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sábado, 5 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23050: Memórias do Chico: Refugiado na sua própria terra durante a guerra civil de 1998/99: 200 km e oito dias de aflição, entre Bissau e Fajonquito (Cherno Baldé) - Parte I: Bissau, 7-11 de junho de 1998


Guiné-Bissau > Bafatá > Setembro de 2000 > O filho mais velho do Cherno Baldé e de Geralda Santos Rocha, de seu nome Abduramane Santos Baldé,  "junto ao rio Geba na baixa de Bafatá, em viagem para Fajonquito, em Setembro de 2000. Teria eu, mais ou menos, a mesma idade quando fugimos de Samba-Gaya em 1964"... Hoje formado em engenharia de energias pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sector de Contuboel > Fajonquito > 2006 >  Os quatro filhos de Cherno Baldé e de 
Geralda Santos Rocha. 


Guiné-Bissau > Bissau > s/d > "Minha mulher, Geralda Santos Rocha, natural de Bissau, com quem sou casado desde 1992, período que coincide com a minha passagem por Lisboa (1992/94) para frequência do curso no ISCTE"

Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2010). Todos os os direitos reservados. [Edição e legendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1.  O nosso amigo e colaborador permanente do nosso blogue, Cherno Baldé, formado na antiga União Soviética em Planificação e Gestão Económica (Universidade de Kiev, 1990), com uma pós-gradução no ISCTE-IUL (Lisboa, 1992/94), é uma testemunha privilegiada dos acontecimentos do seu tempo, desde miúdo, quando foi apanhado pela "guerra de libertação" ou guerra colonial, logo em 1964, na sua terra natal, no regulado de Sancorlã.

De 1968 a 1974 viveu em Fajonquito, tendo-se tornado um "cão rafeiro" do quartel local... Afeiçoou-se aos militares portugueses que passaram por aquele arquartelamento da região de Bafatá, sector de Contuboel, perto da fronteira com o Senegal, e que lhe puseram a alcunha de "Chico"... É autor de um notável série, "Memórias do Chico, menino e moço" (de que já publicámos, a partir de 2011, mais de meia centena de postes).  Integra a nossa Tabanca Grande desde 18 de junho de 2009. Tem  255 referências no nosso blogue.

Depois da independência, foi estudar para Bafatá, em 1975 (ciclo preparatório e parte do ensino secundário). Em 1979 vai frequentar o liceu de Bissau, que acaba em 1982. Em 1986 parte como estudante bolseiro para a URSS (Moldávia e Ucrânia). Teria já os seus 26/27 anos (nasceu por volta de 1959/60).

Regressa, com uma licenciatura, ao seu país em 1990, já depois da queda do "muro de Berlim" e a "implosão" da União Soviética. Casa-se em 1992 e faz uma pós-graduação no CEA - Centro de Estudos Africanos /ISCTE, em Lisboa (1992/94). 

Em 1998, está em Bissau, a trabalhar como quadro superior na administração pública, mais exatamente no  Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações onde exerce as funções de director do gabinete de estudos e planeamento. Vive em Brá, no chamado Bairro Militar, com algumas regalias.

No dia 7 de junho de 1998 é apanhado pelo golpe de Estado e a subsequente guerra civil de 1998/99.  É obrigado a deixar a sua casa, no Bairro Militar, e sair de Bissau com a família (ele, a esposa, o filho de 3 anos e uma sobrinha de cinco ), mais a família da irmã da sua esposa, de nome Djenaba, num total de 10 pessoas (3 adultos e 7 crianças),  refugiando-se na sua terra natal, Fajonquito. 

Deixam a casa, em Bissau, no dia 11,  chegam a Safim, procurando desesperadamente por um transporte que os leve para longe da guerra, para Fajonquito. Consegue, através dos seus conhecimentos, uma boleia para Mansoa, a 13 de junho, até apanhar um camião, que o leva ao seu "refúgio", em Fajonquito, aonde chega no dia  seguinte, passando por Bambadinca e Bafatá. Nesta viagem faz também uma "retrospetiva" do seu passado recente (os anos passados em Bafatá, em 1975/79, e depois na URSS, 1986/90).

Em 2001/02, o Cherno viu-se na contingência de ter de emigrar para Portugal, onde trabalhou na construção civil, como simples "trolha" na construção do complexo Alvalade XXI. É sportinguista de coração.

Voltamos a reproduzir, em três partes, as memórias que ele nos mandou, em 16 de setembro de 2010,  desses tempos difíceis, que ele soube enfrentar e superar com coragem, inteligência emocional,  lucidez e sentido de solidariedade (*).


 2. Excerto de mensagem que o Cherno Baldé nos mandou há quase 12 anos atrás:

Data - 16/09/2010, 12:40
Assunto - Recordações da guerra de Bissau

 Estimado amigo e irmão Luís Graça,

Juntamente envio mais um texto fazendo parte das minhas habituais crónicas ou memórias do passado. Mudando um pouco de cenário, desta vez, os acontecimentos retratados são mais recentes e centrados sobre as tribulações de uma pequena família, melhor, do seu desajeitado chefe, no início da guerra de Bissau em 1998. Propositadamente, passei por cima do período que vai dos tempos de estudante em Bafatá, depois Bissau e da passagem pela antiga URSS. Voltarei, mais tarde, a este período se houver interesse. (**)

O presente texto foi por mim escrito em 2000, alguns meses antes de emigrar para Portugal onde participei, em 2001/2002,  na construção do complexo Alvalade XXI (onde se enontra o novo Estádio José Alvalade, como servente de qualquer coisa, na verdade não tinha as qualidades requeridas mas contava com a "cunha" ou  ajuda de uma família Portuguesa com a qual mantínhamos excelentes relações de amizade e estima. 

Os encarregados topavam logo,  com o meu ar intelectual e a falta de jeito. Mandaram-me embora por duas vezes e reentrei outras tantas. Aí reencontrei os meus primos Ucranianos, enfim, foi muito interessante e enriquecedor. (...)

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)

PS - A foto mostra o meu filho junto ao rio Geba na baixa de Bafatá, em viagem para Fajonquito, em setembro de 1998. Teria eu, mais ou menos, a mesma idade quando fugimos de Samba-Gaya em 1964.


RECORDAÇÕES DA GUERRA DE BISSAU, 
O CONFLITO POLITICO-MILITAR DE 7 DE JUNHO DE 1998

Parte I -  Bissau, 7-11 de junho de 1998

1º dia,  7 de junho de 1998, domingo: o rebentar do conflito

Na madrugada do dia 7 de Junho de 1998 (**), ainda na cama ouvimos, de longe, tiros de armas de guerra. Na manhã do mesmo dia, ouviram-se tiros de armas pesadas,  acompanhados de rajadas de metralhadoras. 

Em casa, apercebemo-nos que se passava coisa séria para justificar tamanho tiroteio. Sentámo-nos à mesa para o pequeno-almoço. Aqueles tiros não nos incomodaram em nada, afinal já tínhamos vivido outros golpes, coisa banal, seriam escaramuças localizadas e algumas mortes mas depois tudo voltava a normalidade.

Pessoalmente, e sem estar informado de nada, já estava do lado dos revoltosos. Podia ser da idade ou simplesmente pela mania das revoluções. Fosse quem fosse, na minha opinião, achava que já era tempo de varrer o regime vigente para instaurar uma nova ordem, inverter a marcha que estava a afundar o país e aprofundar o fosso da desigualdade económica e social entre uma elite parasitária vivendo à custa do Estado e a maioria da população, cada vez mais paupérrima e despojada de recursos e de oportunidades.

