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sábado, 31 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14208: Memórias de Copá (4) : Janeiro e Fevereiro de 1974. Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné. (António Rodrigues)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Boruntuma (a minha 1.ª CCAV/BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem:

Caros Camarigos, 


Na sequência do texto publicado neste Blog no passado dia 7 (P 14128) aqui vos deixo mais um pouco das minhas memórias da guerra, como testemunho do que se passou em Copá em Janeiro e Fevereiro de 1974. 


Copá. Janeiro e Fevereiro de 1974.
Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné.

Entretanto Copá continuava calmo desde o dia 7 de Janeiro de 1974 e assim se manteve durante praticamente todo o resto do mês, mas o infernal dia 7 tinha deixado vários estragos, entre os quais os pneus e o depósito de combustível da viatura (única) furados, o que fez com que durante cerca de três semanas não tivéssemos viatura para irmos à água e à lenha, remediávamos com a lenha que se ia arranjando à volta do quartel e a água, ia o pessoal de cada abrigo buscar a sua com latas. 

Mas, um belo dia eu acordei bem disposto e resolvi consertar os furos nos pneus e no depósito, neste último com um taco de madeira certo à feição e a meio da tarde desse dia 31 de Janeiro de 1974 eu tinha o carro pronto a andar e continuava com a mesma boa disposição com que me tinha levantado de manhã. 

Fui para o abrigo e até fiz o serviço do puto, lavei a mesa e os bancos e no fim sentei-me na cama sozinho a pensar numa notícia que dias antes tinha ouvido na rádio do PAIGC e que dizia que, até ao fim do mês Copá seria arrasado, ora aquele era o último dia do mês e pensando nisto de súbito comecei a sentir uma grande tristeza, não sei por que razão, mas o meu coração adivinhava algo de mal. 

Despi a roupa, peguei numa toalha e preparava-me para ir tomar um banho. 

Quando já com a toalha à volta da cintura ia a sair a porta do abrigo, ouço ao longe uma saída de morteiro, que só me deu tempo a atirar-me de barriga para o chão e já estava a rebentar na minha frente. 

Eram cerca das 17h30 e, começava assim mais uma violenta flagelação a Copá com morteiros 120, confirmava-se a tristeza que eu tinha sentido antes, porque durante esse ataque iria acontecer uma coisa trágica e quase inédita na guerra colonial ou pelo menos rara. 

Esta era mais uma flagelação da artilharia do PAIGC a Copá, quebrando a relativa paz de quase um mês, flagelação essa que iria ter a duração de cerca de hora e meia a duas horas, tendo caído dentro do arame farpado perto de 20 granadas felizmente sem consequências. Esta flagelação a Copá, foi desferida a partir de duas bases distintas: a artilharia do PAIGC estava instalada na região da fronteira frente a PANANG R e na região nordeste de Copá, SINCHA JADI. 

Visto que, como prevíamos um ataque em força, pedimos auxílio ao Comandante de Batalhão e este por sua vez pediu-o a Bissau ao Governador-Geral Bettencourt Rodrigues, que imediatamente mandou dois aviões Fiat G-91 em auxílio de Copá. 

Esses aviões tinham naquela altura o nome de código de «Miquel», enquanto Copá se chamava por sua vez «Ex-Rei-Victor» e era por estes nomes que se comunicavam os pilotos dos aviões e o homem das transmissões. 

Logo que os aviões Fiat começaram a sobrevoar a área de Copá, como de costume, o inimigo calou-se, os Pilotos pediram ao homem das transmissões as referências necessárias e prepararam-se com as manobras que entenderam para bombardear o local indicado, um de cada vez, o primeiro sobrevoou o local, depois baixou de altitude e largou a primeira bomba sobre SINCHA JADI, enquanto o segundo se mantinha à distância, mas quando o primeiro descarregou a bomba, começou a ganhar novamente altitude, embora estivesse a acontecer uma coisa estranha, ouviu-se um segundo rebentamento e o avião levava lume na cauda, a determinada altura, quando ele já ia bastante alto, vimos perto dele uma pequenina sombra que nos parecia um pássaro a voar, mas logo de seguida o avião guinou para o lado esquerdo, neste caso para o lado do Senegal e começou de novo a baixar, e nessa altura pensávamos nós em Copá que ele iria largar a segunda bomba numa outra base inimiga, que nos estava a flagelar a partir daquela direcção, (PANANG R) mas era puro engano, o avião ia acabar por se despenhar, talvez próximo ou dentro do território Senegalês a cerca de 3 a 4 Kms de Copá, enquanto o piloto que era a pequena sombra que antes tínhamos visto junto ao avião se tinha ejectado ao aperceber-se que fora atingido por um Míssil Russo (Strela Terra-Ar) e desceu de pára-quedas sem qualquer problema, só que, a área onde ele desceu era perigosa, porque era aquela onde se encontrava o inimigo e distante de Copá cerca de 5 Km. 

Quanto ao avião, ao despenhar-se no solo, provocou uma estrondosa explosão e chamas com uma altura enorme, o que foi com certeza motivo de grande alegria para os homens do PAIGC que acorreram todos para o local da queda e que com aquela acção se deram por satisfeitos naquele dia, tendo terminado por isso aquela flagelação a Copá. 

A queda do avião deu-se por volta das 7 horas da tarde, quase ao anoitecer e o inimigo dirigiu-se imediatamente para o local, pelo que passado pouco tempo era já noite, eles lançaram do local da queda um very-light vermelho, sinal luminoso que nos indicava a presença deles naquele local. O segundo avião Fiat ao aperceber-se do que tinha acontecido ao primeiro abandonou o local a todo o gás na direcção de Bissau e ninguém mais o viu. 

