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quinta-feira, 6 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12796: In Memoriam (185): Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, ex-cap art, cmdt, CART 2715 (Xime, 1970/71)...


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula... Em 26 de novembro de 1970, era a CART 2715 / BART 2917, comandada pelo jovem cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Através do Rui Santos Silva [, nascido em 1945, oficial de cavalaria, que terminou o curso da Academia Militar em 1969,  fez  uma comissão no TO da Guiné, em 1971/73, e é residente em Coimbra,] em mensagem publicada na página do Facebook da União dos Antigos Combatentes da Guerra do Ultranar, com data de 1 do corrente, tivemos a triste notícia do desaparecimento de mais um camarada da Guiné:

Informo que faleceu ontem (dia 28 de Fevereiro) o Ex-Combatente Cor de Artilharia Vitor Manuel Amaro dos Santos,  residente em Coimbra. O funeral realizar-se hoje para Foz do Arouce, Lousã.
Nascido a 22-11-1944,  tem 3 comissões no Ultramar: Guiné, Angola, Angola.

2. Nota de pesar do nosso editor L.G. e do nosso blogue [, uma outra versão foi publicada no Facebook]:

Conheci-o na Guiné... Pertencia ao BART 2917 (zona leste, setor L1, Bambadinca, 1970/72)... 

A sua companhia, a CART 2715 (Xime, 1970/72),  sofreu, juntamente com a minha, a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) uma violentíssima emboscada, no decurso da Op Abencerragem Candente, a 26/11/1970..., quatro  dias depois da invasão de Conacri... Resultados: 6 mortos e 9 feridos, incluindo o meu amigo fur mil Joaquim Araújo Cunha, com quem tinha estado a meio da noite, talvez por volta das 3 horas da manhã, a beber um copo antes de sairmos de novo, a caminho do inferno...

O jovem cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos, nunca mais terá sido o mesmo!... Falei com ele duas ou três vezes ao telefone... A nossa última conversa, há dois anos atrás, não foi fácil... Ele adorava o blogue mas tinha reservas em relação a  algumas referências à Op Abencerragem Candente e ao facto do seu nome estar associado a esta tragédia.

Diria mesmo que ele acompanhava, com emoção e paixão, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...  Convidei-o, no devido tempo, a integrar a nossa Tabanca Grande, e publicar a sua versão dos acontecimentos que levaram à morte de cinco dos seus homens (a que se deve juntar a morte do guia e picador das NT Seco Camará, desde sempre ligado ao Xime, mas na altura ao serviço da CCS/BART 2917, e a viver em Bambadinca)... Essas mortes causaram-lhe profunda amargura... Por razões de saúde, vê-se obrigado a deixar o comando da sua CART 2715, logo em  1 de janeiro de 1971. Era DFA.

Prometo publicar, em breve, um poste complementar em homenagem à memória que lhe é devida... Como comandante operacional, o cap art Amaro dos Santos era um camarada nosso que devemos respeitar, e cujo nome eu gostaria de ver aqui ao lado dos nossos camaradas e amigos que da lei da memória se foram libertando...

Para a sua família e para os nossos camaradas da CART 2715/BART 2917, vão os nossos sentidos votos de pesar e de solidariedade na dor (**)...  (LG)

_________________

Notas do editor:

(*) Vd poste de 9 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9335: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Baixas: mortos e feridos (Benjamim Durães)


(...) CAPÍTULO III > BAIXAS SOFRIDAS, PUNIÇÕES, LOUVORES E CONDECORAÇÕES
A - BAIXAS SOFRIDAS PELAS NT

1 – EM COMBATE

a) - MORTOS

(i) CCS /BART 2917

- Picador Seco Camará, assalariado: Morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, está sepultado em Nova Lamego.

(...) (iii) CART 2715

- Alferes Mil Atirador João Manuel Mendes Ribeiro, nº 17853469; morto em 04/10/71 na Operação “Dragão Feroz”; está sepultado em Castelo Branco;

- Furriel Mil Mec Auto Joaquim Araújo Cunha, nº  14138068; morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”; sepultado em Barcelos;

- 1º Cabo Atirador José Manuel Ribeiro, nº 18849069, morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, sepultado em Lousada;

- Soldado Atirador Fernando Soares, nº 06638369, morto em 26/11/70 na Operação  “Abencerragem Candente”,  sepultado em Fafe;

- Soldado Atirador Manaule Silva Monteiro, nº  17554169, morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, sepultado em em Condeixa-a-Nova;

- Soldado Atirador Rufino Correia Oliveira, nº 17563169, morto em 26/11/70 na Operação “Abencerragem Candente”, sepultado em Oliveira de Azeméis;

- Guia Nansu Turé, assalariado, morto em 04/10/71 na Operação “Dragão Feroz", sepultado em Bafatá. (...)

domingo, 24 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12337: O nosso livro de visitas (169): Imaginem quem eu encontrei no hipermercado, em Portimão ?... O nosso sargento José Martins Rosado Piça! (Tony Levezinho, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)



Portimão, 21 de novembro de 2013 > O reencontro de dois bons velhos amigos e camaradas da CCAÇ 12: o ex-2º srgt inf José Martins Rosado Piça (Évora) e o Tony Levezinho, ex-fur mil at inf (Sagres, Vila do Bispo)

Foto: © António Lezevinho (2013). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Tony Levezinho, com data de 21 do corrente:

Assunto - Uma muito grata surpresa 

Olá,  Amigos [Luís e Humberto]:

Olhem só quem eu encontrei, há um par de horas, no Continente, em Portimão!

É verdade, o nosso Amigo Piça,  nos seus bem conservados 80 anos, sempre com a boa disposição que lhe reconhecemos.

Por que ele me pediu, dei-lhe os vossos números de telefone. Ele tem um apartamento em Portimão, onde passa algum tempo e, assim, ficou agendada uma visita aqui a Sagres, para breve.

Um abraço para vocês.
Tony Levezinho

2. Comentário de L.G., a partir de resposta enviada no mesmo dia ao Tony:


(i) Ganda Tony!... Muito me contas. Pensei que esse gajo já tinha batido a bota (, cruzes, canhoto!)...Andou estes anos todos sem dar sinal de vida. Ora isso não se faz aos amigalhaços como tu, eu, o Humberto e muitos mais para quem ele foi o mais miliciano dos chicos que a gente conheceu na Guiné!  Com 15 anos de diferença, ele era o nosso mano mais velho... 

Afinal, esse alentejano de boa cepa ainda está aí para as curvas com um ar de fazer inveja a muitos de nós... Manda-me o telefone dele. Quando chegar a Lisboa, ligo-lhe. Só o voltei a ver uma vez, depois do nosso regresso da Guiné... E acho que foi através de ti, em Lisboa...

Amigalhaços!... Ou melhor, amigos para sempre, jurámos nós, à despedia, no Uíge, de regresso a casa.... Ficámos com os endereços uns dos outros... De Évora, eram dois, o Piça e o Branquinho. Confesso, e penitencio-me: fui a Évora, em lazer ou trabalho, uma boa dúzia de vezes, nestes últimos 40 anos... e nunca os procurei...



N/M Uíge > 17 de março de 1971 > Dois dos nomes e moradas que ficaram escritos nas costas da ementa do jantar desse dia, que foi o primeiro da viagem de  regresso a casa, com paragem de umas horas no Funchal... Dois eram alentejanos de Évora... O Branquinho nunca mais o vi. O José Martins Rosado Piça, o ganda Piça, para os amigos, esse, voltei a encontrá-lo uma  vez em Lisboa... Ele continua a morar em Évora, mas agora na Rua Florbela Espanca...

