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sexta-feira, 7 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12805: Notas de leitura (570): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Pergunto-me com sinceridade quantos textos vigorosos como este andarão por aí dispersos, talvez com a conotação de memórias pouco representativas.
No caso das de Florindo d’Oliveira não é verdade: com a presença portuguesa reduzida a Bolama e algumas praças e presídios, esta viagem da lancha “Honório Barreto” é de tal modo impressiva, colorida e de tão grande sentimento português e de respeito pelos valores guinéus, que merecia melhor sorte, tem grande sabor literário, é a história de um moço de 16 anos cheio de curiosidade e de grande abertura.
Oxalá os investigadores desinquietem o que de Florindo d’ Oliveira há de grandioso na aculturação dos portugueses.

Um abraço do
Mário


A Guiné… dos mil trabalhos, por António Florindo d’Oliveira (2)

Beja Santos

É um marujo adolescente, verdor e uma surpreendente curiosidade dão azo a que esse jovem tenha deambulado pela Guiné em 1894 e escreva, cheio de vivacidade as suas memórias na revista “O Mundo Português”, editada pela Agência Geral das Colónias, em vários números ao longo de 1939. É incrível como estes relatos caíram completamente no olvido, não vi até hoje uma menção a seu respeito. Anda a bordo da lancha-canhoneira “Honório Barreto”, já foram intimidar os Balantas, para lá do Impernal, desta feita vão subir o rio Geba. Não se sabe se tomou notas ou trabalha com a memória, a verdade é que de vez em quando os nomes das localidades saem defeituosos, como se vai ver.

Entraram no Geba, os ajudantes Manjacos vão dando informações, passam por Chume (Xime) e depois S. Belchior (que era posto militar) e depois Bambadinca. Tece os seguintes comentários sobre o Geba: “Até ao Corubal, afluente que parece vir do Sul, mas que depois de curvas caprichosas sobe para Leste a perder-se lá para a fronteira francesa, o rio é largo e de bem fácil navegação; e só depois estreita mais, mas dando-nos maior encanto ainda na aproximação das suas margens que, além da beleza com que se ataviam, nos dão a surpresa de saltar de chofre um hipopótamo, mergulhar um jacaré, aparecer uma corda de macacos e surgirem constantemente bandos de pássaros, numa chilreada ensurdecedora, sem nos darem tempo de ver, se são periquitos, papagaios, ou quaisquer outros. Ah! As margens do Geba!... Só por elas mereceria ir à Guiné!... E seguindo vimos Sambeliantá (refere-se seguramente a Sambel Nhantá, ao tempo sede de regulado) e depois Fá, terra que nunca me esqueceu”. Chegaram a Geba e fundearam, rodeado de chalupas. Fá era comando militar. No dia seguinte, surgem de todos os lados cavaleiros Fulas e descreve-os: “São mais bastos que formigas, e são o exército dos régulos que se apresentam ao governador, muito anchos de si e da sua indumentária. Habituados à convivências com os brancos, como auxiliares das forças do governo, e julgando-se por certo tropas de consideração, não escrupulizam de saltar para a "Honório Barreto", de a admirarem, trocando as suas impressões de maravilhados. Outros pretos admirariam com medo, máquinas e peças; estes fingem compreender o que admiram, a dar-se ares de uma cultura que só os seus chefes têm. Não admira que sejam tantos, pois estamos em pleno reino Fula. Que nas suas correrias a cavalo, fazendo acrobacias e dando tiros, imitam talvez o jogo da pólvora dos marroquinos, nos parecem como tal, é que não há dúvida; que nas suas vestes amplas e flutuantes parecem conservar a tradição árabe, também é certo. Mas se lhe perguntarem dirão que são para se darem ares de civilizados e não se confundirem com os outros que são… bárbaros, adoradores de manipanços, cães negros, como me dizia o que esteve a bordo e com quem conversava para conhecer os seus costumes”.

