia, passarão por aqui? Quantos patrícios e amigos, passarão nesta maldita terra sofrendo o mesmo ou mais ainda do que eu estou passando? Que tenham sorte! E se acreditarem, que a nossa Padro­eira se lembre deles, pois parece ser a única tábua de salvação, e, já agora, de mim também, embora eu não seja boa rês e merecedor desse dom. Não sei se, por questões militares, confio no Santo Mártir Oficial Romano, ou será que sem eu saber Tânia lhe estará orando por mim? Tudo é possível... Acreditar é difícil! Mas não é Deus grande? Não revolve a Fé montanhas? Por mim só me alegra.

Nada de distracções pois, mesmo com trovoadas tropicais, com tornados, na lama da bolanha e do tarrafo, na estrada e na mata não se pode parar, e há que realizar as operações Pinoca, Piri-piri, Patacão, Penacho I, Penacho II, Pirilampo, Pileca, Paciência, Subsídio, e a Suspiro.

Soma e segue. Na Op Penacho há mais um morto e catorze feridos. Fica a Op Suspiro, como a última operação da CCAÇ 763 em terras da Guiné, e tem de ser para os lados de onde o perigo é maior, Cabolol. É claro, embora não seja propriamente à zona quente, querem que levemos daqui uma boa recordação, pelo que nos mandam para Boche Mende, a 5 de Novembro de 1966. Seguem-se patru­lhamentos e seguranças diversas.

(Continua)

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Nota do editor:

sábado, 5 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17651: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXIV Parte: Cap XIV - Revolta e dor pela morte do fur mil Humberto, já no final da comissão


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, os "Lassas" (1965/67)  > O Mário Fitas e o Humberto Gonçalves Vaz (de óculos escuros), que morre na Op Teste, já na fase final da comissão em Cufar, em 24/2/1966. Furriel mil vagomestre, era natural de Viana do Castelo.

Foto: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXIV Parte > Cap XIV (pp. 83-87)

por Mário Vicente  

 Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:
(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol]


Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXIV Parte: Cap XIV: Regresso à guerra (1) (pp. 83-87)
XIV Regresso à Guerra [2]


Mas… a CCAÇ [763] soma e segue, não pode parar com as divagações do furriel Mamadu.

Temos informações concisas de que os grupos do PAIGC que actuam agora em Cabolol, estarão baseados em Cansalá, sendo rendidos mensalmente. Numa emboscada na estrada de Catió, junto ao pontão do rio Cadengar, no final da festa, ficamos sem mais um homem. Saldo final, um morto e três feridos. Começa, em algumas cabeças, a confirmação da desconfiança destes acontecimentos. Os Lassas iam a Catió para trazer uma companhia de periquitos, a quem deviam dar treino operacional. Mamadu, macaco velho com cu calejado, acha determinadas situações muito coincidentes mas é perigoso falar. Adelante, como dizem nuestros hermanos.

Temos notícias que o nosso amigo Nino recolheu a Conakri, na República da Guiné, ficando como chefe da base do Cafal e da Zona Sul, o amigo Joãozinho Guade. São coisas que vamos sabendo e analisando, para melhor entendermos como funcionam e se comportam os chefes do PAIGC. Com esta alteração de Comando, quem ganha é o pessoal da ilha do Como. A desgraçada da população era obrigada a entregar todo o arroz produzido na ilha, sendo enviado para a zona do Cantanhez, pois há dificuldades na alimentação às FARP. Pansau na Isna, homem grande do Como, com a sua sensibilidade, faz com que Guade autorize os habitantes do Como a venderem o seu arroz em Catió, e assim conseguirem pelo menos, com dinheiro ou por troca directa, alguma roupa, medicamentos e outros bens de primeira necessidade.

O chefe da tabanca de Mato Farroba, Clusse na Ufna, raptado pelo IN, foi abatido no Cafal, quando tentava a fuga. O Bia, chefe da tabanca de Impungueda, desapareceu misteriosamente. Seria o efeito da duplicidade nas informações a causa? Quatro nativas indocumentadas foram feitas prisioneiras, tendo confessado terem sido enviadas para observação das NT. Temos um sistema de informações mais precisas e concisas do que o gajo da PIDE de Catió que se preocupa mais com questões políticas do que com guerra. Estamos a trabalhar fortemente, só que as informações para cima, não surtem efeito. Aqui há gato.