Foto: © António Levezinho (2006). Tpdos os direitos reservados


Amigos para sempre

17 Março de 1971 :
Dia da partida de Bissau para Lisboa.
Regressávamos da guerra,
uns com a morte na alma 
e todos com mazelas no corpo,
num navio da nossa gloriosa marinha mercante, o Uíge.
E jurámos ser amigos para sempre...
Lembras-te, Tony ?
Foste tu que me mandaste fotocópia da ementa do jantar desse dia...
Como se a vida continuasse a correr como dantes,
como se pudéssemos retomar as nossas vidas do passado, 
nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, 
no jantar desse dia,
na classe turística, reservada aos sargentos,
uma sopa de creme de marisco,
seguida de um prato de peixe, Pescada à baiana,
e um de carne, Lombo Estufado à Boulanger...
sem esquecer a sobremesa:
a bela fruta da época,
o bom café colonial,
o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho,
antes de mais uma noitada de lerpa ou de king...
Já, em tempos agradeci ao Humberto Reis
e à sua proverbial memória de elefante
por me lembrar, por nos lembrar,
que o 17 de Março de 1971
foi, afinal, o primeiro dia do resto das nossas vidas...


Ainda hoje o recordo, com amizade e ternura, o nosso sargento Piça...Em vésperas de saídas para o mato, em noites de muita insónia e muito álcool, o nosso amigo e camarada, a exercer funções de primeiro sargento da Companhia, Piça, de seu apelido de família,  o alentejano mais castiço e quiçá sarcástico que eu conheci na tropa,  natural de Aldeias de Montoito, Évora, gostava de manter-nos, a nós, operacionais, com o moral em maré alta, fazendo questão de relembrar os feitos dos nossos maiores em tom brincalhão, jocoso,  mas nunca ofensivo:

Portugueses, punheta!,
Quando rebentou a República, caralho!,
Foram homens de colhões,
C... da mãe!


Da nossa parte, éramos uns sádicos!... Pregámos-lhe uma partida, antes do fim da comissão: obrigámo-lo a ir connosco numa operação, com os periquitos (que nos vinham render), lá para os lado do Poindom, no Xime. Sabíamos que ía haver "fogo de artifício"... E não queríamos que ele voltasse, connosco, de regresso a casa, sem o competente "batismo de fogo",  averbado na caderneta militar... Devo dizer que ele se portou galhardamente, como um verdadeiro bravo da CCAÇ 12!... Teria já os seus 38 anos, tal como o capitão... 

Tratou-se de um patrulhamento ofensivo a dois grupos de combate, enquadrando os novos graduados (exceto oficiais), realizada em 28/2/1971, sob o nome de código Op Rato Traquinas. Depois de 15 de minutos debaixo de fogo, as NT (60 "gatos pingados") chegam à Ponta do Inglês. onde não encntraram vestígios nem do IN nem de população.... Três meses antes, em 26 de novembro de 1970, as NT (a 8 grupos de combate) tinham sofrido uma violentíssima emboscada na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês (Op Abencerragem Candente). A Ponta do Inglês tornou-se um mito.

(ii) Bem, meu velho, por estes dias, estou na ilha de Luanda... Estou a dar uma formação a futuros médicos do trabalho... São cerca de 30 médicos... Mas uma boa meia dúzia são gente ligada aos petróleos (como tu o foste, na Petrogal)...

Já cá vim, a Luanda,  uma meia dúzia de vezes, desde 2003... Desta vez, encontrei um "neto" nosso, da CCAÇ 12, o António Duarte, de 1973/74... Viemos no mesmo avião. Volto sábado, na véspera dos teus anos... Já temos o postezinho de parabéns alinhavado, que o meu coeditor Carlos Vinhal nunca se esquece de ti... Quanto ao nosso Humberto, agora vejo-o mais vezes, lá para as bandas da minha terra...

Um xicoração fraterno...

Luís

PS - Descobri que ele tem uma página no Facebook. Clicar aqui.
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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10726: A minha CCAÇ 12 (27): Novembro de 1970: a 22, a Op Mar Verde (Conacri), a 26, a Op Abencerragem Cadente (Xime)...(Luís Graça)









Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > 1970 > CCAÇ 12 > A sequência dramática de uma helievacuação, no decurso da Op Boga Destemida (8 de fevereiro de 1970). Pelos vestígios de queimadas, nota-se que estávamos na época seca, logo a foto será dos primeiros meses de 1970... O riquíssimo Álbum Fotográfico do meu querido amigo e camarada Arlindo Teixeira Roda (natural de Pousos, Leiria, a viver em Setúbal há décadas) não tem  legendas... Da trágica Op Abencerragem Candente (25-26 de novembro de 1970, já no final da época das chuvas), não tenho infelizmente qualquer imagem.

Fotos: © Arlindo Teixeira (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

A. Continuação da séria A Minha CCAÇ 12, por Luís Graça (*)... Estávamos com 18 meses de Guiné, e de intensa atividade operacional, desde que na segunda metade do mês de julho de 1969 fomos colocados em Bambadinca, como subunidade de intervenção ao serviço do comando do BCAÇ 2852 (até maio de 1970) e depois do BART 2917 (a partir de junho de 1970)...

Sobre a Op Abencerragem Candente já se escreveu muito e ainda não se contou aqui toda a verdade (nem se contará tão cedo...) . Traz-nos, a todos aqueles que participaram nesta tragédia, terríveis recordações... Há gente viva, que ainda sofre sempre que se fala aqui da Op Abencerragem Candente...

Hoje optarei pelo laconismo. Limito-me a reproduzir a o que vem escrito na história da CCAÇ 12. Um dia, não sei quando, hei-de escrever um poema em memória de todos aqueles que morreram no dia 26 de novembro de 1970, na antiga estrada do Xime-Ponta do Inglês, um dos sítios mais sangrentos da guerra no TO da Guiné... Paz às suas almas. Evoquei-os, discretamente, em poste recente, num texto poético sobre a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, de má memória.  Fiz questão que este poste saísse hoje, 42 anos depois da Op Abencerragem Candente.










Excertos de: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1969/71.
Cap. II. pp-41-43.





Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1 /500 mil > Pormenor de parte do Setor L1 (Bambadinca), compreendido grosso modo pelo triângulo Bambadinca- margem direita do Rio Corubal - Xitole. com a posição relativa da sede de batalhão, Bambadinca (BART 2917, 1970/72) e das respetivas subunidades de quadrícula, localizadas em Xime (CART 2715), Mansambo (CART 2714) e Xitole (CART 2716).

 A vermelho as duas estradas que existiam em 1961: Bambadinca-Xime-Ponta do Inglês (interdita desde finais de 1968); e Bambadinca-Mansambo (aquartelameento construído de raíz em 1968, pela CART 2339)-Xitole (, estrada que seguia  depois para o Saltinho, e a partir aí estava interdita). 

Para se ter uma noção da distância, os obuses 10.5 do Xime não conseguiam bater a zona da Ponta do Inglês/Foz do Corubal [mapa de Fulacunda), que tinha a norte a rica bolanha do Poindom e um núcleo populacional (balanta e beafada) controlado pelo PAIGC,desde a destruição, pelas NT, de Samba Silate e de Poindom, em 1963. A guerrilha mostrava-se sempre muito aguerrida na defesa da sua população, face a ações de contrapenetração das NT (com exceção da grande Op Lança Afiada, 8-19 de março de 1969, que mobilizou cerca de 1300 efetivos, entre militares e carregadores civis).______________

Nota do editor:

sábado, 24 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10720: Blogpoesia (307): Não, não havia nada na antiga estrada do Xime-Ponta do Inglês (Luís Graça)

1. Segunda feira, 26 de novembro de 2012, passam  42 anos (!) sobre a Op Abencerragem Candente. 

Por poucos ou muitos anos que eu ainda viva, nunca conseguirei esquecer esse dia. 

