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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19235: Tabanca Grande (470): Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, cmtd da CART 2715 (Xime, 1970/72), senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 781, no dia em que se comemoram os 48 anos da Op Abencerrragem Candente, em que as NT tiveram 6 mortos e 9 feridos graves na antiga picada da Ponta do Inglês


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea (parcial) da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula... Entre maio de 1970 e março de 1972, era a CART 2715 / BART 2917, comandada até ao fim do ano de 1970 pelo cap art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), que entra agora, a título póstumo, para a Tabanca Grande, sob o nº 781. Infelizmente não temos nenhuma foto dele.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Por lamentável lapso, o nosso camarada Vítor Manuel Amaro dos Santos não entrou, na devida altura, em 2014, para  a Tabanca Grande, como era sua expressa vontade, em vida,  e nossa intenção publicamente manifestada após a sua morte, aos 69 anos. (*)

Recorde-se que o falecido cor art ref, DAF, Vítor Manuel Amaro dos Santos (Lousã, 22/11/1944- Coimbra, 28/2/2014), ex-cmdt da CART 2715 (Xime, 1970/72),  tem 7 referências no nosso blogue. (**). 

Em 2012 falámos ao telefone diversas vezes (a primeira vez, em 13/1/2012) e ele mandou-me diversas mensagens de telemóvel que já transcrevi, em grande parte, no nosso blogue, em que ele me falava do pesadelo do "inferno do Xime" que ainda vivia e procurava defender não apenas o seu bom nome e honra, como militar, mas também a memória dos mortos e feridos da sua companhia (***).

Na altura escrevi em comentário ao poste P9335 (***):

(...) "O Amaro dos Santos como comandante operacional é um camarada nosso, e como tal acima de qualquer crítica (neste blogue)... Tem direito ao seu bom nome: razão porque não faz sentido o seu nome completo figurar, entre parênteses retos, no poste P6368... Foi já retirado, não vinha aliás no documento original (onde é referido apenas como o comandante da CART 2715)...

"Por outro lado, convidei-o para integrar a nossa Tabanca Grande; ficou surpreendido por ele lhe dizer... que "'eu também estava lá', na Op Abencerragem Candente... E que fui um dos homens da CCAÇ 12 que foi à frente da coluna - éramos mais de 250 homens em pleno mato, dois agrupamentos - resgatar os corpos dos nossos infelizes camaradas, o Cunha e mais cinco; um dos nossos homens que trouxe o cadáver do Cunha  às costas, o nosso "bom gigante" Abibo Jau, será fuzilado pelo PAIGC, logo a seguir à independência - creio que em 11 de Março de 1975, se não erro -, juntamente com o comandante da CCAÇ 21, o tenente 'comando' graduado Jamanca... (Correu o boato, entre os homens da CART 2715, que os 'pretos' da CCAÇ 12 se recusaram a socorrer os 'tugas' da CART 2715, o que é falso; eu fui um dos 'pretos' que estive na testa da coluna, logo que acabou o fogo, a socorrer os feridos e a transportar os mortos).

"Um abraço para o Cor Amaro dos Santos... que nunca mais vi desde esse fatídico dia 26/11/1970!" (...)


Em 26 de novembro de 2016, no dia em que se completavam 46 anos da trágica Op Abencerragem Candente (Xime, 25 e 26 de novembro de 1970),  eu escrevi o seguinte, a seu respeito:

(...) "Do Amaro dos Santos, só posso dizer que em combate teve um comportamento heróico. Em contrapartida, como camarada que 'da lei da morte já se libertou', só posso desejar lhe que descanse finalmente em paz. Creio que ele era crente e encontrou na fé algum conforto em vida. Por fim, a sua memória é honrada, por todos nós, aos olhos de todos nós, incluindo a sua família, filhos e netos, e os seus antigos camaradas da CART 2715 e do BART 2917, com a sua integração, a título póstumo, na lista dos membros da Tabanca Grande. (*)

Há tempos deu-me conta que o seu nome não contava, como eu pensava,  da lista alfabética dos membros da Tabanca Grande, publicada na coluna do lado esquerdo do blogue.  Hoje, quando passam 48 anos sobre os trágicos acontecimentos do Xime, e 4 anos e meio sobre a morte do cmdt da CART 2715, eu venho reparar essa lamentável anomalia. Para este camarada não fique na vala comum do esquievimento.

O Vítor Manuel Amaro dos Santos, que esteve na Academia Militar, com outros camaradas nossos, grã-tabanqueiros, como o António J. Pereira da Costa, também da arma de artilharia, passa a figurar na nossa lista, infelizmente a título póstumo, com o nº 781 (****).

Não temos, lamentavelmente, até agora, nenhuma foto de jeito da sua pessoa, quer como civil quer como militar, a não ser uma de grupo. 

Fazemos aqui um apelo, aos camaradas do BART 2917, em geral, e aos da CART 2715, em especial, para que nos façam chegar uma foto, individual, ou em grupo, do nosso Vitor Manuel Amaro ds Santos, que tinha família na Lousã (onde nasceu) e em Coimbra (onde viveu e morreu).  (LG).

____________

Notas do editor:




(**) Mais postes com referência ao nosso camarada Vitor Manuel Amaro dos Santos e à Op Abencerragem Candente:

28 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16768: (De)Caras (62): O Amaro dos Santos [1944-2014] que eu conheci (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


11 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13871: In Memoriam (205): José Fernando de Andrade Rodrigues (Ribeira das Taínhas, Vila Franca do Campo, 1947- Rio de Mouro, Sintra, 2014)... O único açoriano do BART 2917, além do 2º srgt Saúl Ernesto Jesus Silva, e de mim próprio (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)




(****) Último poste da série >  11 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19183: Tabanca Grande (469): Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880 (Angola, 1972 / 74); nosso grã-tabanqueiro, nº 780.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16768: (De)Caras (53): O Amaro dos Santos [1944-2014] que eu conheci (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74), "Os Unidos de Mampatá"  > Maio de 1974 > Um bigrupo do PAIGC, a caminho de um encontro (desta vez, pacífico) com o pessoal aquartelado em Mampatá.

Do outro lado do Rio Corubal, já na região de Bafatá, no setor L1 (Bambadinca), no subsetor do Xime, três anos e meio antes, em 26 de novembro de 1970, por volta das 8h50, no decorrer da Op Abencerragem Candente, a CART 2715 e a CCAÇ 12 sofreram uma violenta emboscada, de que resultaram 6 mortos e 9 feridos graves entre as NT.

Quinze dias depois, Spínola (e os seus "inspetores") visita o aquartelamento do Xime (CART 2715) e tece duras críticas ao comando do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). Na altura o BART 2917 estava a ser alvo de uma inspeção, que se prolongou de 16 de novembro a 19 de dezembro de 1970.

Foto: © José Manuel Lopes (Josema) (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada (alcatroada) Bambadinca - Xime > Chegada ao Xime, em 9 de março de 1974, da CCAÇ 3491 (Dulombi, 1971/74), para embarque em LDG a caminho de Bissau. A esta companhia pertencia o nosso camarada Luís Dias. O Xime era a grande porta de entrada na zona leste...Até ao fim da guerra, o PAIGC manteve, com as NT, um braço de ferro neste subsetor, matendo pressão sobre o Xime e a navegação no Rio Geba Estreito (Xime-Bambadinca). A construção da nova estrada alcatroada Xime-Bambadinca reforçou a importância estratégica desta antiga sede de regulado e posto administrativo...

