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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15046: Memória dos lugares (316): Moledo, Lourinhã: a capital do amor, o palco dos amores de Pedro e Inês, ardentes, altamente explosivos, perigosos, clandestinos, subversivos, e de lesa-pátria... Também local (fabuloso, de visita obrigatória) de arte pública, para ver com os olhos... e mexer com mãos (, que nos perdoem a Inês e o Pedro lá no céu dos eternos amantes!) - fotos de Luís Graça












Lourinhã > Moledo > Arte Pública > 25 de agostod e 2015 > Inês, 2 peças de Joana Alves; "Love Captives" [Prisioneiros do amor], de Sana Hashemi Nasl


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


1. É uma feliz e louvável parceria que já vem de, pelo menos, 2010, e que envolve a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa,  a Câmara Municipal da Lourinhã e a Junta de Freguesia de Moledo (hoje, União das Freguesias de São Bartolomeu dos Galegos e do Moledo).  Aqui vai um excerto de notícia publicada, em 15/6/2010, na página da Câmara Municipal da Lourinhã:


(...) "Moledo Com Vida" dá mote a projecto de parceria entre a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e a Câmara Municipal da Lourinhã/Junta de Freguesia de Moledo

Associado à temática de D. Pedro e D. Inês e à sua passagem por terras da Lourinhã, estabeleceu-se uma estreita colaboração entre a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e a Câmara Municipal da Lourinhã/Junta de Freguesia de Moledo, com o objectivo de, conjuntamente, se proceder ao desenvolvimento de acções comuns, para prossecução do projecto “Moledo Com Vida”.

Assim, e, no momento, está ser desenvolvido o projecto “Escultura Pública”, o qual conta com a participação de um grupo de cinco alunos do Mestrado de Escultura Pública, que ao longo do ano lectivo 2009/2010 trabalharão a temática de D. Pedro e D. Inês de Castro, associada, essencialmente à localidade de Moledo.

Esta acção conta com a colaboração dos Professores Escultores António Matos e João Duarte, responsáveis pela disciplina “Projecto e Laboratório de Escultura Pública”, e dos alunos/escultores: Constança Clara, Denise Romano, Francisco Cid, Joana Alves e Roberto Miquelino, os quais oferecerão os seus trabalhos à Junta de Freguesia do Moledo, para exposição permanente, tendo apenas esta que disponibilizar o espaço expositivo, bem como o material para os trabalhos.

Neste sentido e, de modo sucinto, irão descrever-se as respectivas obras, sendo que quatro delas serão executadas em duas oficinas da freguesia.

Constança Clara: o trabalho pretende dialogar com dois spectos: o paço (palácio), outrora existente, que terá albergado o casal enamorado com a colaboração dos habitantes da aldeia. Neste contexto, a população oferece pedras, à escultora, que simbolizam a referida edificação que aí existiu, com as quais ela construirá a sua instalação, na zona da Beira Rio, sendo este trabalho um dos grandes pretextos para a requalificação dessa zona;

Denise Romano: numa alusão à coroação póstuma de D. Inês de Castro, este trabalho consiste numa representação de uma “ausência presente”, com a construção de um trono, no qual figura a presença da referida donzela. Os materiais utilizados são o aço inoxidável e a pedra de uma pedreira situada na freguesia;

Francisco Cid: uma representação de D.Pedro e D.Inês numa perspectiva intemporal, a qual figura sobre os seus túmulos;

Joana Alves: a impossibilidade de representar a vida sem a morte. O corpo enquanto ser em metamorfose para a morte. Neste caso o leito de morte é uma banheira em que o corpo, delicadamente, se separa da vida; onde se materializa um afastamento e se impõe uma distância. Este trabalho, todo feito em pedra, extraída de uma pedreira situada na freguesia, consiste na construção de uma banheira que assenta sobre quatro pés, réplicas dos que, no Mosteiro de Alcobaça, sustentam o túmulo de D. Inês de Castro;

Roberto Miquelino: reporta-nos ao tema do amor e, nesse contexto, surge o coração, como elemento indicador e demonstrativo do amor, através de dois ventrículos, sobre os quais se exerce a acção reflexiva. O material eleito para este coração gigante é o metal.

Trata-se, então, de um trabalho académico, que estará concluído no dia 24 de Junho de 2010, data da sua inauguração, com a participação de todos os intervenientes. Até lá, e como já foi referido, quatro dos cinco escultores estarão a trabalhar na aldeia, com o envolvimento de uma grande parte da população, seja na entrega das pedras, como acontece com o trabalho da escultora Constança Clara, seja nas oficinas locais, onde Joana Alves, Roberto Miquelino e Denise Romano, trabalham nas suas peças, a par dos outros trabalhadores das mesmas oficinas, seja nas escolas, com as visitas de estudos que têm sido organizadas pela autarquia em conjunto com as escolas da Freguesia." (...).

As fotos acima publicadas são de 2 obras recentes, inauguradas em 2014, e que eu ainda não conhecia: "Inês", 2 peças de Joana Alves; e "Love Captives" [Prisioneiros do amor], de Sana Hashemi Nasl. Há uma terceira peça, "Relógio de sol", de Teixeira Lopes (de que não tenho fotos).

O Moledo, pequena povoação do planalto das Cesaredas, terra rica de história(s) e património (cultural e natural), já aqui tem sido evocado no nosso bloguie, nomeadamente pelo seu monumento aos combatentes do ultramar, erigido em 2005. Pelo TO da Guiné, passaram, 15 dos seus filhos, todos felizmente tendo regressado vivos a casa.



Lourinhã > Moledo > 2 de Agosto de 2010 > Monumento aos combatentes do ultramar > Passei por lá, pelo Moledo, numa manhã cinzenta de verão, mas gostei do monumento erigido em 2005, em terra que foi de amores ardentes mas altamente explosivos, perigosos, clandestinos e de lesa-pátria, os de Pedro e Inês... Gostei do singelo monumento aos combatentes da(s) guerra(s) do ultramar, não apenas os mortos mas também os vivos... Não apenas os de Angola, Guiné e Moçambique... mas também os que passaram por Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, e mais tarde pela Índia" (...). 

Nesta pequena e bonita aldeia  do concelho da Lourinhã, distrito de Lisboa, e que foi sede da freguesia do mioledo até 2013, situada no planalto das Cesaredas, nenhum combatente morreu, por doença, acidente ou combate em África, durante a guerra colonial (1961/74)... Acima, a publica-se uma foto com, um detalho do monumento, em que se listam os 15 combatentes que passaram pelo TO da Guiné.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.

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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13920: Blogoterapia (263): O Homem entre o Amor e a Guerra (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 13 de Novembro de 2014:

A adolescência é uma fase difícil da vida, em que o homem procura construir uma identidade com bases sólidas que lhe dêem segurança para o futuro. Nesse tempo sofri bastante sobretudo por duas causas: Sendo o tempo de despertar para o amor e para o sexo e eu como a maioria dos rapazes do meu tempo estava mal preparado para enfrentar esse choque originado pela transformação física e psíquica que ocorre. A atração súbita pelo outro sexo vai alterar toda a nossa rotina de vida de conversas, pensamentos e passatempos que vínhamos mantendo com amigos e colegas, sem sobressaltos desde meninos. Até esse despertar as raparigas eram-nos indiferentes pois elas tinham outras brincadeiras e outros interesses.