A 22, estava a decorrer a Op Mar Verde, envolvendo - entre outros - os nossos camaradas da Companhia de Comandos Africanos, nossos vizinhos de Fá Mandinga; a 24, o Tony Levezinho fazia 23 anos, e celebrámos a efeméride como mandava o RDM de Bambadinca; a 25 mandaram-nos curtir a bebedeira para o Xime, para uma operação a nível de batalhão; a 26, íamos conhecer o inferno...

Dedico este texto poético a todos os meus camaradas da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), da CART 2715 (Xime, 1970/72) e CART 2714 (Mansambo, 1970/72), num total de 8 Gr Comb, que participaram na Op Abencerragem Candente, seis dos quais não regressaram vivos (o Seco Camará, o Rufino Correia de Oliveira, o P. Almeida, o Manuel da Silva Monteiro, o Joaquim de Araújo Cunha e o Fernando Soares) e nove dos quais foram gravemente feridos.

Não, não havia nada na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês
por Luís Graça

Não, não havia nada
Na antiga estrada
Do Xime-Ponta do Inglês,
Ligando o Geba ao Corubal.

Não havia nada naquele lugar
Que era de tormento,
Àquela hora mortal
Da madrugada.
Nada, onde um homem
Pudesse afogar a sua fome,
Matar a sua sede,
Aliviar o seu sofrimento.

Nem sequer um banco de pedra
Como aquele em que agora me sento,
Frente ao Tejo,
Fresco, límpido, matinal,
E onde alguém escreveu,
Em letra garrafal:
Amo-te, Marta,
És a razão do meu viver.


Hoje estou à beira Tejo
E não vou a caminho da Foz do Corubal.
O Tejo corre para o Atlântico,
E o Corubal para o Geba.
Em Lisboa tenho o azul do céu,
Que, dizem, é o azul mais puro do mundo.
No Geba, tenho uma G3,
Tarrafo, lodo, merda,
Dois cantis vazios,
Um céu de bronze,
E mil e uma razões para (sobre)viver.

Nem poderia haver
Nenhum banco de pedra,
Nem nenhum jardim,
Nem nenhuma Marta
À minha espera.
Nem muito menos nenhuma Marta
Que fosse a minha razão de viver.

Quando muito, um fantasma,
Surgido do cacimbo matinal,
Por detrás do baga-baga,
Armado de Kalash!

Não tinha, de resto, razão de viver,
Raison d’ètre, diria a minha copine,
Se eu fosse faltoso, refractário ou desertor
E tivesse dado o salto para França.

Não tinha nenhuma razão de viver,
Nem de morrer,
Nem de matar,
Não tinha sequer nenhuma razão
Para estar ali, àquela hora.

Não havia nada
Na antiga picada abandonada
Do Xime-Ponta do Inglês.
Nem um pub  irlandês
Com a ruiva Guiness
A piscar-te olho,
A ti, herói português,
Com um improvável genoma celta.
Nem uma tasca afadistada
Da tua saudosa Lisboa,
Com a perna da morena,
Esbelta,
Lânguida,
A faca na liga,
Deixando antever
Os doces mistérios da sua floresta-galeria.

Não, não havia nada,
Nem uma decrépita gasolineira
Dos filmes do Faraoeste da tua infância,
Onde abastecer a tua Daimler,
Salta pocinhas, minas e armadilhas,
Em que ias de Bambadinca ao Xime
Simplesmente para beber uma cerveja,
Sem escolta nem picagem,
Num jogo de roleta russa.

Nem muito menos a Marta-Mátria,
Republicana e laica,
Verde e rubra,
De busto farto,
De peito feito às balas,
Dando a volta à cabeça dos rapazes,
Dando-lhes tusa,
Na Feira Grande de Setembro:
- Vai mais um tirinho, ó freguês!

Não, não havia nada,
Nem sequer uma simples mulher,
Uma fêmea de bunda larga,
Ou até uma simples mulher polícia sinaleira,
Cata-ventos,
Bailarina,
Redondinha,
Assexuada,
De pelo na venta
E apito na boca,
No cruzamento dos quatro caminhos.

Não, já não vou de G3 em punho,
Em defesa da honra das donzelas
Da minha Pátria.
Chamem-se elas Marta ou Mátria.
Não, já não vou, cego, surdo e mudo,
A correr,
Disposto a morrer,
Com ganas de gritar Pátria ou Morte!,
Na velha picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês
Onde não havia nada.
Nem ao menos um tosco espanta-pardais,
Especado no meio do capim,
Em vez do campo de mancarra do fula,
Ou do teu jardim,
Do Éden,
Ou até uma simples seta,
De pau tosco,
A apontar-te a direcção do inferno,
A maldição bíblica do pecado,
Omnipresente,
Obsessivamente eterno.

Havia apenas,
No fim da picada, o inferno.
À tua espera,
À espera dos teus camaradas.
Às 8h45 da manhã
Do dia 26 de Novembro
De mil novecentos e setenta.
Da era de Cristo.
E Conacri ali tão perto!

O caminho mais curto para o inferno ?
Não o vês ?
A picada, abandonada, do Xime-Ponta do Inglês,
Onde Cristo seguramente nunca parou
Nem amou,
Nem penou,
Nem sofreu,
Nem pecou,
Nem rezou.

O teu Cristo etnocêntrico,
Judeu,
Semita,
Que nem sequer era caucasiano,
E nem muito menos sonhava onde era a Senegâmbia
Nem o Império do Mal(i).

Pensar global,
Sonhar alto,
Agir local,
Meu sacana
Ou melhor ainda:
Não pensar,
Muito menos sonhar,
Tiro instintivo, a varrer o capim.

Eis a ordem do capitão
Que tem acima o major,
Na sua avioneta,
No seu PCV,
E no topo o general,
O Com-Chefe,
O Caco Baldé,
O Homem Grande de Bissau,
Herr Spínola.

E à frente de todos,
Com o seu inseparável cachimbo,
O Seco Camará,
Seco de carnes,
Velho e valoroso guia das NT,
Pau para toda a obra,
Cão de fila,
Mandinga do Xime,
Herói da tua galeria de heróis,
Verdadeiro líder, etimologicamente falando,
Aquele que vai à frente mostrando o caminho.

Nesta guerra de baixa intensidade,
Não dês vazão ao Tratado das Paixões da Alma.
E por favor, camaradas, poupem as munições.
Da NATO.
Dizem que a glória te espera,
Escreveu um serial killer,
Roqueteiro,
Com fama de fazer saltar cabeças a 50 metros,
Ao longo da alameda dos bissilões.
Vai para casa, tuga,
Que a tua namorada põe-te os cornos!


Não, não havia nada
Naquela picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês.

Lourinhã, 19 de agosto de 2010 / Alfragide, 24 de novembro de 2012

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10719: Blogpoesia (306): O povo a que pertenço (Juvenal Amado)

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Guiné 62/74 - P10209: A minha CCAÇ 12 (26): Outubro de 1970: o jogo do rato e do gato... (Luís Graça)








Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Imagens da progressão de um força da CCAÇ 12 (três mais grupos de combate, 1º, 2º e 3º), no subsetor do Xitole, na época das chuvas (as quatro ou cinco primeiras imagens de cima);  uma helievacução no tempo seco, no subsetor do Xime (última imagem). 