Por volta das 8h00, o governo, através do seu ministro da defesa nacional, comunicou pela rádio que um grupo não identificado tinha assaltado o quartel-general (QG) mas que tinha sido rechaçado e que todos ficassem em casa até ordens ao contrário.
 É um golpe de estado, de certeza! – disse para a minha mulher, quase com satisfação.

Entretanto, pediam calma a população enquanto nos quartéis havia uma grande agitação. Todas as estradas de acesso ao centro da cidade estavam bloqueadas, havia confrontos em Santa Luzia (QG), muita agitação nos aquartelamentos de Brá e na Base Aérea, onde tropas do governo tentavam desalojar os revoltosos ou vice-versa.

Seguiu-se uma acalmia de algumas horas e, no início da tarde, houve um ataque ao quartel de Brá com armas ligeiras, sem qualquer efeito especial, pois a situação mantinha-se na mesma, ou seja, de vez em quando ouviam-se tiros de armamento pesado, seguido de um compasso de espera. 

As horas que se seguiram foram de uma grande curiosidade, toda a gente sabia tratar-se de um levantamento militar mas ninguém sabia nada sobre os cabecilhas da revolta.


2º dia, 8 de junho, segunda feira: o início de um calvário que só terminaria um ano depois, com o fim da guerra

A partir do segundo dia, 8 de junho, começaram a circular algumas informações sobre o levantamento. Agrupados a volta do antigo CEMGFA, Brigadeiro Brick-Brack (por sinal, mais um voluntário, chefe de guerra, originário dos países vizinhos, na senda de Abdul Indjai e Companhia), uma parte das tropas e antigos combatentes tinham-se amotinado contra o regime. 

As autoridades continuavam a pedir calma e assegurar que tudo era uma questão de tempo até controlarem a situação. Houve várias tentativas de tomada de assalto ao aquartelamento de Brá mas a situação continuava tensa e incerta.

Com a intensificação dos confrontos fomos avisados pela parte governamental de que devíamos evacuar a zona onde habitávamos, temporariamente, senão arriscávamo-nos a ficar entre dois fogos e sermos alvo de bombardeamentos. 

Oh, pá! Não, já não estava assim tão satisfeito com esta decisão que nos afastava das nossas casas. Era, de facto, o início do nosso calvário que só terminaria com o fim da guerra, um ano depois.

O meu irmão mais velho convocou uma reunião de emergência para nos informar que os membros da nossa família, enquadrados por ele, deviam afastar-se um pouco, mais a leste nos confins do Bairro militar, eu deveria ficar para cuidar da casa. Não houve contestação e assim, sem preparação adequada, as mulheres, pegando naquilo que podiam mais as crianças, rapidamente, seguiram para cima, a leste do Bairro, onde ficariam ao abrigo da artilharia que estava a visar a nossa zona.

Esta forma simplista e confiante de pensar que tudo se resolveria rapidamente revelou-se depois muito prejudicial, pois, o que se previa ser para algumas horas viria a durar mais de um ano, e passo a passo seriamos obrigados a seguir para mais longe, longe e longe, e finalmente seria o refúgio.


3º dia, 9 de junho, terça feira: saída da família do Bairro Militar para o Bairro da Ajuda

No terceiro dia, 9 de Junho, o meu irmão comunicou-me a sua decisão de sair de Bissau e partir para Fajonquito, nossa aldeia natal, onde iria esperar pelo desfecho da guerra em que se tinha transformado o levantamento de alguns dissidentes do regime. 

Sem saber que decisão tomar, acompanhei o meu irmão e um grupo de pessoas que tinham decidido sair de Bissau. Mandei a minha esposa e filho juntar-se à sua irmã mais velha, Djenaba, no Bairro de Ajuda, na esperança de que talvez aquilo terminava em breve. Eu fiquei em Brá, na nossa casa. Entretanto, comecei a pôr em marcha um dos princípios de Amílcar Cabral ou seja, esperar o melhor, preparar-se para o pior.

Com o dinheiro que tinha, fui comprar alguns mantimentos pois calculava que dentro em breve podia não haver nada para vender ou comprar. No mercado alguns cacifos estavam abertos, as pessoas estavam agrupadas à volta de aparelhos de rádio ouvindo as poucas informações que a RTP fornecia e comentavam os últimos acontecimentos que circulavam de boca em boca. 

Foi aí que ouvi alguém dizer que os amotinados estavam a receber reforços de outros aquartelamentos do interior e que muitos jovens estavam a aderir às fileiras dos revoltosos. A proporção que o problema estava a ganhar e a perspectiva de que o conflito poderia arrastar-se por muito tempo, desanimou-me muito.

Voltei para casa, abri o rádio para acompanhar a RTP, única rádio em funcionamento, que tentava conseguir informações sobre as razões do motim e os nomes dos cabecilhas. Tornou-se evidente que a situação no terreno não era tão favorável aos governamentais como faziam crer pela rádio nacional. Passei a noite em claro pois, os tiros eram esporádicos mas repetitivos.


4º dia,  10 de junho, quarta-feira: relembrando o pesadelo de Kiev, em 1990 ("Matem o macaco preto!")

Na manhã do quarto dia de conflito, 10 de junho, sai de casa, atravessei a estrada principal do Bairro militar, tendo reparado que a estrada estava bloqueada e vigiada por tropas governamentais e que não havia circulação de viaturas. 

Para chegar ao Bairro de Ajuda, onde se encontravam minha esposa e filho, a única maneira era atravessar a bolanha a pé, lá para os lados de “Manel Iagu”. Foi para onde segui. Estava absorto nos pensamentos que se afluíam a minha mente de forma desordenada.

Lembrei-me dos tempos de estudante em Kiev e, da tensão permanente em que vivíamos, atravessando as ruas, com medo da agressão dos jovens locais que não perdiam uma única oportunidade para nos maltratar, física e verbalmente. 

Por várias vezes, tinha sido alvo de agressões violentas, não propriamente por racismo, penso eu, mas porque estavam naquela idade quando se sente a necessidade de assumir riscos e desafiar o "status quo". Pese embora a nossa precária situação, não dávamos o braço a torcer. Uma vez, traído pelo embaciamento dos meus óculos devido ao frio, tinha entrado, sem dar conta, no meio de um bando de jovens, alguns dos quais tinham o dobro do meu peso e mediam perto de dois metros de altura numa zona considerada perigosa para os estrangeiros.

De repente senti que alguém me segurava por trás, impedindo-me de avançar. Estava com medo, mas nem por isso vacilei, virei-me para enfrentar quem quer que fosse. Os homens presentes diziam: "Matem o macaco preto!"... 

As mulheres, sempre mais humanas, gritaram-me para que fugisse. Eram muitos, aguentei por algum tempo mas depois tive mesmo que fugir debaixo das pedradas e insultos daqueles jovens ainda na idade da inocência, desprovidos de sentimentos de piedade e de amor ao próximo. 