Pouco habituado a ter conversas com elas e cheio de preconceitos e tabus, fruto da sociedade conservadora, patriarcal, autoritária, religiosa e obediente a todas as regras proclamadas pela Igreja Católica quando senti urgência em me aproximar delas não sabia muito bem como o fazer, pois elas sempre me pareceram pertencer a outro mundo.

Essas paixões platónicas pelas raparigas paralisavam-me e dificultavam-me uma abordagem descontraída sobre esses temas mesmo quando por alguns sinais eu suspeitava que elas estavam à espera duma iniciativa nesse sentido. Cheguei a criar ilusões numa ou outra rapariga com declarações que em tom brincalhão lhes fazia, com todo o à-vontade, pois por essas não sentia atração. Nesse tempo vivi eu e muitos outros, segundo me parece, em silêncio, paixões arrasadoras. Também é verdade que no geral as raparigas, bastante tímidas e reservadas, não davam qualquer ajuda, lançavam uns olhos meigos ou brilhantes que nos incendiavam as noites os dias e era tudo. Nesse tempo vi olhos muito lindos e faiscantes, os olhos das raparigas brilham mais.

Quando me despedi em Vila Real da minha mãe, irmãs e irmãos, que estavam lá a estudar, levei comigo na memória para a Guiné além das lágrimas da minha mãe e dos meus irmãos, uns olhos verdes, duma colega duma irmã minha. Olhos tão verdes e tão lindos como Almeida Garret esse escritor romântico descobriu no vale de Santarém, nas Viagens da Minha Terra.

"Olhos verdes!...

"Joaninha tem os olhos verdes.
"Não se reflete neles a pura luz do céu, como nos olhos azuis.
"Nem o fogo - e o fumo das paixões, como nos pretos.
"Mas o viço do prado, a frescura e animação do bosque a flutuação e a transparência do mar...
"Tudo está naqueles olhos verdes.
"Joaninha, por que tens tu os olhos verdes? " 

Almeida Garrett"

Porém fui para a Guiné, cansado de amores intocáveis e à distância, não quis deixar namorada, correspondente ou madrinha de guerra. Na altura, já numa fase mais racional da minha vida, achei que uma fidelidade tão longa seria demasiado exigente, como longos e exigentes são em amor, envolvimento e carinho os vinte anos de ambos os sexos.

A curiosidade intelectual revela-se no homem pouco depois de começar a falar e acentua-se nos primeiros anos da meninice. É a idade dos porquês, que todos os pais conhecem. Quando chega a adolescência, o homem já com mais conhecimentos e uma inteligência mais desenvolvida, na solidão da sua mente, faz perguntas mais elaboradas e com outro alcance que têm a ver com os mistérios da existência, da morte, da terra do universo etc.

Tantas duvidas tantas perguntas, algumas que se repetem tanto, noite e dia numa intermitência capaz de enlouquecer qualquer ser bem pensante. Até a um termo em que a terra acaba e o mar começa e ficamos sós e pensativos entre a imensidão dos céus que nos cobrem e o abismo do mares profundos que se alargam em horizontes sem fim. Sós perante as perguntas primordiais. PORQUE? PARA QUÊ? É um caminho dialético e difícil, que cria em nós essa ilusão que sendo superiores em inteligência aos outros animais, tão próximos dos deuses que nos criaram, seremos capazes de decifrar os grandes mistérios da vida. No final ficamos perdidos e sós entre esse céu e esse oceano que nos esmagam pela sua imponência e que não nos dão um tratamento diferente do que dão às aves ou aos peixes

Como romeiros pelas estradas de Santiago, chegamos a Compostela levados por essas estradas da terra e da mente já cansados e doridos no corpo e na alma e depois dessa longa caminhada descobrimos que só nos resta a fé para nos salvarmos do vazio a que nos conduziu a nossa longa caminhada. Como num sonho confuso não sabemos se devemos recolher-nos na Catedral de Santiago ou caminhar pelo mar na esperança que algum Deus separe as águas para nos salvar ou que nos deixe dormir em paz sob esse grande lençol de água imenso, tão liquido e aconchegante como o ventre da nossa mãe que nos deu a vida.

A minha santa mãe, durante muito tempo pensei que era a melhor do mundo, já tarde apercebi-me que as mães dos outros também eram as melhores. Mãe que me ensinou a rezar e que tinha uma crença religiosa mais sólida do que as largas paredes da igreja da paróquia não me conseguiu transmitir essas verdades.

Nunca consegui resolver essa equação tão difícil que reside entre o mistério da vida e da morte. Nascemos do nada? Morremos para voltar a esse nada?

Revi recentemente num canal de televisão as batalhas cruéis que se desenrolaram tanto na 1.ª como na 2.ª Guerra Mundial, em que milhões de jovens, dum lado e do outro do conflito, foram empurrados para uma morte certa, como se fossem carne para canhão.

Pensando no mistério da vida da morte, eu, um não crente, apiedado por tantos mortos, tão jovens e transbordantes de energia e entusiasmo, sou quase levado a crer, como alguns muçulmanos, que eram esperados nos céus por 30 virgens

No final das guerras há sempre conversações para restabelecer a paz e dividir as riquezas das nações, com prejuízo naturalmente para os beligerantes derrotados. Depois do renascimento, do século da luzes, do aufklarung alemão, depois da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, porque é que os países não discutiram as formas de evitar essas guerras terríveis em que o homem deixa de ser um ser humano civilizado para passar a ser a besta do Apocalipse. Desde a 2.ª Guerra Mundial até hoje, os setenta anos já passados, são muito pouco tempo em termos históricos para haver uma alteração de mentalidade do homem.

Na opinião de outros não há cultura, tratados ou proclamações de direitos que curem o homem do seu instinto guerreiro e destrutivo, pois esse instinto reside na parte mais antiga e funda do seu cérebro que a razão não consegue dominar. São tempos terríveis em que o homem se transforma na fera que terá sido nos primórdios da sua existência, e semeia a morte e destruição à sua volta.

A harmonia do universo, essa verdade proclamada por alguns teólogos e filósofos, no que concerne ao planeta Terra, é desmentida pelo espectáculo de devastação, destruição e morticínio que aconteceram um pouco por toda a Terra nas duas últimas grandes guerras. As guerras são uma constante histórica de todas as civilizações se fizermos um estudo do passado do homem.

A Bíblia, que é uma história da humanidade, segundo alguns bastante fantasiada, que usa muito a parábola, ainda antes de Jesus Cristo, que foi um mestre no uso dessa figura de estilo, conta a morte de Abel por seu irmão Caim por ciumes, quando a terra imensa, ainda era só deles. Se quisermos ser pessimistas e olhar para a História pelo seu lado mais negro, chegaremos à conclusão que o homem é o mais bruto e selvagem de todos os animais, pois as guerras por toda a terra têm-se sucedido a um ritmo impressionante.