Carlos desabafa:
- Valia mais que me mandassem a Companhia do Cachil para aqui, e acabassem com aquele presídio! Dávamos a volta toda até Cobumba e a Força Aérea que visitasse o Como!

Preparando a Companhia [, CCAÇ 1500,] a quem estamos a dar a fase operacional vamos, em conjugação com mais duas companhias, varrer novamente Cabolol. Pelas seis da manhã, um rebentamento e os periquitos têm os primeiros feridos, numa mina antipessoal. Pelas oito da manhã, Lassas e periquitos, depois de grande força, destroem mais um novo acampamento IN. Quando nos dirigíamos para Cantumane, a secção do Carlos Manuel que seguia em último escalão, foi fortemente emboscada, e tentaram isolá-la do resto da CCAÇ que se encontrava já fora da mata. Os outros dois grupos de combate manobraram, conseguindo repelir o IN. Dois furriéis ficaram ligeiramente feridos. Estava terminada a operação Tubarão.

E não desistimos, vamos novamente tentar a abertura do troço de estrada Cufar-Cobumba. Temos então a operação Teste em mãos. A nossa missão é instalarmo-nos na estrada que diverge para Cabolol e impedir o acesso do IN aquela região. A outros com as viaturas e respectivos guinchos, estará destinado o trabalho de desobstrução, retirando as abatises, tarefa que não vai ser nada fácil dado o numeroso e tamanho das árvores tombadas e das valas abertas na estrada.

Pelas vinte e três horas, os Lassas saem do aquartelamento e fazem a progressão pela estrada Cufar-Catió, com a companhia a quem estamos a dar treino operacional, em segundo escalão. Chegados ao cruzamento do Cabaceira, seguimos já pela estrada que se propõe limpar. Por volta das quatro da madrugada, o grupo de combate que progride em primeiro escalão atinge o caminho para Cabolol Nalu, junto à ponte do rio Caianquebam, os Lassas preparam-se para montar o dispositivo de segurança.

E aqui, meus amigos, desculpem-me, vão todos para a profundeza dos infernos. Serão poucas as asneiras que terei de dizer, e os nomes que terei de chamar a quem nos traiu. Comigo, cabrão nenhum brinca e eu não respeito ninguém neste momento. Eu mato a sangue frio, “fornico os cornos” e vou procurar aos confins do mundo o verme que nos traiu! Arranco-lhe o coração pelas costas, ou enfio-lhe pela boca abaixo uma granada descavilhada! Filhos da puta, havia fuga de informação! Os amigos do PAIGC estavam à nossa espera e sabiam perfeitamente que nós lá íamos e qual o nosso itinerário. Tinham informações precisas sobre toda a operação. Assim, não! Fomos apunhalados pelas costas, caralho. Também temos a certeza! Esse alguém, que deu à língua e passou informações ao IN, esteve em conversa na Administração de Catió. Nunca mais terei confiança nesta merda! Vão todos para a puta que os pariu!
- Quem diz que não é capaz de matar? Quem? Falem, digam!

Ninguém?

Tudo é possível fazer pelo homem, meus amigos, tudo depende das circunstâncias e ocasião em que as situações se apresentem.

Não é possível, não há palavras nem actos para suster a revolta do momento.

Foi dos maiores festivais a que assistimos!

Quando procedíamos à instalação, a CCAÇ foi emboscada de tal maneira que ficou toda na zona de morte. Os “gajos” envolveram os dois lados da estrada com duas metralhadoras pesadas 12,7, com projecteis tracejantes, atacaram o flanco direito dos Lassas com armas automáticas e metralhadoras ligeiras, e bateram todo o troço da estrada onde nos encontrávamos com morteiro 82 e RPGs, atacando a testa da coluna com granadas de mão.

Assim estivemos, debaixo de intenso fogo durante, aproximadamente, uma hora, altura em que sofreu um abrandamento. Tentamos responder da forma possível. Foi então detectado um helicóptero voando no sentido Cansalá-Cabolol Nalu, cessando por alguns minutos o tiroteio. Não nos foi possível alvejá-lo dado o seu rápido encobrimento pela mata. Pelas cinco e vinte voltou a crescer, com grande intensidade, o fogo de morteiro e RPGs. A nossa reacção só começou a dar efeitos já passava das seis e meia da manhã. Nesta altura já contávamos com dois mortos, um desaparecido e dezassete feridos. Entre os mortos estava o meu grande amigo furriel miliciano Humberto.
- Porquê tu, meu Amigo?