Imagens de diapositivos digitalizados, do  valioso e magnífico álbum fotográfico do ex-fur mil at inf Arlindo Roda, da CCAÇ 12 (1969/71), posto generosa e solidariamente à nossa disposição.  Natural de Leiria, é professor do ensino secundário, reformado,  é uma apaixonado jogador de damas e de xadrez, e vive em Setúbal. [Foto à direita, tirada nas margens do Rio Geba]


Fotos: © Arlindo Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


A. Continuação da séria A Minha CCAÇ 12, por Luís Graça (*)





Fonte: Excertos de CCAÇ 12: história da unidade. Bambadinca, 1971, mimeog., pp. 40-41




B. Comentário de L.G.:

No poema "Esquecer a Guiné..." que publiquei em 16 de junho de 2005, na I Série do nosso Blogue, mas que remonta ainda ao meu tempo de Bambadinca (13 de fevereiro de 1971), há uma referência aos páras da CCP 123 e a esta situação de guerra (Op Boinas Destemidas, de 1 de outubro de 1970)...


(...) Os páras 
Que matam à queima roupa,
E ainda se dão ao luxo
De contar os impactes,
Fotografar
E armadilhar os cadáveres. (...)

Recordo-me muito bem de os ter visto, no regresso a Bafatá, com paragem em Bambadinca, nesse já longínquo dia 1 de outubro de 1970, aos nossos valorosos camaradas da CCP 123/BCP 12... Estavam em cima dos Unimog, perfeitamente alinhados, disciplinados, frescos, profissionais, exibindo algumas das armas apreendidas aos "turras"... Davam-me a impressão de terem vindo de um piquenique. Contrariamente ao que nos parecia habitual - eles costumvam ser helitransportados até às imediações do objetivo -, a Op Boinas Destemidas (*) era uma operação terrestre, a "penantes". Igual a tantas outras executadas pela nossa "tropa-macaca". Repare-se que eles partiram ainda noite, às 5h00, de Bafatá, vêm em coluna auto pela estrada alcatroada (e segura) até Bambadinca e continuam, para o Xime, na nova estrada em construção, mas ainda não alcatroada... Às 7h00 já vão a caminho do objetivo: têm a vantagem da surpresa: nem toda a população do Xime é de confiança; alguém ficar de noite noite no quartel do Xime é sinónimo de operação no dia seguinte... E os "camaradas" que estão no outro lado, ali mais próximos ao alcance do obus 10.5 do Xime - Gundagé Beafada, Ponta Varela, Poindon, Ponta do Inglês -, ficam logo de sobreaviso...


Tenho ideia que esta cena do regresso dos páras, com passagem por Bambadinca, se passa depois do almoço, a meio da tarde. Lembro-me que as forças da CCP 123 estavam estacionadas frente ao comando de Bambadinca, aguardando provavelmente a chegada do seu comandante que dever ter ido transmitir pormenores do sucesso da operação ao comando do BART 2917... Rapidamente começou a circular no quartel de Bambandinca a notícia de que os páras tinham surpreendido 7 combatentes do PAIGC, em círculo, sentados, encobertos pelo capim... a meio caminho da mítica picada, antiga estrada, Xime/Ponta do Inglês... Caíram em cima deles, fuzilaram-nos à queima roupa e trouxeram 7 Kalashnikov novinhas em folha... Os atacantes teriam tido tempo de contar os impactes (só num dos cadáveres teriam sido contado 27 tiros!), fotografar e armadilhar os cadáveres... 


Quem conta um  conto, acrescenta-lhe um ponto... Vejo, agora, ao fim destes anos todos, ao ler a versão (oficiosa) que é contada na História do BART 2917, que as coisas não se passaram exatamente assim, ou seja como dizia por aqueles dias o jornal da caserna... 


As baixas mortais entre o IN foram de facto sete, em princípio,  combatentes, e o armamento apreendido foram 2 metralhadoras ligeiras Degtyarev e 1 LGFog RPG-2... Não havia Kalashnikov... As Kalashnikov que eu vi, faziam parte do próprio equipamento dos páras, ou pelos menos de alguns dos seus graduados. Esta CCP 123, do BCP 12, estava na época estacionada em Bafatá ou Galomaro, já não posso precisar, ao serviço do COP 7 (criado em agosto de 1969, no subsetor de Galomaro). A Op Boinas Destemidas resultou num duro golpe para  o PAIGC na zona. No entanto, quase dois meses depois, a 26 de novembro de 1970, as NT sofreriam, na mesma região, a mais violenta emboscada de que havia até então memória, e de que resultaram 6 mortos e 9 feridos graves, no decurso da Op Abencerragem Candente. Falaremos dessa operação no próximo poste desta série. No setor L1, como no resto da Guiné, jogava-se o perigoso jogo do gato e do rato...


Outros factos de relevo, referentes à atividade IN, no mês de outubro de 1970, no setor L1, segundo a história do BART 2917:

(i) 6 out 1970: Grupo IN estimado em cerca de 10 elementos emboscou com LGFog e armas ligeiras durante 2 minutos em [XITOLE 9C9-92] um Grupo de Combate da CART 2716 sem consequências para as NT; perseguido por estas,  o IN retirou sem reagir; 


(ii) 13 out 1970:  Forças da CCP 123 realizaram a Operação Golfinho, patrulha de reconhecimento com emboscada, na região de Seco Braima [, subsetor do Xitole], sem vestígios nem contactos com elementos do IN;


(iii) 15 out 1970:  Grupo IN, não estimado, emboscou em Ponta Colia [,. subsetor do Xime,]  um Grupo de Combate da CART 2715 quando este montava segurança a uma coluna vinda do Xime, à sua aproximação; o IN utilizou LGFog e armas ligeiras; as NT reagiram imediatamente apoiadas pelo fogo de Mort 81 e Obus 10.5 do Xime, pondo-se o IN em fuga; as NT não sofreram quaisquer consequências;

(iv) 30 out 1970:   Grupo IN estimado em 5 elementos abriu fogo de armas ligeiras e uma LGFog da direcção de Madina Colhido, sobre o aquartelamento do Xime; as NT reagiram imediatamente ao fogo IN, após o que saiu um Grupo de Combate tentando capturar os elementos IN; julga-se que o IN quis espalhar a confusão dado que nesse momento se encontrava no porto do Xime uma LDG descarregando material e no aquartelamento se encontravam forças de escolta a uma coluna de Bambadinca.


_______________________

Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 30 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10094: A minha CCAÇ 12 (25): Setembro de 1970: Levando 50 toneladas de arroz às populações da área do Xitole/Saltinho, e aguardando o macaréu no Rio Xaianga (Luís Graça)

(**) Op Boinas Destemidas, 1 de outubro de 1970 > Companhia de Caçadores Paraquedistas 123 > Desenrolar da acção

Pelas 5,00 horas, iniciou-se o deslocamento das forças que intervinham na operação, em coluna auto, de Bafatá para o Xime. 

Às 7,00 horas iniciou-se a progressão, rumo Sudoeste, pelo Norte de estada Xime / Ponta do Inglês.

Durante a progressão, quando as NT se deslocavam a corta mato, foi detectada e levantada uma mina A/P, a sul da bolanha de Madina [XIME 3F1-45]. O engenho foi levantado, assim como a carga de reforço, constituída por 7 kg de trótil, uma granada de bazuca e duas granadas de canhão s/r. 