Florindo d’Oliveira confessa que trabalha com a sua memória. Dos vários régulos só se recorda do nome de dois: Bombú e Belá. Segue-se a descrição: “O segundo era uma figura vulgar que se confundia com os outros já vistos; mas Bombú, dizendo que era príncipe de raça, impressionava bastante pela bela figura e porte de inegável distinção. Apesar da sua tez acobreada, via-se que recebera uma educação especial, vestindo com elegância e riqueza e sabendo graduar os seus cumprimentos, desde o governador até às praças, a todos apertando a mão, com uma frase a propósito”. Os chefes Fulas ofereceram uma festa rija em terra, mostraram as suas habilidades de equitação. No dia seguinte regressou-se a Bissau. Houve uma avaria para os lados de Fá, a lancha lá se arrastou até S. Belchior, a passos de tartaruga.

A seguir, rumam para Cacine, antes porém visita o governador um régulo Bijagó. Nova descrição: “Estes Bijagós vêm periodicamente a Bolama fazer o seu negócio de laranjas, bananas, galinhas e quanto cultivam. Vêm nos seus dongos, trabalhados tão pitorescamente e que movem bem. Não é fácil dizer como vestem, pois apenas uma tanga de pele a que podemos chamar cinto, vem pelas nádegas por entre pernas, prender à frente, e… mais nada. As mulheres é que usam umas saias feitas de fibras, semelhantes às palhoças dos nossos camponeses, mas muito curtas e abertas, imitando perfeitamente as saias das nossas bailarinas de ópera. A sua vaidade está nas tatuagens a fogo ou a incisões e que são bastante artísticas, nas anilhas e braceletes de cobre”. Pois este régulo que vinha cumprimentar o governador apresentava-se “envolto como com um manto, em um cobertor de vistas vistosas, berrantes e cobrindo a régia cabeça com um chapéu alto”.

O comando militar no rio Cacine está para a Guiné como o nosso Guadiana está para Portugal, escreve Florindo d’Oliveira, a região é de Nalus, que se estendem também pelo território francês. Aproveita e faz um comentário para o prático (piloto da navegação) do "Honório Barreto": “Embora Manjaco, era homem relativamente civilizado, vestindo como qualquer cidadão da nossa Lisboa, de camisa muito lavada, com o seu colarinho, seus punhos e sua gravata, de casaco, de colete e calças de fazenda, calçava botas como qualquer de nós e cobria a cabeça com um chapéu que não lhe ficava pior que a qualquer criatura que o usasse. Exprimia-se num português relativamente correto e buscava os termos mais adequados com um certo orgulho, bem justificável. Provava saber do seu ofício e conhecia todo aquele intrincado de rios, canais, ilhas e ilhotas, como ninguém. Como pela relativa instrução que recebera, tudo desejava saber para a completar, tudo lhe perguntava do que se referia ao elemento em que vivíamos: terras e gentes, e de tudo informava com muito boa vontade. Quando eu ia ao leme, postado junto a mim, enquanto indicava o rumo, íamos conversando, permutando o nosso saber”. Ali estão dos dois em descanso, naquele dia o comandante do navio acompanhara o comandante militar Cacondó, o seu regresso seria já dentro da noite. O piloto fala dos Nalus a Florindo d’Oliveira: “Viviam da terra, mas eram muito selvagens e atrasados. Que só se queriam com os seus feitiços e ninguém queria nada com eles. Que eram bichos-do-mato. Destes Nalus eu só sabia o que contava a história, de terem dado a morte a Nuno Tristão, ali um pouco mais para baixo, junto do rio Nuno, que lhes conserva a memória, e que fica hoje já na Guiné francesa”. E tece uma crítica: “Não se compreende por que não é portuguesa toda a região que os nossos descobriram e em que sacrificaram as suas vidas!"