O piloto do avião abatido, veio a descer precisamente no local onde minutos antes tinha largado a bomba e a sorte dele, foi o inimigo ter saído dali para ir ver os destroços do avião, senão talvez tivesse sido feito prisioneiro, mas ele ao ver-se em terra, largou o pára-quedas e talvez desorientado desatou a fugir, mas não se dirigiu a Copá e, no outro dia de manhã ainda ninguém sabia dele, pelo que, nesse mesmo dia de manhã, começaram a chegar a Copá uma série de helicópteros, 2 avionetas e 2 aviões Fiat para fazerem uma busca e tentarem localizar o piloto desaparecido. Nesse conjunto de helicópteros era transportado o famoso Sargento dos Comandos Africanos, de seu nome, Marcelino da Mata e o seu categorizado e célebre grupo de homens por ele treinado e conhecido em toda a Guiné durante a guerra colonial, pela forma corajosa e eficaz como combatiam ao lado das tropas Portuguesas. 

Mas as buscas durante toda a manhã com todo aquele aparato aéreo, tornaram-se infrutíferas e o piloto não apareceu, apenas encontraram o pára-quedas e algumas granadas do PAIGC e, como o homem não aparecia, ao fim da manhã regressaram a Bissau. 

Mas por volta das 5 horas da tarde desse mesmo dia, chegou a Copá uma mensagem que dizia, que o Piloto Tenente Gil (8), tinha aparecido num aquartelamento prós lados de Nova Lamego (soube mais tarde que esse aquartelamento era Piche) e que tinha já contado a história da sua aventura, que era a seguinte: mal chegou a terra começou a andar praticamente sem destino e andou quase toda a noite e no dia seguinte, com a sorte de não ter sido apanhado por ninguém, até que chegou a uma certa povoação e pediu a um homem Africano que o guiasse até ao quartel mais próximo, o que realmente aconteceu e só nesse momento é que ele pode comunicar que estava vivo e livre de perigo e tinha terminado também aquela sua com certeza muito marcante aventura. 

(8) Piloto Tenente, Victor Manuel Castro Gil 




Link do episódio Nº. 17 da Série "A GUERRA" da RTP:
www.rtp.pt/programa/tv/p28097/e17

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323



Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 DE JANEIRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Efemérides (181): Copá – Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)

1. O nosso camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74) enviou-nos o seguinte texto. 

COPÁ – JANEIRO DE 1974

A minha 1ª CCAV / BCAV 8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá. 

Este texto sobre os acontecimentos em Copá no início de Janeiro de 1974 foi retirado das minhas memórias da Guerra na Guiné. 
 
Chegámos ao dia 3 de Janeiro de 1974 e foi um dia mais ou menos calmo como de costume, embora durante a tarde enquanto jogávamos futebol na pista de aviação em Copá, se ouvissem fortes rebentamentos na direcção de Canquelifá, que soubemos depois estava a ser violentamente flagelado com armas pesadas, mas tal era ainda nessa altura o nosso àvontade, que, apesar de ouvirmos tantos rebentamentos e tão próximo de nós mantivemo-nos a jogar à bola no exterior do arame farpado e realmente até ao fim do dia nada de anormal nos aconteceu. Deitamo-nos como de costume cerca das 20h30 ou 21h00, embora ficasse como era normal um homem de sentinela em cada abrigo.

O nosso baptimo de fogo

Eram 23h30 em ponto do dia 3 de Janeiro de 1974, quando o Manuel Vicente Antunes que àquela hora fazia reforço no meu abrigo, gritou, ao mesmo tempo que ouviamos um rebentamento, que saíssemos da cama porque havia perigo, mas não foi necessário o grito do sentinela, pelo menos para mim que ao ouvir o rebentamento saltei imediatamente da cama e vim para ao pé da vala ver o que se passava.

Quase no mesmo momento todos os meus camaradas de abrigo estavam fora da cama e a nossa primeira reacção àquele rebentamento e aos outros que se lhe seguiram, é que seriam rebentamentos do obús 10,5, arma da nossa artilharia instalada em Canquelifá e que estavam a bater a zona depois de terem sido atacados durante a tarde. 



Entretanto, um dos meus camaradas de abrigo foi ao posto de transmissões saber o que na realidade se passava e na verdade de Canquelifá não havia notícias, mas o Alferes que comandava o pelotão de Africanos que já tinha mais experiência do que nós disse-lhe: "Vai avisar os teus camaradas que se previnam que este fogo é de armas inimigas"; e assim estávamos realmente pela primeira vez a ser atacados por armas inimigas e a enfrentar a realidade daquela guerra. Era este o nosso baptismo de fogo. 



As primeiras granadas passavam por cima de Copá e iam rebentar aí a uns 2 Km de distância, entre Copá e Bajocunda, elas vinham bastante alternadas, atiravam 3 morteiradas, deixavam passar dez minutos e voltavam a atirar outras três e assim sucessivamente. Entretanto perante o que estava a acontecer, lembrei-me dum conselho que me tinha dado o Amândio Noversa com a experiência que ele já tinha e que era o seguinte: “Sempre que oiças um rebentamento seja ele de que arma for, atira-te para o chão e tenta abrigar-te porque isso pode valer-te a vida”.



E eu ao lembrar-me disso, fiz precisamente o que devia, meti-me dentro da vala a aguardar o que viria a acontecer, entretanto os rebentamentos continuavam de 10 em 10 minutos e cada vez a aproximarem-se mais do nosso aquartelamento o que nos dava a impressão de o fogo estar a ser comandado por rádio. Enquanto isto acontecia, os restantes meus camaradas que se mantinham fora da vala diziam: "O Rodrigues é um cagão, tem medo a isto só está bem no buraco", palavras não eram ditas e eis que ali junto a nós cai a primeira granada, (pois que elas se tinham vindo a aproximar lentamente) e, ao rebentar, os estilhaços bateram com violência no telhado de chapa do nosso abrigo, foi então que os meus camaradas se abrigaram também na vala convencidos do perigo em que estávamos, e diziam uns: "Ai N.ª Srª de Fátima"; outros, "Ai minha Mãezinha"; e depois diziam todos, o "O Rodrigues sempre tinha razão em se ter protegido porque isto está feio".