A progressão continuou pela estrada Xime / Ponta do Inglês cerca de 3 km, após o que continuou paralelamente à estrada, pelo lado Norte e a corta mato. Depois de percorridos 1,5 km foi encontrada uma picada bastante batida no ponto da cota 27. Fez-se a exploração do trilho encontrando-se peugadas muito recentes. 

Entretanto, às 11,00 horas, ouviram-se vozes a cerca de 200 metros do local onde as NT se encontravam, e na direcção noroeste. Iniciou-se imediatamente uma progressão cuidada para o local de onde provinham as vozes, tendo as NT conseguido detectar um acampamento IN onde se encontravam alguns elementos. Devido à sua despreocupação, permitiram uma aproximação das NT até cerca de 20 metros. 

O pessoal instalou-se em linha frontalmente ao acampamento, o qual não pode ser cercado devido à densidade da mata. As NT abriram imediatamente fogo tendo abatido diversos elementos IN dos que se encontravam mais próximos, enquanto os mais afastados se punham em fuga desordenada. 


A reacção do IN foi muito ligeira fazendo apenas uma “roquetada” e alguns tiros de armas ligeiras sem consequências para as NT. O objectivo foi imediatamente assaltado, tendo-se encontrado 4 elementos mortos e diverso material. 


Montada a segurança, feita uma busca ao local, encontraram-se, já na picada, mais 3 elementos IN mortos, apesar de gravemente atingidos se tinham posto em fuga. 


Depois de recolhido o material e de ter sido passada revista aos mortos, as NT retiraram em direcção ao Xime, onde chegaram cerca das 12,05 horas regressando posteriormente, em coluna auto a Bafatá. 

Resultados obtidos:


(i) Baixas infligidas ao inimigo 7 elementos IN abatidos. [Estes elementos usavam fardamento esverdeado];


(ii) Inimigos capturados: Nada;


(iii) Material e documentos capturados ao IN:

- 2 M/L DEGTYAREV, municiadas; 
- 1 LROCK RPG-2; 
- 5 fitas M/L DEGTYAREV; 
- 5 tambores de M/L DEGTYAREV 
- 5 granadas de LROCK RPG-2 
- 12 carregadores de KALASHNIKOV; 
- 900 munições de KALASHNIKOV; 
- 4 bolsas para carregadores de KALASHNIKOV; 
- Cantis, marmitas, fardamentos, etc. 
- Documentos diversos. 

Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917, de 15 de novembro de 1969 a 27 de março de 1972 (Bambadinca, 1970/72), pp. 62/63 [Versão digitalizada, melhorada e aumentada, da autoria de Benjamim Durães, s/l, s/d].

terça-feira, 8 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9863: (De)caras (10): Relembrando o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, natural de Barcelos, que pertencia à CART 2715 (Xime, 1970/72), e que foi morto de morte matada em 26/11/1970 (José Nascimento, CART 2520, Xime, 1969/70)


Caldas da Rainha > RI 5 > 1968 > O futuro furriel miliciano David Guimarães, de minas e armadilhas [, CARt 2716, Xitole, 1970/72], está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha, no CSM - Curso de Sargentos Milicianos. Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Cunha (Assinalado com um círculo a vermelho).... Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime, que integrava o BART 2917, chegado há poucos meses ao Setor L1 (Bambadinca)

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.



1. Comentário do nosso leitor e camarada José Nascimento, com data de hoje, ao poste P1317 (*);:

Sou o furriel Nascimento,  da CArt 2520 [, Xime, 1969/70], a Companhia que foi rendida pela Companhia do Cunha, a CART 2715 [, Xime, 1970/72]. 


Durante o período de sobreposição estabeleci uma relação de amizade com o Cunha. 

Quando soube da sua morte [, emn 26 de novembro de 1970,] senti uma grande mágoa. 

De vez em quando a sua imagem vem à minha memória. Guardo uma foto dele tirada na tabanca de Amedalai, que quero publicar na nossa Tabanca Grande.


2. Comentário de L.G.:


Numa segunda feira, triste, chuvosa, depois das aulas, depois do tardio jantar, às 22.30, abro a caixa do correio e vejo o teu lacónico comentário a um poste já velho de mais de cinco anos e meio... Senti um estranho arrepio de frio que me atravessou o corpo de uma ponta à outra, ao ler a tua evocação do Cunha.

Parece que ainda estou a vê-lo... O Cunha, o Joaquim de Araújo Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis corpos que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o nosso guia e picador Seco Camarà. A imagem que retenho dele, era de alguém que caíra, exausto, em cima do capim... Quando cheguei à sua beira, ainda lhe dei uma bofetada, sacudindo-o energicamente:
- Acorda, meu sacana!

Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom". Não acredito no céu, mas,  se ele existe, o Cunha e todos os valorosos combatentes, como ele, que eram bons e que eram jovens e que morreram de morte matada, só poderão estar no céu... Nunca esquecerei também a última cerveja que bebi com ele,  às tantas da madrugada, escassas horas antes daquela fatídica emboscada. Ainda hoje não consigo perceber por que é que fomos obrigados, pelo comando de Bambadinca,  a fazer aquela maldita operação, com um nome de código esotérico... Três dias depois da invasão de Conacri!... E sobretudo a razão por que  cometemos erros fatais no seu planeamento e condução...

O Cunha era natural de Outeiro, freguesia de Carreira, concelho de Barcelos. Está sepultado no cemitério local.

Jorge Nascimento, camarada da CART 2520, com quem devemos (a malta da CCAÇ 12)  ter feito algumas operações em conjunto, no Xime, obrigado pelo teu comentário e, antecipadamente, pela foto que nos vai enviar contigo e o Cunha. A que publico acima, é a única que tenho no blogue... Aproveito para te convidar a ingressar na Tabanca Grande,  a que tu e eu chamamos nossa. (***)

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7339: In Memoriam (62): Por quem os sinos dobram hoje, 40 anos depois: Fernando Soares, Joaquim de Araújo Cunha, Manuel da Silva Monteiro, P. Almeida, Rufino Correia de Oliveira e Seco Camará, os bravos do Xime, mortos na Ponta do Inglês (Op Abencerragem Candente) (Luís Graça)


Portugal > Caldas da Rainha > 1968 > O futuro furriel miliciano Guimarães, de minas e armadilhas, está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha. "Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Cunha".... Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970, às 8h50 da manhã, pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime.  O Cunha,  mais quatro camaradas. E mais o nosso guia e picador Seco Camará.  Assisti aos últimos minutos de vida do Cunha e fechei-lhe os olhos. Cinco horas antes tínhamos bebido o último copo, no aquartelamento do Xime.  Nessa época eu estava integrado no 4º Gr Comb da CCAÇ 12.   Simbolicamente, em homenagem aos bravos do Xime, edito este poste exactamente às 8h50 do dia 26 de Novembro de 2010. 40 anos depois... dessa descida ao inferno da guerra no Xime. (LG)

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Legenda do fotógrafo: "O milícia e guia das NT, Seco Camará: 56 minas detectadas e muitas guerras"...

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BART 2917 (1970/72) > Monumento aos mortos do batalhão e unidades adidas (este monumento foi destruído a seguir à independência da Guiné-Bissau).

Quanto aos da CART 2715 (Xime, 1970/72), recordo que assisti aos últimos momentos do Fur Mil Cunha, morto na Op Abencerragem Candente, juntamente com mais 4 militares da sua unidade, além do guia e picador das NT, o Seco Camará, que estava ao serviço da CCAÇ 12 e da CCS do BART 2917. E ajudei a recuperar e a trazer os cadáveres (ou o que restava deles).