E depois o piloto fala dos Beafadas, bravos guerreiros, artistas do couro. Confundido com tanto muçulmanos, Beafadas, Mandingas e Fulas, Florindo d’Oliveira julga que todos têm a mesma origem, o piloto esclarece que não é assim: “Desde cá de baixo do Corubal, por Buba e Geba até lá acima, estão os Fulas; à direita destes e para a fronteira francesa estão Mandingas de Oio, que é do lado de cima, e Futafulas, do lado de baixo; à esquerda estão os Mandingas de Farim, lá para cima, e estes, os Beafadas de Guinala, cá para baixo. Juntando todos, têm a Guiné quase toda, pode crer!”.

É um relato precioso, injustificadamente esquecido, merecia melhor sorte. Aqui se lança o repto aos investigadores: retomem a leitura de Florindo d’Oliveira, está para ali a visão de um jovem entusiasmado com a região tropical que lhe coube na sorte. É um retrato de um homem do seu tempo, pois claro. Tratando com elevada dignidade os africanos que ele considera civilizados ou cultos. Esta Guiné dos mil trabalhos é uma memória belíssima, tocante e ousada. É uma injustiça e um crime de lesa-majestade deixá-la na poeira das bibliotecas.

Entrada do Pavilhão de Arte Indígena (Exposição do Mundo Português, 1940)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12788: Notas de leitura (569): "A Guiné... dos mil trabalhos", em "O Mundo Português", por António Florindo de Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12420: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte V): Rezando ao mesmo Deus... e (sobre)vivendo num ambiente concentracionário e claustrofóbico como eram os nossos aquartelamentos...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >Foto nº 1A > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão  (pormenor)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2A > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão (pormenor)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3 > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3A > Cerimónia religiosa muçulmana, o Ramadão (pormenor)

 

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4 > Soldados construindo a capela cristã.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4A > Soldados construindo a capela cristã (pormenor)

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição; L.G.]


 1. Continuação da publicação das Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte V)


[Foto do Jorge Pinto, na época, à esquerda]


Em Fulacunda não havia igreja nem capela cristã. Também não havia mesquita apesar de a população,  maioritariamente Beafada, ser islamizada.

Durante o Ramadão, a população fazia as suas cerimónias religiosas debaixo de um frondoso mangueiro (fotos nº1, 2 e 3, publicadas acima).

Na foto nº 4, vê-se soldados construindo uma capela... Por iniciativa de alguns soldados houve permissão para a construção de um espaço católico de oração, no quartel junto ao refeitório.

Muitas vezes ao final do dia vi grupos de soldados a rezar o terço neste espaço por eles construído. Penso que nunca chegámos a receber a visita do capelão do batalhão, que vivia na sede em Tite, nem de qualquer outro clérigo católico.

2. Comentário de L. G.: 

Já no poste anterior (*), eu comentei o seguinte: vendo a serenidade com que tu, Jorge, apareces nas fotos, e ao mesmo dando-nos conta, pela informação que temos sobre Fulacunda, que estava praticamente isolada por terra, permito-me perguntar-te como é que o pessoal (guineense e continental) lidava com um ambiente concentracionário e claustrofóbico como deveria ser o desse "campo fortificado"... Ainda para mais vocês fizeram a comissão inteirinha em Fulacunda...

Em suma, qual foi o vosso segredo [, para além da fé, para os que eram crentes...] para poder manter a saúde física e mental ? E, em última análise, "sobreviver" ?

Eu sei que havia situações parecidas, mas o vosso isolamento físico terá sido um dos piores... (embora houvesse barco quinzenal, pelo lado sul; embora houvesse população; embora houvesse a FAP, etc.). Fico impressionado ao ler que nem sequer o capelão do batalhão, ali ao lado, em Tite, vos terá ido ver ou rezado uma simples missa... Um alfabravo. LG

PS - Já agora, lembras-te como é que passaste o teu primeiro Natal em Fulacunda ?  Em boa verdade, deves lá ter passado lá dois Natais: 1972 e 1973...
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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12379: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte III)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 A > Lavadeiras