Na briga, tinha perdido os óculos, as compras e parte das minhas vestes. As costelas, doridas, deixavam entrar o frio por todos os lados em pleno inverno russo. Consegui arrastar-me andrajoso, sob o olhar curioso dos transeuntes, até a residência dos estudantes. Não queria que os colegas soubessem, mas os sinais no corpo eram por demais evidentes, tinha levado uma sova a valer. Estávamos em 1990 e a União Soviética tinha entrado na sua fase irreversível de Perestroika e nunca voltaria a ser a mesma dantes. O perigo espreitava de todos os cantos.


“Minha Rosa - Diminga” ou a luz brilhante de um horizonte inacessível

No momento, nesse dia 10 de junho de 1998, também estava com medo. Um medo indefinível e amplo que acariciava todo o meu corpo e apresentava-se no horizonte da minha vida que ainda agora começava a florir. 

A minha situação profissional e familiar era estável, podia-se mesmo dizer boa, em comparação com a grande maioria, tinha a família que ambicionava e era director numa instituição pública ligada à manutenção das rodovias, ganhando relativamente bem.

No caminho, ainda se ouvia o ribombar dos obuses a partir da base aérea. O ruído atravessava toda a cidade para se perder nas águas do rio Geba. E cada vez que isso acontecia, instintivamente, curvava-me todo para a frente como se quisesse evitar que algo invisível me cortasse ao meio. À minha frente seguia o vulto de uma mulher que, também, fazia a mesma ginástica rítmica. Durante a marcha, caíamos e levantávamo-nos juntos sem parar, ao ritmo dos disparos, ela à frente e eu atrás.

Apesar do medo e da urgência do momento, acabei por fixar o meu olhar nela de forma insistente. Havia qualquer coisa de invulgar na sua forma de andar. Sobretudo, tinha reparado no movimento ondulatório das suas ancas. 

Porque é que insistentemente o meu olhar vai para as nádegas das mulheres? Não sei, ninguém me ensinou, deve ser hereditário. Fixei o meu olhar nas nádegas. Havia uma harmonia incrível de movimentos que me embalava e me cativava, que iniciava nos seus pés bem firmes no chão e subia, subia até as tranças dos cabelos levemente amarrados por detrás da cabeça felina. Ela possuía um corpo bem consistente, cheio e flexível que combinava com a dança frenética de subidas e descidas ondulatórias das nádegas –“unata defata ko iarta beréberé!” (1).

Era estranho, os habitantes de Bissau viviam sob o choque de uma brutal guerra de quartéis, por enquanto, e eu devia pensar em coisas sérias, ia encontrar-me com a minha família e devia pensar numa forma de os tirar de lá. O meu irmão já tinha saído e toda a cidade estava em fuga. Eu não, estava ali colado atrás de umas nádegas que não conhecia de lado algum mas que me atraíam como as flores atraem as abelhas.

Impávido e feliz por aquele momento divino de contemplação, já não andava, corria, corria atrás daquela figura que parecia uma luz brilhante no horizonte inacessível da minha vida povoada de cenários de guerras. Sim, uma luz como a lua cheia numa noite escura que brilha mas não ofusca a vista, visão celestial. Corria como um sonâmbulo com as mãos em concha estendidas para a frente, num gesto ridículo e egoísta de não deixar cair nenhuma gota daquele mel doce da minha alucinação.

Julgo que caminhámos três quilómetros.
 Ou foram sete? Não sei dizer. Aquele cenário não me era estranho de todo. Onde o teria visto ou vivido? Ah! Sim, foi no caminho de fuga entre Berécolon e a fronteira do Senegal, ainda criança na inesquecível noite do ataque dos eternos terroristas da nossa terra em 1964. 

Não, é o filme de Flora Gomes, Mortu Nega.. Estamos a caminhar com o grupo de guerrilheiros que vai reforçar a frente destroçada pelos bombardeamentos da aviação inimiga. Atravessamos a lala a correr, curvados para a frente e agora embrenhamo-nos na floresta. “Cuidado com as minas!”, é o Capitão Mamadú que, à frente da coluna, de silhueta imponente, nos ordena: “Coloquem os pés em cima das minhas pegadas, e deitem-se no chão ao menor ruído!”. 

Parece imune ao perigo que nos espreita do ar e da terra, este rapaz valente. Ainda nos avisa: “Vamos acelerar o passo e, se ouvirem o roncar de um helicóptero, dispersem-se e coloquem-se debaixo do primeiro arbusto, se não houver arbustos, então transformem-se em baga-bagas dobrando o corpo em dois!”.
 Hé, badjuda, kuma ki´u nomi? – pergunta a mulher grande à miúda a minha frente.
 Amí tchoma Diminga, Diminga de Bithame.

A velha, sorrindo insiste:
N´hundê ku-na bai ?
N´na bai djubi nh´ome k´stá na frénti – responde esta.

É isso, é a Diminga que está a minha frente. Chegamos à travessia d´água. A menina pára e vira-se para mim olhando, pela primeira vez, e cruza-se com o vazio dos meus olhos de sonâmbulo, fixos nas suas ancas largas e apercebe-se, num relance, da enormidade do desejo que me aflige. Ou não se apercebe? Pega na minha mão para ajudar-me a atravessar a água lamacenta. Sem perder tempo, aproveito o momento e a mão estendida para abraçar o seu corpo inteiramente e adormecer feito criança.
 Já cheguei! – diz ela.

Não compreendo. Como pode ela chegar se eu ainda nem comecei a andar embalado no seu peito macio, pensei comigo.
 Já cheguei a minha casa, agora podes continuar o teu caminho!  repetiu ela.
Aproveitando a abertura do seu sorriso, balbuciante, perguntei:
Kuma kí´ú nomi?
 Nha nomi´i Rosa – respondeu, baixando o seu rosto para fugir do meu olhar prenhe de angústias. 

Sem delongas, virou-se e seguiu seu caminho bambaleando levemente aquelas nádegas da minha perdição. “Rosa, chamam-te Rosa minha preta formosa, e na tua negrura, teus dentes se mostram sorrindo, teu corpo baloiça, caminhas dançando, lasciva e ridente, vais cheia de vida, vais cheia de esperança, em teu corpo correndo a seiva da vida, tuas carnes gritando e teus lábios sorrindo” (2).

Esquecido do mundo e da guerra, fiquei especado no chão a olhar infinitamente como se aquela imagem que se perdia lá longe levava também consigo o fim da minha atribulada existência de combatente do nada num mundo em constante mutação e de fugas para a frente. Lutas de libertação e/ou de apropriação, as aldeias queimadas e os campos abandonados, o fardo das regras e religiões que chegaram com o mundo novo, tudo, temperado no inevitável processo de esvaziamento da alma, a globalização, o gesto ridículo do mimetismo cultural, golpes e contra golpes, programas de ajustamento, crises financeiras…

Ela não disse se era de Bitháme. Será que isso interessa? Também não tinha perguntado. Cheguei ao Bairro d´Ajuda sem saber se tinha caminhado ou voado com as asas que a visão daquela Rosa-Diminga me tinha incorporado. 

Em casa da Djenaba, minha cunhada, reinava uma calma aparente pois, estando o marido fora, ela sozinha estava desorientada. Fazia e desfazia bagagens sem saber o que levar e o que deixar. Disse-lhes que devíamos fazer o que toda a gente estava a fazer, ou seja, sair para fora da cidade. Pegar o mínimo essencial, isto é, uma garrafa de água em cada mão.
 Não!  disse-me prontamente Vamos esperar até amanhã.