Entretanto as bombas continuavam a cair, é curioso que a dada altura duas em cada três granadas caiam ali próximas, mas não rebentavam, entravam na terra a uma profundidade cerca de 5 metros e então dizíamos nós uns para os outros, "Amanhã não vão faltar aí granadas inteiras", dizíamos isto porque era de noite e apenas as ouvíamos cair, mas elas perfuravam a terra e desapareciam pelo chão dentro. 


A dada altura, ainda deste primeiro ataque, as granadas começaram a cair com maior intensidade sobre o abrigo ou posto onde eu me encontrava, a nossa falta de experiência disse-nos naquele momento que devíamos abandonar o posto e irmos para outro menos apoquentado, porque na verdade o abrigo 7 era naquela noite o que estava a ser mais atingido e por isso não hesitamos em nos mudarmos todos para o abrigo 1 que ficava ali mesmo ao lado e ali ficamos à espera do que iria acontecer, uma vez que não dispunhamos de armas com que pudéssemos responder, a arma mais forte que tinhamos era um morteiro 81 cujo alcance máximo, segundo me recordo,  era cerca de 5 Km e a distância a que estava o inimigo era superior, por isso a nossa resposta limitou-se a um ou dois disparos de morteiros. 

O PAIGC continuava entretanto a disparar de 10 em 10 minutos sobre Copá, pelo que só se resolveram a parar eram duas horas da madrugada do dia seguinte, precisamente no momento em que o luar desapareceu, foi aí que o primeiro ataque a Copá desde que lá chegamos terminou. Viemos a saber mais tarde que o destacamento de Copá sempre foi um dos que ao longo da guerra sofreu regularmente fortes flagelações, aliás não era difícil qualquer um de nós encontrar provas mais do que evidentes do que tinha lá acontecido muitas vezes. 

Os Guerrilheiros dispararam nessa noite, sobre Copá, 58 granadas,  mais de metade das quais caíram fora do aquartelamento. 

Felizmente naquela noite não houve problemas de maior, nem sequer o mais leve ferimento, mas a ideia que nos ficou foi que o barulho que fizemos durante a noite da passagem de ano serviu ao inimigo para ponto de referência, que aproveitou para apontar as armas a Copá e depois acabou de acertar, através de rádio, próximo do local. 

Mas o ataque desse dia foi apenas um pequeno aviso, passaram-se os dias 4, 5 e 6 com relativa calma, para o dia 7 marcou-se novamente a coluna que dias antes tinha sido interrompida, mas nesse dia veio mesmo a realizar-se, só que, chegada a meio do percurso (Massacunda Maunde) foi atacada por uma forte emboscada feita nesse local pelo PAIGC. 

Eram cerca das 9.30h da manhã, estava eu e os homens que nesse dia estavam de serviço à água junto ao poço onde tirávamos a água em Copá, a dado momento ouvimos um forte rebentamento na direcção de Massacunda, logo seguido de um enorme tiroteio, lembramo-nos logo que seria a nossa coluna que estava a ser emboscada, ficamos um pouco suspensos e logo um furriel nos chamou e disse que largássemos a água porque tinhamos que ir em socorro dos nossos camaradas. Nós assim fizemos, eu peguei no carro imediatamente e regressamos para dentro do arame farpado, formou-se o pelotão que arrancou imediatamente para o local, em Copá ficamos apenas 5 ou 6 homens mais ou menos,  um por cada abrigo, pois ainda tínhamos connosco mais alguns soldados Africanos.


7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.

Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei. 

Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro [1], os primeiros mortos do meu Batalhão.

Os dois faziam parte do 3.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323, que eu recordo com muita saudade, havia também quase todo o pelotão que fazia segurança à coluna bastante ferido, nomeadamente, o Alferes Santos que o comandava e outro homem com uma perna partida, um outro que acabou por perder uma vista e ainda hoje tem o corpo cravado de estilhaços, para além de duas viaturas Berliet destruídas: a primeira porque accionou a mina anti-carro e o condutor Sousa foi cuspido pelo ar e caiu ao chão, ficou com as partes superiores das pernas pisadas, porque bateu com elas no volante ao ser cuspido e arranhou uma perna ao cair, a sua carga era parte do pessoal que fazia segurança;  a segunda ia carregada de munições de G3 e granadas de morteiro 81 e 60, na cabine desta viatura seguia o Soldado Condutor Abílio Correia Sabino Magalhães e o Rui Patrício mais o Aguiar Ribeiro.

O Correia saltou abaixo sem problemas, mas nesse mesmo momento os outros dois camaradas já tinham sido atingidos com um tiro, o Rui Patrício ainda desceu da viatura e disse ao Correia que ia morrer, o que aconteceu naquele preciso momento, o Aguiar Ribeiro já ferido abrigou-se debaixo da Berliet que entretanto começou a explodir as munições que trazia tendo ficado reduzida a um monte de ferros espalhados pela picada, o que deu origem a que o Aguiar Ribeiro morresse completamente calcinado pelo fogo, pois que para além das munições começarem a explodir, o PAIGC ainda continuou a atacar durante bastante tempo, tendo usado Minas Anti-Carro e Anti-Pessoais, RPG2, RPG7 Morteiros e armas automáticas. 