Foto: © Luís Dias (2008). Todos os direitos reservados. [[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de António José Pereira da Costa 



[António José Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; tem mais de 110 referências no nosso blogue]


Data: 27 de novembro de 2016 às 19:43
Assunto: Uma Foto do Amaro dos Santos


Fui camarada do Amaro dos Santos [, que foi o primeiro comandante da CART 2715, Xime, até à data da sua evacuação, para o HM 241, em 1/1/1971] (*)

Aqui vai a única foto [, de baixíssima resolução,] que me foi possível fazer dele. Foi no dia em que entrei na artilharia, estava ele no 3.º ano e eu no 2.º

Depois encontrei-o na BAC 1,  em Bissau,  em janeiro de 68, quando ele regressava à "Metrópole".

Perguntamos-lhe como era a guerra e a resposta dele foi marcante:
- Eh,  pá,  a guerra,  pá...

E parou à procura das palavras. E não foi capaz de, subalterno a subalterno, dar-nos uma ideia clara do que se passava. E tinha razão.

Depois estivemos juntos no Grupo de Artilharia da Brigada de Stª Margarida (em Leiria).

Nunca falámos dos seus traumas do Xime nem me apercebi que tivesse quaisquer problemas psíquicos.

Um Ab.
TZ

2. Comentário do editor:

Penso que nunca mais voltei a encontrar o Amaro dos Santos, no Xime ou em Bambadinca, depois daquele fatídico dia 26/11/1970. E nunca mais voltei a cruzar-me com ela na vida. Falámos apenas ao telefone, uma meia dúzia de vezes, entre fevereiro e junho de 2012, dois anos antes da sua morte, ocorrida em 28/2/2014.

Nunca o vi sequer à civil, tinha de  Bambadinca e do Xime uma vaga ideia da sua fisionomia. E não esquecerei mais o dia em que ele teve, em Bambadinca, uma discussão com o 2º cmdt do BART 2917,  que o perturbou imensamente e que afetou o moral  de  todos nós... Não ouvi nem assisti a essa discussão, mas chegaram-me ecos, através dos alferes que frequentavam a messe de oficiais. Julgo que essa discussão foi em público. Alegadamente o 2º cmdt tê-lo-à ameçado nos seguiintes termos:"O nosso capitão  Amaro dos Santos vai e torna a ir [à Ponta do Inglês] nem que seja amarrado a uma GMC!"...

Lembro-me, isso, sim,  de ver o Amaro dos Santos, completamente transtornado a entrar na messe de sargentos (que era contígua à nmesse de oficiais), com a malta pronta a sentar-se, e ele lançar um salto de felino sobre as garrafas de vinho que estavam alinhadas para a refeição (, deve ter sido à hora do almoço!)...

Há imagens que não se apagam... Imagine-se o efeito devastador que cenas como esta tinham sobre o moral do pessoal... E, sem o sabermos, tinha acabado de decorrer, em 22 de novembro de 1970, a Op Mar Verde, a invasão de Conacri, na qual participaram os nossos "vizinhos", formados em Fá Mandinga, a 1ª CCmds Africanos... Estávamos todos em "alerta máxima" sem saber a razão... E o subsetor do Xime era "pressuposto" estar desfalcado, em termos de efetivos do PAIGC...

O motivo das mensagens que ele me enviou (e dos telefonemas que eu  lhe fiz, por  minha iniciativa) foi a publicação, no nosso  blogue, de um despacho do Com-chefe,  de 7/1/1971, relativo à visita de inspeção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e às suas subunidades. O documento,  de 12 páginas, incluía uma parte relativa á visita de inspeção do Xime [pp. 5/7], realizada em 12/12/1970, mais de duas semanas depois da Op Abencerragem Candente. Essa inspeção estava a decorrer desde 16 de novembro de 1970...

O Amaro dos Santos pediu-me (e depois exigiu-me, na defesa do seu bom nome e honra) que eu retirasse o poste relativo ao Xime e ao seu comandante, e que omitisse o seu nome em todos os postes. Reagia, assim, "a quente", em 2012, dois anos depois da  publicação desse  despacho (em maio de 2010) (!!!)...

Acabei por retirar esse poste, a título excecional, por entender que estava a agravar o seu sofrimento psíquico. Mas este excerto tem, hoje,  interesse documental, historiográfico, para os amigos e camaradas da Guiné.  e para compreensão da situação operacional do setor L1, nessa época.  Acabámos por repor, em linha, esse poste,

Relendo-o,  sem paixão,  com serenidade, parece-nos  que não viola as nossas regras editoriais. De resto, o documento não fala em nomes mas sim em cargos: o comando do batalhão (BART 2917(, o comandante da companhia (CART 2714, CART 2715)...

Em suma, não posso, hoje, privar os nossos leitores de terem conhecimento do seu conteúdo (que nos chegou às mãos através do Benjamim Durães e do Jorge Cabral). E espero que ninguém mais se sinta eventualmente injustiçado pelas críticas feitas pelos inspetores de Spínola... Entretanto, passaram-se 46 anos, e estes factos pertencem à história e são do domínio público....

O poste P6335 [e não P9335, como era referido pelo Amaro dos Santos, nas mensagens que me enviou], esse, sempre esteve "on line" e é relativo à visita de inspeção a Mansambo [CART 2714] (**), bem, como aos destacamentos de Afiá e Candamá, visita essa realizada em 18/11/1970, portanto, uma semana antes da Op Abencerragem Candente.

 O poste da polémica era o P6368 [11 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6368: O Spínola que eu conheci (20): "Erros graves cometidos do ponto de vista de segurança explicam o êxito da emboscada do IN, em 26/11/1970, na região Xime-Ponta do Inglês" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)].

O poste P6368 foi o único desta série que foi retirado do blogue, em vida do cor art ref Vitor Manuel Amaro dos Santos... [Será reposto em 26/11/2019, por ocasião do 49º aniversário da Op Abencerragem Candente]..  Nesta data, 26/11/2016, reproduzimos o essencial do seu conteúdo, para ficarmos então com o conhecimento integral do documento do Com-Chefe...E convidamos os nossos leitores a fazer a sua apreciação crítica.

Como se percebe, o teor do despacho dá, compreensivelmente, um grande destaque aos erros de planeamento e de comando que levaramr  ao desastre de 26/11/1970.  Faz críticas duras ao comando do BART 2917 mas também não poupa elogios a oficiais subalternos, como o comandante do destacamanto do Enxalé (*).

A visita de inspeção ao Xime faz-se a 12/12/1970, quando o Amaro dos Santos ainda era, formalmente, o cmdt da CART 2715. Tinha acabado de fazer 26 anos, em 18/11/1970. Só será evacuado, por razões de saúde, em 1/1/1971 (primeiro para o HM 241, em Bissau, e depois para a Metrópole).  