Mais tarde soube que afinal ela não se tinha decidido a sair porque os seus vizinhos ainda não o tinham feito. Voltei para casa. Os tiros tinham cessado. Àquela hora da noite, já não havia nenhum movimento nas ruas do Bairro Militar e certamente as casas também encontravam-se vazias. A noite foi silenciosa, longa e tensa. Eu, a tentar dormir, os ratos a explorar regiões antes proibidas na casa deserta, lá fora as BM (“baevie machine” - que literalmente significa máquinas de guerra em russo) a cuspir fogo de Estaline.


5º dia, 11 de junho,  quinta-feira: a guerra civil em marcha

Na manhã do dia seguinte ainda continuaram os tiros dos obuses. Dirigi-me ao mercado. Ainda havia gente aglomerada em alguns pontos tentando encontrar alguma coisa para provisão da casa ou do caminho. 

Todavia, o cenário de vaivém tinha dado lugar a uma única e longa fila de saída para fora da cidade. Depois do falhanço, um dia antes, da tentativa encetada por uma comissão "ad-hoc" de algumas pessoas de boa vontade de fazer sentar as duas partes na mesa de negociações, ficou claro para toda a gente que o conflito iria durar, transformando-se em guerra civil. 

O Comandante em Chefe não admitia negociar com um grupo de bandidos. Os primeiros contingentes de tropas dos aliados do Norte e do Sul já estavam a desembarcar no porto. Era uma situação insustentável. O fluxo das pessoas a caminho do refúgio era cada vez maior.

(Continua)
__________

Notas do autor:

(1) “Não pila, não cozinha mas come do melhor “– Uma elegia masculina dedicada ao balanço ondulatório das nádegas da mulher africana, na lingua Fula.

(2) Amilcar Cabral (1924-1973), antologia poética.


3. Comentário do editor LG:

Os portugueses, felizmente, não sabem o que é uma guerra civil desde os anos de 1830 (lutas entre liberais e absolutistas, 1828-1834) nem o que é a invasão do solo pátrio por tropas estrangeiras desde as invasões napoleónicas (1807-1810)...

Podemos, no entanto, tentar pôr-nos na pele dos nossos amigos guineenses, o Cherno Baldé e família, o Pepito e família, o Patrício Ribeiro e outros, que estavam lá, em 7 de Junho de 1998, quando a Junta Militar de Ansumane Mané tentou derrubar 'Nino' Vieira (o que viria a acontecer quase um ano depois, em maio de 1999, após um conflito sangrento, que incendiou todo o país e que levou muitos guineenses ao exílio  (caso do Pepito e da Isabel Levy,  por exemplo, que foram viver para Cabo Verde  durante cerca de um ano)ou a ref+ugio da terra natal (como foi o caso do Cherno Baldé e família).

É um período da história recente da Guiné-Bissau mal conhecido dos antigos combatentes portugueses que fizeram a guerra colonial... Nessa altura (1998/99) andávamos distraídos com outras coisas e, se calhar, tínhamos pouca pachorra para sequer ouvir e entender os eternos problemas dos nossos pobres amigos  guineenses... Além disso, Lisboa estava em festa, com a Expo 98, que decorreria entre maio e setembro de 1998...

O Cherno dá a verdadeira dimensão, humana, ao conflito político-militar que levaria à queda de um regime, à invasão do país de tropas estrangeiras (Senegal e Guiné-Conacri), à desertificação e pilhagem de Bissau, à miséria, fome e pobreza,  enfim, ao agravamento, ainda mais brutal, das condições de vida dos guineenses... No final, o conflito saldou-se por alguns milhares de mortos e a duas ou três centenas de milhares de refugiados,

No caso do Cherno, era preciso pôr a família a salvo, numa viagem de mais de uma semana, de sobressaltos, de Bissau a Fajonquito (menos de 200 km), passando por Nhacra, Mansoa, Bambadinca e Bafatá... Tinha o seu filho mais velho três anos...

Obrigado, Cherno, é mais um depoimento comovente mas ao mesmo atravessado por surpreendentes reflexões filosóficas e éticas sobre a condição humana...  

PS - As marcas deste grave conflito político-militar ainda hoje são visíveis, nomeadamente em Bissau. Veja-se aqui uma reportagem (com vídeo) feita em 7 de junho de 2019 pela DW - Deutsche Well, da autoria do jornalista Braima Darame ( "Guerra de 7 junho deixou Guiné-Bissau frustrada e a culpa é dos políticos".
____________

Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 17 de setembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7002: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (19): Fugindo da guerra civil, de Bissau a Fajonquito, Junho de 1998 (I Parte)

(**) Trata-se de 7 de Junho de 1998 e não 1997, como por lapso escreveu o autor. Foi o início da longa e sangrenta guerra civil na Guiné-Bissau. Nesse dia de domingo, 7 de Junho de 1998, um grupo de militares, liderado formado pelo brigadeiro Ansumane Mané (antigo chefe do Estado-Maior) fez um golpe de Estado com vista à queda do presidente 'Nino' Vieira. As tropas militares rebeldes entraram em confronto com as forças presidenciais, que serão ajudadas pelo Senegal e pela Guiné-Conacri.

Este conflito vai provocar centenas de mortos e milhares de refugiados guineenses, não só em Bissau como noutras localidades, que se espalharam pelo interior e por diversos países (incluindo Portugal).

Haverá uma primeira tentativa de acordo nos dias 25 e 26 de julho de 1998, altura em foi celebrado o "Memorando de Entendimento", um documento que, em 25 de agosto, viria a dar lugar ao cessar-fogo. As delegações do Governo da Guiné-Bissau e a Junta Militar, de Ansumane Mané, concordam em fazer um trégua. 

 No entanto, as coisas iriam complicar-se... A guerra civil prolongar-se-ia por mais quase um ano, com lutas pela conquista do território e expulsão das tropas estrangeiras, aliadas de 'Nino' Vieira. 

A maior parte da Guiné-Bissau acaba por ficar sob o domínio das forças revoltosas. 'Nino' Vieira acaba por aceitar um cessar-fogo em 7 de maio de 1999. Refugia.se na embaixada portuguesa durante um mês, seguindo depois para um exílio de seis anos  em Portugal (na sua residência em Gaia, arredores do Porto).

Fonte: Adaptado de Nino Vieira. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-09-17].Disponível em http://www.infopedia.pt/$nino-vieira.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22923: Documentos (35): Comunicações e Ordens enviadas pelo Estado-Maior do Exército e do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné - Anexo à Circular N.º 1703/NP da 2.ª Repartição do Estado-Maior do Exército (2) (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)


1. Continuação da publicação dos documentos enviados pelo nosso camarada Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974) em mensagem de 16 de Janeiro de 2022:

Amigos e Camaradas da Guiné
Existem algumas fotografias publicadas sobre alguns militares das NT em acções políticas usando viaturas do Exército e camisolas do IN (PAIGC), abraços, envolvendo oficiais etc, que ocorreram durante o período pós 25 de Abril na Guiné,que desconhecia. Quero lembrar que, além de sermos militares, as Delegações do MFA tinham toda a informação sobre o processo negocial e a postura a assumir. Estas ações políticas, no processo de transferência de soberania da Guiné, a mim parecem-me no mínimo, desnecessárias, despropositadas, não respeitaram os nossos mortos em combate, não melhoraram a nossa imagem e entendo que não deviam ter acontecido.
Devo no entanto dizer que foi emitido um comunicado do Secretariado do MFA na Guiné de 16 de Junho de 74, com a linha política definida pela 5.ª Divisão constituída em 15 de Junho de 1974, onde estas actividades podiam eventualmente ser enquadradas. Desconheço porém se exerceram alguma influência no comportamento destes militares.