Para além dos mortos e feridos e das referidas viaturas, destruíram o dinheiro que seguia nessa coluna para pagamento do anterior mês de Dezembro a todos os militares Europeus e Africanos que se encontravam em Copá, foi ainda destruído todo o correio destinado a Copá, que incluía os postais de Boas Festas e lembranças dos nossos Familiares que, dadas as circunstâncias não chegaram a tempo do Natal e tendo sido ali destruídas não pudemos recebê-las. 

Para socorro dos camaradas que sofreram a emboscada, para além do Grupo de Combate de Copá, partiu de Bajocunda mais um Grupo de Combate da 1.ª CCAV / BCAV 8323 e de Pirada,  comandados pelo próprio Comandante de Batalhão, partiram mais 2 Grupos de Combate da 3.ª CCAV / BCAV. 


Estas forças de socorro levantaram 6 minas antipessoais e destruíram 1, levantaram uma Anti-carro, tendo recolhido a Bajocunda e a Copá respectivamente pelas 20h00.


Guiné > Zona leste > Pirada > Copá > 1.ª CCAV/ BCAV 8323 (1973/74) > Berliet destruída pro mina A/C na emboscada de 7 de janeiro de 1974 na picada Copá-Bajocunda. Foto de António Rodrigues. Cortesia do blogue da Associação dos Combatentes do Concelho de Arganil.
Foto: © António Rodrigues. (2013). Todos os direitos reservados.


Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens

Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.

Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms. 



Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens. 



Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabia-mos onde protegê-las. 

Mas o ataque do PAIGC continuava, agora já noite e com as chamas a servirem-lhe de alvo, mas nós continuavamos sem capacidade de resposta, porque eles estavam a grande distância e as nossas munições eram muito poucas para se gastarem inutilmente, dispunhamos apenas de umas 18 a 20 granadas de morteiro 81, algumas de morteiro 60 e talvez pouco mais de uma dúzia de granadas de mão, que viriam a ser lançadas de dilagramas [2], mas a artilharia do PAIGC não parava o seu ataque e vimo-nos forçados a pedir auxílio a Bissau, que nos mandou um avião Dakota que começou a sobrevoar Copá eram 22h20 da noite, altura em que a artilharia do PAIGC parou com o fogo, tinham decorrido 5 horas e 20 minutos seguidos, que nós aguentamos debaixo de fogo intenso e violento. 

Entretanto os estilhaços das bombas tinham rebentado os fios da iluminação eléctrica, visto que tinhamos um gerador próprio e como era de noite o avião não tinha qualquer sinal para nos localizar, então através do rádio o piloto falou para o nosso posto de transmissão e perguntou qual a localização do inimigo, no que foi mais ou menos informado, depois o piloto pediu para lhe fazermos um sinal que consistia no seguinte: como junto das cantinas existiam sempre uns bidões com garrafas de cerveja vazias, utilizamos essas garrafas para fazer uma grande cruz no centro de Copá e enchemo-las com gasóleo, pusemos-lhes uma torcida de pano e acendemo-las de seguida e assim o piloto já nos podia detectar facilmente além de que, esse mesmo sinal lhe servia também de ponto de referência para a partir dali localizar o inimigo. 

Feito isto e já sem se ouvir o mais pequeno ruído do inimigo, (porque este, mal ouviu o ruído do avião calou-se imediatamente),  o piloto do Dakota tentou localizar o melhor possível a base do PAIGC naquela noite e quando entendeu que estava sobre ela começou a despejar bombas e manteve-se por ali durante cerca de mais de meia hora, espaço de tempo em que nos mantivemos relativamente calmos porque o fogo tinha parado. O avião regressou à base cerca das 23h00. O resultado do bombardeamento do avião deixou-me as maiores dúvidas, porque de noite todos os gatos são pardos. 

Mas o PAIGC, ao emboscar nesse mesmo dia de manhã a coluna que nos vinha abastecer de munições e ao atacar em massa Copá nesse dia à tarde apanhando-nos quase desarmados, tinha feito uma acção muito bem planeada e em grande escala, jogava forte na conquista de Copá nesse dia. 

Mas mais uma surpresa estava para acontecer, nessa mesma noite aconteceu uma coisa bastante curiosa para nós, o inimigo não satisfeito com o resultado do ataque que tinha terminado minutos antes, ou talvez pensando que estaríamos quase todos mortos, ao aperceber-se que ia ser bombardeado pelo nosso avião, em vez de se retirar para o interior do Senegal, que ficava ali muito próximo e donde provavelmente eles se tinham deslocado, usou uma táctica inesperada, como era noite escura e se podiam deslocar à vontade sem serem vistos pelo avião, saíram do local onde se encontravam e deslocaram-se para junto do nosso aquartelamento, pois sabiam que assim estavam em melhor segurança em relação ao avião, e mal o avião partiu e se foi embora, eram cerca das 23 horas, começamos a ouvir fortes ruídos de motores a trabalhar, dava-nos ideia de serem viaturas que se dirigiam a Copá e a sê-lo àquela hora, eram com certeza do inimigo. 

Entretanto quase todos os meus camaradas do Abrigo 7 se foram deitar, pois todos estávamos bastante cansados, mas eu ao ouvir todo aquele estranho ruído tinha um pressentimento de que as coisas ainda não tinham terminado nesse dia e então decidi ficar a pé e fazer companhia ao sentinela, até ver o que ia acontecer. 

Devo dizer que debaixo do bombardeamento que sofremos nessa tarde não sofremos o mais pequeno ferimento em ninguém, por isso tenho que acreditar que tínhamos Deus do nosso lado, até porque quando estávamos debaixo de fogo quase todos nós rezávamos uma oração, principalmente o terço a Nossa Senhora, eu sentia bem essa protecção a cada momento. São situações tão aflitivas e angustiantes, em que esperamos a morte a cada segundo que passa que, mesmo os não crentes se juntavam a quem rezava. 

