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sábado, 10 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21438: Os nossos seres, saberes e lazeres (415): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Vir a Viana e não visitar Santa Luzia é como ir a Roma e não ver o Papa. Os comentários sobre o templo gigantesco que o arquiteto Ventura Terra traçou naquele monte sacro que permite uma das mais deslumbrantes panorâmicas que a Natureza permite, nem sempre são lisonjeiros, e aqui se cita José Hermano Saraiva que acha que lhe falta alma. Daqui a um século falamos. Também se disse cobras e lagartos do neomanuelino e do neogótico e veja-se como o Palácio da Pena e a Quinta da Regaleira se transformaram em poderosíssimas atrações turísticas. O tempo urge, toma-se novamente o funicular, depois da lavagem de alma que aquela vista purificada propiciou, e desce-se, sem perda de tempo, para desfrutar o património da Misericórdia de Viana do Castelo, não há que enganar, a igreja, a sua riqueza azulejar, a decoração do teto, a aparato das talhas, as pinturas, o esplendor do órgão, é uma unidade que dá pelo termo da magnificência do Barroco, é incomparável, a sua visita é obrigatória. E depois aproveita-se o remanescente da luz do dia para ir à Viana moderna, a última etapa neste lugar onde a Ribeira Lima entra no Atlântico.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (10)

Mário Beja Santos

José Hermano Saraiva, no primeiro volume de O Tempo e a Alma, Círculo de Leitores, 1986, depois de se ter debruçado sobre os monumentos notáveis de Viana e antes de anotar o que era a Viana moderna, fala do Monte de Santa Luzia, dizendo o seguinte: “Ali, o mais notável é o miradouro, vista emocionante. Foi a vista que atraiu o santuário, o hotel, o elevador. O tema é inevitável perante estes monumentos modernos: gosta, não gosta, e a negativa é a resposta mais fácil. O projeto do santuário é do arquitecto Ventura Terra, e as obras foram realizadas entre 1890 e 1930, embora depois disso se tivesse ainda trabalhado muito. Anteriormente, tudo o que havia era uma capela, onde se chegava por uma tortuosa vereda entre mato cerrado. O arquitecto planeou conforme o gosto do seu tempo: uma igreja que combina elementos tradicionais numa mescla revivalista a que se chamava estilo românico-bizantino. As dimensões são impressionantes para a parcimónia portuguesa; as cúpulas e as rosáceas aspiram deliberadamente à escala monumental, mas o conjunto parece mais um grande jazigo do que uma alegre casa de Deus. Algo falta. Os arquitectos medievais dispunham de um ingrediente essencial para conferir autenticidade e emoção aos edifícios que planeavam: um forte sentimento religioso. A régua de cálculo não tem esse valor, e não sei se o computador o sabe encontrar. Em todo o caso, a importância relativa da basílica revela que Viana não parou e que não se envergonha da contemporaneidade”. É um texto um tanto agridoce, uma no cravo, outra na ferradura. Viajar no funicular é entusiasmante, com aquele cruzamento com a composição que desce, é também assim com os ascensores de Lisboa. Trepam-se os degraus e aguarda-nos um dos cenários mais desafogados com que a Natureza nos privilegiou.
Santa Luzia e o funicular fazem parte da proposta das visitas obrigatórias em Viana. O monumento dá pelo nome de Templo do Sagrado Coração de Jesus. Quem subir ao zimbório tem à sua disposição uma paisagem incomparável. No seu exterior podem ver-se várias peças graníticas da primitiva capela, pedras de um arco de 1694; capitéis e instrumentos usados na construção. Ninguém deve fugir à viagem pelo funicular, mesmo que se possa ir de carro facilmente. É a mais longa viagem de todos os funiculares do país, com os seus 650 metros. Quem já teve oportunidade de em Paris visitar o Sacré-Coeur, de onde aliás se tem uma vista soberba sobre a cidade, encontra similitude com este gigantismo, e até nas afinidades decorativas. Dizer-lhe que falta alma, como acima observou José Hermano Saraiva, é um tanto excessivo, é uma outra abordagem da espiritualidade, basta olhar atentamente para a pintura da cúpula e lembrar o que Almada Negreiros, numa dimensão mais modernista, deixou na Igreja de Nossa Senhora de Fátima em Lisboa.
De seguida, apresento uma sucessão de imagens captadas neste miradouro de Viana e no seu monte sagrado. Não há nada que se compare em panoramas de mar, de campo e cidade, de rio e de montanhas. Carlos Ferreira de Almeida, no seu livro sobre o Alto Minho, escreve: “Lá muito em baixo vêem-se os telhados cúbicos da cidade, as docas e o mar azul, contornando de espuma a praia longa. Lá no fundo há um rio adormecido entre veigas e ínsuas, e, ao lado, o anfiteatro das montanhas com os seus aldeamentos. Daqui podemos mirar grande parte das freguesias que o concelho de Viana tem”. Tempo houvesse, e metia-me ao caminho, para vasculhar estes arrabaldes de Viana: visitar Areosa e Carreço, e depois Afife, gostava de ver o antigo casino remodelado, e nunca fiquei indiferente aos aspetos agrestes da Serra d’Arga. Duvido ter condições quando se fizer o trajeto de Viana para Ponte de Lima poder parar nas freguesias, já não haverá com certeza luz do dia, quantas vezes, a ler a Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo o Aurora do Lima se falava em Cardielos, Lanheses, São Romão de Neiva, que deu aso a que ele me explicasse o trabalho dos sargaceiros, do mesmo modo como ele me contava o que há de empolgante no Auto da Floripes. O que não se vê hoje, ficará para a próxima.
É a meditar nos trajes à vianesa, no ouro disposto nas ourivesarias, na magnificências das perspetivas que Santa Luzia oferece que regresso à cidade, saio do funicular e embrenho-me nas ruas até à Praça da República, vou visitar a Misericórdia e o seu conceituado anexo, uma igreja que é monumento nacional, uma Misericórdia, cuja confraria apareceu em 1520 e que nos legou um património fabuloso e que contrasta, pela exuberância, com a severidade da fachada tardo-medieval dos velhos Paços do Concelho.