Assim é meu propósito dar a conhecer e tornar públicas as comunicações e ordens que recebemos enquanto Delegação do MFA na Guiné da parte do Estado Maior do Exército e do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné relativas a esse período, nomeadamente a Circular N.º 1703/NP e anexo, mandadas executar pelo ex-Cap. Dias Silva e mais tarde reafirmadas pelo próprio como mostra a nota original escrita a vermelho por cima da Circular N.º 2736/AP/74, cito "Deve a delegação do MFA desta dar cumprimento rigoroso explicando a todo o pessoal em 25/7/74", Dias Silva Cap - e que apelavam à disciplina e respeito pela hierarquia e informação das NT sobre as negociações em curso do Processo de Paz na Guiné, a abstenção de actividades políticas no exercício das nossas funções dentro do quartel, etc. Estava aberta a via negocial para o conflito, as ordens eram muito claras e equilibradas e foram cumpridas e executadas por todos nós. Só nos restava esperar o Acordo das partes em confronto para sairmos da Guiné com a cabeça erguida e regressar a casa. Assim aconteceu, a CCaç 4541/72, não esqueceu os camaradas mortos e feridos em combate, nomeadamente aqueles em Choquemone no dia 21 de Novembro de 1972. Tinham algum ressentimento resultante da condução desta operação e do número de militares envolvidos que sempre os acompanhou. Quando cheguei a esta CCaç encontrei "velhos" que não eram vaidosos, sabiam de guerra, tinham tarimba e era notável a sua capacidade psicológica e estas, tive a sorte de aprender com eles. No período de transição não tivemos nenhum envolvimento ou problema com o PAIGC e mantivemos nosso bom relacionamento com a população local.

Relativamente ao Comunicado às Delegações do MFA de 16 de Junho de 1974, devo dizer que não foram realizadas estas ações na nossa Unidade, no entanto eu recebi essa comunicação. Tem uma inscrição original escrita a vermelho, na parte superior, dirigida a mim, Fur. Costa. Estudei este documento e decidi que não me competia a mim enquanto militar nem me sentia habilitado para fazer esclarecimento político sindical, propaganda e animação cultural e outras que constam deste comunicado. Entendi também, que não era possível conciliar este tipo de ações com disciplina e hierarquia próprias da Instituição Militar.

Note-se que a Circular N.º 1703/NP de 28/5/74 diz claramente, que: (Perante a política, as Forças Armadas têm que ser imparciais, coesas e conscientemente disciplinadas) e nós graduados devíamos dar o exemplo.
Na operação acima citada estes rapazes da CCaç 4541/72, tinham menos de dois meses de Guiné, eram "Piriquitos". Porque lhes foi atribuída esta missão? Será que os Donos da Guerra, dos alfinetes, mapas e mesas, nas salas em Bissau como alguém aqui e muito bem lhes chamou, tinham consciência do tempo necessário para fazer um operacional? Penso que não. Na minha opinião, eram necessários seis meses de atividade operacional numa zona de menor atividade, antes de sermos colocados no ferro. Entretanto a CCaç 4541 vai para Bissau tratar das feridas do Choquemone. Ainda estas não tinham sarado, um mês depois, "operação Grande Empreza", conquista do Cantanhez na posse do IN onde era o "Maior". Entram na posse de Caboxanque gentilmente cedida pelas CCP 121 e 122 e mantêm-nas em sua posse até serem transferidos para Safim em Março de 1974. As guerras nem sempre são justas, mas hoje temos um problema mais grave no nosso país: Não valorizamos os nossos guerreiros. Penso que não devemos fechar este debate, nunca esqueci os lamentos e raiva de alguns deles, "se fosse hoje aquilo nunca tinha acontecido". Como é evidente, referiam-se à Operação do Choquemone.

(Seguem os documentos citados)
Circular Nº1703/NP e anexo de 28/5/74
Circular Nº2736/AP/74 de 22/7/74
Comunicado às Delegações do MFA em Bissau de 16 de Julho de 1974

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf


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(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22921: Documentos (34): Comunicações e Ordens enviadas pelo Estado-Maior do Exército e do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné - Circular N.º 1703/NP da 2.ª Repartição do Estado-Maior do Exército (1) (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22921: Documentos (34): Comunicações e Ordens enviadas pelo Estado-Maior do Exército e do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné - Circular N.º 1703/NP da 2.ª Repartição do Estado-Maior do Exército (1) (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)


1. Mensagem do nosso camarada Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 16 de Janeiro de 2022:

Amigos e Camaradas da Guiné
Existem algumas fotografias publicadas sobre alguns militares das NT em acções políticas usando viaturas do Exército e camisolas do IN (PAIGC), abraços, envolvendo oficiais etc, que ocorreram durante o período pós 25 de Abril na Guiné,que desconhecia. Quero lembrar que, além de sermos militares, as Delegações do MFA tinham toda a informação sobre o processo negocial e a postura a assumir. Estas ações políticas, no processo de transferência de soberania da Guiné, a mim parecem-me no mínimo, desnecessárias, despropositadas, não respeitaram os nossos mortos em combate, não melhoraram a nossa imagem e entendo que não deviam ter acontecido.
Devo no entanto dizer que foi emitido um comunicado do Secretariado do MFA na Guiné de 16 de Junho de 74, com a linha política definida pela 5.ª Divisão constituída em 15 de Junho de 1974, onde estas actividades podiam eventualmente ser enquadradas. Desconheço porém se exerceram alguma influência no comportamento destes militares.

Assim é meu propósito dar a conhecer e tornar públicas as comunicações e ordens que recebemos enquanto Delegação do MFA na Guiné da parte do Estado Maior do Exército e do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné relativas a esse período, nomeadamente a Circular N.º 1703/NP e anexo, mandadas executar pelo ex-Cap. Dias Silva e mais tarde reafirmadas pelo próprio como mostra a nota original escrita a vermelho por cima da Circular N.º 2736/AP/74, cito "Deve a delegação do MFA desta dar cumprimento rigoroso explicando a todo o pessoal em 25/7/74", Dias Silva Cap - e que apelavam à disciplina e respeito pela hierarquia e informação das NT sobre as negociações em curso do Processo de Paz na Guiné, a abstenção de actividades políticas no exercício das nossas funções dentro do quartel, etc. Estava aberta a via negocial para o conflito, as ordens eram muito claras e equilibradas e foram cumpridas e executadas por todos nós. Só nos restava esperar o Acordo das partes em confronto para sairmos da Guiné com a cabeça erguida e regressar a casa. Assim aconteceu, a CCaç 4541/72, não esqueceu os camaradas mortos e feridos em combate, nomeadamente aqueles em Choquemone no dia 21 de Novembro de 1972. Tinham algum ressentimento resultante da condução desta operação e do número de militares envolvidos que sempre os acompanhou. Quando cheguei a esta CCaç encontrei "velhos" que não eram vaidosos, sabiam de guerra, tinham tarimba e era notável a sua capacidade psicológica e estas, tive a sorte de aprender com eles. No período de transição não tivemos nenhum envolvimento ou problema com o PAIGC e mantivemos nosso bom relacionamento com a população local.