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 1 >  Lavadeira. Fonte antiga. Todos os soldados tinham a sua lavadeira. A lavagem da roupa era feita na tabanca com água retirada através do único furo (foto nº 6), feito por uma companhia de caçadores estacionada em Fulacunda em 68/69 [ou melhor, 69/70], e que penso chamar-se “Boinas Negras” [ CCAV 2482, "Boinas Negras", subunidade que esteve em Fulacunda entre 30 de Junho de 1969 e 14 de Dezembro de 1970, data em que foi rendida e partiu para Bissau].  Contudo, quando havia muita roupa para lavar, as lavadeiras deslocavam-se à fonte antiga (foto), que se localizava na parte exterior do aquartelamento e portanto sujeita a “surpresas” [, acções do IN].


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 >  Avó com filho de soldado branco. Em Fulacunda, verifiquei que havia 4 crianças filhas de soldados brancos,  pertencentes a companhias anteriores. Também verifiquei que apenas uma das mães continuava a viver em Fulacunda.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3  > Colheita da mancarra (ou milho painço?). 



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 3 A > Colheita da mancarra (ou milho painço?).

Aqui os homens também trabalham! Em Fulacunda praticamente não havia atividades. Cultivava-se apenas junto ao arame que rodeava a tabanca, alguma mancarra, milho painço, pescava-se muito pouco, apanhavam-se cestos de ostras que cozinhávamos como petisco ao final do dia e havia um milícia que às vezes caçava uma gazela e nos vendia a “preço de ouro”.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 4A > Horta do Tobias. Alguns soldados e gente da tabanca, sob a orientação do furriel Tobias,  dedicaram-se a esta horta, que como se vê era bem verdejante, mesmo na época seca. Graças a ela tínhamos, couves, alfaces, pimentos e outras hortaliças.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 5


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 5A  > Fazendo tijolos para uma morança. Durante a minha estada em Fulacunda, construíram-se apenas umas 3 moranças novas. As NT deram a sua ajuda preciosa.



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 6 > Fonte dentro da tabanca. Furo feito pela companhia caçadores “Boinas Negras”, 1968/69 (?) [CCAV 2482, "Boinas Negras",  30 de junho de 1969 / 14 de dezembro de 1970]. Comparar com foto, a preto e branco, de Augusto Inácio Ferreira (dos "Boinas Pretas", 1969/70).


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 7 > Vista aérea da pista, da tabanca e do aquartelamento de Fulacunda... Tentativa de reconstituição do perímetro de arame farpado (a amarelo, tracejado), dos espaldões e abrigos (a vermelho, círculo) e da área cultivável em redor do arame farpado (a verde, linha)... No sentido su-sudeste / nor-noroeste. vê-se a pista e o heliporto... Pede-se ao Jorge Pinto que avalize-se ou mande corrigir, se for caso disso, esta reconstituição...(LG)

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem da foto nº 7: L.G.]



1. Continuação da publicação das Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte III)

[Foto atual do Jorge Pinto, à esquerda]


Subunidades que passaram por Fulacunda (1962/74):

CCAÇ 153 - Unidade mobilizadora: RI 13. Partida: 27/5/61.  Regresso: 24/7/63. Localização: Bissau, Fulacunda, Bissau. Comandante:  cap inf José dos Santos Carreto Curto.

CCAÇ 273  - Unidade mobilizadora: BII 18. Partida: 17/1/62.  Regresso: 17/1/64. Localização: Bissau, Fulacunda. Comandante:  cap inf Adérito Augusto Figueira.

CART 565 - Unidade mobilizadora: RAP 2. Partida: 12/10/63. Regresso: 27/10/65. Localização: Bissau, Fulacunda, Nhacra. Comandante:  cap art Luís Manuel Soares dos Reis Gonçalves.

CCAÇ 1487 - Unidade mobilizadora: RI 15. Partida: 20/10/65. Regresso: 1/8/67. Localização: Bissau, Fulacunda, Nhacra. Comandante:  cap inf Alberto Fernão de Magalhães Osório.