Enquanto nessa noite de 7 de Janeiro de 1974, eu esperava pelo resto dos acontecimentos, o que fiz foi rezar mais uma oração a Deus Nosso Senhor, que nos protegesse a todos do que poderia ainda acontecer naquela noite, ainda por cima éramos tão poucos, com a deserção dos Africanos durante aquela tarde estavamos reduzidos a 29 no total. 

Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado,  com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo. 

Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. 

Mas agora a coisa mudava de figura, ainda estavamos todos vivos e de saúde e por isso, como estavamos frente ao inimigo, apesar das armas de que dispunhamos continuarem a ser de capacidade inferior às deles e um número reduzido de munições, iríamos aplicar o melhor das nossas forças para lhe darmos resposta adequada e tentar defender a nossa posição e principalmente a nossa integridade física.





Esquisso de Copá, comas posições das NT e do PAIGC. Autor: António Rodrigues

Uma das primeiras coisas que fizemos a mando de um Furriel, foi lançar uma granada de bazuca do tipo iluminante, que na realidade por uns momentos ilumina tudo por onde passa, o que nos permitiu ver claramente a posição do inimigo e nos ajudou a cumprir a nossa missão com a maior objectividade possível.

Começamos então a disparar na direcção adequada dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além das metralhadoras Breda, HK-21 e G3, a luta era quase corpo a corpo e muito renhida e a secção que estava do lado norte, apoiada pelo blindado, este estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento, onde progrediu cerca de dez metros para dentro do arame e é aqui que o meu camarada Antunes, acompanhado do 1.º Cabo João Ribeiro, se enchem de coragem, pegam em meia dúzia de granadas de morteiro 60, saltam para fora da vala debaixo de fogo e atiram-nas todas, sobre-o blindado que tentava entrar e que o terá feito recuar, não sei se por acção dessas granadas que não teriam grande efeito sobre tal arma, mas o certo é que quem o comandava resolveu iniciar a retirada naquele momento, mas a confusão era enorme e não sabíamos bem o que se passava com o restante do nosso pessoal, a dado momento aproximou-se do nosso abrigo o Demba, (um soldado Africano do nosso exército que ia em fuga para o Senegal, era o ultimo deles a abandonar-nos) que nos disse que o Alferes Brás já estava preso e nós ficamos ainda mais baralhados e confusos e dissemos até uns para os outros, se calhar esta noite vamos ser feitos prisioneiros do PAIGC, mas felizmente o Alferes Brás ainda não estava preso (e nunca chegou a estar) confirmamos isso quando pouco depois ele gritou em voz alta como costumava fazer, perguntando lá do seu posto, “EI PESSOAL ESTÁ TUDO VIVO ?”

Era verdade, estavamos todos vivos e ninguém com a ajuda de Deus estava ferido, aguentamos o resto daquela hora infernal de tiros e granadas sobre as nossas cabeças, continuamos a defender-nos principalmente através de dilagramas e morteiro 81, este último teve papel importante nessa noite, cujo artilheiro o tirou do tripé (e cujo prato se partiu ao fim dos primeiros disparos) para o poder manobrar da melhor maneira (o próprio Alferes Manuel Brás ajudou a segurar no tubo já quente do morteiro com ajuda de uns panos para não queimar as mãos) e foi esse morteiro 81 que veio a causar os maiores problemas ao inimigo, que ao fim de 1 hora e 5 minutos, teve que retirar, possivelmente com alguns mortos. [3]

Em Copá ficavam enormes incêndios com tudo a arder em grandes chamas e nós os militares e população tinhamos vivido horas amargas e terríveis nesse dia e noite de 7 de Janeiro de 1974 que jamais eu poderei esquecer. 

O PAIGC, esse, não conseguiu os objectivos a que se tinha proposto, ao cortar-nos de manhã o abastecimento a Copá e ao atacar-nos à tarde em massa, o seu plano em parte tinha falhado. 

Era 1 hora e 15 minutos do dia 8 de Janeiro de 1974 quando o tiroteio acabou e pudemos então descansar um pouco. No dia seguinte de manhã, fomos passar reconhecimento fora do arame farpado e verificamos melhor o que na realidade tínhamos provocado ao inimigo, vimos a entrada que realmente o blindado abriu no arame farpado e numa das secções, junto ao poço de água da pista de aviação, teriam tombado pelo menos dois homens, visto que aí haviam duas postas de sangue separadas por um metro de distância e tinham colados alguns dos muitos invólucros das muitas munições que já tinham disparado (tinham o aspecto de uma Pisa).

A meio da distância entre os dois e cerca de um metro atrás, rebentou uma granada do nosso morteiro 81, o que com certeza terá ferido os homens daquela secção e eles tombaram sobre os invólucros que tinham à sua volta, mas encontramos ainda um carregador e caixas de munições da KALASHNIKOV, maços de tabaco e bonés, mas haviam mais sinais, o blindado que apoiava a artilharia lá mais atrás, tinha vindo socorrer os feridos de que atrás falei, mas como nós insistimos a fazer fogo com as nossas armas, mesmo sabendo que eles estavam em retirada, esse blindado não conseguiu chegar perto dos feridos, pelo que estes foram levados de rastos até ao carro, mas vendo-se atrapalhados não conseguiram meter os feridos logo no carro, pelo que este começou a retirar de marcha atrás sobre o mesmo rodado, enquanto o carreiro que os corpos de rastos marcavam continuava a par do rodado, até que conseguiram carregá-los. 