(continua)
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Notas do editor

Vd poste de 3 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21412: Os nossos seres, saberes e lazeres (413): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21424: Os nossos seres, saberes e lazeres (414): Adão Cruz expõe as suas pinturas na Taberna do Doutor - Rua da Firmeza, Porto

sábado, 3 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21412: Os nossos seres, saberes e lazeres (413): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Em Viana do Castelo, lamento profundamente só lhe ter dedicado um dia nesta itinerância em homenagem ao meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo que aqui estudou e viveu por um bom período. Acompanhei anos a fio a vida da cidade, lia-lhe impreterivelmente o Aurora do Lima, até mesmo a necrologia. Viana é um deslumbramento. Algumas destas imagens abonam a fruição que a cidade oferece, o património é riquíssimo, e duvido que haja alguma panorâmica que rivalize com o que se avista no Alto de Santa Luzia. A fama das gentes de Viana vem de longe e não se circunscreve nem aos seus festejos, ao seu gosto pelo oiro, ao seu valioso casario. São as suas gentes.
Atenda-se ao que Frei Luís de Sousa escreveu na vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, uma das figuras icónicas da terra, a propósito das mulheres: "Não vivem em ociosidade, mas são daquele humor que a Escritura gaba na que chama forte, aplicadas ao governo da sua casa e a granjear com o trabalho e indústria, das portas adentro, como os homens fora de casa. Assim, há matronas de muito preço e bom exemplo e tão inclinadas a encaminhar as filhas a serem mulheres de casa e governo que, assim como em outras terras é ordinário, na tenra idade, mandá-las a casa das mestras com almofadas e agulhas, assim nesta as vemos ir às escolas com papel e tinta, e aprender a ler e a escrever e a contar".
E fiquemos por aqui, ainda há muito que ver em Viana.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8)