Havia determinadas prioridades a executar e a principal era no momento fazer as evacuações, pelo que a companhia que nos acompanhava dirigiu-se para Camaiupa a fim de procurar um local propício para efectivar essa operação, montando a segurança. Junto à mata de Camaiupa, foram evacuados os feridos e mortos, tendo sido os Lassas remuniciados, dado encontrarem-se logisticamente nas lonas em termos de munições. E voltamos, para continuar.

Mais um acerto de contas, mais uma cobrança!

Pelas oito e meia, aproximadamente, dado o número de baixas e o esgotamento do pessoal, o Comando estacionado em Cufar mandou suspender a operação. Entre os evacuados para o Hospital de Bissau conta-se o Bolinhas, capitão miliciano que vem substituir Carlos que será transferido para o Q.G. Não teve sorte o Bolinhas pois, logo na primeira experiência, uma bazucada atirou com ele contra uma árvore.
- O meu amigo Humberto, capacete furado, cabeça feita em duas! Não!
- Porra! Os amigos estão-se a ir embora!
- Ainda não! Ainda não vou chorar, só se for de raiva! Mas também não!
- Agora encontro-me completamente no fundo. Deixem-me falar mal desta merda; deixem-me dizer asneiras. Por favor, quero apanhar alguém e torcer-lhe o pescoço, até ficar com a cara para as costas, depois de três voltas. Quero... quero... ir até ao aquartelamento e embebedar-me até ficar em coma!... É dificílimo dar a volta a isto tudo!

Um bando de homens malteses, cabisbaixos, entra ao fim da manhã no aquartelamento. Não há nada a dizer!... Olham-se os militares uns aos outros, em silêncio como desconhecidos, agora bem lá no fundo do esgoto. A dor da perda dos amigos é transmitida por mensagem secreta, do olhar daqueles que sofrem a sua ausência.

Mamadu entrou na messe e no duche. Deitou-se não dizendo palavra a ninguém. Chico Zé e António Pedro nas camas, ao lado, fizeram o mesmo. Até a vontade de beber passou. Não era a primeira, nem seria a última que alguém nos iria trair.

Miriam entrou no quarto em silêncio, com a roupa lavada para Mamadu. Vendo os três furriéis deitados, como cachorro à espera do dono, sentou-se no chão aos pés da cama de Mamadu e chorou. Este enfureceu-se e gritou:

- Fora daqui, isto não é para chorar ainda, caralho! Não é isto mesmo a guerra!? Fora, não quero ver roupa, não quero ver ninguém.

O coração do furriel Mamadu, chefe dos Vagabundos, sangrava de dor e revolta.
- Deixa-nos ficar sós! Fora, escarumba de merda!

Com rudeza expulsou a lavadeira. Pobre Miriam, estava sensibilizada também e apenas queria acompanhar a dor do furriel. Mas este apenas via as tracejantes balas e as metades da cabeça do Humberto. Aos ouvidos apenas lhe chegavam os rebentamentos das morteiradas, dos lança granadas foguetes e os gemidos dos amigos feridos. Completamente transfigurado, só sentia o desejo mórbido de vingança. Esvaziara-se de tudo o que era humano, e encontrava-se possesso de ódio, blasfemando contra tudo e contra todos.

De barriga para baixo, estendidos sobre as camas, Chico Zé e António Pedro, num silêncio sepulcral, nem pareciam respirar. Mamadu não conseguia dormir. Tânia apareceu por momentos e o furriel entrou em delírio.

Abundante fonte fizeste nascer neste peito, por onde se alimenta, em frémita dor trespassante, um fraco coração saudoso, desfeito nestas longínquas paragens e acossado por fome de justiça, entre balas e sangue, alimentos de guerra. Já não sei o que sou! Só sei que é no meu corpo que morreste, minha mulher inexistente, adormecida pelo leve sono que pesou no dia dos animais falantes. O lodo, em que me atolo, adormeceu as conhecidas boas maneiras, que pouco saber lhes cabe. São nuvens duvidosas o saber que sabemos. E sonho com a mulher que me beijasse as feridas da alma e me amasse até à raiz da minha sombra. Estou lutando e tentando fazer um poema de amor, mas a dor tira-nos o tempo todo ao nosso lado distante, em guerra sempre presente.