Relativamente ao Comunicado às Delegações do MFA de 16 de Junho de 1974, devo dizer que não foram realizadas estas ações na nossa Unidade, no entanto eu recebi essa comunicação. Tem uma inscrição original escrita a vermelho, na parte superior, dirigida a mim, Fur. Costa. Estudei este documento e decidi que não me competia a mim enquanto militar nem me sentia habilitado para fazer esclarecimento político sindical, propaganda e animação cultural e outras que constam deste comunicado. Entendi também, que não era possível conciliar este tipo de ações com disciplina e hierarquia próprias da Instituição Militar.

Note-se que a Circular N.º 1703/NP de 28/5/74 diz claramente, que: (Perante a política, as Forças Armadas têm que ser imparciais, coesas e conscientemente disciplinadas) e nós graduados devíamos dar o exemplo.
Na operação acima citada estes rapazes da CCaç 4541/72, tinham menos de dois meses de Guiné, eram "Piriquitos". Porque lhes foi atribuída esta missão? Será que os Donos da Guerra, dos alfinetes, mapas e mesas, nas salas em Bissau como alguém aqui e muito bem lhes chamou, tinham consciência do tempo necessário para fazer um operacional? Penso que não. Na minha opinião, eram necessários seis meses de atividade operacional numa zona de menor atividade, antes de sermos colocados no ferro. Entretanto a CCaç 4541 vai para Bissau tratar das feridas do Choquemone. Ainda estas não tinham sarado, um mês depois, "operação Grande Empreza", conquista do Cantanhez na posse do IN onde era o "Maior". Entram na posse de Caboxanque gentilmente cedida pelas CCP 121 e 122 e mantêm-nas em sua posse até serem transferidos para Safim em Março de 1974. As guerras nem sempre são justas, mas hoje temos um problema mais grave no nosso país: Não valorizamos os nossos guerreiros. Penso que não devemos fechar este debate, nunca esqueci os lamentos e raiva de alguns deles, "se fosse hoje aquilo nunca tinha acontecido". Como é evidente, referiam-se à Operação do Choquemone.

(Seguem os documentos citados)
Circular Nº1703/NP e anexo de 28/5/74
Circular Nº2736/AP/74 de 22/7/74
Comunicado às Delegações do MFA em Bissau de 16 de Julho de 1974

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf



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(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22800: Documentos (33): Acção Militar na Guiné (1963/1964) - Docs. respeitantes à acção militar na Guiné, pelo General Fernando Louro de Sousa, Junho de 1965 (Vírgínio Briote)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22823: Notas de leitura (1400): "Guiné, Minha Terra", pelo jornalista bolamense Armando de Aguiar; uma edição da Agência-Geral do Ultramar (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Trata-se de uma obra de um jornalista nascido em Bolama que aqui regressa nas primícias da luta armada, traz a exaltação patriótica e rasgados elogios às políticas das últimos governadores. É recebido com pompa e circunstância em Bolama, botou conferência para a comunidade local, apareceu sorridente e de laço na camisa, vem tudo em "Bolamense", órgão de propaganda regional de cultura e de turismo, cujo primeiro número saiu em 1 de agosto de 1956, e que terá uns anos de vida. O aspeto mais curioso, falo por mim, são os dados que ele enuncia sobre a prospeção de petróleo, a haver fidelidade nos dados, petróleo era só miragem. Mas a esperança continua.

Um abraço do
Mário



Guiné, minha terra, por Armando de Aguiar

Beja Santos

Armando de Aguiar foi jornalista do Diário de Notícias, gostava imenso de viajar, era natural de Bolama, encontrei no jornal “Bolamense” uma sua conferência ao lado do inspetor Santos Lima, que o apresentou. Tratando-se de uma edição da Agência-Geral do Ultramar, com data de 1964 mas anteriormente escrito (ele di-lo, entrevistou o Governador de então, o Comandante Peixoto Correia, estaríamos seguramente no início da década de 1960), é todo redigido num tom laudatório, cheio de exclamativas, com muitos encómios dirigidos aos últimos governadores que fizeram estradas, portos, trouxeram equipamentos, a saúde, a educação e a cultura; refere sempre que por detrás estão cinco séculos de colonização, que aquela terra é irremissivelmente portuguesa, que houve a obra de um herói chamado Teixeira Pinto, entre outros gloriosos; viaja de Santiago para Bissau, entretanto passa pela Gâmbia e passeia-se por Zinguinchor, em Bissau repertoria tudo quanto se tem construído e mostra os sinais do desenvolvimento. Em suma, uma obra que se regista mas praticamente sem história. Porém, já estamos a caminhar para o final desta exaltação ultramarina quando ele nos traz um capítulo que espicaça a curiosidade, tem o título “Haverá Petróleo?”. Vamos ver o que ele escreve:
“Quando em Abril de 1958 a Esso Exploration Guiné, Inc., que acabava de ser fundada com sede naquela capital e subsidiária da Standard Oil Company, de Nova Jérsia, solicitou do governo permissão para estudar, em primeiro lugar, e realizar depois a pesquisa e eventual exploração de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos que porventura existissem na área da concessão solicitada, grande onda de entusiasmo avassalou a província.
A área da concessão, que ocupa cerca de 40.000 quilómetros quadrados, pode ser definida da seguinte maneira: abrange uma zona continental limitada a norte pela fronteira com o Senegal e a leste pelo rio Geba, e uma zona marítima que inclui o arquipélago dos Bijagós.
A pesquisa do petróleo compreende duas fases que se completam. A prospeção indireta é feita por intermédio de sondagens de profundidade executadas em locais selecionados, com base nas informações obtidas pelas investigações geológicas e geofísicas.
A existência ou não existência de petróleo é uma incógnita a que só as sondagens de profundidade poderão dar uma resposta concreta. As pesquisas por métodos indiretos levadas a efeito pela Esso da Guiné na área da concessão consistiram no reconhecimento geológico e nos levantamentos gravimétrico e sísmico.

Haverá petróleo na Guiné?
Para responder conscienciosamente a esta pergunta, a Esso contratou três grupos de técnicos americanos, aos quais se juntaram alguns portugueses, que realizaram um após outro, importantes trabalhos de campo e de laboratório: levantamento sísmico, marítimo e terrestre de toda a Guiné e levantamento gravimétrico. Aguardava-se com o maior interesse o resultado das sondas perfuradoras quando elas atingissem os lençóis petrolíferos. O poço Safim n.º 1 é um poço exploratório destinado a fornecer informações que permitiriam verificar determinadas hipóteses formuladas pelos geólogos e geofísicos quanto às caraterísticas estruturais do subsolo. Naquele local, situado a menos de 30 quilómetros de Bissau, estabeleceu a Esso um dos seus acampamentos. A sonda funcionava 24 horas por dia. Infelizmente, o poço Safim n.º 1 foi abandonado à profundidade de 3244 pés sem que se tivessem encontrado quaisquer vestígios de petróleo ou outros hidrocarbonetos. O mesmo aconteceu no 2.º  poço – Có n.º 1 –, que foi abandonado à profundidade de 6569 pés. A terceira sondagem – Cagongué n.º 1 –, a 10 quilómetros para oeste de Teixeira Pinto, atingiu cerca de 8000 pés de profundidade. Teoricamente também não assinalou a existência de petróleo, razão por que as pesquisas foram suspensas e os trabalhos dados por terminados. Ao fim ao cabo os americanos souberam aquilo que pretendiam. A verdade é que essa curiosidade custou-lhes rios de dinheiro. Tenho, porém, fortes razões para julgar que não foi trabalho totalmente perdido…”


Na verdade, com o crescendo da luta armada, estes poços foram selados e nunca mais se falou em petróleo. A haver, não passava de conjetura. Depois da independência, como é sabido, as prospeções estenderam-se à plataforma marítima, entre a Guiné e o Senegal, continuavam a não existir resultados conclusivos, mas só a hipótese de haver petróleo fez suscitar um grave litígio entre os dois Estados – ninguém quer perder o quinhão, cedendo um quilómetro de mar ao outro.