Eis os nomes completos dos camaradas da CART 2715, mortos em 26 de Novembro de 1970 Fernando Soares, Sold;  Joaquim de Araújo Cunha, Fur Mil;  Manuel da Silva Monteiro, Sold;  Rufino Correia de Oliveira, Sold; há um camarada cujo nome desconheço (e que não consta da lista dos mortos do ultramar da Liga dos Combatentes, tal como o Secio Camará). Mas por exclusão de partes (em relação ao resto dos mortos do batalhão) só ser o P. Almeida, Sold. (O Alf Mil Op Esp Ribeiro também pertencia à CART 2715 mas morrerá mais tarde, em Ponta Varela, em 3 de Outubro de 1971; o Fur Mil Quaresma pertencia á CART 2716, era amigo e camarada do David Guimarães, morreu na explosão de uma armadilha). O 1º Cabo Ribeiro julgo que pertencia à CCS.

Foto: © Júlio Campos / Sousa de Castro  (2007). Todos os direitos reservados.


Excerto do desenrolar da acção (Op Abencerragem Candente, 25-26 de Novembro de 1970) (*)

(...) Três horas depois, pelas 8.50h, [do dia 26], já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].

Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B, Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro. Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.

É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazooka do 4º GR Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.

0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).

Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as heli-evacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].

Notícias posteriores [ não se indica a fonte...] admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:

(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;

(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;

(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;

(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto. (...) (*)
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6874: Meu pai, meu velho, meu camarada (23): Parabéns a vocês! Luís Henriques e Armando Lopes, 90 anos, uma vida! (Luís Graça)



Portugal > Cadaval > Adão Lobo > 1950 > Equipa de futebol do Sporting Clube Lourinhanense, da Lourinhã, no campo de jogos do Adão Lobo. O segundo da primeira fila, da esquerda para a dierieta, é o meu pai, Luís Henriques, então com 29 anos... Esteve toda a vida ligada ao futebol, quer como jojador quer como dirigente e treinador de futebol das camadas mais jovens... Fez ontem 90  anos... Esta foto foi tirada em 1950, no dia em que o Benfica (seu clube de eleição) ganhou a Taça Latina (pode-se ler-se na legenda da foto... Ao que parece foi o primeiro feito internacional do S.L. Benfica: ganhou à Lázio nas meias-finais e depois ao Bordéus na final)... É também uma homenagem à geração do meu pai para quem o futebol foi uma paixão... Aquiio ficam os seus nomes, que o meu ontem me deu, de memória (!): "De pé, da esquerda para a direita, o filho do Vitor Pedro,  Miranda (Alfaiate), Jorge Tarofa (ou Jorge Serralheiro),  José Costa (que haveria de morrer em Angola), José Miguel, Américo Russo,  Manuel Swing, António Serralheiro; na primeira fila, da esquerda para a direita,  Vitor Pedro, Luís Henriques, António Zé da Graça, Manuel Dias (Néu), Artur Borges, João Borges". E acrescenta o meu pai: "Perdemos 3 a 2. Nesse dioa faltaram três ou quatro dos nossos melhores jogadores: o Gino (ou Higino), o Mário pepe, o Manuel Ferrador, o António Costa"...

Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados


Seleção de futebol da Guiné, em 1954 (?) > "Dos futebolistas na foto, ainda consigo identificar alguns... (...) De pé da esquerda para a direita: Antero Bubo (caboverdiano); o jogador seguinte é guineense, cujo nome me escapa; Armando Lopes (Búfalo Bill, meu pai) (**); o nome dos restantes também me escapa... Agachados: terceiro a contar da esquerda, o guarda redes principal Júlio Almeida (antigo funcionário da granja de Pessubé que trabalhou com Amílcar Cabral e é referenciado como um dos fundadores do PAIGC); quinto atleta, Joazinho Burgo; o último... escapa-me o nome mas sei que é avô do Miguel, da selecção de Portugal... que esteve no Mundial" (Nelson Herbert).

Foto: © Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados



1. Em homenagem ao meu velho (*) que fez ontem 90 anos, um vida! E ao Armando Lopes, o Búfalo Bill, mais novo 4 dias, pai do Nelson Herbert. Ambos estiveram no Mindelo, em 1943, ao mesmo tempo, por alguns dias. Têm em comum Cabo Verde e o Futebol. Não terão jogado futebol juntos, é muito pouco provável... O pai do Nelson entrou para a tropa em 15 de Agosto de 1943.  O meu pai esteve lá entre Julho de 1941 e Setembro de 1943. Não se terão sequer conhecido. Depois de Cabo Verde, sua terra natal, o Armando foi para a Guiné, e lá fez carreira como futebolista e como trabalhador da junta da administração dos portos. Fará 90 anos no próximo dia 23. Parabéns aos dois, por terem chegado até a esta bonita idade... Ao meu foi omtem feita uma festinha de homenagem: tem 4 filhos, 12 netos e 4 bisnetos... (LG)

Na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês
por Luís Graça

Não havia nada
Na antiga estrada
Do Xime-Ponta do Inglês,
Ligando o Geba ao Corubal.

Não havia nada naquele lugar
Que era de tormento,
Àquela hora mortal
Da madrugada.
Nada, onde um homem
Pudesse afogar a sua fome,
Matar a sua sede,
Aliviar o seu sofrimento.

Nem sequer um banco de pedra
Como aquele em que agora me sento,
Frente ao Tejo,
Fresco, límpido, matinal,
E onde alguém escreveu,
Em letra garrafal:
“Amo-te, Marta,
És a razão do meu viver”.

Hoje estou à beira Tejo
E não vou a caminho da Foz do Corubal.
O Tejo corre para o Atlântico,
E o Corubal para o Geba.
Em Lisboa tenho o azul do céu,
Que, dizem, é o azul mais puro do mundo.
No Geba, tenho uma G3,
Tarrafo, lodo, merda,
Dois cantis vazios,
Um céu de bronze,
E mil e uma razões para (sobre)viver.

Nem poderia haver
Nenhum banco de pedra,
Nem nenhum jardim,
Nem nenhuma Marta
À minha espera.
Nem muito menos nenhuma Marta
Que fosse a minha razão de viver.

Quando muito, um fantasma,
Surgido do cacimbo matinal,
Por detrás do baga-baga,
Armado de Kalash!

Não tinha, de resto, razão de viver,
“Raison d’ètre”, diria a minha “copine”,
Se eu fosse refractário,
E tivesse dado o salto para França.

Não tinha nenhuma razão de viver,
Nem de morrer,
Nem de matar,
Não tinha sequer nenhuma razão
Para estar ali, àquela hora.

Não havia nada
Na antiga picada abandonada
Do Xime-Ponta do Inglês.
Nem um “pub” irlandês
Com a ruiva Guiness
A piscar-te olho,
A ti, herói português,
Com um improvável genoma celta.
Nem uma tasca afadistada
Da tua saudosa Lisboa,
Com a perna da morena,
Esbelta,
Lânguida,
A faca na liga,
Deixando antever
Os doces mistérios da sua floresta-galeria.

Não, não havia nada,
Nem uma decrépita gasolineira
Doa filmes do Faraoeste da minha infância,
Onde abastecer a tua Daimler,
Salta pocinhas, minas e armadilhas,
Em que ias de Bambadinca ao Xime
Simplesmente para beber uma cerveja,
Sem escolta nem picagem,
Num jogo de roleta russa.