Mário Beja Santos

Impensável que a peregrinação em homenagem ao meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo não passasse pela cidade princesa do Lima, a Viana do Castelo onde ele estudou e fez amizades, como a que manteve com o poeta António Manuel Couto Viana, amizade que sobrou para mim, e daí a oferta que fiz de um conjunto de desenhos dele, com o especial pedido à autarquia, a quem entreguei este património, que ele ficasse numa sala da Biblioteca Municipal de Viana de Castelo que tem o seu nome. Lamento só ter gizado um programa para um dia, Viana e os seus arrabaldes precisam de muito mais tempo. E o paradoxo é que eu lia com absoluta regularidade a imprensa local, durante muitos anos deve ter havido poucos leitores que leram de alto a baixo o Aurora do Lima, como eu. Adiante. Muni-me do que Carlos Ferreira de Almeida sobre Viana escreveu no livro Alto Minho, atenção que a obra é de 1987, há uma expansão urbana e uma requalificação do casco histórico que não consta deste relato exultativo às belezas de uma cidade cheia de História. Logo nos alvores da nacionalidade, a Viana da Foz do Lima era fundamental para a segurança da orla costeira nortenha, a população ia crescendo à volta de uma enseada depois desaparecida. A antiga vila rural de Átrio passou a partir de D. Afonso III a chamar Viana da Foz do Lima, na época moderna acrescentou-se-lhe o epíteto de “notável”. E escreve Ferreira de Almeida que a sua fidelidade à política de D. Maria II e a resistência do seu castelo à revolta da Patuleia levaram a rainha a conceder-lhe a categoria de cidade, com o nome Viana do Castelo. Ferreira de Almeida desenha um itinerário que não será aquele que preparei para o dia de hoje. Mas é importante o que ele escreve sobre o crescimento de Viana, a desenvolver-se na direção do cais, a Sul, e na banda da Ribeira, a Oeste. Refere as quatro portas, creio que só restam vestígios, propícios a expedições arqueológicas, a do Campo do Forno, depois chamada de Santiago, a Norte, a das Atafonas, ou de S. Pedro, para Nascente, a do Postigo, para Sul, e a da Ribeira, no lado Oeste. Detenho-me aqui, a cidade portuária, que muito cedo recebeu o caminho-de-ferro, daqui se partiu para o Brasil e para a pesca do bacalhau, e ofereceu a Portugal nomes sonantes, como D. Frei Bartolomeu dos Mártires.
Desse tempo da pesca do bacalhau, na zona portuária, espera-nos, de cara lavada, o Gil Eanes, o símbolo de uma epopeia que felizmente não está esquecida.
Agora sim, vou embrenhar-me em ruas velhas, não procuro restos da cerca amuralhada, houvesse tempo e até iria à Torre da Roqueta, isolada e à semelhança da Torre de Belém, a defensora do rio, mas não, meto-me ao caminho até à Praça da República, viajo por vários tempos, são aqui frontarias que nos falam do passado. Uma coisa fixei, para jamais esquecer, o nome de certas ruas e certas casas, a Rua de Mateus Barbosa, onde está a casa dos Pimenta da Gama, a Casa dos Barbosa e Silva, esta ligada à vida de Camilo Castelo Branco, e a Casa dos Pedra Palácio, de bonitas varandas, com sóbrios ferros. Como não se pode esquecer a Casa da Praça, pertença dos Malheiro Reimão, aqui já vemos a influência do dinheiro do Brasil. Numa das divagações, já de cabeça perdida porque não atinava com certas ruas, irei encontrar na Rua da Carreira o Paço dos Melo e Alvim, e ainda não consegui apurar se aquele governador da Guiné dos anos 1950, homem da Armada, de nome Diogo António José Leite Pereira de Melo e Alvim, reza a lenda e consta da hagiografia de Amílcar Cabral que tiveram uma desavença, que teria sido a razão do regresso do pai fundador da Guiné-Bissau a Lisboa, não passa de atoarda, Amílcar Cabral e a mulher regressaram a Lisboa devido a doença, carregados de paludismo. Mas ainda assim é a hagiografia que permanece…
Aqui foi delegação do Banco de Portugal, hoje é o Museu do Traje, estamos já em plena Praça da República, foi visita de médico, um outro amigo nosso ofereceu a este museu uma extraordinária coleção de leques que pertencia à sua mãe, o lugar é ajustado, o museu alberga um relevante espólio de trajes e de ourivesaria tradicional. Tem um conjunto de núcleos museológicos, tudo visto a correr. Ficou-me um ressaibo na boca, de amargura, devia ter ido ao Museu de Artes Decorativas, instalado numa mansão do século XVIII, imperdoável porque estão aqui valiosas coleções de faiança antiga, importantes peças da famosa Fábrica de Loiça de Viana, isto para além de pintura, arte-sacra e mobiliário indo-português do século XVIII. Outro motivo para regressar.
Esta Praça da República é, para mais de quinhentos anos, o centro cívico de Viana do Castelo, estão aqui alguns dos seus edifícios mais emblemáticos, como os antigos Paços do Concelho, cuja construção teve lugar na primeira metade do século XVI, um elegantíssimo chafariz e o edifício da Misericórdia onde se incrusta uma joia do Barroco que é a sua igreja, monumento nacional, mais adiante se falará dela, em visita a preceito.
Chegou a hora de amesendar e definir exatamente o que é possível ver durante a tarde. Haverá Santa Luzia e o funicular, a Praça da Liberdade e aquela preciosa peça de arquitetura de Siza Vieira que é a biblioteca e o Centro Cultural traçado por Souto Moura, confesso que fiquei por ali de boca à banda com aquele desmedido arrojo arquitetónico. Enquanto mordisco leio que o navio Gil Eanes foi construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo em 1955, tinha por missão apoiar a frota bacalhoeira nos mares da Terra Nova e Gronelândia. Hoje tem lá instalado o Centro de Mar e outros serviços. Pois bem, olhando esta fachada de edifício que pertenceu aos Távoras, preparo os itinerários da tarde, folheei publicações e apercebo-me que há muitíssimo mais a ver, teimarei em voltar.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21393: Os nossos seres, saberes e lazeres (412): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8) (Mário Beja Santos)