Haverá petróleo na Guiné?

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22819: Notas de leitura (1399): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte I: "Muitos parabéns, muitos parabéns, muitos parabéns!"

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22766: Fichas de unidades (22): CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Safim, 1972/74)



Guião da CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Safim, 1972/74).
Coleção: Carlos Coutinho (com a devida vénia...)




Guiné > Região de Tombali > Caboxanque > CCAÇ 4541/72 (Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar e Sanfim,  1972/74) >  c. março de 1974 > Caboxanque > "Monumento em memória dos combatentes da CCaç 4541, "Os Impossiveis".  A companhia regressou a  Bissau em março de 1974.

Foto (e legenda) : © José Guerreiro (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fichas de Unidades > Companhia de Caçadores nº 4541/72 (*)

Identificação: CCaç 4541/72

Unidade Mob: RI 15 - Tomar

Cmdt: Cap Mil Inf António Pais Dias da Silva | Cap Cav Fernando Emanuel de Carvalho Bicho
| Cap Mil Inf António Pais Dias da Silva

Divisa: "Os Impossíveis"

Partida: Embarque em 21Set72; desembarque em 21 Set72 | Regresso: Embarque em 25Ag074

Síntese da Actividade Operacional

Após a realização da IAO, de 29Set72, no CIM, em Bolama, seguiu em 290ut72 para Bula, a fim de efectuar o treino operacional com a 1* Comp/ BCav 8320/72 e, a partir de 12Nov72, assumir as funções de subunidade de intervenção e reserva do sector do BCav 8320/72, em substituição da 3.ª Comp/ BCav 8320/72, já anteriormente transferida para outro sector, tendo efectuado várias acções ofensivas nas regiões de Choquemone e Ponta Matar, entre outras.

Em 01Dez72, substituída por dois pelotões da 2ª Comp/BCav 8320/72, recolheu, transitoriamente, a Bissau.

Em 12Dez72, a subunidade deslocou-se para a zona Sul, sendo colocada em Caboxanque, onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, então criado, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 4 e depois do BCaç 4514/72. Por períodos variáveis, destacou, temporariamente, pelotões para reforço da guarnição de Cadique.

Em 12Fev74, apó a chegada da CCav 8355/73 para treino operacional e a sua rendição no subsector de Caboxanque pela CCav 8352/72, ali colocada do antecedente em reforço da guarnição, seguiu para Safim, a fim de substituir a CArt 3521.

Em 06Mar74, assumiu a responsabilidade do subsector de Safim, com destacamento em João Landim e Capunga, ficando integrada no dispositivo e manobra do COMBIS.

Em 15Ag074, foi rendida no subsector de Safim pela CCav 8355/73 e seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso. (**)

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 114 - 2.ª  Div/4.ª Sec, do AHM).

Fonte : Adapt de CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 417
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de outubro de  2021 > Guiné 61/74 - P22662: Fichas de unidades (21): CCAÇ 2592 / CCAÇ 14 (Bolama, Contuboel, Cuntima, Farim, Binta, Jumbembem, Canjambari, Saliquinhedim / K3, 1969/71)

Guiné 61/74 - P22765: Tabanca Grande (528): Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974). Senta-se no lugar n.º 855, à sombra do nosso poilão


Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72, com data de 27 de Novembro de 2021:

Camarada Luís Graça:

Há cerca de dois meses que tenho conhecimento desta vossa iniciativa e desde então que tenho seguido uma pequena parte das vossas publicações, mas nem preciso de ver mais para considerar este trabalho muito importante para que se escreva a verdade histórica sobre o que foi a Guerra Colonial e em particular na Guiné.

Não há em Portugal consciência da coragem manifestada por estes combatentes neste teatro de Guerra, apesar da insuficiência quer em quantidade quer na qualidade do nosso equipamento Militar, comparado ao do IN.

É também a nossa obrigação, darmos a conhecer aos nossos netos este período da nossa vida, resistirmos e denunciarmos a manipulação dos factos feita por alguns jornalistas sobre os nossos heróis com o intuito de apagar a história, nomeadamente o 25 de Novembro de 1975.

Todos nós temos opiniões diferentes sobre os vários temas abordados, mas ainda bem que é assim, da discussão nasce a luz e já temos idade suficiente para sabermos ouvir mantendo as nossas convicções.

Penso ter em meu poder alguns documentos classificados sobre o MFA na Guiné do período pós-25 de Abril, que ainda não vi publicados. Se acharem que o tema tem algum interesse, estou à vossa disposição para os dar a conhecer.

Sinto que pertenço a esta cruzada e pretendo entrar nesta casa desde que o permitam.

O meu nome é Victor Manuel Ferreira Costa, sou natural da freguesia de S. Julião da Figueira da Foz e resido na freguesia de Lavos do mesmo concelho, nasci a 17 de Abril de 1952, fui recenseado pelo DRM 12 de Coimbra, com o NM  01271573.

Fui incorporado em 26 de Abril de 1973 no RI 5 das Caldas da Rainha, que constam da minha Carta Militar.

No fim da recruta, fui transferido para o CISMI de Tavira, tendo completado o curso de Sargentos Milicianos de Infantaria na especialidade de Atirador de Infantaria e de acordo com a minha classificação passo à categoria de rendição individual.

Colocado no CICA 2 da Figueira da Foz, exerço a função de instrutor, durante 4.º Turno de 73 e o 1.º Turno de 74.

Mobilizado em 4 de Março de 1974 para a Guiné, beneficio de 10 dias de licença e no dia 16 de Março do mesmo ano, a bordo de um Boeing 727 da FAP, chego ao aeroporto de Bissalanca e daí em transporte rodoviário para Bissau, a fim de render um camarada Fur Mil, morto em combate na região de Bafatá.

Fico instalado no QG e aguardo ordens, que chegam uns dias depois. Fazer o espólio de guerra do camarada acima citado.

No final do mês de Março sou colocado na CCaç 4541/72 em Safim.

Nesta Unidade é-me atribuído o comando de uma Secção constituída por mim, 3 Cabos e 7 praças e dou início à minha actividade operacional realizando patrulhas e controlos em João Landim Sul, Impernal, arredores da BA 12 e Capunga. A Norte do Rio Mansoa no destacamento de João Landim Norte, segurança e patrulhas do Rio Mansoa até Bula.

Em Maio de 1974, fui eleito membro da Delegação do MFA na CCaç 4541/72.

Regresso à Metrópole a 3 de Outubro desse ano em avião da FAP.