CCAÇ 1567 - Unidade mobilizadora: RI 2. Partida: 7/5/66.  Regresso: 17/1/68. Localização: Bissau, Fulacunda. Comandante:  cap mil inf João Renato de Moura Colmonero.

CCAÇ 1591 - Unidade mobilizadora: RI 15. Partida: 30/7/66.  Regresso: 9/5/68. Localização: Fulacunda, Catió, Fulacunda,  Bolama, Mejo, Porto Gole, Fulacunda. Comandante:  cap mil art  Fernando Augusto dos Santos Pereira; e cap mil inf Vitor Brandão Pereira da Gama. Batalhão: BART 1896 (Bissau, Buba, 1966/68).

CCAÇ 1624 - Unidade mobilizadora: RI 2. Partida: 12/11/66.  Regresso: 18/8/68. Localização: Bissau, Fulacunda. Comandante:  cap mil inf João Renato de Moura Colmonero.

CCAÇ 2314 - Unidade mobilizadora: RI 15. Partida: 10/1/68.  Regresso: 23/11/69. Localização: Tite, Fulacunda, Tite. Comandante:  cap inf Joaquim Jesus das Neves. Batalhão: BCAÇ 2834 (Bissua, Buba, Aldeia Formosa, Gadamael, 1968/69).

CCmds  15 - Unidade mobilizadora: CIOE. Partida: 1/5/68.   Regresso: 10/3/70. Localização: Bolama, Bissau, Cuntima, Jumbembém, Farim, Bissau, Buba, Bissau, Tite, Fulacunda,
Bissau. Comandante:  cap inf  cmd  Luciano António de Jesus Garcia Lopes.

CCAV 2482 - Unidade mobilizadora: RC 3. Partida: 23/2/69.  Regresso: 23/12/70. Localização: Tite, Fulacunda. Comandante:  cap cav > Henrique de Carvalho Morais. Batalhão: BCAV 2867 (Tite,1969/70)

CART 2772 - Unidade mobilizadora: GACA 2. Partida: 23/9/70.   Regresso: 17/9/72. Localização:  Fulacunda.  Comandante:   cap art João Carlos Rodrigues de Oliveira. Batalhão: BART 2924 (Tite, 1970/72).

CCmds  27 - Unidade mobilizadora: CIOE. Partida: 11/7/70.   Regresso: 30/5/72. Localização: Cacheu, Saliquinhedim, Fulacunda, Bolama, Bissau, Mansabá.  Comandante:  cap mil cmd José Eduardo Lima Rebola; cap mil cmd  Octávio Emanuel Barbosa Henriques; e alf mil cmd Manuel Carlos Génio Vidal.

3ª C/BART 6520/72 - Unidade mobilizadora: RAL 5. Partida: 24/9/73.  Regresso: 8/9/74. Localização: Cacine, Fulacunda. Comandante:  cap mil cav António Lourenço Dias. Batalhão: BART 6520/72 (Tite, 1972/74).

CCAV 8354/73  - Unidade mobilizadora: RC 3. Partida: 26/6/72.  Regresso: 21/8/74. Localização: Fulacunda. Comandante:  cap mil n inf José João Mousinho Serrote. Batalhão: BART 6520/72 (Tite, 1972/74).



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda >  CCAV 2482, "Boinas Negras" (1969/70) > O chafariz feito pelos "Boinas Negras"

[ Créditos fotográficos: Augusto Inácio Ferreira, op cripto, CCav 2482 – Boinas Negras, Fulacunda, 69/71. Cortesia do sítio do Rumo a Fulacunda, do nosso camarada Henrique Cabral ].