Nem muito menos a Marta-Mátria,
Republicana e laica,
Verde e rubra,
De busto farto,
De peito feito às balas,
Dando a volta à cabeça dos rapazes,
Dando-lhes tusa,
Na Feira Grande de Setembro:
- Vai mais um tirinho, ó freguês!

Não, não havia nada,
Nem sequer uma simples mulher,
Uma fêmea de bunda larga,
Ou até uma simples mulher polícia sinaleira,
Cata-ventos,
Bailarina,
Redondinha,
Assexuada,
De pelo na venta
E apito na boca,
No cruzamento dos quatro caminhos.

Não, já não vou de G3 em punho,
Em defesa da honra das donzelas
Da minha Pátria.
Chamem-se elas Marta ou Mátria.
Não, já não vou, cego, surdo e mudo,
A correr,
Disposto a morrer,
Com ganas de gritar “Pátria ou Morte!”,
Na velha picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês
Onde não havia nada.
Nem ao menos um tosco espanta-pardais,
Especado no meio do capim,
Em vez do campo de mancarra do fula,
Ou do teu jardim,
Do Éden,
Ou até uma simples seta,
De pau tosco,
A apontar-te a direcção do inferno,
A maldição bíblica do pecado,
Omnipresente,
Obsessivamente eterno.

Havia apenas,
No fim da picada, o inferno.
À minha espera,
À nossa espera.
Às 8h45 da manhã
Do dia 26 de Novembro
De mil novecentos e setenta.
Da era De Cristo.
E Conacri ali tão perto!

O caminho mais curto para o inferno ?
Não o vês ?
A picada, abandonada, do Xime-Ponta do Inglês,
Onde Cristo seguramente nunca parou
Nem amou
Nem penou
Nem sofreu
Nem pecou,
Nem rezou.

O teu Cristo etnocêntrico,
Judeu,
Semita,
Que nem sequer era caucasiano,
E nem muito menos sonhava onde era a Senegâmbia
Nem o Império do Mal(i).

Pensar global,
Sonhar alto,
Agir local,
Meu sacana…
Ou melhor ainda:
Não pensar,
Muito menos sonhar,
Tiro instintivo, a varrer o capim.

Eis a ordem do capitão
Que tem acima o major,
Na sua avioneta,
No seu PCV,
E no topo o general,
O Com-Chefe,
O Caco Baldé,
O Homem Grande de Bissau,
Herr Spínola.

E à frente de todos,
Com o seu inseparável cachimbo,
O Seco Camará,
Seco de carnes,
Velho e valoroso guia das NT,
Pau para toda a obra,
Cão de fila,
Mandinga do Xime,
Herói da minha galeria de heróis,
Verdadeiro líder, etimologicamente falando,
Aquele que vai à frente mostrando o caminho.

Nesta guerra de baixa intensidade,
Não dês vazão ao Tratado das Paixões da Alma.
E por favor poupe, senhor, as munições.
Da NATO.
Dizem que a glória te espera”,
Escreveu um “serial killer”,
Roqueteiro,
Com fama de fazer saltar cabeças a 50 metros,
Ao longo da alameda dos bissilões.
“Vai para casa, tuga,
Que a tua namorada põe-te os cornos”…

Não, não havia nada
Naquela picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês.

Lourinhã, 19 de Agosto de 2010

___________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6096: Meu pai, meu velho, meu camarada (20): Nunca te esqueças de escrever à tua mãe (Juvenal Amado)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6368: O Spínola que eu conheci (20): "Erros graves cometidos do ponto de vista de segurança explicam o êxito da emboscada do IN, em 26/11/1970, na região Xime-Ponta do Inglês [, Op Abencerragem Candente] " (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74), Os Unidos de Mampatá  > Maio de 1974 > Um bigrupo do PAIGC, a caminho de um encontro (desta vez, pacífico) com o pessoal aquartelado em Mampatá.  

Em 26 de Novembro de 1970, por volta das 8h50, no decorrer da Op Abencerragem Candente, a CART 2715 e a CCAÇ 12 sofreram uma violenta emboscada, de que resultaram 6 mortos, 9 feridos graves e um número indeterminado de feridos ligeiros entre as NT... Quinze dias depois, Spínola visita o aquartelamento do Xime (CART 2715) e tece duras críticas ao comando do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Foto: © José Manuel Lopes (Josema)  (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada (alcatroada) Bambadinca - Xime > Chegada ao Xime, em 9 de Março de 1974, da CCAÇ 3491 (Dulombi,  1971/74), para embarque em LDG a caminho de Bissau. A esta companhia pertencia o nosso camarada Luís Dias.  O Xime era a porta de entrada na zona leste...

Foto: ©  Luís Dias  (2008). Direitos reservados. (com a devida vénia...)

Continuação da publicação do Despacho do Com-Chefe, de 7/1/1971, relativo à visita de inspecção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), um documento de 12 páginas (*)



7. Visita a Xime em 12dez70 

- A impressão colhida na inspecção à Companhia do Xime [, CART 2715, ] foi má.

- O Comandante da Companhia  revelou uma muito precária preparação táctica para conduzir a sua subunidade no mato, nomeadamente no que toca a noções elementares de segurança.

Com base na descrição que me foi feita da acção realizada em 26 de Novembro [de 1970]  na região Xime-Ponta do Inglês [, Op Abencerragem Candente,] (**), conclui que o êxito da emboscada do IN se deve fundamentalmente a erros graves cometidos pelos Comandos de Batalhão [na altura o comandante interino era o Major de Artilharia José António Anjos de Carvalho ] e Companhia, do ponto de vista de segurança. Ao primeiro por ter marcado um itinerário a percorrer numa operação,  tirando iniciativa ao Comandante da Companhia, e ao segundo por não se ter deslocado em adequado dispositivo.

É evidente que uma força que se desloca no mato por uma picada [a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês] constitui um objectivo altamente vulnerável para uma emboscada.

Encontrei a Companhia com fraco moral em consequência das baixas sofridas (**), e não encontrei por parte dos Comandos a determinação de cumprir a missão cometida às forças emboscadas. Uma emboscada é um incidente e não pode nunca constituir motivo impeditivo do cumprimento de uma missão.

O Comando do Batalhão deveria ter imediatamente, com reforço ou não, providenciado no sentido de no mais curto prazo de tempo ter sido reconhecida a região de Ponta do Inglês (objectivo da operação). (***).

- O Comando da Companhia [CC] desconhecia a quem competia a responsabilidade da área do Destacamento do Enxalé durante o espaço de tempo em que aquele Destacamento esteve temporariamente dependente do CC; assim como também não teve conhecimento da altura em que cessou aquela responsabilidade.

É incompreensível tal situação.

- O Comandante de Companhia queixou-se que passam barcos de noite no Xime sem que este tenha conhecimento, o que dificulta o cumprimento da sua missão. Este problema deveria já ter sido coordenado pelo Comandante de Batalhão, ou posto superiormente.

- Não tem sido respeitada a orgânica das subunidades.

A Companhia do Xime foi reforçada com 1 Grupo de Combate de Mansambo [CART 2714] que foi desmembrado, ficando o seu Comandante no Xime a comandar uma secção, e tendo sido destacadas para o Enxalé duas Secções. Essa solução carece de lógica e afecta os laços orgânicos.

- Há que averiguar as condições em que está a ser pago,  com carácter permanente, pessoal nativo destinado a “picagem”, pois não é permitida a utilização de pessoal nativo a título permanente (O Tenente-Coronel Robin esclarecerá este assunto).