Será a guerra inevitável? Iremos morrer todos numa 3.ª guerra mundial?

Está provado que o homem tem aprendido pouco com a História e estão sempre a surgir loucos destruidores e sedentos de sangue.

Segundo alguns, na idade moderna os políticos que declararam as guerras e os generais que as comandaram, no geral ficavam sempre protegidos na comodidade dos seus luxuosos gabinetes na retaguarda, o que terá provocado um maior número de mortos. Esses generais e políticos davam aguardente, rum ou zurrapa aos soldados para mais alegremente morrerem por uma pátria, por uma bandeira, onde eles afinal não passavam de escravos ao serviço dos grandes senhores.

A minha homenagem a todos esses jovens condenados e sacrificados, dentre eles aos 7000 portugueses que morreram na Flandres na 1.ª Guerra Mundial.

"Nos campos da Flandres crescem papoilas
Entre as cruzes que, fila a fila,
Marcam o nosso lugar; e no céu
As cotovias, ainda corajosamente a cantar, voam
Escassas, fazendo-se ouvir entre as armas abaixo.

Nós somos os Mortos.
Há poucos dias atrás
Vivíamos, sentíamos o amanhecer, éramos amados; agora repousamos
Nos campos da Flandres.

Tomem a nossa guerra com o inimigo
A vós entregamos, das nossas mãos moribundas,
A tocha; que seja vossa, para que a mantenhais ao alto.
Se traírdes a nossa fé, dos que morremos,
Jamais dormiremos, ainda que cresçam papoilas
Nos campos da Flandres."

John McCrae

Um abraço a todos
Francisco Baptista
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13582: Blogoterapia (262): Algo de estranho e sinistro (Amado Juvenal, ex-1.º Cabo Cond Auto do BCAÇ 3872)

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13271: Manuscrito(s) (Luís Graça) (32): Estavam lindos os jacarandás quando deixei Lisboa... (Luís Graça)








Lisboa > Parque Eduardo VII, junto à praça Marquês de Pombal e à av Joaquim António de Aguiar > 7 de junho de 2014 > Os jacarandás em flor


Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.



Os jacarandás de Lisboa 
ou o puro azul do desejo

por Luís Graça


Estavam lindos os jacarandás
quando deixei Lisboa
e o Tejo, ao fundo.
Eram o puro azul do desejo,
o azul do lápis lazúli.
o azul mais inebriante do mundo.

Para trás, ficava o sulco de uma canoa
e o cheiro a alfazema de Alfama.
No teu quarto,  
de hotel barato,
o sofá-cama desfeito
era um certo jeito 
de dizer adeus,
um jeito tão português, tão nosso, 

o nosso fado, dirás,
ora batido ou chorado,
ora dançado ou cantado.

Falar da saudade de quem fica,
não posso,
nem devo dizer do desejo de quem parte,
que o amor é ciência e é arte.
Subo aos céus,
em avião a jacto
que corta o planeta
em duas metades laranja ao pôr do sol.

Não sei se é amor, de jure et de facto,

ou apenas sorte o arco-íris da tua paleta
com que pinto Lisboa de jacarandás.
Mas que pode a imaginação do poeta,
quando o coração, mais forte,
pensa que manda ?

Em Lisboa, cidade aberta,

eram os teus lábios de girafa
que eu em vão procurava
nas folhas das acácias vermelhas
com que imaginava, coberta, 
... a ilha de Luanda!


Portugal, Lisboa, Parque Eduardo VII;
Angola, Luanda, Ilha de Luanda, Clínica da Sagrada Esperança, junho de 2012.

sábado, 8 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12811: Manuscrito(s) (Luís Graça) (26): As intermitências do amor ou uma canção ligeiramente desesperada, ao cair do pano do Dia Internacional da Mulher, para todas as nossas amigas de Alex, no país sem retorno...

As intermitências do amor

por Luís Graça

Na bicha das cinco da tarde,
no pára arranca do trabalho casa trabalho,
pára não pára,
arranca não arranca, empanca,
a vida, 

a vida tão cara, 
tão avara,
tão complicada às vezes,
à tarde, 

uma mulher só na cidade,
formiguinha no meio do grande formigueiro humano,
ouves o sax do velho Luís Morais,
evocando as cores das impossíveis ilhas tropicais,
às cinco da tarde, 
na RDP África,
Lura, essa voz magnífica,
amor ca tem
o amor que não há,
o amor que não chega, 
nem por e-mail,
toupeira, 

nas autoestradas das linhas de montagem
onde pára arranca empanca a vida,
em viagem,
ah! que pena, 
já não se escrevem mais cartas de amor,
diz o locutor de serviço,
com selo e lacre, 

envelope fechado 
e carimbo do correio,
entregue pelo moleque lá no musseque,
para certificar a data-hora dos nossos desencontros,
aqui e agora, 
ou lá no Puto, Portugal,
a propósito de alguém que se foi embora
e de quem não fizeste o luto,
o namorado que irá morrer na guerra colonial.

Tiram-te a pele, 

o tutano,
e, de permeio, o amor, 
o doce engano,
e não há coração que aguente
o pára arranca da bicha do trabalho casa trabalho,
a gigantesca centopeia de homens e mulheres sós na cidade,
na segunda circular, 

no IC 19,
na mesa a toalha barata, 
aos quadrados,
a sopa fria, 
os fugazes amores de verão,
os suores da meia estação,
veste, despe o robe,
e no outono a depressão,
e se há inferno é no inverno,
a massa fria polar

da solidão,
a caixa do correio cheia
por causa dessa coisa do spam,
desesperando por esperar
um toque de telemóvel, 
um msn, 
um sinal,
a campaínha,
a cama, 
os lençóis desfeitos,
à tarde, demasiado tarde para amar
no Monte Abraão,
uma mulher no pára arranca empanca da vida,
nos anéis circulares da cidade sitiada,

a cidade anaconda,
a paixão de quarentena
aos cinquentas e tais,
o corpo exangue, 

o desejo, surfando na onda,
a doença do amor, letal,
proibido amar,
diz o semáforo, vermelho,
e não é amor, é dor,
é saudade, diz a morna,
que o B.Leza faria cem anos
se ele ainda hoje fosse vivo,
lá no Mindelo piquinino,
às cinco da tarde a casa vazia,
os filhos que partiram
mas deixaram cá as fotos, emolduradas,
de quando eram bebés,

lindos de morrer,
ternurentos,
e eram filhos de sua mãe,
ah! as intermitências da liberdade vigiada,
o guarda-mor da saúde, totalitário,
mantendo tenso o cordão sanitário
que estrangula a vida,
a pele esticada, 
o tutano chupado,
a merda da vida, fodida,
que o aumento esperança média de vida te traz,
sobre os carris dos quilómetros 

do teu têgêvê sem futuro,
as contas por pagar,
a casa hipotecada à banca,

os anos que faltam para a reforma,
o risco de cancro da mama,
a carreira amorosa congelada como a feijoada,
o multibanco do coração cor de rosa fora de serviço,
os cheques que vencem 
antes de a paixão esfriar e morrer,
ao virar da última rua do quarteirão,
no pára arranca empanca
da casa trabalho casa,
e o Ribeiro Sanches, 
físico-mor do reino no exílio,
a dizer-te que não há cura para os males de amor
e, se a paixão é doença, 
não sei o que fazes aqui,
parada na maldita picada,