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12300: Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte I)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Preparação das NT para mais uma saída mato (1)



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Preparação das NT para mais uma saída mato (2)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >   As NT a instalarem-se na mata... [Jorge, gostava de saber que livro é que o militar que está à tua esquerda levou para o mato... Ampliando a foto dá para perceber o título: "O fim da mulher" (ou será o "O fim do mundo" ?)... O "fim da mulher" parece-me um título demasiado feminista para a época... Através da Porbase, encontrei um livro com o título "O fim do mundo", editado pelos Salesianos, Porto, 1946!...LG]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  > Efeito de um ataque a Fulacunda: moranças queimadas



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  >  Uma das ruas da tabanca de Fulacunda (1)




Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  >Uma das ruas da tabanca de Fulacunda (2)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)  > Mulher Beafada a avistar as NT, na mata.



Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2012).
Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]

1. Mensagem de ontem do nosso estimado 
amigo e camarada Jorge Pinto [ex-Alf Mil da 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)], um alcobacence a viver na Grande Lisboa:

Caro amigo e camarada Luis Graça

Por vezes as "coisas da vida" e uma certa "preguiça" que teimosamente me tem impedido de descer à "cave" das memórias, levou-me a adiar a "promessa"  de ir enviando artigos para o nosso Blog (*).


Como, "mais vale tarde do que nunca", hoje meti "mãos à obra" e elaborei este pequeno texto sobre a actividade operacional da minha companhia (3ª Cart / Bart 6520/72), sediada em Fulacunda, desde Julho 72 a Agosto de 74.
Envio, ainda algumas fotos em anexos, cuja legenda acrescento:

F1010010 - Efeito de um ataque a Fulacunda.
F1010028 - Uma das ruas da tabanca de Fulacunda.
F1010040 - Mulher Beafada a avistar as NT, na mata.
F1020026 - Preparação das NT para mais uma saída mato.
F1000018 - NT a instalarem-se na mata.

Sei que este artigo devia ser acompanhado de uma carta geográfica da região, mas tal não me foi possível. Se tu conseguires fazê-lo agradeço, desde já.

Com um forte abraço, Jorge Pinto.




2. Memórias da minha comissão em Fulacunda (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (Parte I)

 Distraído com as “coisas da vida”, (netos, doença familiar, leituras, atividades inadiáveis e também alguma preguiça…), o tempo foi passando e a minha promessa de voltar a enviar notícias de Fulacunda foi sendo adiada…. Agora, vou mesmo descer à “cave” (ou subir ao “sótão”) das memórias e partilhar com “camaradas de armas”, algumas dessas memórias, que no fundo são coletivas. Hoje, vou dar particular relevo a memórias relacionadas com a atividade operacional da minha companhia: 3ª Cart do Bart6520/72.

A este propósito convém esclarecer que esta companhia a partir de meados do ano 1973, já com um ano de comissão, passou a pertencer ao COP7. Com esta mudança de comando, a atividade operacional tornou-se mais intensa, pois passámos a integrar operações em articulação com grupos de tropas especiais que ocasionalmente estacionavam em Fulacunda ou operavam na nossa área de intervenção.

Como se sabe, Fulacunda situa-se no Quínara, precisamente no cruzamento de estradas que fazem a ligação (tipo placa giratória) entre as margens esquerdas do rio Geba desde Jabadá , (Tabanca próximo de Tite), e do rio Corubal em direção a sul passando por Buba. Localiza-se aproximadamente, em linha reta, a 15/20 Kms, de cada margem e 35/40 Kms da confluência destes dois rios, local onde se começou a instalar, com muitas dificuldades, o quartel de Ganjauará.

Claro que todas estas estradas, da época colonial,. estavam intransitáveis devido às minas e aos pontões destruídos. De qualquer forma havia muitos “trilhos” e pequenos “carreiros” (sempre transitórios) a ladear estas estradas e a fazer a ligação entre as várias tabancas camufladas na mata e que muito frequentemente mudavam de local. 

Era uma vasta área de “chão Beafada”, considerada pelo PAIGC zona libertada, e berço da luta armada com implantação no terreno, a partir do ataque ao quartel de Tite, liderado por Arafan Mané, em 23 de Janeiro de 1963.