Com os melhores cumprimentos,
Victor Costa


BI Militar


Certificado Internacional de Vacinação ou de Revacinação contra a Cólera
Declaração de passagem à disponibilidade a partir de 1/11/74

********************
Comentário do editor:

Caro Victor, sê bem-vindo à nossa tertúlia. Ficas no lugar n.º 855, bem à sombra do nosso poilão.  Ficas registado como Victor Costa, como podes verificar na coluna estática do nosso blogue, lado esquerdo, na  TABANCA GRANDE - LISTA ALFABÉTICA DOS 855 AMIGOS & CAMARADAS DA GUINÉ.

Quase, quase te libravas da chatice da guerra. Foste dos camaradas que fecharam o conflito, e daqueles que felizmente não sofreram uma sombra daquilo que nós os mais velhos sofreram. Ficámos felizes por isso.

Como dizes, queremos que o nosso Blogue, além de um repositório de memórias, seja um sítio onde se possa discutir abertamente o problema da guerra na Guiné, particularmente, sem prejuízo de se abordar genericamente o que se passou nos outros TO. Só pedimos às pessoas que respeitem as diferenças de opiniões. Une-nos o mais importante, o enorme rol de sacrifícios passados, a incerteza do regresso, o temor de cada passo dado, a fome, a sede, etc.

Aceitamos o teu desafio pelo que ficamos à espera que nos envies a documentação que tens e aches importante para retratar os últimos dias de guerra que antecederam a paz na Guiné.

Estamos ao teu dispor nos e-mails constantes na aba da nossa página.


Para ti, um abraço dos editores e da tertúlia.
CV

PS - Temos, no nosso blogue, duas referências a um camarada da tua companhia, o José Guerreiro, natural de Portimão, e que procura camaradas como tu... Será que te lembras dele? Vê aqui (**). 

Ele ainda não respondeu ao nosso convite para integrar a Tabanca Grande, tu és pois o único representante da CCAÇ 4541/72 que antes de ti andou pelo sul, pela região de Tombali: Caboxanque, Jemberém, Cadique, Cufar. O José Guerreiro tem conta no Facebool, desde 31/3/2010.
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Notas do editor

(*) Último poste da série de 25 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22661: Tabanca Grande (527): António G. Carvalho, a viver em Ponta Delgada, ex-fur mil op esp, CCAÇ 2592 / CCAÇ 14 (Bolama e Cuntima, 1969/70). É Deficiente das Forças Armadas. Senta-se no lugar nº 853, à sombra do nosso poilão

(**) Vd postes de:

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20391: (De)Caras (144): A liberdade que as motos e as motorizadas nos davam... Ia-se de Bissau a Safim, Nhacra, Ensalma, João Landim... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAC 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)



Foto nº 1 >  Guiné > Região de Bissau >  11 de março de 1968 > Ponte sobre o rio Mansoa, em Ensalmá (, inaugurada em 1952). De motorizada, o fur mil SAM Riquito (Peugeot) e o alf mil SAM Virgílio Teixeira (Honda)


Foto nº 2 > Guiné > Região de Bissau > 11 de agosto de 1968 > Rio Mansoa, João Landim, junto à "famosa jangada"---


Foto nº 3 > Guiné > Região de Bissau > Nhacra, piscina do quartel, 11 de março de 1968


Foto nº 4 >  Guiné > Região de Bissau > Nhacra, piscina do quartel, 11 de março de 1968: um salto mortal...


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira  (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário ao poste P20386 , com data de 27 nov 2019, 23h33,  de Virgílio Teixeira,   ex-al mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1965/67) (*):


Luís, só agora estou a ver estas fotos, excelentes, e de motas a sério, bem como esta mensagem.

Virgílio Teixeira (*)
A minha foto de Safim, está correcta, é em março de 1968, quando o meu batalhão esteve um mês em Brá. Era uma Peugeot, acho que de 50 cc, uma coisa de dar gás, mas que me levava a todo o lado.

Virgílio Teixeira (*)
Depois temos outra em Bissau, na minha nova Honda de 50 cc, ali ao lado era onde se realizava o famoso mercado de Bandim.

Não sei se já foi enviada, estão tantas em postes, mas esta em João Landim (Foto nº 2), junto à jangada que me levou para a outra margem, já não sei o nome do local. Jugudul,  talvez, A mota, que não sei a marca, era de um outro militar, furriel, que está junto de mim.

Tenho outra que também junto, numa outra altura, em que estou eu e o meu Furriel Riquito, na ponte de Ensalma (foto nº 1), e são ambas minhas, a Peugeot e a Honda, mais nova, que tinha lugar para passageiro.

Vejo agora que não tinham matrículas, não devia ser preciso, há aqui uns anos de diferença, ou as motas tinham que ter a matricula ?!

Ambas foram compradas na mesma casa aqui referida, era o representante da Peugeot, e outras marcas e comprei lá ambas, acho que custaram uns 5 contos cada. Não sei o que fiz delas, penso que as deixei por lá, não vendi nada, isso eu sei.

António Martins de Matos (*)
Com aquela de 200 cc [, do ten pilav António Martins de Matos] (*), podia 'abrir' à vontade, e fugir dos turras que por acaso aparecessem, o que não foi o caso.

Em Nhacra no meu tempo, não se comia ostras em parte nenhuma, e em Safim, eram camarões, e talvez ostras, mas não me lembro. Ostras comia por todas as esplanadas em Bissau.

Em Nhacra ia dar uns mergulhos à piscina do quartel, lá de cima da prancha. Junto duas fotos, para os devidos efeitos, estão todas fracas, mas ainda não tinha os dons da fotografia {Fotos nº 3 e 4].

Não parava de contar aventuras, mas tenho receio (medo!) que me venham a dizer que eu fazia a guerra a andar de motorizada, quer pelas aldeias e cidades à volta de Bissau, ou a percorrer o Pilão.

Eduardo Jorge Ferreira
 (1952-2019) e Jorge Pinto (*)
Como se pode ver, quem podia, comprava uma, porque era uma grande independência para a gente desfrutar por todo o lado, sem horários, sem stress [, como era o caso do alf mil Polícia Aérea, Eduardo Jorge Ferreira (1952-2'0199]

Por agora é tudo, gostei de ver novamente as minhas fotos nas minhas loucuras pela Guiné. Tempos, de saudade, pois tinha muito menos idade, e por tudo o mais que não posso aqui  'introduzir' !

P.S. Ressalvo, quaisquer erros, omissões e outras bestialidades que possa ter escrito em cada foto.

Um abraço, podes publicar o meu comentário, se for de interesse.

Um abraço, Virgilio



Guiné > Bissau > Carta de Bissau (1949) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bissau, Bissalanca, Safim, Ensalma, Nhacra, ... De Nhacra a Bissau eram cerca de 20 km. De Bissalanca a Nhacra, por Safim, devia ser um pouco mais... E não havia problemas de segurança na região de Bissau, até ao fim da guerra... 

Decididamente o PAIGC nunca optou pela guerrilha urbana...Pelo menos, não consta que tenha morto ou apanhado à mão algum militar que circulava, de moto, ou de motorizada, pela região de Bissau, na maior das calmas... Afinal de contas, Bissau era uma "ilha" e uma "fortaleza"...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019).
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Nota do editor:

Vd. último poste da série > 27 de novembro de 2019  > Guiné 61/74 - P20386: (De)Caras (117): Eu e o saudoso Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), prontos para ir a Nhacra, de motorizada, comer umas ostras (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)