Entretanto durante todo esse fogo nenhum dos nossos homens ficou ferido,  graças a Deus. 

A todos os possíveis leitores do relato deste episódio da Guerra na Guiné, abraço com amizade e peço desculpa pela pobreza da minha escrita porque, de facto este não é o meu mister mas penso que me faço entender. 
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[1] O Soldado Rui Silveira Patrício era natural de Stª. Margarida – Conceição do Concelho da Covilhã (encontra-se sepultado no Cemitério Concelhio no talhão dos Combatentes) … O 1º. Cabo António Aguiar Ribeiro era natural de Orca, Concelho do Fundão (encontra-se sepultado no Cemitério de Martianas na freguesia natal) 

[2] Granadas de mão lançadas pela Espingarda Automática G3 com munição própria.

[3] Em 2009 soube por um jornalista que se deslocou em 2007 a Copá na Guiné e falou com ex-guerrilheiros, que lhes disseram que, nessa noite entre outros, lhes matamos o comandante da operação.

Foto 1 - Junto ao poço de Copá 

Foto 2 - Junto ao poço de Copá 

Foto 3 - Junto ao poço de Copá

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74)

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 

[Subtítulos da responsabilidade do editor]
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14103: A minha máquina fotográfica (17): Comprei uma Canon no navio "Timor" e andei com ela muitas vezes no mato... Tirou centenas de fotos e "slides" (que mandava para a Alemanha, para revelar) (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970)



Foto nº 1 > A minha Canon ou parecida... (Foto retirada da Net, com a devida vénia)



Foto nº 2 > Na psico em Paunca


Foto nº 3 > Na suite do Ali Babá em Gabu (Nova Lamego)


Foto nº 4 > Casino, hotel, resort de Contuboel


Foto nº5 > Entrada da Villa Country Club de Canquelifá



Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem do Abílio Duarte [, ex-fur mil,CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970,] com data de 20 de dezembro último;


Olá, Luís,

Entrando na tertúlia das máquinas fotográficas (*), não quero deixar de deixar algumas palavras sobre a minha CANON.

Comprei-a a bordo do navio que nos levou á Guiné, o "Timor", e que me acompanhou em toda a comissão, tendo ido muitas vezes para o mato.

Foi a minha 1ª camera, que me despertou muito para a actividade de fotágrafo, e com ela tirei centenas de fotos e slides. Aprendi o que era abertura vs velocidade, grandes planos, campo de profundidade etc.

Era uma máquina bastante resistente e tinha um bom estojo, que a salvou de muitas quedas, e apanhou bastantes chuvadas.Tive-a até bastante tempo depois de regressar, mas um dia caiu e já não teve conserto, para tristeza minha.



O T/T Timor. navio de carga e passageiros, c. 7.7 mil toneladas 
de arqueação bruta e c. 130 m de comprimento, e capacidade 
para um total de 387 passageiros. Armador: 
Companhia Nacional de Navegação, Lisboa 
Fui á Net, e encontrei uma foto da camara,
que envio, assim como outras, que como aquelas
que enviei anteriormente, foram tiradas pela mesma.

Uma coisa que estranhei, quando estava na Guiné, é que quando mandava slides para revelar,  para a Alemanha, nunca me desapareceu nenhum rolo, o que na altura me deixava bastante satisfeito.

Desejo-te umas BOAS FESTAS e FELIZ NATAL, assim como a todos os periquitos desta GRANDE TABANCA.

Só para memória futura, cheguei a Portugal em 22.12.1970, pelo que faz 44 anos que acabei a minha comissão, e o que eu passei para poder 
passar o Natal de 1970, já com a família.

Um Grande Abraço, Abílio Duarte

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domingo, 20 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13419: Efemérides (165): Faz hoje 44 anos que o meu soldado e camarada Aladje Silá, natural da região do Boé, pisou a fatídica mina A/P, à minha frente, à entrada da tabanca de Sinchã Molele, no subsetor de Paunca (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11)




Guiné > Zona Leste > Setor L6 (Pirada) > Paunca > CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche,  Paunca, 1969/70) > Foto da secção do fur mil Abílio Duarte, com o Aladje Silá, em primeiro plano, assinalado com um círculo a vermelho. O Duarte está por detrás dele, de pé, a arma ao ombro. Recorde-se que a CART 11 / CCAÇ 11 era formada por soldados de 2ª linha, provenientes da evacuação de Madina do Boé, Cheche e Beli, ao sul do Rio Corubal. O Abílio Duarte integra a nossa Tabanca Grande desde 27/8/2010.

Foto: © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.)


1. Mensagem,. de 12 do corrente,  de Abílio Duarte 
[ex-fur mil art, CART 2479 (que em janeiro de  1970 deu origem à CART 11, Os Lacraus, que por sua vez em junho de 1972 passou a designar-se CCAÇ 11), Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70; bancário reformado; foto atual à diireita]


Olá, Luís,

No próximo dia 20, passa mais um ano (faz 44 anos!) do fatídico dia em que faleceu o meu companheiro de muitos dias e noites vividos nas matas do leste da Guiné.

Quero neste momento recordar o ser humano, não um mais número nas estatísticas, apesar de o seu nome estar gravado no monumento aos mortos da Guerra Colonial [, em Belém, Lisboa,]  e por isso não será esquecido.

Lidei com ele durante muitos meses, desde a recruta, até aquele desgraçado dia.

Junto remeto a folha da história da minha companhia que relata o acontecimento, e fotos dele, e dos sítios onde nasceu e faleceu.

Não quero deixar de dar a minha explicação para o que aconteceu, pois estava bastante próximo.

Quando o Pelotão se aproximou da tabanca em causa [, Sinchã Molele, a noroeste de Paunca.], era já bastante de noite, mas estava uma noite de luar, que parecia que a tabanca estava debaixo de um holofote.