Em termos operacionais a nossa principal missão era impedir que o PAIGC usasse estes corredores como canal de infiltração. Assim muitas vezes o nosso aquartelamento era atacado, como forma de as NT, se manterem em defesa “intra valas”, enquanto o IN, passava com guerrilheiros e armamento em direção ao Geba. Sofremos cerca de 16 ataques, durante os 25 meses da nossa permanência no local. O último, ocorreu em 7 de Maio de 1974, quinze dias após o “25 de Abril”, mas sem grandes consequências, dado a maioria das granadas do canhão s/recuo, caírem fora do nosso aquartelamento.

Normalmente, a atividade operacional regular consistia em patrulhamentos na zona sempre ao nível de bigrupo e montagem de emboscadas nos referidos eixos de infiltração. Muitas vezes executavam-se operações em articulação com tropa especial que ocasionalmente operava na nossa zona (ex. comandos africanos e páras) ou se aquartelava em Fulacunda, como, por exemplo um pelotão de tropa especial constituído exclusivamente por Balantas, que esteve connosco cerca de dois meses e que causou múltiplos problemas com a população local de etnia Beafada. 

Estas missões e, participei em várias, eram dirigidas especialmente na direção dos rios Geba (tabancas de Umbassa, Gã Formoso, Gã João, Garsene, Braia) e Corubal (tabancas de Guebambol, Uaná Beafada, Farená Beafada, Farená Balanta…), zonas consideradas libertadas pelo PAIGC. [Vd. mapa de Fulacunda]-

Por vezes, nestas operações havia contactos. Como exemplo, recordo uma operação à tabanca camuflada de Umbã, em que na aproximação à referida tabanca as NT e o IN se encontraram frente a frente, no mesmo trilho. Ambos os grupos abriram fogo de imediato, caindo feridos um guerrilheiro IN e o nosso Furriel Santos, distanciados uns cinco metros um do outro. Nem as NT abandonavam o nosso camarada nem o IN o seu ferido. Como nós estávamos em maior número conseguimos fazer o envolvimento. O IN foi obrigado a afastar-se e parou o fogo momentaneamente. 

Foi nesta fase que socorremos ambos os feridos e verificámos estar já morto o guerrilheiro do PAIGC. Pedimos evacuação por heli que veio acompanhado do helicanhão. Porém, logo que este, nos ares rumou a Bissau e as NT, em terra, se preparavam para rumar a Fulacunda, verificámos que o IN tinha entretanto montado um semi-cerco,  cortando-nos o acesso a Fulacunda. Foi com muito esforço e perícia da força aérea, que veio novamente em nosso auxílio, que conseguimos sair dali e chegar ao quartel, sem mais feridos, já com a noite a cair…

Outros contactos houve, igualmente com alguns feridos, principalmente do pelotão de milícias de Fulacunda que nos acompanhava sempre e que nos serviam de guias. Contudo, não quero terminar este pequeno artigo, sem salientar com grande felicidade que todos os homens que constituíram a 3º CART/BART6520/72 e saíram do RAL 5 (Penafiel), em 24 de Junho de 1972, apesar de alguns feridos, regressaram todos vivos e unidos por uma amizade que ainda hoje perdura e nos faz reunir todos os anos em Penafiel, no restaurante Ramirinho, propriedade do nosso 1º cabo Silva,  do 3º pelotão.
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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12255: Memória dos lugares (249): Gampará e Ganjauará, na região de Fulacunda, e outros topónimos estranhos como Farema Beafada, Lagoa Bionrá, Gambachicha, Gansambo e Gambana que fazem parte das memórias dos bravos da 38ª CCms (setembro de 1972)



Guiné > região de Quínara > Mapa de Fulacunda  (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Fulacunda, Lagoa Bionrá, Farema Beafada, Farema Balanta, Gambachicha, Gansambo, Gambana,  Ganjauará e Gampará...  Sítios (tirando Fulacunda) por onde andou a 38ª CCmds, em setembro de 1972.  E com ela os nossos amigos e camaradas Amílcar Mendes e Luís Fernando Mendes.