minada,
que te leva do trabalho para casa
e da casa para o trabalho,

e um dia para a casa mortuária,
o ninho da cegonha abandonado,

a casa vazia,
a sopa fria no prato,
o trabalho sem pica,
a vida sem sal, 

sem o teu chabéu de comer e chorar por mais,
stress, the kiss of death 
or spice of life,
cada meco a falar sozinho
para o boneco,
no bar do fast food,
emparedado,
no comboio do Cacém,
no autocarro da Carris,
na CRIL, na CREL
,
no carro comprado a prestações,
o último amante, romântico ma non troppo,

morto em Israel,
os amigos de Alex cada um para seu canto,
e o baile, combinado, dos anos sessenta
que ficou para as calendas gregas,
quando a crise acabar,
as flores no cabelo,
o Make Love Not War,

o All You Need is Love,
Vietname nunca mais,
black power
blá-blá…
em plena guerra fria a quente,
o terror do nuclear ao sol poente.

E a tua velha senhora no fim da estação da vida,
em casa à tua espera,

o Alzheimer devastador,
o avião  que não mais faz escala na tua África perdida,

na tua adolescência de Luanda e as suas ilhas, 
a restinga do Mussulo,
o meu tarrafe do Geba,
as balas tracejantes,
o teu Huambo sem meninos à volta da fogueira,
o comboio para Benguela metralhado,
os erros meus,
as doces ilusões,
terríveis as deceções,
as tuas negras emoções,
os amanhãs que não cantam mais,
o mundo que a gente queria mudar de repente,
assim com um toque de varinha mágica,
a crise de valores,
a profusão de cores,

o pilão dos teus cheiros e sabores,
e a muamba que já não é mesma muamba,
nem muito menos o óleo de palma,

a cachupa do nosso contentamento,
aos fins de semana,
o muzonguê frio no fim da rebita,
de manhã ao acordar, 
para mais um dia, sem pica,
para afivelar a máscara 
e desempenhar os papéis
que os outros esperam de nós,
l’enfer, c’est les autres,

o inferno são os outros...

Não te adianta, amiga,  chorar 
sobre o leite de coco derramado,
ou dizer que fizeste tudo errado,
o amor da tua vida, 

o curso, 
o emprego,
os filhos, 
o país de retorno que não era o teu,
o divórcio,
o século ao dobrar do milénio,
a liberdade avençada,
porque é esta é a tua história, 
mesmo indevida,
este é o teu tempo e o teu lugar,
e até pode ter um final feliz,
a tua telenovela das cinco
no pára arranca empanca da vida,
só depende da autora do guião
e do tempo de reflexão que antecede a ação,
deixa o carro na garagem, 
compra um passe social,
vai a pé ou de metro,
mas não trepes pelas paredes,
atira a matar, 

não de Kalash mas de ternura,
direitinho ao coração
que diz que não aguenta mais uma paixão 
aos cinquenta e tal,
querida amiga, afinal,
fomos feitos para amar 
e desamar, 
esperar e desesperar.
viver e morrer,
e não há volta a dar,
se há uma antídoto para a morte,
é o amor, 
escrevia o Saramago, o mal amado,
e eu acho que ele tinha razão,
mas o meu livro de culinária existencial
diz para lhe acrescentares
uma pitada de humor quê bê,
ao amor...
Se conseguires rir-te do amor, 
estás salva.

Carpe diem, amiga,
compra um bom vinho tinto, 
encorpado, 
do Douro ou do Alto Alentejo,
e põe um cêdê,
ouve a tua Mariza Monte
ou grita à janela do Monte Abraão
Amor I Love You,
porque gritar faz bem,
gritar à janela a plenos pulmões
liberta a tua energia negativa,
esses miasmas, esses iões,
manda à merda esses cabrões.
e depois senta-te,
no sofá,
desliga a droga da televisão
e põe a máscara da tua serenidade,
respira fundo,
dá tempo de antena a ti própria,

lambe as tuas próprias feridas,
que a vida não se delega, 
nem se congela,
nem se põe entre parênteses.
Ou então pinta um grafito 
nas muralhas da cidade.
Vi um há dias:
Amor ? Amor ? … Amor és tu!
Só podia ser de um adolescente,
apaixonado, doente, 
como tu,
no teu caso, eu sugeria 
uma pequena emenda, subtil:
Amor ? Amor ?... Amor sou eu!


E ninguém morre, louco, 
de amores intermitentes,
no píncaro do verão da nossa raiva, 
aos quarenta graus centígrados,
com as febres palúdicas,
com as velhas e malditas sezões da África nossa,
no pára arranca empanca do trabalho para casa
e da casa para o trabalho:
dizem que a vida é bela
e que, afinal,
somos nós... 
que damos cabo dela.

PS – Querida amiga de Alex, 
minha querida amiga,
no país sem retorno,
não sabia o que te dizer 
com princípio, meio e fim,
mas se isto fosse um poema, 
era recado,
uma canção ligeiramente desesperada,
a deixar no voice mail,
e seria uma coisa assim,
sem palavras a mais:
vais ver que a dor passa,
que, com esse  coração, ainda aguentas,
e que já não é pecado,
o amor aos cinquentas... 

e tais.

Alfragide, 15/12/2015. Revisto, 8/3/2014

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12804: Manuscrito(s) (Luís Graça) (25): O Pepito que eu conheci... em 16/2/2006 e que, no fim da conversa de 1 hora, me fez um pedido algo insólito: um obus 14 para o Núcleo Museológico Memória de Guiledje...

sábado, 25 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta...

1. Mensagem, com data de 12 do corrente, do nosso camarada Ricardo Almeida [, ex-1.ºcabo, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]


Boa tarde,   Luís,   com um abraço.

Dando seguimento à solicitação de segredos guardados enquanto combatentes... Com alguma relutância, amargura e muita tristeza que me vai consumindo a alma, divulgo como o destino se encarregou de torturar-me, enquanto tiver vida para recordar.

Esta recordação que nunca apago da mente nem do coração, reporta-se a uma madrinha de guerra à qual devo gratidão eterna pelo apoio moral e psicológico que me deu enquanto combatente, doente com uma moléstia terrível, redundando isto num amor fraterno, solidário e muito apego à vida que ela me transmitia tanto nas cartas que me escrevia, como depois pessoalmente, como quando trocámos promessas de vida em comum e casamento, testemunhado no interior duma capela pelo santo que lá existia e que parecia concordar com a nossa decisão. 

Hoje vou-lhe pedindo perdão no silêncio dos meus silêncios, pela atitude que tomei, enquanto ela espera por mim,  cumprindo a promessa de nunca ter a seu lado outro amor na sua vida. Hoje, ao refletir na minha atitude, só encontro uma explicação: a moléstia de que eu padecia e os médicos dizerem-me que era muito grave, levaram-me assim a proceder. O meu raciocínio parava no tempo,  os pensamentos atropelavam-se,  levando-me muitas vezes a devaneios e loucuras.