Claro que o despacho sobre o Xime é cruel: ninguém (Spínola e os seus inspetores) se apercebe e dá importância ao sofrimento de um comandante operacional que, antes de ser militar, é um homem.

O Amaro dos Santos sentiu-se, mais do que visado, vexado, conforme se deduz das mensagens que me mandou por telemóvel, desenvolvendo a partir daí um complexo persecutório. Repare-se na data das suas mensagens e no seu teor:





Ele, coitado, já não está cá para se "defender" ou "justificar" ou"acrescentar" o que quer que seja... mas também, em 2012, me pareceu emocionalmente muito perturbado para podermos prosseguir um diálogo construtivo baseado nas nossas experiências e memórias...  Recordámos, mesmo assim,  esses tempos, reconstituímos pormenores da emboscada, falámos do blogue, que ele seguia, etc.

Em conclusão, fomos também duas vítimas daquela emboscada. O fatídico dia 26/11/1970 continua a perseguir-me ao fim destes anos todos, como perseguiu o resto da vida do Amaro dos Santos...

Do Amaro dos Santos, só posso dizer que  em combate teve um comportamento heróico. Em contrapartida, como  camarada que "da lei da morte já se libertou",   só posso desejar lhe que descanse finalmente em paz. Creio que ele era crente e encontrou na fé algum conforto em vida. Por fim, a sua memória é honrada, por todos nós, aos olhos de todos nós, incluindo a sua família, filhos e netos, e os seus antigos camaradas da CART 2715 e do BART 2917, com a sua integração, a título póstumo, na lista dos membros da Tabanca Grande




Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea (parcial) da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula...  Entre maio de 1970 e março de 1972, era a CART 2715 / BART 2917, comandada até ao fim do ano de 1970 pelo cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), suibstituído temporariamente pelo alf mil José Fernando de Andrade Rodrigues, açoriano (1947-2014), também nosso grã-tabanqueiro,  nº 671,  a título póstumo.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. Excerto do despacho do Com-Chefe, de 7/1/1971, relativo à visita de inspeção ao BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), um documento de 12 páginas (**)

(...) 7. Visita a Xime em 12dez70 

 [pp. 5/8] [os parênteses retos são da responsabilidade do editor]

- A impressão colhida na inspecção à Companhia do Xime foi má.

- O Comandante da Companhia revelou uma muito precária preparação táctica par conduzir a sua subunidade no mato, nomeadamente no que toca a noções elementares de segurança.


Com base na descrição que me foi feita da acção realizada em 26 de Novembro na região Xime-Ponta do Inglês [, Op Abencerragem Candente] , conclui que o êxito da emboscada do IN se deve fundamentalmente a erros graves cometidos pelos Comandos de Batalhão e Companhia, do ponto de vista de segurança. Ao primeiro por ter marcado um itinerário a percorrer numa operação tirando iniciativa ao Comandante da Companhia, e ao segundo por não se ter deslocado em adequado dispositivo.


É evidente que uma força que se desloca no mato por uma picada [, a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês,] constitui um objectivo altamente vulnerável para uma emboscada.


Encontrei a Companhia com fraco moral em consequência das baixas sofridas (***), e não encontrei por parte dos Comandos a determinação de cumprir a missão cometida às forças emboscadas. Uma emboscada é um incidente e não pode nunca constituir motivo impeditivo do cumprimento de uma missão.


O Comando do Batalhão deveria ter imediatamente, com reforço ou não, providenciado no sentido de no mais curto prazo de tempo ter sido reconhecida a região de Ponta do Inglês (objectivo da operação).


- O Comando da Companhia desconhecia a quem competia a responsabilidade da área do Destacamento do Enxalé durante o espaço de tempo em que aquele Destacamento esteve temporariamente dependente do CC [Comando da Companhia ?]; assim como também não teve conhecimento da altura em que cessou aquela responsabilidade.


É incompreensível tal situação.


- O Comandante de Companhia queixou-se que passam barcos de noite no Xime sem que este tenha conhecimento, o que dificulta o cumprimento da sua missão. Este problema deveria já ter sido coordenado pelo Comandante de Batalhão, ou posto superiormente.


- Não tem sido respeitada a orgânica das subunidades.


A Companhia do Xime foi reforçada com 1 Grupo de Combate de Mansambo [,CART 2714,] que foi desmembrado ficando o seu Comandante no Xime a comandar uma secção, e tendo sido destacadas para o Enxalé duas Secções. Essa solução carece de lógica e afecta os laços orgânicos.



- Há que averiguar as condições em que está a ser pago, com carácter permanente, pessoal nativo destinado a “picagem”, pois não é permitida a utilização de pessoal nativo a título permanente (O Tenente-Coronel Robin esclarecerá este assunto).

- A tabanca de Xime não tem chefe. O Comandante do Batalhão já devia ter levantado este problema junto da Administração.


- Verificou-se que a Companhia não emprega minas e armadilhas, especialmente em zonas onde não há população, o que não tem justificação, face à carência de meios disponíveis.

- A população da tabanca [do Xime] encontra-se completamente entregue a si própria, desconhecendo o que terá de fazer em caso de ataque e apresentando as suas armas em estado manifestamente precário de limpeza, nem tão pouco as sabendo utilizar. Não há qualquer plano de defesa da tabanca.


- O Comandante da Companhia desconhecia o plano de tráfego de canoas no Rio Geba, o que é inadmissível. Como é possível controlar o tráfego quando se desconhecem os respectivos condicionamentos (zonas amarela, azul e vermelha) ?


- O plano de defesa do Xime necessita de ser elaborado em novas bases, em ordem a englobar a defesa da tabanca.


- Não está a ser tirado rendimento da mobilidade da Artilharia [, 20º Pel Art / GAC 7,] que se deve deslocar por entrada para apoiar operações nas zonas nevrálgicas.


-Os abrigos da defesa encontram-se concentradas em determinadas zonas em detrimento de defesa global do quartel e tabanca.


- Não está a ser tirado rendimento da metralhadora Breda que se encontra mal localizada.


- Na missão atribuída à Companhia refere-se que deve colaborar na defesa de Bambadinca. Como ? 

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de  2016 >  Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1946-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

(**) Vd. poste de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6335: O Spínola que eu conheci (19): "Fiquei francamente mal impressionado com a visita à Companhia sediada em Mansambo" (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

Vd. também os restantes postes:

23 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6455: O Spínola que eu conheci (22): Conclusão da visita de inspecção ao BART 2917 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luis Graça)
15 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6396: O Spínola que eu conheci (21): Fiquei com óptima impressão do subalterno Comandante do Destacamento do Enxalé (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

6 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6327: O Spínola que eu conheci (17): A visita de inspecção ao Xitole e às tabancas em autodefesa de Sinchã Madiu, Cambesse e Tangali em 16 de Novembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6326: O Spínola que eu conheci (16): A visita de inspecção ao BART 2917 e suas subunidades, Sector L1, Bambadinca, de 16 de Novembro a 19 de Dezembro de 1970 (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(**) Companhias de quadrícula do BART 2917 (maio de 1970/março de 1972) (comandado pelo ten cor art Domingos Magalhães Filipe e depois pelo ten cor inf João Polidoro Monteiro):.