sábado, 26 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21393: Os nossos seres, saberes e lazeres (412): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Impunha-se uma visita cuidada ao Centro Interpretativo do Barroco, em Arcos de Valdevez. A Igreja do Espírito Santo foi muito bem escolhida, marca perfeitamente todo o espírito da Contra-Reforma, severidade e austeridade por fora, pompa e esplendor no interior. Somos riquíssimos em Barroco e Rococó.
A Europália Portugal, em 1991, foi um grande sucesso. Lembro-me das filas enormes à porta do Museu Real de Belas-Artes, em Bruxelas, para visitar a exposição O Triunfo do Barroco. Houve também outras exposições de estrondo, somos detentores de um património que a generalidade dos laboratórios universitários já tinham deitado fora, os instrumentos científicos do século XVIII, e as exposições de Arte Oriental e Africana foram altamente representativas, mas nada se comparou ao Barroco, à magnificência da arte religiosa e às carruagens da Embaixada que o rei D. João V enviou a Roma. Pois o Alto Minho também possui um património incomparável, como aqui se exemplifica.
E regressou-se a Ponte de Lima, desta feita a visita foi à Casa de Nossa Senhora d'Aurora, um portento património e com jardim assombroso, como também aqui se mostra.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8)

Mário Beja Santos

Numa frase curta, numa síntese regada de sinuosidades e pontos divergentes, ir-se-á com o Barroco (na pintura, na escultura, na talha, na arquitetura e nas artes decorativas), foi um estilo que se instituiu depois do Renascimento e das modalidades do maneirismo, irá prolongar-se até ao século XVIII, e as suas linhas exuberantes ganharão um novo alento com um estilo denominado Rococó. É um período artístico de cerca de dois séculos que terá nomes de autores que ainda hoje são dominantes na cultura portuguesa de obras fundamentais no nosso património. Basta referir Josefa d’Óbidos, a Igreja da Madre de Deus, a Igreja de Santo António (Lagos), a escultura de Machado de Castro, o Convento de Mafra… E quando chegamos ao século XVIII, a região minhota dá cartas valiosas, Braga, Viana do Castelo e vários pontos do Alto Minho. E assim chegamos a esta paragem com enormíssimo interesse, a Rota do Barroco parte de Arcos de Valdevez e que agora se estende ao Alto Minho. E assim entro no Centro Interpretativo do Barroco, sediado na Igreja do Espírito Santo, em Arcos de Valdevez.