Como poderia eu cumprir a promessa se não tinha a certeza se ficaria bom e capaz de constituir família, submeter-me a internamentos e não ter meios para angariar subsistência familiar? Por isso tomei aquela atitude da qual ainda não saí nem voltarei a sair enquanto respirar. Então surge no meu cérebro o clique do rompimento,  dando-lhe a primeira sapatada tão violenta e demolidora que até eu chorei ao reler o que lhe escrevi. 

Toda a história tem um princípio e um fim e a minha não é diferente: sou do [BCAÇ] 2879 e da [CCAÇ] 2548 sediado em Farim,  sendo que a dita companhia subdividia-se em pelotões que, por sua vez,  eram colocados em vários sectores,  sendo o meu, o  terceiro [pelotão],  colocado no K3. Certo dia ao regressar duma patrulha tive a ideia de escrever vários aerogramas, com os seguintes dizeres: 

( Ao carteiro da terra tal:) À  primeira moça que encontrar o desconhecido; levando como remetente, um coração triste no mato o desiludido. 

Dos ditos [aerogramas] só um foi respondido. Vejamos o que dizia:

(...) Foi-me entregue no dia 22/10 de 69 um aerograma que li com atenção e regozijo-me ser sua madrinha de guerra apesar de saber que não me era dirigido. Mas, no entanto,  se deseja uma madrinha e não se importa em ser eu, responda-me de novo. (...)

Então a esse aerograma sucederam-se mais, dando origem a que ganhasse afeição e  amor a essa jovem. Já no HMDIC [ Hospital Militar de Doenças Infecto Contagiosas, ou Hospital Militar de Belém] ]e com as hemoptises [, expectorações de sangue,]  por companhia,  tentei escrever-lhe para dar-lhe a notícia que me encontrava em Lisboa mas fui aconselhado a não fazê-lo,  devido ao meu estado debilitado e agora alguns aerogramas eram-me remetidos pelo SPM 6118. 

Até que, debaixo do meu estado febril, consegui articular algumas palavras ao soldado ali de serviço, o que ele acedeu de bom grado. A partir daí desenrolam-se as viagens e consequentemente as visitas quase diárias. Perdura na minha mente, na primeira ou segunda visita, ter uma hemoptise tão violenta que o sangue espirrou sem o poder conter e ela, com a mão na minha cabeça, dando-me alento e coragem para não desanimar,  que tudo se comporia.

Foi debaixo deste sentimento que tomei a decisão de tudo acabar ali,   deixando-a livre para governar a sua vida,  uma vez que era jovem e poderia arranjar um companheiro que lhe desse alguma segurança pela vida fora. Tal não veio a acontecer, conforme o acima relatado. Então,  já me podendo soerguer na cama,  escrevo-lhe a célebre carta:

(...) Hoje desprezo-me a mim próprio por tê-la conhecido e deixar que as coisas tomassem o nefasto rumo.  (...) 

só peço que ao receberes
esta carta afinal
tenhas o que mereceres
pois não te desejo mal.
Peço-te unicamente
que me dês o que é meu
por eu não ser coerente,
sofres tu e sofro eu.
Não sei se isso para ti
ainda tem significado,
creio que já sugeri
que tudo isso é passado.
Da minha parte acabei,
não voltes a pedir-me amor
pois de ti já nada sei,
já não alimento essa dor.
Eu não queria conhecer-te
na menina que amei.
pois já não quero rever-te,
reconheço que me enganei.
Peço desculpa se ofendo
mas não é minha intenção
porque eu isto revendo
só torturo o coração.
Já sofri muito, o bastante,
quando deixei de te amar.
hoje sou homem constante,
já nem quero recordar.
De certo vais estranhar
esta carta assim escrita,
pois não é para admirar,
meu coração já não grita.
Jurei à vida indiscreta
por ti, por mim e por mais
que esta coisa é certa,
de nos vermos nunca mais!
Se hoje estás arrependida,
tu mesma foste a culpada
por não saberes que a vida
só por si é já amada.
Agora para terminar
peço-te um grande favor,
esquece que está a acabar
o nosso sedento amor.
Vou terminando a final,
esperando que me escrevas,
pois não te levo a mal
o que digas ou o que pensas.

Interpretando a carta à sua maneira, a resposta [dela]  era a seguinte:

(...) Meu amor,  desejo em primeiro a tua saúde. Rik, recebi onde vi tudo quanto me dizias. Então estás assim tão desanimado! Nem tens mais confiança em minhas orações, porquê,  Rik? Se eu te amava agora mais do que nunca te amo,  com mais fervor, visto que sofres tanto. Não me interessa; não me importo esperar por ti dois ou três anos , quero casar contigo mesmo assim; nada me importa do que digam ou do que possam dizer; mais uma vez te digo que não quero perder-te por nada, não te quero trocar por ninguém. Quando comecei a namorar-te,  portanto quando te aceitei namoro, já te encontravas no hospital, já te encontravas também doente; por isso, tentei sempre dar-te coragem, calma e continuo a fazê-lo,  meu amor. Fizeste-me chorar amargamente como nunca tinha chorado em toda a minha vida e continuo a fazê-lo. Cada vez que penso no que me dizias na tua carta e quereres dar fim a tudo...

Mas eu ainda não o fiz, ainda não pus fim nem vou fazê-lo a tudo isto, ao nosso amor. Deixares-me assim sem quê nem para quê, que tristeza; nunca supus isso de ti.

Rik se me abandonas assim desta maneira, eu dou cabo de mim! Porei fim á minha vida ou adoecerei, quem sabe? Não quero mais homem nenhum; amo-te e amar-te-ei até ao fim da minha vida; até à hora da minha morte que talvez seja mais rápido do que todos pensam.

Eu que só quero a felicidade de todos e ela, para mim,  não vêm; ela não quer nada comigo. Não me queres amar mais ou então nunca me amaste; terás outro alguém que tirou o meu lugar no teu coração? Preferia que me dissesses se é isso que aconteceu! Mas se não aconteceu e se é por estares doente, acredita em mim esperarei por ti o tempo que for necessário. Quero-te tal qual como és; sabes que o amor não escolha a saúde ou a doença; o amor é uma coisa tão forte que não olha a nada disso; amo-te e é tudo.

Ricardo,  amar-te-ei sempre...

Se eu era incansável a pedir a Deus por ti, hoje mais do que nunca o faço porque sei como te encontras. Mas hás-de curar-te felizmente. Há tantos assim! Ou não é verdade? Muitos ainda em pior estado que tu! Não desanimes e pede a Deus por ti e por mim. Ele nos há-de ajudar, Ele te há-de curar, Ele é bom e nunca nos abandona,  pelo contrário, nós é que o abandonámos,  nos. esquecemos Dele. Vamos então orar-Lhe por ti, não queiras sofrer mais nem fazeres-me sofrer assim. O amor,  a Paz,  é tudo tão lindo! Mas eu quero sofrer também contigo.