(i) CART 2714, sita em Mansambo (cmdt: cap art José Manuel da Silva Agordela):

(i) CART 2715, sita no Xime (cmmdts: cap art Vitor Manuel Amaro dos Santos, alf mil art José Fernando de Andrade Rodrigues, cap art Gualberto Magno Passos Marques, cap inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, cap inf José Domingos Ferros de Azevedo)

(iii) CART 2716, sita no Xitole (cmdt: cap mil art Francisco Manuel Espinha de Almeida)


(***) Desta emboscada resultaram 6 mortos (uma secção inteira, massacrada) e 9 feridos graves... Os mortos foram o guia e picador da CCS / BART 2917, Seco Camará (, natural e residente no Xime, mandinga); e, da CART 2715, o Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha, 1º Cabo José Manuel Ribeiro, o Sold Fernando Soares, o Sold Manuel da Silva Monteiro e o Sold Rufino Correia de Oliveira.


(****) Último poste da série > 16 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16726: (De)Caras (61): Um bravo do meu pelotão, o 1.º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos: evocando aqui uma delicada escolta a uma coluna que, em 16 de maio de 1973, foi do Pelundo a Jolmete resgatar 6 cadáveres (Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73)

domingo, 27 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16765: Manuscrito(s) (Luís Graça) (102) : Para ti, camarada, que ainda não sabes que vais morrer, às 8h50 da madrugada do dia 26 de novembro de 1970...

Choro para uma morte anunciada!

por Luís Graça


Em memória 
de todas as vítimas 
da Op Abencerragem Candente,
Xime, 26/11/1970,
ontem, hoje, amanhã; 

em memória do Cunha (1948-1970),
em memória do Amaro dos Santos (1944-2014),
em memória de todos nós, afinal...



Esquecer a Guiné, camarada!,
a salada de atum, cebola e tomate,
que vai ser a tua última ração de combate,
e o copo de vinho verde tinto
que tomas de um trago do teu cantil de fel
e o último cigarro
que partilhas connosco,
nharros de 1ª classe, 
tu,  camarada e amigo, ainda "pira",
que não sabes que vais morrer,
à hora marcada, 
às 8h50…

Um, dois,  três, quatro, cinco, seis homens
vão morrer daqui a três ou quatro horas,
às 8h50,
em vinte e seis de novembro
de mil novecentos e setenta,
no cacimbo da madrugada,
na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês.
Cinco brancos e um preto,
a lotaria da morte, em L,
numa emboscada que é cubana, 
numa roleta que é russa,
com os RPG, amarelos, "made in China"...
O génio da morte que é, afinal,
universal!

Qualquer um de nós, 
que está aqui à volta da mesa,
pode vir a morrer, camaradas,
na próxima hora!, 
galhofas tu,
com um sorriso amarelo,
para exorcizar os teus medos,
os nossos medos coletivos...

Ou nem isso,
um gajo que se preza,
não fala da morte na guerra, 
às 3 horas da madrugada,
no Xime de todas as batalhas,
a caminho do vespeiro da Ponta do Inglês,
indo exatamente pelo mesmo trilho da véspera,
porque não há outro,
e os olhos e os ouvidos e a boca dos irãs do Xime
não estão do teu lado,
pobre tuga,
que vais morrer a cinco mil quilómetros da tua terra,
lá no teu verde Minho, 
tu que nunca mais irás de Barcelos a Viana,
em noite de romaria!

Camaradas, 
qualquer um de nós pode lerpar
na próxima saída para o mato,
ou até com os cornos enfiados no abrigo,
porque há sempre uma hora
para morrer.
De um tiro no coração,
de um roquetada, 
de uma canhoada,
de uma mina antipessoal, 
do despiste de um Unimog,
de um ataque de abelhas assassinas,
da picadela mortal da cobra verde, 
da explosão de uma granada de morteiro
ou até de paludismo cerebral
ou de simples morte súbita,
fulminado por um raio dos irãs irados,
debaixo do poilão onde dormes com a tua bajuda... 

Esquecer a Guiné, camarada!,
o teu jovem capitão de artilharia, 
vinte e tal anos,
acabado de sair da Academia Militar,
que se recusa a sair com os seus homens
para a Ponta do Inglês…
E o safado do segundo comandante do batalhão
que lhe manda dizer, alto e som,
pelo altifalante da parada:
"O nosso capitão vai e torna a ir,
nem que seja a reboque de uma GMC!"...

Esquecer a Guiné, camarada,
nem que seja por uma noite,
por esta noite 
em que um de nós,  quatro,  
que estão aqui à volta desta mesa tosca, 
vai morrer!

O sabor a sangue e a merda
que a vida aqui tem,
aos vinte e poucos verdes anos,
a merda da Guiné,
a merda verde rubra do Xime,
a merda que te cobre o corpo e a alma,
é muito mais do que a merda toda,
das bolanhas, das lalas e do tarrafo

do Geba e do Corubal!
Podes lavar-te todos os dias,
mesmo que não morras amanhã, 
à hora aprazada,
às 8h50,
que essa merda nunca mais te sai,
nunca mais te sairá, 
nunca mais te sairá do corpo e da alma!
Podes até trocar de camuflado,
de bandeira,
arrancar a pele,
trocar a G3 pela Kalash,
venderes a alma ao diabo,
essa merda que te vai matar,
está te entranhada, 
no corpo e na alma, 
até ao tutano!

Quem disse que descansarás em paz, camarada,
e que a terra da tua pátria te será leve ?!

Meu pobre camarada, 
meus bravos camaradas,
meu Deus,
que pedaço de inferno foi este
que nos coube em vida,
nesta terra?!
_____________

sábado, 26 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16764: Efemérides (241): a Op Abencerragem Candente foi há 46 anos: lembrando os nossos mortos, incluindo o Joaquim Araújo Cunha, e evocando aqui a figura do valoroso guia e picador das NT, Seco Camará (Bambadinca), rival do Mancaman Biai (Xime)...



Caldas da Rainha > RI 5 > 1968 > O futuro furriel miliciano David Guimarães, de minas e armadilhas [, CARt 2716, Xitole, 1970/72], está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha, no CSM - Curso de Sargentos Milicianos. Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Joaquim Araújo Cunha (assinalado com um círculo a vermelho).... Era de Viana do Castelo. Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime, que integrava o BART 2917, chegado há poucos meses ao Setor L1 (Bambadinca)

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné > Zona Leste > Xime > CCAÇ 536 (Xime e Bambadinca, 1963/65) >  Manifestação de portuguesismo dos mandingas do Xime, ostentando a bandeira das quinas,,,  "O homem do chapéu colonial era nosso guia e morava junto ao quartel. O mais alto, acho que era o chefe da tabanca. Ia connosco para o mato e, devido à sua altura, salvou-me de morrer afogado numa bolanha perto do Xime, num dia para esquecer."

Segundo o "menino do Xime",  José Carlos Mussá Biai, o picador não era o Seco Camará, que irá mais tarde, em 1969, mudar-se para Bambadinca. O chefe da tabanca era o  tio do Zé Carlos, pai do Mancaman Biai, "rival" do Seco Camará.