Arcos de Valdevez é porta de entrada deste roteiro do Barroco no Alto Minho, e não é por acaso, possui elementos notáveis do Barroco e do Rococó, sobretudo na vertente religiosa. A Igreja do Espírito Santo acolhe o Centro Interpretativo do Barroco, houve para ali um investimento municipal de cerca de um milhão de euros, supõe-se mesmo que esta viagem pode ultrapassar a área geográfica dos dez concelhos do Alto Minho, uma vez que a arte barroca da região está presente na Galiza e em Minas Gerais, no Brasil. O roteiro alicia para visitas do maior interesse, caso do Convento de Mosteiró, em Valença, a Capela das Malheiras, em Viana do Castelo, bem como a Capela da Boa Morte, na Correlhã, em Ponte de Lima, e o Santuário da Peneda, em Arcos de Valdevez. Entra-se na igreja, começa o assombro, estas obras falam mais que um milhão de palavras.



Atenda-se à magnificência do altar, a Confraria do Espírito Santo não se fez rogada e abriu os cordões à bolsa para que esta construção fosse de arromba. Por fora é tudo singelo, em granito, foi utilizado na estrutura principal, nos cunhais, cimalhas e lintéis, o próprio lajeamento que circunda o templo é em granito. A fachada foi reconstruída no século XIX, tem já traços marcadamente neoclássicos. O interior recebe a luz natural por dez janelas naturais, cinco a sul e cinco a norte, seguramente que se pretendeu que toda esta riqueza brilhasse, com toda a pompa, ao contrário do exterior. Veja-se a imagem seguinte.


Não há palavras, parece que todos os comentários não têm o poder de alcançar toda a simbologia que esta arte espelha, nos elementos escultóricos, contempla-se uma joia exaltativa do Espírito Santo e a vista é logo atraída para a sacristia onde somos todos recebidos com uma peça extraordinária alusiva ao Pentecostes, tudo sobre a forma de um altar. Inesquecível.







E regressa-se a Ponte de Lima. Sempre com o intuito de ver para compreender, levei na bagagem uma edição de 1985 das Seleções do Reader’s Digest intitulada Por terras de Portugal, orientada e coordenada por Maria Clara Mendes, doutora em Geografia Humana. Entra-se no casco histórico a caminho da Casa d’Aurora, e toma-se nota do que ela escreveu já sobre o século XVIII: “Nas primeiras décadas deste século ressurgem as casas de burgueses e fidalgos, e no espaço muralhado sobressaem o edifício da Câmara, o Paço dos Marqueses, a Igreja-matriz e os quarteirões definidos pela Calçada dos Artistas, Rua Formosa e Largo de Delfim Guimarães. Nas ruas estreitas entre a Rua do Postigo e a Porta do Souto o casario adensa-se. Os arrabaldes estão já definidos. A actividade industrial foi animada pela fundação de uma fábrica de tecidos de linho e algodão, a Sociedade Económica de Bons Compatriotas Amigos do Bem Público (1779-1786). Mas no fim do século a panorâmica é bem diferente”. Houve demolições, foi o caso da muralha, a atividade mercantil e agrícola levou D. Pedro IV a autorizar a realização das Feiras Novas. Em 1875 foi criado o Banco Agrícola, Comercial e Industrial de Ponte de Lima, e deste período datam a abertura das Alamedas de S. João e de Nossa Senhora da Guia, por ali corre desafogado e calmo o Lima. Mas eu vou em sentido contrário. A visita à Casa d’Aurora, tem o seu quê de peregrinação. Conheci Manuel d’Aurora através do meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo, foi este querido amigo que me pedia insistentemente para lhe ler as obras do 3.º Conde. Aí vou eu à Rua do Arrabalde N.º 90.