Oh se eu pudesse dar a vida pela tua saúde, acredita que o faria; porque sabia que iria dar saúde àquele que tanto amo e que só ele para mim existe. Disse-te mais que uma vez que se algum dia me deixasses que não queria mais homem algum e continuo a dizê-lo constantemente até quando Deus quiser.
Quero sofrer neste mundo e alcançar a vida eterna; ir para junto dos seus anjos.

Teus pais, teus irmãos e o resto da tua família sabem de tudo isto? Da tua doença e da tua conduta para comigo? E que me queres deixar assim tão repentinamente? Diz-me; escreve-me sempre nem que sejam só como amigos.

Mas tu para mim és o meu primeiro amor e continuarás a sê-lo,  o meu único amor,  quero saber sempre noticias tuas. Agora uma coisa que te peço,  que te suplico-te, Rricardo: nunca me amaste, pois não? Eu não era a mulher que tu supunhas encontrar? uma moça simples,  simples de mais. Se não me amavas porque não me disseste logo? Então porque me beijaste? Preferia que isso nunca tivesse acontecido. Mas eu pressentia o que me poderia acontecer; lembras-te quando te disse que não devias beijar-me! Então porque quiseste saber tudo à cerca de mim e da minha família? Agora sei que quiseste fazê-lo para saberes como eram!

Disse-te tantas vezes que o amor está acima de tudo isto. Achas que procedes bem com essa tua atitude? E porque não me achas mais a mulher escolhida por Deus e por o destino? Só eu estou no mundo para receber tudo isto mas, apesar de tudo,  continuo a amar-te e amar-te-ei sempre. Quem sabe se até com isto tudo e de tanto pensar, eu irei também para junto de ti? Doente, sim; não achas que é caso para isso? Tu, se continuasses a amar-me,  pensas que me interessava se as tuas melhoras fossem a pior? Que me importava que dissessem que eu amava um homem morto,  como tu lhe chamas? Não, Ricardo, nunca teria boca para renunciar ao amor dum homem que lutou por mim, pela Pátria, por nós todos. Quero ver-te curado, quero ver-te feliz porque tu merece-lo ser. Se é que não me enganaste,  claro! Mas nunca supus isso de ti. Dizias que nunca esquecerias a minha amizade mas esqueceste o meu amor,  a coisa mais valiosa que te dei. Esqueceste tudo isso; mas pronto, faz o que quiseres.

Mas fica sabendo que nunca deixarei de te amar. Cada vez que penso nisto nem sei para o que me dá... Tirar-me já do mundo mas isso era um pecado que Deus não me perdoaria, por isso estarei aí chorando horas esquecidas, e prostrada de joelhos toda a noite, velando pela tua saúde e pelo teu bem estar nesse hospital. Não sou assim tão má e dura como pensas porque, como sabes, Deus perdoou a quem o matou,  Ricardo. Porque não fazemos o mesmo?

Perguntas-me se quero as minhas fotografias, então é porque já estás cansado de vê-las. Ou não as podes ter contigo? Oferecidas com o pensamento em ti,  ao homem que veio despertar meu coração para o amor e, agora, o deixa ou deixou tão triste, tão escuro e tão magoado. Mas, enfim, vocês,  homens, não pensam, não sabem, o quanto isto custa sofrer por amor e morrer.

Jesus morreu pelo amor dos homens, pelos nossos pecados e eu morrerei de amor por aquele que ia considerar meu marido.

Por hoje está tudo e peço-te, chorando,  que me dês sempre noticias, quer onde te encontres e como te encontres. Envio um beijo ao homem da minha vida. Mais uma vez te peço que me dês sempre notícias, sejam elas quais forem,  e estás perdoado por tudo. Chorando loucamente por quem não me ama mais ou nunca me amou,  te digo,  por último, que sempre detestei a mentira,  disse-to tantas vezes! Perdoa,  se estou a ofender-te.

Com o coração destroçado termino.
Para a eternidade. (...)
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12627: O segredo de... (15): Processo concluído (Augusto Silva Santos)

domingo, 18 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11950: Manuscrito(s) (Luís Graça) (8): Périplo amoroso pelas praias da Lourinhã, no nosso querido mês de agosto de todos os aniversários...



Lourinhã, Praia do Caniçal, 9 de agosto de 2013 > Praia do Caniçal uma das praias mais belas e mais selvagens da região... Ao fundo a enseada e o forte de Paimogo (séc. XVII) .



Lourinhã, Praia de Paimogo, 3 de agosto de 2011 >  Enseada e porto de Paimogo, com o forte ao fundo.



Lourinhã > Vimeiro > 8 de agosto de 2011 > Monumento comemorativo e centro de interpretação da Batalha do Vimeiro > Azulejo alusivo ao desembarque das tropas luso-britânicas, na Praia de Paimogo, em 19 de Agosto de 1808... A batalha do Vimeiro desenrolou-se em 21 de Agosto de 1808. Azulejo desenhado e pintado à mão por Salvador (2000).



Lourinhã, Praia de Vale de Frades, 14 de agostod e 2013 >  Caprichos da erosão do mar...


Lourinhã, Praia de Vale de Frades, 14 de agosto de 2013 >  Efeitos, nas rochas, da ersoão do mar e do vento... Verdadeiras esculturas antropomórficas (1)...



Lourinhã, Praia de Vale de Frades, 3 de agosto de 2011 >  Efeitos, nas rochas, da ersoão do mar e do vento... Verdadeiras esculturas antropomórficas (2)...


Lourinhã, Praia de Vale de Frades, 3 de agosto de 2011 >  Efeitos, nas rochas, da ersoão do mar e do vento... Verdadeiras esculturas antropomórficas (3)...


Lourinhã, Praia de Vale de Frades, 14 de agosto de 2013 > Rocha com imensos vestígios de floresta fossilizada... São da época dos dinossauros do Jurássico Superior... C. 150/200 milhões de anos (1)...


Lourinhã, Praia de Vale de Frades, 3 de agosto de 2011 > Rocha com imensos vestígios de floresta fossilizada... São da época dos dinossauros do Jurássico Superior... C. 150/200 milhões de anos (2)...


Kourinhã, Pria da Peralta , 14 de junho de 2013 > Bar do Victor, o mestre do petisco... Panelão de lagostas... O Victor faz o melhor choco frito da costa...


Lourinhã, Praia da Areia Branca > 14 de agosto de 2013 > A Alice e a magia do pôr do sol numa esplanada à beira mar, a Solmar...


Lourinhã, Praia da Areia Branca > 14 de agosto de 2013 > Miradouro, com vista para a praia do Areal (a sul) e a Praia da Areia Branca (a norte).



Lourinhã, Praia do Areal > > 15 de junho de 2013 > Pintura de parede, junto à ciclovia Lourinhã-Praia do Areal, já no final.



Lisboa > Estuário do Tejo > 5 de Fevereiro de 2011 > 19h00 > Pôr do sol no Atlântico... Podia ser numa das minhas praias preferidas, na Lourinhã, a 70 km , a norte, no mês de agosto... Podia ser no Paimogo, no Porto Dinheiro, na Peralta... "Não há farol na Peralta, / Para eu poder avisar a malta. / Enquanto o teu país arde / Ou o que resta dele. / Aqui passam navios ao largo. /Como manadas de elefantes, / Tapando o sol, vermelho."

Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


O mar, amor, em Agosto (*)


Para a Alice Carneiro, em dia de aniversário natalício. 
("Parabéns, Chita, minha companheira de uma vida; 
muita saúde e longa vida, porque tu mereces tudo");
Aos nosos amorosos filhos Joana e  João;  e também ao nosso casamento que faz 37 anos este mês... 
("Trinta e sete de casado / São muitos anos, querida. / Mais um. de namorado,/ São uma história de vida.");
As nossas praias favoritas, ao nosso querido mês de agosto 
e a todos os velhos amigos que neste mês reencontramos;
À malta da tertúlia do Tasse Bem e dos Cinco Paus, na Praia da Areia Branca:
Glória e Laurentino, Elisabete e Arcílio, Leonor e Rogério, Dina e Jaime, Emília  e Soares,
(E o Lino,às vezes; e ainda ao Joaquim Pinto Carvalho (um bravo de Bedanda, da CCAÇ 6) e à Maria do Céu, agora atarefados e bem sucedidos gestores do Artvilla, turismo rural, Vilar, Cadaval);
Aos nossos bons amigos da Praia da Areia Branca Helena e Orlando (que amanhã faz anos; um especial kandandu para a Lena, que está a precisar de miminhos dos amigos por estes dias);
Aos queridos amigos do Porto que todos (ou quase todos) os anos nos visitam na Lourinhã,  em agosto, em especial a Laura, a Nitas, o Gusto, mas também a Susana e o Flávio que este ano nos fizeram uma surpresa;
Ao Pepito que este ano não nos franqueou as portas da Tabanca de São Martinho do Porto, como previsto para o dia 17, porque a sua mãezinha, com 98 anos, pregou-lhe, pregou-nos a todos, um susto, ao cair na casa de praia ("felizmente agora está tudo bem"!);
À dona Clara Schwarz, nossa decana, para que tenha um resto de agosto, tranquilo,  com a sua adorável família lusoguineense,  em São Martinho do Porto;
Ao Álvaro Carvalho, meu amigo de infãncia, que também acaba de fazer anos;
À Ana Jorge, para quem temos um eterno dever de gratidão como pediatra dos nossos filhos; e também querida amiga com quem, neste mês, pomos a conversa em dia;
À minha querida afilhada e sobrinha Cristina Calado, que amanhã faz anos, tal como a mana da Alice e minha querida cunhada Rosa;
Ao meu saudoso pai, meu velho, meu camarada Luís  Henriques (1920-2012) que amanhã faria 93  anos; 
E, por fim,  à Sophia, cujo "Livro Sexto" eu levei para as bolanhas da Guiné, em maio de 1969:
como ela, também eu, "quando morrer, voltarei para buscar / os instantes que não vivi junto ao mar".



Praia de Paimogo.
Estas pedras estão aqui
Há milhões de anos.
E eu não sei dizer-te
Por que é que estas pedras estão aqui
Há milhões de anos.

Uma enseada, uma cratera, um lago.
A Praia de Paimogo foi talhada
A ferro e fogo.
Mas se eu fosse deus, o deus Vulcão,
Todo poderoso senhor,
Ou até simples rei mago,
Tê-la-ia desenhado,
Com muita ternura,
Sob a forma de ferradura ou de coração.
Só para ti, meu amor.

Estas pedras estão aqui
Muito antes dos dinossauros
Evoluírem e dominarem o planeta azul,
Que afinal não era assim tão azul
Quanto o pintavam.

Visto da janela do teu quarto,
Em Candoz,
O vale era o mundo e era verde,
Na aguarela do Eça de Queiroz,
A Cidade e as Serras,
Muito antes de descobrires o mar,
E o pôr do sol sobre o mar,
Muito antes de saberes
Onde ficava a praia da minha infância.

Nem vale, nem pombas, nem praia.
Na Praia do Vale de Pombas,
Procuro uma outra errância, 
Sinais de antigas guerras.
Mas aqui nunca te trouxe.


À maré cheia, à praia-mar,
Há apenas um fio de água doce,

Correndo entre juncos e canaviais,
Que mantêm os cordões umbilicais
Do infinitamente pequeno da vida
Ligados ao infinitamente grande
Dos corpos celestiais.

Praia de Vale de Frades.
Mas que sei eu de cronogeologia
Para te dizer que estas pedras estão aqui
Há tantos milhões de anos ?!
Sei apenas que, de acordo com a teoria 

Das probabilidades,
Estas pedras vão ficar aqui,
Muito depois da minha morte,
Muito depois da extinção da minha espécie.

Praia da Peralta.
O melhor do mês de Agosto, amor,
É enterrar a cabeça na areia
E escutar. O mar. 
A voz rouca do mar.
Que chegou até aqui,
Muito antes de mim e de ti,
E que vai ficar aqui
Muito depois de mim e de ti.

Não há farol na Peralta,
Para eu poder avisar a malta.
Enquanto o teu país arde
Ou o que resta dele.
Aqui passam navios ao largo.
Como manadas de elefantes,

Tapando o sol, vermelho.

Na malhada grande,
Eu poderia ter sido feliz
Entre apanhadores de lapas e de ouriços.
Mesmo sabendo
Que estas pedras estão aqui muito antes,
De ti e de mim, há milhões de anos.

Porto Dinheiro.
Um espesso nevoeiro
Cobre as falésias
Até aqui chegavam as galés dos romanos.
E os barcos dos piratas.
Não sei se o sítio tem padroeiro
Ou orago.
Nem sei se por aqui passava
O teu caminho de Santiago.
Aqui deito contas à vida.
Aqui conto as marcas do tempo.
Aqui lanço a âncora.
Aqui fui carpinteiro de naus.
Aqui, Plínio, o Velho,
Poderia ter fundado a paleontologia.
Mas, não: morreu em 69 a observar
A erupção do Vesúvio.

Praia do Valmitão.

Ou do Vale do Ermitão.
Podia ter sido ilha de corsário
Ou baía de tubarão.
A ter bandeira, só a preta, com caveira.


Praia do Zimbral.
Aqui caiu uma chuva de estrelas e meteoritos.
Hei-de levar-te lá um dia
Na hora mortal do nevoeiro matinal.


No Porto das Barcas
Não há ciência, apenas sapiência,
Que é a mais antiga das virtudes.

Um navio fantasmagórico
Entra pela terra adentro.
Daqui avistamos as Berlengas.
E a Nau Catrineta
Que já nada tem para nos contar.

Praia do Caniçal.

Aqui gostaria de deixar a minha caixa preta,
Antes de trepar
Pela tua árvore genealógica, como o salmão,
Até ao paleolítico superior.
Pelo leito dos rios que sobem, secos,
Até às grandes fossas marinhas.

Praia da Areia Branca:
Não te conseguiram amar
Sem te possuir e violar.
Livro Sexto, de Sophia.