Foto (e legenda): © Libério Candeias Lopes (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Carlos Mussá Biai , com data de ontem

Data: 25 de novembro de 2016 às 13:39
 Assunto: Seco Camará e Mancaman Biai


Olá, Luís, viva


Do meu tio Mancamam [Biai]  e sobre aquela época não sei nada, porque,  como sabes,  na altura eu era criança e não entendia nada..., só sei que havia guerra que estava a ceifar vidas, mais nada...

Quanto ao Seco Camará,  do que ouvi dizer, não sei se foi assim ou não, foi ele quem fez falsas denúncias de que havia colaboradores do PAIGC na população de Xime.

Esta foi provavelmente a razão porque os meus irmãos e primos se alistarem no exército, como prova de lealdade,  e que nada do que o Seco dizia era verdadeira.

Também ouvi dizer que ele acusou algumas pessoas de o querem envenenar.

Suponho que foram algumas destas questões que o fizeram mudar-se para Bambadinca, porque ninguém quererá viver numa terrinha como o Xime onde deixou de ter amigos.

Um abraço e bom fim de semana,

Zé Carlos


2. Comentário do editor LG:

Faz hoje 46 anos que o Seco Camará morreu, juntamente com uma secção quase inteira, 5 camaradas da  CART 2715, subunidade de quadrícula do Xime , com seis meses de Guiné, numa operação em que participei, no subsetor do Xime (Op Abencerragem Candente) (*)... 

Foram os 6 primeiros homens abatidos de uma enorme coluna apeada, composta por 2 destacamentos, cada um com 3 grupos de combate, ou seja, no total cerca de 180 homens... Ajudei a recolher os seus restos mortais... alguns tão reduzidos que cabiam embrulhados num dólmen (como foi o caso do Seco Camará)...

Fez connosco (CCAÇ 12) diversas operações ao longo da nossa comissão, fez operações com a CART 2339, do Torcato Mendonça, da CART 2520, do  José Nascimento,  e com outros camaradas que estão aqui na Tabanca Grande, e que passaram pelo Setor L1 em diferentes épocas...

Aquela operação foi-lhe fatal... a ele que tinha guiado milhares e milhares de homens pelas matas do Xime e do Corubal, desde os primeiros anos de guerra, e detectado e levantado dezenas e dezenas de minas... 

Morreu, à roquetada, no dia 26/11/1970...

O seu nome também não consta na lista dos "nossos" mortos (, pelo menos na lista da Liga dos Combatentes)... Um primeiro pensamento que me ocorre, é de espanto e de indignação, esperando que no entanto que isto não tenha passado de um lapso ou de falha da máquina burocrática do exército...

Afinal, o Seco Camará nem sequer era milícia.  Os milícias, por sua vez,  não eram militares, mas foram combatentes... E que combatentes, muitos deles!... O Seco Camará não era nem podia ser um simples civil: era considerado o melhor (ou mais leal) dos nossos guias, e um exímio e corajoso picador. Usava  a farda camuflada do exército português e tinha uma G3 distribuída. 

No  Xime não havia milícias, os outros guias e picadores  não gostavam dele. Daí talvez a sua transferência para Bambandinca, ao tempo ainda da CART 1746 e do BCAÇ 2852.

2. Excertos sobre a figura do picador e guia das nossas tropas, Seco Camará, morto faz hoje 46 anos, no decurso da Op Abencerragem Candente (**), subsetor do Xime, Setor L1 (Bambadinca), em 26/11/1970, 4 dias depois da invasão de Conacri (Op Mar Verde)... Começamos hoje com um apontamento do Torcato Mendonça, alf mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69):


(i) Torcato Mendonça:

(...) A mim contaram-me que esta emboscada pode ter sido um erro de alguém. O furriel Xico Carvalho, da CART 2715, meu amigo do peito, em conversa (ou foi por escrito?),falou-me da morte do Seco Camará, mandinga e um velho amigo de muitas operações por aqueles lados.

Parece ter havido um erro de um graduado... Não sei, e, para o caso, é agora irrelevante. A emboscada, com essas características, tinha o comando de um ou mais internacionalista cubanos. Um deles, precisamente numa nossa destruição, com a CART 1746 ao Poindon fugiu, perdeu o boné com fotos, mas muito,mas muito lamentávelemte levou a cabeça. O Seco, se lhe fosse entregue metade do valor de cada mina detectada e paga justamente pelas NT, era um mandinga rico. (...)

Eu não participei desta operação [, já tinha regressado há à metrópole quase uma no antes]. mas passei muitas vezes por lá [, pelo subsetor do  Xime] e o Seco era meu amigo. Em operações trocávamos a ração de combate... "Rabo de rato, rabo de rato",  dizia ele ao ver a lata de conserva de polvo ou lulas. Eu dizia: "Toma lá sardinhas"... Porco, não,...coisas entre ele e o Alá. (...)


(ii) Excerto do desenrolar da acção (Op Abencerragem Candente, 25-26 de Novembro de 1970)


(...) Três horas depois, pelas 8.50h, [do dia 26], já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].

Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B [CCÇ 12], Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro [Agr C].

Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.

É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazuca do 4º Gr Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.

0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).

Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as helievacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].

Notícias posteriores [ não se indica a fonte...] admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:

(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;

(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;

(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;

(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto. (...) (**)
_________________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de novembro de 2016  >  Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1946-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

(**) Vd. postes de:

26 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10726: A minha CCAÇ 12 (27): Novembro de 1970: a 22, a Op Mar Verde (Conacri), a 26, a Op Abencerragem Camdente (Xime)...(Luís Graça)

11 de maço de 2010 > Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador, Seco Camará

Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 20º Pel Art / BAC 1 > O obus 10.5... Na imagem, o fur mil at inf Arlindo Roda, da CCAÇ 12.



 Guiné > Zona leste > Sector L1 > Xime > Madina Colhido > CART 2520 (1969/70) e CCAÇ 12 (1969/71) > Op Boga Destemida > 9 de fevereiro de 1970 >  A helievacuação de feridos em Madina Colhido, no regresso ao Xime ... 

É uma imagem que se repetia ao longo dos meses, sempre ou quase sempre que havia operações à península da Ponta do Inglês, nomeadamente na época seca.  Como acontecerá em 26/11/1970 (*), já no tempo da CART 2715 / BART 2917, a subunidade de quadrícula do Xime que foi render, em maio de 1970, a CART 2520. Era comandada pelo cap art QP Vitor Manuel Amaro dos Santos, então com 26 anos (acabados de fazer em 22 de novembro)... 

Na Op Abencerragem Candente, que envolveu 3 destacamentos (CART 2714, CART 2715 e CCÇ 12), num total de 8 grupos de combate (c. 250 homens), a CART 2715 e a CCAÇ 12 apanharam uma das mais sangrentas emboscadas na história do subsetor do Xime (e até do setor L1), com 6 mortos e 9 feridos graves. Os mortos foram penosamente transportados até ao Xime, em macas improvisadas, os feridos foram encaminhados para Madina Colhido e dali helievacuados para o HM 241, em Bissau... Não temos fotos desse dia de inferno (**)...