Esta não é a minha Gloriosa Pátria Amada. Esta é a de Miriam e outros muitos mais, que nem eles próprios sabem quem são, pois até os irmãos já se traem e matam uns aos outros. A minha fica lá bem longe, a Norte, a milhares de quilómetros. É essa pequenina aldeia da Planície que é minha, de meus pais e avós, a essa, sim, posso ter a honra de lhe chamar ditosa e amada.

Fundamentalisticamente e com muita razão, como dizia o capitão de Aleluias Alacrau, “esta Aldeia é uma Nação”. Sim, a minha Pátria é a Planície da Tânia e da Florbela, poeta e mulher a corpo inteiro. Sim, Florbela, como no seu poema, aqui bem longe neste momento, são horas mortas só que a Planície não é brasido, aqui ela é saudade e dor.

Árvores! corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!


Tenho saudades de todos os meus amigos, dos que vivem e dos que já partiram. Hoje aperta-me o coração pelo meu amigo Humberto, pois deixei o esquife dele em Catió.

Acabei de juntar as cartas da nascente que fazia brotar nele o amor e afeição por uma mulher, criança ainda. Para a mãe de Humberto, juntei as coisinhas, como se diz na planície. As merdas todas: farda, farrapos, para dela ser maior o sofrimento.

Porquê eu!? Fazer o espólio das intimidades de um amigo?

Choro!

É por acaso vergonha um homem chorar, quando lhe dói a alma e aperta o coração?

Será?

Não, para mim não! Por isso choro e não tenho vergonha. É bonito, é enfim sinal que ainda não me bestifiquei.

Chorar é correr riscos e só quem arrisca é livre!

É, pois, o chorar o risco de parecermos sentimentais, assim como expor os nossos sentimentos é correr o risco de patentear o nosso verdadeiro eu. Sendo também o amar correr o risco de não sermos amados em troca. Estes riscos, conheço-os eu como as palmas das minhas mãos. Com tudo isso, não evitei o sofrimento e a tristeza, é verdade! Mas aprendi, senti, mudei, cresci, amei e vivi!

Chego ao limite, com apenas vinte e três anos. Que interessa que Tânia me não ame, se a amo eu?

Não é sonho! Um dia acontecerá, Tânia virá, amar-me-á e beijará as feridas da minha alma.

A eternidade não é poder humano! É incomensurável!...

Desculpa, Humberto, a divagação, mas tu também sabias, não sabias?!. ..

Vou-te escrever. Sei que é uma tentação, mas esta carta é só para ti.

"Sufoca-me esta sede de libertação. Quantas vezes o dizias?...

Todos os dias, a todas as horas e a todos os minutos. Pobre de til .. De que te serviu a merda do capacete? Sim, eras um aborto da própria natureza. De que te valeu morrer? Nada!

Que fizeste? O que deixaste? Simplesmente a dor de ser eu, este teu amigo, a enviar as tuas sucatas para tua mãe e as cartas para Luísa. Dezoito anos incompletos e já a levar assim bordoada ...

Mas, pobre de ti!... O tempo, dizem que tudo cura. Talvez seja verdade, acredito! Sim, porque ninguém mais te ligou. Aquilo que tu eras, tudo naquele momento terminou. Não sabes? Vou contar-te tudo o que se passou depois: ficaste com a cabeça horrivelmente grande, feita em duas!...

Passaste ainda dois dias connosco. À noite havia muitos mosquitos, mas não te deixámos só. Não chorámos! Talvez interiormente o tivéssemos feito, porque a garganta só consentia que algo escorregasse, quando à boca se levava o velho e sebento copo de bambu. Recordas-te dele? Ali se afogavam as mágoas e tristezas passadas. Nele chafurdámos como ratas nas sarjetas. Sabia bem matar a sede por ele. Estávamos unidos, e sempre estaremos, mesmo sem ti e os outros que ao nosso lado tombaram.

Olha, está aqui o Jata que também te quer falar, mas não consegue! É natural, vocês eram irmãos de guerra! ...

O Dabó, preto manjaco, chorou como um puto sentado no teu caixão, pois a última vez que te acompanhámos foi pela maldita estrada. Deves ter dado muitos saltos dentro do caixote!

Gosto de te escrever, pois tenho feito o mesmo com os outros. Espero que quando for a minha vez, tenhas uma garrafinha de Dimple à espera que eu levo o copo de bambu.

Um abraço dos outros Lassas.

Mamadu

P.S. - Afinal encontraste a liberdade desejada?”
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