- A tabanca de Xime não tem chefe. O Comandante do Batalhão já devia ter levantado este problema junto da Administração.

- Verificou-se que a Companhia não emprega minas e armadilhas, especialmente em zonas onde não há população, o que não tem justificação, face à carência de meios disponíveis.

- A população da tabanca [do Xime] encontra-se completamente entregue a si própria, desconhecendo o que terá de fazer em caso de ataque e apresentando as suas armas em estado manifestamente precário de limpeza, nem tão pouco as sabendo utilizar. Não há qualquer plano de defesa da tabanca.

- O Comandante da Companhia desconhecia o plano de tráfego de canoas no Rio Geba, o que é inadmissível. Como é possível controlar o tráfego quando se desconhecem os respectivos condicionamentos (zonas amarela, azul e vermelha) ?

- O plano de defesa do Xime necessita de ser elaborado em novas bases, em ordem a englobar a defesa da tabanca.

- Não está a ser tirado rendimento da mobilidade da Artilharia [, 20º PEL GAC 7, operando o 0bus 10.5, ] que se deve deslocar por entrada para apoiar operações nas zonas nevrálgicas.

-Os abrigos da defesa encontram-se concentradas em determinadas zonas em detrimento de defesa global do quartel e tabanca.

- Não está a ser tirado rendimento da metralhadora Breda que se encontra mal localizada.

- Na missão atribuída à Companhia refere-se que deve colaborar na defesa de Bambadinca. Como ? (pp. 5/8).
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6335: O Spínola que eu conheci (19): "Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em Mansambo" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(**) Desta emboscada  resultaram 6 mortos (quase uma secção inteira, massacrada)  e 9 feridos graves... Os mortos foram o guia e picador da CCS / BART 2917, Seco Camará (natural e residente no Xime, mandinga); e, da CART 2715, o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, 1º Cabo José Manuel Ribeiro, o Sold Fernando Soares, o Sold Manuel da Silva Monteiro e o Sold Rufino Correia de Oliveira. 

(***) Vd. postes de:

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6335: O Spínola que eu conheci (19): "Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em Mansambo" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)



Guiné > Região Leste > Mansambo > CART 2339 (1968/69), Os Viriatos > 1969 > O Humberto Reis, Fur Mil Op Esp, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71),junto ao monumento aos mortos da CART 2339   pertencente ao BCAÇ 2852 (1968/1970), e que foram os construtores de Mansambo.  Em Novembro de 1970, aquando da visita de inspecção do Gen Spínola, a subunidade de quadrícula era a CART 2714, pertencente ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72),  reforçada com um 1 Esq do Pel Mort 2106, e com menos um pelotão (que foi reforçar o Xime).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.









Guiné > Região Leste > Mansambo > CART 2339 (1968/69), Os Viriatos> Fotos Falantes II > S/ legenda > O nosso general adorava andar de helicóptero... Mas possivelmente não nunca terá ido numa simples coluna auto,como esta, na Estrada (?)  Bambadinca- Mansambo - Xitole, na época das chuvas...  O inferno, na terra... 


Fotos: © Torcato Mendonça  (2006). Direitos reservados.


Continuação da publicação do  Despacho do Com-Chefe, de 7/1/1971,  relativo à visita de inspecção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), um documento de 12 páginas (*)


5. Visita a Mansambo em 18Nov70 

- Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em
Mansambo.

Foram notadas as seguintes anomalias:

-O Alferes Comandante interno da Companhia desconhecia em absoluto o plano de defesa, a actuação do IN na área e a própria situação de alguns postos de combate.

- As casernas abrigos apresentam-se totalmente inoperacionais; não há postos de combate nem tão pouco valas.

-As metralhadoras estão mal instaladas e em posições que não lhe permitem tirar rendimento de tiro.

- As bazookas e os morteiros estavam igualmente mal instalados, não se podendo de forma alguma extrair deles rendimento aceitável.

- O plano de fogos de morteiro está deficientemente elaborado. No campo da execução de tiro a ligação telefónica PC/abrigos apresenta-se totalmente inoperante; no interrogatório feito à guarnição depreendeu-se que em caso de ataque o tiro era feito “a olho”, dado que a guarnição não acreditava na eficácia do planeamento.

- Ainda no âmbito da defesa, verificou-se a construção dos balneários à frente dos abrigos, o que elimina totalmente a já precária utilização destes.

- Em resumo: a defesa do aquartelamento está estruturalmente errada na concepção e apresenta-se inoperante na execução.

-No âmbito das instalações do pessoal, verificou-se a existência duma sala de oficiais bem instalada e com requintes de decoração, a contrastar flagrantemente com a acomodação dos soldados. Foi ordenada a imediata resolução deste problema.

Neste particular o comportamento do comando da Companhia revela-se francamente negativo, tanto mais que foi chamada a atenção de todos os Comandos para a constante atenção que deve merecer o bem-estar dos soldados.

- No tocante à alimentação foram detectadas várias deficiências, nomeadamente batatas e frescos estragados (pp. 3/5).


6. Visita a Afiá e Candamã em 18Nov70 (**)

- Estas duas tabancas encontravam-se totalmente abandonadas.

Os respectivos comandantes da milícia responsáveis pela defesa não têm a mais pequena noção do que lhes compete fazer em caso de um ataque organizado. Estas tabancas encontram-se praticamente entregues a si próprias, guarnecidas por pessoal inapto e sem instrução.

- Na revista de armamento, as armas apresentavam-se em péssimas condições de limpeza, pelo que foram retiradas algumas como castigo.

- A rede de amare farpado encontra-se destruída e os campos de tiro tapados com capim.

- Não há abrigos para as populações e os antigos abrigos abatidos não foram reconstruídos.

- Os professores queixam-se da carência de cadernos, esferográficas, lápis, quadros pretos e cola.

-Os comandantes da milícia queixaram-se da falta de catanas para procederem à capinagem; quanto à limpeza de armamento queixaram-se que a Companhia não lhes fornecia óleo para o efeito.

- Em resumo: Estas duas tabancas encontram-se à mercê de ataques IN reunindo as melhores condições para serem totalmente aniquiladas.

Salienta-se que estas duas tabancas já estiveram devidamente instruídas e mentalizadas parta uma eficiente defesa. (p. 5)



[ Revisão / fixação de texto: L.G.]

Próximo ponto > 7. Visita a Xime em 12Dez70

Observ. de L.G.:

 É estranho que, na véspera da Op Mar Verde (invasão de Conacri, em 22 de Novembro de 1970), Spínola ande a fazer "visitas de rotina" em pleno interior do CTIG...

De qualquer modo, depois de 18 de Novembro (visita a Mansambo, Afiá e Candamã), há um interregno... O general volta a zona leste, para estas visitas de inspecção, no dia 12 de Dezembro de 1970 (Xime), Dembataco, Taibatá,  Enxalé, Nhabijões  (a 15), e por fim Amedalai, Finete e Missirá (a 19)... 

Spínola fará, no Xime, duras críticas ao Comando do BART 2917, por causa da violentíssima emboscada que tivemos (a CART 2715, a CAÇ 12 e outras forças) na Ponta do Inglês, causando-nos 6 mortos e 9 feridos graves (Op Abencerragem Candente).


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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6327: O Spínola que eu conheci (17): A visita de inspecção ao Xitole e às tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(**) Tinham cerca de 200 habitantes cada uma. Candamã era a sede do regulado de Corubal.  Mansambo não tinha população, a não ser os guias e as suas famílias.