Fotos: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem  enviado por telemóvel ao editor do blogue pelo cor art ref Vitor Manuel Amaro dos Santos (Lousã, 22/11/1944- Coimbra, 28/2/2014), DFA, ex-cmdt da CART 2715 (Xime, 1970/72) (***)... 


É um documento humano extraordinária, escrito dois anos antes  da morte do nosso camarada, que ficou marcado para sempre por este trágico evento. Tive com ele algumas conversas, ao telefone, nem sempre agradáveis, nos primeiros meses de 2012... Ele acompanhava e adorava o nosso blogue mas, no início desse ano,   começou a reagir, negativamente,  a algumas referências à Op Abencerragem Candente e ao facto do seu nome estar associado a esta tragédia.

Temos diversas referências a esta operação, a mais antiga das quais é a do poste P7, de 25 de abril de 2005 (****).

A situação ter-se-á agravado com a publicação, dois anos antes (!),  de um relatório do QG de avaliação do desempenho (segurança, limpeza, disciplina, comando, etc.) do BART 2917 e suas sbunidades de quadrícula e adidas, de que nos fora disponibilizada uma cópia, em suporte digital, pelo Benjamim Durães e pelo Jorge Cabral, se não erro. Como cmdt do Pel Caç Nat 63, o Jorge Cabral também era um dos visados pelos homens do Com-Chefe.

O Amaro dos Santos começou a dar  claros indícios de um patológico complexo de perseguição e vitimização. Acabámos por retirar esse documento, por entendermos que ele violava (ou podia violar) as nossas regras editoriais, ao pôr em causa o comportamento de camaradas nossos que tinham assumido funções de comandantes operacionais, como era o caso do jovem cap art Amaro dos Santos.

Quisemos, além disso, e sobretudo, poupá-lo a mais sofrimento e evitar uma escalada de acusações e até de ameaças, pela parte dele,  e que poderiam configura um caso de "cyberbullying", como diríamos hoje.

Guardei pelo menos 7 mensagens que ele me mandou, por telemóvel, entre 15/2/2012 e 13/6/2012. E entre elas uma, que me tocou muito, por que reveladora da sua sensilidade humama, por ocasião da morte do meu pai, Luís Henriques (1920-2012).

Nunca mais estive com ele depois dessa trágica manhã de 26/11/1970. Em 1/1/1971, ele  deixa o comando da CART 2715, por razões de saúde, sendo evacuado para  o HM 241, em Bissau, e depois para a metrópole. Infelizmente não temos nenhuma foto dele nem temos mais ninguém,  vivo, da sua antiga companhia,  na nossa Tabanca Grande. 

Reconstituimos, várias vezes, ao telefone, esta maldita operação, cuja memória trágica nos perseguia a ambos. Eu recordo hoje, mais uyma vez,  os bravos camaradas que tombaram na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês, na manhã de 26/11/1970, o Cunha, o Ribeiro, o Soares, o Monteiro, o Oliveira e o Camará.

Recordo também aqueles que, como o Amaro dos Santos, viveram (ou têm vivido), toda a vida, "o inferno do Xime". (Há ainda mais dois camaradas da CART 2715 que morreram na zona da Ponta do Inglês em data posterior, .já em 1971, . incluindo um alferes)

Por minha decisão, e como homenagem a título póstumo, o Vitor Manuel Amaro dos Santos entrou,  em 28/2/2014,  para a nossa Tabanca Grande, passando a figurar na lista dos 50 camaradas e amigos da Guiné que. até à data,  "da lei da morte se foram libertando". (LG)



Ando a viver o inferno do Xime [em caixa alta]. 
Minuto a minuto. 
Ambos sofremos isso. 
[Você] sabe tudo [o] que fiz para evitar a tal op[eração]…
Sem a CCAÇ 12 talvez tivesse “acampado” [sic
em Gundague Beafada. 
Não existia estrada [Xime-Ponta do Inglês]…. 
Era tudo mata densa… 
Qual dispositivo [?!].
Aceito que o estado maior do CACO [sic
tenha feito relatório 
[, incriminando-me,
porque não denunciei [a] discussão c[om] Anjos [sic
[, 2º cmdt do BART 2917].

Aliás [a] História[da] Unidade diz 
embos[cada] [na] estrada.
[O] relatório [da] op[eração] 
[foi] feito [por] Anjos e cap[itão] Brito 
[, cmdt da CCAÇ 12]. 

Evacuado [, em 1 janeiro de 1971], fui bode expiatório.
Essa op[eração] alterou para sempre 
[o] meu (des)equilíbrio [sic] psico[lógico].  
Amo a paz e os meus rapazes… 
Choro os mortos. 
Os vivos dão-me amizade  q[ue] muito prezo. 
Também tenho filhos e netos… 
Têm orgulho de mim… 
Os seus de si…


Queria ser seu camarigo [sic]… 
mas de pleno direito! 
Se nada me move 
contra quem viveu comigo tal inferno [sic]… 
Se acha que tenho culpa, 
prossiga firme mas s[em] convicções. 

Até sempre camarigo. 
Um abraço sincero. 
Amaro dos Santos, 
2/3/2012, 
10h50

[Revisão / fixação de texto: LG]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) (1/50000) (pormenor) > As principiais referências toponómicas da subregião do Xime: um triângulo definido pela (i) margem esquerda do Rio Geba (a norte), (ii) a Foz do Rio Corubal (a oeste) e (iii)  a estrada Xime-Bambadinca (a leste): Xime, Ponta Varela, Poindom, Ponta Colhido, Gundagé Beafada, Baio, Buruntoni... e estrada (abandonada) Xime-Ponta do Inglês (destacamanento do Xime, retirado em finais de 1968)...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011)

___________




(****) Vd. poste de 25 de abril de 2005 >  Guiné 63/74 - P7: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16025: Álbum fotográfico do Fernando Andrade Sousa, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) - Parte II: O meu amigo Abibo Jau, o "bom gigante" da CCAÇ 12, fuzilado pelo PAIGC, ainda em 1974


Foto nº 1 > O Fernando Andrade Sousa, junto ao memorial dos mortos de Bambadinca, em plena parada, frente à escola primária. [O sold com auto Manuel Guerreiro Jorge, da CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, morreu na 16/10/1969, numa  mina A/C, seguida de emboscada, quando uma força do Pel Caç Nat 52, comandandada pelo alf mil Mário Beja Santos, regressava a Missirá, ao fim da tarde, com coluna de reabastecimento.



Foto nº 2 > O Abibo Jau e o Fernando Sousa no quartel de Bambadinca, sobranceiro à grande bolanha que se estendia a sul... É a primeira que aparece do Abibo ao fim destes anos todos!


Fotos: © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados.


1. Mais duas fotos que nos mostrou, em Monte Real, no passado dia 16, por ocasião do XI Encontro Nacional da Tabanca Grande, o Fernando Andrade Sousa, o último camarada sentar-se sob o nosso sagradado e mítico poilão, com  o nº 714.

Foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, entre maio de 1969 e março de 1971), e mora na Trofa.   Era seu superior hieráquico o fur mil enf João Carreiro Martins, membro, também ele, da nossa Tabanca Grande.