Entre a mata onde estávamos instalados e a tabanca havia um campo de cultivo de mancarra, o que dificultava a entrada para a mesma, pois era a céu aberto e muito iluminada. Na altura,  o Pelotão era chefiado pelo furriel Cândido Cunha, pois julgo que o Alf Martins estava de férias. Foi decidido enviar alguém que fizesse o reconhecimento do que se passava, e para isso foi lá o guia que nos acompanhava. Ele voltou e comunicou que não havia inimigo e só pessoas feridas.

Então o pelotão preparou-se para entrar na tabanca, em fila com alguma distância entre os militares. Eu era o terceiro elemento depois do guia e do Aladje.

Quando estávamos a chegar à abertura da paliçada , cujo trilho nos conduzia, apareceu um elemento da tabanca, aos gritos e a chamar a nossa atenção.

Aproximei-me do Aladje e disse-lhe;
- Aladje,  vê lá o que o homem quer... 

 Pum!!!... Foi um momento que não consigo esquecer. O que o homem estava a tentar fazer era para nos alertar que o trilho estava minado, o que foi demasiado tarde.

Depois do estrondo, da chama e do pó que se levantou, ninguém no momento sabia o que se estava a passar, se era emboscada, morteiro, confusão.

Só quem passa por elas é que pode explicar, se é que consegue, em momentos como aqueles. E assim se perdeu uma vida. Paz à  sua alma, e que Alá o guarde.

O Aladje era natural de uma tabanca perto de Che Che [, a sudeste,  junto ao Rio Corubal, na estrada para Madina do Boé,], chamada Marià, e faleceu em Sinchã Molele.

 [...] Não te incomodo mais, e mais uma vez os meus agradecimentos pela existência do Blog.

Um Abraço
Abílio Duarte



Guiné  > Zona leste > Região de Gabu > CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) >  Algures no mato:  O fur mil art Abílio Duarte, com soldados do seu pelotão.



O Sold Aladje Silá foi um dos mortos da CART 2479 / CART  11 que se formou, em Contuboel, na mesma altura da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12. O seu nome figura no mural com os nomes dos mortos na guerras do ultramar, no Monumento aos Combatentes do Ultramar, no forte do Bom Sucesso, Belém, Lisboa. Morreu a 21/7/1970. Está sepultado no cemitério fula de Nova Lamego.

Fotos: © Abílio Duarte (2010). Todos os direitos reservados. (Edição:  L.G.)




CART 2479 / CART 1969/71) > História da unidade - Cap II -Pág 70



Carta da província da Guiné > 1961 > Escala 1/500 mil > Zona leste > Região do Boé >  Posição relativa da tabanca de Mária, no triânguilo, Ché Ché - Madina do Boé - Belel. O Aladje Silá era natural daqui.


Carta da província da Guiné > 1961 > Escala 1/500 mil > Zona leste > Região de Gabu > Posição relativa de Paunca, tendo a noroeste Sinchã Molele, e a nordeste Pirada (junto à fronteira com o Senegal). Foi em Sinchã Molele que morreu o Aladje Silá, em 21/7/1970, sequência de uma mina A/P accionada na noite de 20/7/1970. Ficou também ferido, mas sem gravidade, o Abílio Duarte.

Infografia: © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. (Edição:  L.G.)
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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13399: Efemérides (164): O Ramadão de 1970 em Paunca (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11, Os Lacraus, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13399: Efemérides (164): O Ramadão de 1970 em Paunca (Abílio Duarte, ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11, Os Lacraus, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)









Guiné > Zona Leste > Setor L6 (Pirada) > Paunca >  CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/71) > Cerimónia do Ramadão de 1970 em Paunca. Nesse ano o Ramadão começou a 31 de outubro e terminou a 30 de novembro.

Fotos: © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. (Edição:  L.G.)

1. Está a decorrer desde 29 de junho e vai  até 28 de julho, no mundo ilsâmico, a festa do Ramadão, o  nono mês do calendário muçulmano, durante  o qual os crentes praticam o seu jejum ritual,   um dos cinco pilares do Islão.

A palavra Ramadão vem do árabe "ramida", “ser ardente”,  palavra talvez associada ao facto de o Islão ter celebrado este jejum pela primeira vez no período mais quente do ano. Em termos simples, para um crente é um tempo cracterizado por : (i)  renovação da fé; (ii) prática mais intensa da caridade; (iii) vivência profunda da fraternidade; (iv) reforço  dos valores da vida familiar; (v) aior proximidade aos valores sagrados; (vi) leitura mais assídua do Alcorão; (vii)  freqüência da mesquita; (viii) correção pessoal e autodomínio.

No Alcorão, é  o único mês  que vem mencionado pelo nome. É o  mês em que foi revelado o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.

Durante a guerra colonial, os preceitos deste mês (e nomeadamente o jejum durante o dia)  era escrupulosamente respeitado pelos nossos soldados muçulmanos do recrutamente local, e pelas milícias, e muito possivelmente pelos guerrilheiros do PAIGC que eram islamizados (caso dos beafadas, mandingas, fulas, nalus, balantas manés...). Mas em geral os nossos graduados (a começar pelos oficiais) não tinham grande sensibilidade para o problema, e sobretudo para o potencial conflito entre a exigências da atividade operacional e as restrições alimentares impostas pelo  Ramadão.

Na CCAÇ 12, o jejum era respeitado, tanto quanto me lembro pelos nossos soldados. Ainda este ano, durante o Campeonato Mundial de Futebol, se levantou de novo a polémica sobre a religião e o futebol, a propósito da seleção nacional argelina de futebol, por causa da imposição do jejum durante o Ramadão, incompatível, em princípio, com a prática da alta competição desportiva.