A Sr.ª D. Rosário teve a gentileza de interromper os seus afazeres para me mostrar ao pormenor o interior desta casa senhorial, um deslumbramento de valores, de memórias, até de interseção de culturas. O outro pretexto da visita era o jardim, ele consta do Roteiro das Camélias. É um jardim à francesa, parece datar do tempo em que a casa foi reconstruída entre 1714 e 1730. O bucho é vistoso, o arvoredo variado, irei ver num nicho barroco com fonte Nossa Senhora d’Aurora, no centro do jardim um belo lago e uma imponente araucária.




Ao longo do ano, qualquer visitante tem vegetação à sua espera, mas quanto a flores por aqui pululam rosas, azáleas, dálias e camélias, mas também rododendros e magnólias. As cameleiras são antigas, há para ali uma criptoméria japónica de grande beleza. O folheto da Casa de Nossa Senhora d’Aurora refere algo que não se visitou, os quatro hectares da floresta, onde pontificam carvalhos, castanheiros, pinheiros, cedros e azevinho espontâneo. Pois ficará para a próxima, outra maré, o marinheiro será o mesmo…

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21373: Os nossos seres, saberes e lazeres (411): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (7) (Mário Beja Santos)

sábado, 19 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21373: Os nossos seres, saberes e lazeres (411): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Digamos que foi uma visita colateral, os Arcos, em rigor, não faziam parte do universo do meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo, a cuja memória estou neste peregrinar. Mas que grande surpresa, que património, que paisagens, que casario, que velhos aldeamentos, até apetecia, houvesse mais tempo, regressar ao Núcleo dos Espigueiros do Soajo, quanto gostaria de pôr os pés no Núcleo do Mosteiro de Ermelo, a lição recebida é de que é indispensável vir com mais tempo, fica sempre uma grande deceção passar como cão por vinha vindimada nestes rincões onde se fundou a nossa nacionalidade, há vestígios da Pré-História, há cultura castreja, há vestígios do início da Idade Média, ruínas de estruturas defensivas. A vila dos Arcos tem templos esplendorosos, como aqui se procura ilustrar, e o ponto alto da visita foi o que se nos deparou do Centro Interpretativo do Barroco, sediado na Igreja do Espírito Santo, uma riqueza que iremos mostrar na etapa seguinte.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (7)

Mário Beja Santos

Desta vez é de vez, vou a Arcos de Valdevez, a terra e seu concelho rarissimamente vinham à baila nas minhas conversas com o meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo, mas um amigo comum, Luís Saraiva de Meneses, era dos Arcos e tinha oferecido uma tela a óleo com a casa de família que estava no corredor da entrada da casa do Carlos Miguel, desconhecendo o local da mesma, decretei que a ida aos Arcos tinha o poder simbólico quanto baste. Antes porém, fui bater à porta em Ponte de Lima do escritório de Manuel da Silva Fernandes, um camarada da Guiné, alguém que combateu em Gadamael e resolveu passar a escrito a sua vivência. Já conhecia a sua obra, por portas e travessas, saí do seu local de trabalho com esta lembrança, nós, os camaradas da Guiné, somos mesmo assim.