Na foto nº 2 vê-se, de perfil,  o Abibo Jau (, o gigante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12, fuzilado pelo PAIGC, ainda em 1974, em Madina Colhido, juntamente com o Abdulai Jamanca, cmdt da CCAÇ 21, oriundo da 1ª CCmds Africanos.

2. Comentário do editor LG:

Meu caro Fernando: mais outra foto que me emociona: tu com o Abibo Jau, fula, soldado arvorado nº mec. 82 107 469 Abibo Jau, da 1ª secção, 1º Grupo de Combate, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), grupo de combate de que era comandante o alf mil op esp Francisco Magalhães Moreira, teu vizinho de Santo Tirso, e que eu não vejo desde 1994, desde o nosso primeiro encontro em Fão, Ermesinde.

O Abibo era o nosso bom gigante, um poço de energia!... Era ele que transportava às costas os restos dos nossos mortos ou até os nossos feridos... Estou ainda vê-lo a levar  às costas o cadáver do malogrado Cunha, do meu amigo furriel Cunha. da CART 2715,  cuja seção  foi massacrada no decurso da emboscada que apanhámos, a CCAÇ 12 e a CART 2715,  no decurso da  Op Abencerragem Candente...  Tu estavas lá e eu também, andei a juntar os restos, macabros, dos nossos mortos, alguns dos quais cabiam numa improvisada trouxa que fizemos com os nossos impermeáveis. É uma daquelas cenas da Guiné que ainda me consegue tirar o sono...

Mas o Abibo também era o "nosso torcionário":  ele fazia por nós o "trabalho sujo" de obter informações dos prisioneiros, sob tortura... Nós fomos embora da Guiné, em março de 1971, repressámos a casa e dormimos, hoje, tranquilos (?), em camas com lençóis lavados, e com ar condicionado para climatizar os nossos pesadelos...

É certo que, pelo menos no nosso tempo, travámos alguns dos impulsos de morte do Abibo... Mas, que sei eu ? Ele interrogava os nossos prisioneiros (o Malan Mané, o Jomel Nanquitande, o Festa Na Lona...), e a essas cenas eu poupei-me, nunca assisti (ou não quis assistir) ... Eu e todos (ou quase todos) nós, os milicianos, os "gajos decentes" da CCAÇ 12 e das outras unidades estacionadas em Bambadinca...

Depois de passarem pelo "espremedor" da tropa, os prisioneiros eram entregues à PIDE/DGS de Bafatá... Imagino o pó que os gajos do PAIGC  tinham a militares como o Abibo Jau... O Abibo há muito que apodrece em Madina Colhido. Mas não podemos ignorar ou escamotear que o Abibo foi uma "criatura nossa", uma peça da nossa máquina de repressão... Hoje ele teria ficado livre da tropa: sofria de epilepsia e de elefantíase, tanto quanto me lembro... Tinha ataques frequentes. Era preciso meia dúzia de homens possantes para o segurar. Um dia vi o diagnóstico da doença dele numa ficha médica, no nosso posto clínico, e fiquei indignado; como foi possível dá-lo como apurado para o serviço militar ?

A sua generosidade e a sua bravura mas também o seu  mau génio e o seu corpo de gigante foram postos ao serviço do exército português. Nunca houve um cabrão de um miliciano (médico, alferes, furriel...) ou de um oficial do quadro do exército (civilizado) do meu país (civilizado) que dissesse: "este homem é um doente, não pode ser soldado!"... Eu sabia que algo estava errado no comportamento, bipolar, do Abibo Jau... Simplesmente, também eu me calei... Todos nós gostávamos do lado bom do Abibo, do bom gigante do Abibo...

Na altura, foi uma trágica notícia a que o José Carlos Mussá Biai me deu (**),  confirmando os meus piores receios!... De facto, não era nada que eu não temesse...  Escrevi-lhe na altura: "Fizeste bem, Zé Carlos: é assim, falando - mesmo com o coração apertado - que a gente, tu e nós, o teu povo, os guineenses, os fulas, os mandingas e os demais povos da Guiné, vamos fazendo as contas com passado que nos atormenta, a todos, de uma maneira ou de outra... É assim que vamos exorcizando os nossos fantasmas, libertando-nos dos diabos da floresta"...

Abibo, mais uma vez, paz à tua alma (, tu que eras fula e crente e nosso camarada de armas)!... Que a tua morte não tenha sido totalmente em vão, para que os meninos do Xime e de Madina Colhido e de Bambadinca, livres de todos os pesadelos, possam hoje ouvir contar outras estórias, as dos bons gigantes da floresta, expulsos os diabos que um dia os atormentaram...

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(...) Texto do nosso querido amigo José Carlos Mussá Biai (outrora, o nosso menino do Xime):

Caro Luís:

Acabo de ler depoimentos muito impressionantes que me fizeram recuar a minha infância em Xime, que você e muitos outros tertulianos bem conhecem de outros tempos.

Aquilo que o António Duarte escreveu e que lhe foi transmitido por um estudante guineense no ISEG  (***) é pura verdade.

Eu (com os meus quase 11 anos) e muitos outros, em 1974, vimos os militares do PAIGC, em dois camiões de fabrico russo, um deles completamente tapado de toldo. Passaram por Xime, de manhã, para Madina Cudjido (Colhido, como vocês dizem). Passados uns 30 minutos ouvimos muitos tiros. Só que por volta da hora do almoço ouvimos [dizer] que foram lá fuzilados 8 pessoas. E das pessoas que nós ouvimos que tinham sido fuzilados - não sei se corresponde a verdade ou não - um deles era o tal Abibo Jau (...) que esteve na CCAÇ 12 em Xime. A outra pessoa seria o Tenente Jamanca, da CCAÇ 21 que estava em Bambadinca.

Mas tudo isso não me espanta porque os meus irmãos e primos que cumpriram o serviço militar no exército português, em Farim e depois em Bissau e Bambanbadinca, também foram presos, mas felizmente não lhes aconteceu o pior.

Um abraço, José Carlos Mussá Biai (...)



(***) Vd. poste de  11 de maio de 2006 >  Guiné 63/74 - P745: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

(...) Sou o António Duarte, ex-furriel atirador da CART 3493 e da CCAÇ 12 (...).Tenho escrito muito pouco, porque o tema ainda me incomoda, mas gostava de dar duas notas (...).

A primeira prende-se com o programa [da RTP 1, Órfãos de Pátria, que passou na 3ª feira]. Partilho das opiniões já expressas, traduzidas pela expressão muita parra e pouca uva. Foi pobre na forma e no conteúdo. Foi superficial e não quis ser politicamente incorrecto.

Sem querer alongar-me, gostava de apresentar um exemplo. O programa foca-se exclusivamente nos comandos africanos e, tanto quanto sei, os graduados das CCAÇ africanas, de origem local, foram também fuzilados.

Esta informação foi-me prestada por um estudante guineense, meu contemporâneo no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão (ex-ISE). Referia esse jovem, que era natural de Bafatá, que grande parte dos graduados da CCAÇ 21 foram fuzilados.