Praia do Areal:
Há uma seta
Que indica o sol, o sul. 

A zona dos chapéus.
A bandeira azul.
O espaço rigorosamente vigiado
Dos amantes.
O risco de cancro da pele.
A rota da seda. A sede.
Os amores de verão.
A morte. 

 O coração que bate forte.
Saio noutra estação.

Praia de Vale de Frades.
À volta de um prato de sardinhas,
A vida pode não ter
Metafísica nenhuma
E mesmo assim ser
Pura, emoção pura,
E simples, prazer simples.
Mandei pôr mais um prato
Na mesa, sem toalha,
Virada para o sul, para o Mar do Serro.
Não me esqueci do pão,
Das sardinhas, das batatas,
Dos pimentos, da salada e do vinho...
Esperava por ti,
Que eras a oficiante da vida.

Volto à Peralta,

Dando o dito por não dito, 
O mar do Serro em frente,
Para partilhar contigo, como sempre,
A magia do sol posto
No Atlântico norte,
O amor em Agosto.

E, com sorte,
Um prato de choco frito


(*) Publicado originalmente em 18/8/2005. Revisto nesta data, 18/8/2013, para inclusão em antologia de poemas, a publicar em 2014..

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11648: Blogpoesia (342): Antologia: Poemas de Maio, de Ovar a Mafra, entre o céu e o inferno, com as bolanhas de Tombali ao fundo (J. L. Mendes Gomes)



Álbum do José Neto (1929-2007) > Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1966/68) > Foto nº 8: fim de tarde


Álbum do José Neto (1929-2007) > Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1966/68) > Foto nº 6: bando de jagudis 


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Lavo minha alma…

Encomendo minha alma a Deus,
Todas as noites,
Antes de dormir.
Pode ela não mais acordar. 
E subir ao céu.
Onde, perdidamente,
Para sempre, 
Restaria triste.
Como um anjo
Que voou da terra,
E apareceu a Deus,
Sem se lavar…

Ovar, 17 de Maio de 2013
16h37m

Subindo à montanha

Arregaço as mangas.
Pego na pena.
Lanço meus olhos
Para o infinito do céu.
Estremeço, de medo,
Na escuridão que o cobre.
Nem uma estrela sozinha aparece.
Tremente.
É o silêncio. 
E o ermo.
Ergo uma prece
Uma luz que rasgue e desfaça
Em pedaços as trevas
E negrumes de todas as serras.
Lanço no mar
Minhas cordas e amarras que prendem.
Levanto e bato as asas do sonho,
E parto à sorte e ao vento.
Atravesso as nuvens.
E eis que, num espanto,
Entro num céu vasto de luz.
Só o silêncio
Aqui reina, inunda e seduz.
Surgem flores de todas as cores.
Abro janelas em mim.
Entra uma aragem suave
Que inunda minha alma. 
Meus olhos cerrados voltam a ver.
Passam clarões pela frente.
Que me inundam de rastos.
Tento apanhar pedaços e restos
Como quem colhe flores.
Quando vou a tocar-lhes,
Desfazem-se em fumo,
E se escondem no espaço.
Mas parecem brincar,
Vão a sorrir. 
Corro no encalço,
Encantado e sedento.
Não desisto e tento.
E uma lufada de vento mais forte
Rasga as cortinas
E me mostra um jardim.
Fico suspenso.
Ressoam, cá dentro,
Ondas indizíveis,
Pintadas de tons
De todas as cores
Que me deixam feliz.
E começo a pintar e escrever…


Mafra, 23 de Maio de 2013
7h43m

Que grande estrumeira!

Eles entram-me em bando,
Pelas frestas da minha janela.
Como mosquitos.
Zumbem. Vêm vorazes.
Chupam-me o sangue.
Só me deixam os ossos.

Piores do que larvas.
Piores que serpentes.
Trazem lama nas patas.
Como lagartas.
Minhas escadas ficam sujas
De sangue e terra.
Estou desarmado.
Deixei minha G3,
Nas bolanhas da Guiné,
Tão longe.
Se não correria com eles
Com rajadas de os derreter.
Nem um só ficava.
Assim, só a pontapé.
Já me falta o sangue…
Já pedi socorro.
Ninguém atende.
Só um tornado gigante.
Do Oklahoma.
Que os meta em coma.
Depois o lixo.

Que grande estrumeira
Me restou em casa!...

Mafra, 21 de Maio de 2013
20h49m


Fecunda guerra...

Caem pedras no meu telhado.
Chovem na minha cama
Cinzas negras
Dum vendaval feroz.
Oiço cães na rua.
Vêm esfaimados
Das mansões de luz.
Passam os coveiros
De enxada nas mãos.
Querem enterrar-nos vivos.
Por ordem d’alguém.
Estilhaçaram tudo.
Com vestes de anjos.
Querem o meu sangue
Para o seu festim.
São canibais de fome...
Devoraram os pais.
Não poupam ninguém.
Deixei minha G-3
Nas bolanhas de África.
Minha cartucheira amada.
Agora é que eu a queria
Mesmo à cabeceira.
Nem um só escapava.
Mesmo sem pontaria.
Ia tudo a eito.
Até que, de novo, a paz
Voltasse a nascer...
E minha terra verde
Me visse a morrer.

Ovar, 27 de Maio de 2013
14h53m



Batuque no meu quintal

Armei uma tenda grande
No meu quintal.
De caqui da tropa.
Pequei num tambor
E pus-me a tocar.
Aquele batuque,
Soturno e longo,
Bem à moda da Guiné.
A passarada à volta,
Apardalada,
Foi a primeira.
Debandou em alvoroço.
Por momentos,
Fiquei só eu
E o agudo latir
Dos cães do povoado.
Foi só um pouco.
Um a um,
Depois em grupo,
Foram chegando,
Espavoridos,
Primeiro, os vizinhos,
Depois, de mais longe,
Os mais curiosos.
Ainda assim, eram vizinhos.
Não levou muito.

Uma magna assembleia,
Vinda de longe e perto,
Se prantou a ouvir
O trinado forte
E toques simples
Que não dizem nada...
São só batuque!

Ovar, 28 de Maio de 2013
8h12m

Serei feliz...

Custe o que custar,
Prometi a mim mesmo
Que serei feliz.
Tenho Fé!...
Não há vagas,
Não há rochedos
Que eu não escale
De olhos presos
E o coração livre.
Não preciso de asas.
Basta um balão
E uma chama a arder.
O vento me leva,
Rumo ao infinito.
Basta soltar amarras
E deixar-me ir.
É lá do alto,
Por cima das nuvens
Que se vê o céu.
Como é pequena e simples
Esta terra azul.
Nem os montes mais altos
Me conseguem tocar.
Quanto mais subir
Mais pequenos ficam.
Já não há impérios,
Nem coações ferozes
Que me prendam o leme.
É só neste mundo livre
Que eu quero florir.

Ovar, 28 de Maio de 2013
13h58m

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes

[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]

[Seleção dos poemas, enviados por email ao longo do mês de maio, e título da antologia: L.G.]

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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11638: Blogpoesia (341): Ainda o paludismo... (Manuel Maia)