2. Publicam-se em cima fotos do Ramadão de 1970,  em Paunca, na zona leste,, uma ceriomónia que era seguida à distância, com respeito e curiosidade, pelos militares portugueses metropolitanos.

As fotos são do Abilio Duarte [ex-fur mil art, CART 2479 (que em janeiro de 1970 deu origem à CART 11, Os Lacraus, que por sua vez em junho de 1972 passou a designar-se CCAÇ 11), Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70; bancário reformado). Foram enviadas em 12 do corrente com a seguinte nota:

(...) "Nesta época de Ramadão, junto te envio umas fotos que tirei em Paunca no Ramadão de 1970. Nestas cerimónias esteve presente um alto dignitário, e que,  segundo me disseram, viera da Mauritânia, e andou naquele períoao do, pelo Senegal e terras do Leste da Guiné, em actividade religiosa.

"Não te incomodo mais, e mais uma vez os meus agradecimentos pela existência do Blog."

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Nota do editior:

Último poste da série > 12 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13273: Efemérides (163): O 10 de junho de 2014 em Belém, Lisboa... Um dos fotógrafos da Tabanca Grande estava lá (Jorge Canhão)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13032: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte XIII): Guiro Iero Bocari... Alguém sabe onde fica(va) ?



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)  "As nossas tendas" [... material de campismo de luxo: eram tendas quentes no tempo das chuvas, frescas no tempo seco... Conhecia-as bem, em Contuboel, aquando da formação da CCAÇ 12, em junho e julho de 1969... LG]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)  >  Rua principal da povoação.. [Igual a tantas ooutras... LG]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)   > Cervejolas e telefonias não podiam faltar.... [lá no cu de Judas, LG]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Paunca > CART 11 (1969/70)  > Duche com cheio a gasolina e sabor  a cola-cola [... Ou a "arte suprema do desenrascanço"...LG]


Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da publicação do álbum do Valdemar Queiroz [, foto à direita, Contuboel, 1969]... 

Desta vez,  com 4 fotos de Guiro Iero Bocari,   onde o nosso camaraad esteve destacado com o seu Gr Comb, em data incerta, provavelmente 1970. Sobre esta tabanca em autodefesa só tínhamos até agora uma referência. Passamos a ter duas. Ficava a escassa distância da fronteira com o Senegal, integrando o setor de Paunca.



Guiné > Zona leste > Mapa de Paunca (1957) (Escala 1/50 mil) > Detalhes: posição relativa de Paunca, Paiama, Sinchã Abdulai e Guiro Iero Bocari, junto à fronteira com o Senegal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

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sexta-feira, 28 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12909: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte XI): Em Paunca, onde irá ser extinta a CCAÇ 11 (herdeira da CART 11) e onde se irão passar acontecimentos graves, em agosto de 1974, na sequência na retração do nosso dispositvo militar


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) >  
Filhos dos nossos soldados


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) > Miúdfos da tabanca

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) >
Aspeto parcial da tabanca


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) >Miúda, filha de um dos nossos soldados

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) >Bajuda, lavadeira (1)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) >Bajuda, lavadeira (2)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) > > Penteado de bajuda



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) > Rua principal e quartel (1)


 Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) >
Rua principal e quartel (2)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71 > Porta d'armas do quartel ... Em primeiro plano,o Valdemar Queiroz



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71) > Abertura de valas ao longo do perímetro interior do quartel e tabanca



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paunca > CART 11 (1969/71)  > Pormenor da abertura de valas, com o concurso dos soldados guineenses da CART 11... [Trabalho violento, executado em condições muito duras, no intervalo da atividade operacional, e que os soldados fulas faziam com grande relutância e sob protesto... É certo que ninguém gostava de abrir valas, a pá e pica... Em boa verdade, os comandos de batahão tendiam a olhar para os soldados do recrutamento local com alguma sobranceiria colonial... O mesmo se passou connosco, CCAÇ 12, em Bambadinca...LG]


Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. L.G.]



Valdemar Queiroz, Contuboel, 1969
1. Continuação da publicação do álbum do Valdemar Queiroz... Desta vez, as memórias fotográficas são de Paunca (sem acento na penúltima sílaba: temos 20 referências sobre Paunca e 35 sobre Paúnca, estando mal grafado o topónimo, que é Paunca e não Paúnca)...

Não sei quantos meses passou lá o Valdemar, entre 1969 e 1970, mas será em Paunca, em agosto de 1974, que se irão passar alguns acontecimentos graves, por ocasião da extinção da então CCAÇ  11 (que sucedeu à CART 11, no nome, uma vez que o pessoal era o mesmo) e da retração do nosso dispositivo militar (vd. Cartas de Punca, do J. Casimrio Carvalho).

Recorde.se o que aqui já escrevemos a esse respeito: a seguir ao 25 de Abril de 1974, fugido do inferno de Guileje e Gadamael, caído de paraquedas em Paúnca, na CCAÇ 11, o Casimiro Carvalhos vai conhecer o desespero e a raiva dos nossos aliados fulas, na fase do cessar-fogo e retração do nosso dispositivo militar no TO da Guiné... Este é um dos episódios mais chocantes da guerra da Guiné, aqui contados pelo nosso herói de Gadamael. Só é pena que ele tenha sido tão parco em palavras, no que diz respeito a este final da sua atribulada comissão, e se tenha extraviado, ainda pro cima,  a carta em que ele relatou os acontecimentos aos pais. Mas noutro documento relatou, em síntese, o seguinte:

(...)  "Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão.  Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se. Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)...Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato...assim mesmo." (...)
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de março de 2014 >ão aão do nosso Quando a corte dos Lacraus chegou a Canquelifá...