Preparei-me para a visita aos Arcos, tenho sempre à mão o livro Alto Minho, de Carlos Ferreira de Almeida. No capítulo dedicado a Arcos e Soajo, vejamos a referência histórica: “Valdevez poder-se-á considerar até ao século XII como cabeça da Ribeira-Lima, tal a sua importância estratégica. Era uma região nevrálgica de apoio a uma linha desde Monção a Lindoso, a da fronteira com a Galiza tantas vezes pressionada por Leão. Era a retaguarda dos castelos de Monção, de Melgaço e de Castro Laboreiro. A refrega do Encontro de Valdevez, entre D. Afonso Henriques e D. Afonso VII de Leão, acontecida aqui, perto da Portela do Extremo, bem o elucida”. E chegamos aos Arcos, eram assim descritos como o autor os viu nesses anos de 1980: “Engloba duas freguesias, S. Salvador e S. Paio, que o rio (Minho) separa mas a ponte une. Na margem direita do Vez temos S. Salvador dos Arcos, a mais urbanizada. Tem um importante património artístico constituído por um bom conjunto de igrejas de rico recheio, sobretudo em talha, e meia dúzia de excelentes casas, dos séculos XVII, XVIII e XIX, testemunho das potencialidades das confrarias, da nobreza e da burguesia locais”. E depois enuncia a Capela da Praça ou a Capela da Conceição, arte gótica e seguidamente a Igreja da Lapa, com belíssimo altar. Nossa Senhora da Lapa é a mais esplendorosa igreja dos Arcos, atribui-se o seu traçado a André Soares, mestre bracarense. Tem planta centrada coberta por alta cúpula. No seu interior, três aparatosos altares de cuidada talha rococó. Era poderosa a confraria que encomendou estas obras, e enorme a devoção a Nossa Senhora da Lapa, de origem beirã. Não confundir a Igreja da Lapa com o Santuário de Nossa Senhora da Lapa, em Sernancelhe.


Altar da Igreja da Lapa

Pormenor do altar

A Capela da Praça é um edifício de grande severidade, gótico rural, deve-se ao abade João Domingues que destinou o templo para sua capela funerária, nos princípios do século XV.



Dois pormenores do interior da Capela da Praça

Houvesse tempo e percorria-se os Arcos a pente fino, como o professor Ferreira de Almeida sugere no seu livro Alto Minho: Igreja da Misericórdia, os Cruzeiros, a Igreja de S. Paio. Contempla-se uma raridade, o pelourinho, do início do século XVI, até 1700 esteve colocado no centro da Praça Municipal, andou em bolandas, aqui está desde 1998. A autoria é de João Lopes, a sua singularidade é óbvia: pilar torso e roca cónica, apresentante um fuste robusto enrolado por três colunelos, colmatado por um capitel em forma de taça. Que beleza!


Que o leitor me perdoe, encaminhei-me, depois de ter andado às voltas do Pelourinho para outro importante templo, a Igreja do Espírito Santo, onde funciona o Centro Interpretativo Barroco. Abriremos o próximo episódio com esta visita, obra de uma outra importante Confraria que pôs de pé esta igreja de tradição maneirista com exterior remodelado no século XIX. Cresce a convicção de que é imperativo retornar a estas paragens, ficam para ver as casas solarengas, percorrer o concelho e avançar para o Soajo, são as casas, são as pontes, os mosteiros, as igrejas e capelas, é um património formidável, fica para a próxima. Vou amesendar e aliviar as fraquezas do corpo, ponho-me a olhar a ponte que liga as duas margens da vila dos Arcos, uma construção de truz datada do século XIX, substituiu uma ponte medieval. É pena não restarem quaisquer elementos arquitetónicos da anterior construção, só referências: tinha quatro arcos de volta redonda e uma estrutura marcadamente românica. Já agora, vamos dar um salto até aqui perto, ao Paço de Giela.


O Paço de Giela assenta num pequeno outeiro na outra margem do rio Vez, é monumento nacional: é um exemplar único de habitação de nobre em meio rural, há à sua volta elementos construtivos que vão desde o século XIV até ao século XVIII. Trata-se de um pequeno castelo rural a quem competia a defesa da fronteira desde os inícios da Idade Média pelo menos até meados do século XI. Foi sobre estas estruturas, entretanto destruídas e abandonadas, que em meados do século XIV se construiu a atual torre, adossada à torre está um edifício habitacional de dois pisos. No final do século XX, o Paço foi adquirido pela autarquia e em 2014 deu-se início à valorização e requalificação do conjunto edificado do Paço de Giela. É indispensável visitá-lo, vir aos Arcos e não desfrutar deste rico património é como ir a Roma e não ver o Papa. Finda a visita, regressamos ao Centro Interpretativo do Barroco. É magnificente, impõe-se uma visita cuidadosa, fica para o próximo episódio.


O Paço da Giela, antes e depois

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21350: Os nossos seres, saberes e lazeres (410): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (6) (Mário Beja Santos)