Ora, para nós, ex-militares da CCAÇ 12, esta situação toca-nos profundamente, pois em 1973 esta companhia [a CCAÇ 21], que ficou em Bambadinca, comandada pelo Ten Jamanca [ex-comando africano], foi constituída, tendo por base furriéis que eram ex-cabos da CCAÇ 12 (na época colocada no Xime).

Com a ausência de referências aos outros fuzilamentos, fica a ideia de que se tratou de uma mera perseguição aos homens dos Comandos Africanos, o que realmente não foi. Foi muito mais do que isso. (...)

sexta-feira, 7 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12803: Manuscrito(s) (Luís Graça) (24): O inferno do Xime: à memória do Vitor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), ex-cmdt da CART 2715 (Xime, 1970/71)

O inferno 
da antiga picada 
do Xime-Ponta do Inglês




por Luís Graça







À memória do Vitor Manuel Amaro dos Santos  
(22/11/1944-28/2/2014), 
ex-cmdt da CART 2715 (Xime, 1970/71);
e aos nossos bravos camaradas 
Cunha, Ribeiro, Soares, Monteiro, Oliveira e Camará,
caídos em combate, 
na Op Abencerragem Candente, Xime, 
em 26/11/1970.



Não havia nada, na antiga estrada
do Xime-Ponta do Inglês,
ligando o Geba ao Corubal.
Não havia nada naquele lugar
que era de tormento,
àquela hora mortal da madrugada.
Nada, onde um homem
pudesse afogar a sua sede,
matar a sua fome,
aliviar o seu sofrimento,
espantar o seu medo.
Nem sequer um banco de pedra
como aquele em que agora me sento,
frente ao Tejo, 
fresco, límpido, matinal,
e onde alguém escreveu, em letra garrafal: 

Amo-te, Marta, és a razão do meu viver!

Hoje estou à beira Tejo
e não vou a caminho da Foz do Corubal.
O Tejo corre para o Atlântico,
e o Corubal para o Geba.
Em Lisboa tenho o azul do céu,
que é o azul do desejo
e, dizem, o azul mais puro do mundo.
No Geba, tenho uma G3,
tarrafo, lodo, merda,
dois cantis, 

duas granadas,
um céu de bronze,
e mil e uma razões 

para (sobre)viver.


Nem poderia haver
nenhum banco de pedra,
nem nenhum jardim,
nem nenhuma Marta à minha espera.
Nem muito menos nenhuma Marta
que fosse a minha razão de viver.
Quando muito, um fantasma,
surgido do cacimbo matinal,
por detrás do baga-baga, 
armado de Kalash!

Não tinha, de resto, nenhuma razão de viver,
raison d’ètre

diria a minha copine,
se eu fosse refratário, ou desertor,
e tivesse dado o salto para França.
Não tinha nenhuma razão de viver, 

não, senhor,
nem de morrer,
nem de matar,
não tinha sequer nenhuma razão
para estar ali, 
àquela hora.

Não, não havia nada na antiga picada, 
abandonada,
do Xime-Ponta do Inglês.
Nem um pub irlandês
com a ruiva Guiness, delambida,
a piscar-te olho, 
a ti, herói português, 
com um improvável genoma celta.
Nem sequer uma tasca afadistada
da tua saudosa Lisboa da Mouraria,
com a perna da morena, 

 esbelta,
a faca na liga, 
deixando antever, 
lânguida,
os doces mistérios da sua floresta-galeria.

Não, não havia nada,
nem uma decrépita gasolineira
dos filmes do Faroeste da tua infância,
onde abastecer a tua Daimler,
salta pocinhas, minas e armadilhas,
em que ias de Bambadinca ao Xime,
simplesmente para beber uma cerveja,
ou por pura bravata,
noutra estação, 

noutra paragem,
sem escolta nem picagem,
num jogo de roleta russa.
Nem muito menos a Marta-Mátria,
republicana e laica, 
verde e rubra,
de peito feito às balas,
dando a volta à cabeça dos rapazes,
mancebos, 

de viril membro,
em passada a Festa das Sortes,
na Feira Grande de Setembro,
Vai mais um tirinho, ó freguês!

Não, não havia nada,
nem sequer uma simples mulher,
uma fêmea de larga bunda,
ou até uma simples mulher polícia sinaleira,
cata-ventos, 

bailarina,
redondinha, 

assexuada,
de pelo na venta 

e apito na boca,
no cruzamento dos quatro caminhos.

Não, já não vou de G3 em punho,
em defesa da honra das donzelas
da minha Pátria, 
chamem-se elas
Marta ou Mátria!
Não, já não vou, 
cego, surdo e mudo,
a correr, disposto a morrer,
com ganas de gritar Pátria ou Morte!,
na velha picada, abandonada,
do Xime-Ponta do Inglês 

onde não havia nada,
nem ao menos um tosco espanta-pardais,
especado no meio do capim,
em vez do campo de mancarra do fula.
Ou do teu jardim, 

do teu Éden.
Ou até uma simples seta,
de pau tosco,
a apontar a meta,
a apontar-te a direção do inferno,
a maldição bíblica do pecado,
omnipresente, 
obsessivamente eterno.

Havia, apenas, o fim da picada,
o mal absoluto,
o inferno.
À minha espera, 
à nossa espera.
Às 8h45 da manhã 

do dia 26 de Novembro
de mil novecentos e setenta.
Da era de Cristo.
… E Conacri ali tão perto!

O caminho mais curto para o inferno ?
Não o vês, ó bravo soldado português?!,
a picada, abandonada, do Xime-Ponta do Inglês,
onde Cristo seguramente nunca parou
nem amou, 
nem penou,
nem sofreu, 
nem pecou,
nem muito menos rezou.
O teu Cristo etnocêntrico, judeu, semita,
que nem sequer era caucasiano,
e nem muito menos sabia 

onde era a Senegâmbia
ou sequer o Império do Mal(i).

Pensar global, 
sonhar alto, 
agir local,
meu sacana…
Ou melhor ainda: não pensar, 
muito menos sonhar,
tiro instintivo, 

a varrer o capim.
Eis a ordem do capitão 

que tem acima o major,
na sua avioneta, 

no seu PCV,
e no topo o general, 
o Com-Chefe, 
o Caco Baldé,
Herr Spínola, 
o Homem Grande da Guiné.

E à frente de todos,
com o seu inseparável cachimbo,
o Seco Camará, 

seco de carnes, 
velho e valoroso guia das NT,
pau para toda a obra, 
cão rafeiro, 
cão de fila, 
sábio e matreiro,
mandinga do Xime,
herói da minha galeria de heróis,
verdadeiro líder, 
etimologicamente falando,
aquele que vai à frente mostrando o caminho.
E que vai morrer.

Nesta guerra de baixa intensidade,
não dês vazão 

ao Tratado das Paixões da Alma.
E por favor, seus cabrões, poupem-me as munições!
Da NATO!
Dizem que a glória te espera, no mato,
com direito a cruz de guerra com palma!

escreveu um serial killer
roqueteiro,
com fama de fazer saltar cabeças a 50 metros,
ao longo da alameda dos bissilões.
Vai para casa, tuga, 
lá na cidade,
que a Marta, a tua namorada, 
põe-te os cornos!

Não, não havia nada
naquela picada,