Esta margem esquerda do Rio Corubal,  com pelo menos duas lagoas de água doce (Bionrá e, maia a sul, Bedasse), e rica em bolanhas,  para além dos seus extensos palmerais e das suas manchas de  floresta-galeria,  era uma zona ideal para a guerrilha... Numerosa balantas e beafadas ali viviam e trabalhavam com uma relativa tranquilidade... Em condições normais, as NT só lá chegavam helitransportadas. De Gampará até à Lagoa de Bionrá deveriam ser mais de 20 km em linha recta...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)






38ª CCmds - História da Unidade > Cap II, página 9 > Registo da atividade operacional, em 12, 13, 16 e 18 do mês de Setembro de 1972, com destaque para o dia 13,  Acção "Águia Errante"

Foto: © Amilcar Mende (2007). Todos os direitos reservados.

1. Mais alguns elementos informativos para a pequena história das NT na península de Gampará:

12/9/72 - Patrulhamento das matas circundantes do aquartelamento de Gampará, com emboscada nocturna. Efetivos: 1 Gr Comb da 38ª CCmds. Sem contacto.

13/9/1972 - Acção "Águia Errante". Missão: patrulhamento, emboscada e golpes de mão imediatos na região de Bionrá.  Destruir instalações e meios de vida. Criar clima de instabilidade. Capturar ou aniquilar os elementos IN que se revelarem. Recuperar a população.

Efetivos: 3 Gr Comb da 38ª CCMds, atuando isoladamente. Plano de ação: os 3 Gr Com foram helitransportados até a norte da região de Faremá Beafada. Apoio de DO27 armada, assim como helicanhão, estacionados em Bissau. Heli para evacução, em alerta no solo, em Gampará. Apoio de artilharia (29º Pel Art, em Gampará). Duração: 12 horas.

Resultados: Pelo menos 2 mortos e vários feridos, a avaliar pelos rastos de sangue no solo. Captura, entre outro material, de 1 Met Lig Degtyarev, e de 1 Esp Semi-automática Simonov.

16 e 18/9/72 - Parulhanmentos ofensivos com emboscada  noturna nas regiões de Gambachicha, Gansambo e Gambana, a sul e sudoeste de Gampará.

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de novembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12247: Memória dos lugares (248): Em Gampará, sítio desolador, o dia mais feliz era quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau... (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando, 38ª CCmds, 1972/74)

Guiné 63/74 - P12252: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (75): O reencontro de 3 amigos e camaradas estremenhos: Eduardo Jorge Ferreira (Polícia Militar, BA 12, 1973/74), Jorge Pinto (3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) e Luís Fernando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)


Lourinhã > Ribamar > Festa anual de Ribamar > Almoço-convívio de um grupo de amigos da região do Oeste > 14 de outubro de 2013 > Da esquerda para a direita, Luís Fernando Mendes, Eduardo Jorge Ferreira, Jorge Pinto





Lourinhã > Ribamar > Festa anual de Ribamar > Almoço-convívio de um grupo de amigos da região do Oeste > 14 de outubro de 2013 > Jorge Pinto, ex-alf mil, hoje professor de história reformado. Natural de Alcobaça, vive em Sintra.


Lourinhã >  Ribamar > Festa anual de Ribamar > Almoço-convívio de um grupo de amigos da região do Oeste > 14 de outubro de 2013 > O Luís Fernando Mendes,  servindo-se da magnífica caldeirada de peixe, encomendada pelo Eduardo, e porventura  lembrando-se da fome que rapou em Gampará, ao tempo da 38ª CCmds  (de agosto a dezembro de 1972). Natural da Atalaia, Lourinhã, vive nas Gaeiras, Caldas da Raínha,,, mas nem tem email, não vai à Net e não conhece o nosso blogue...


Lourinhã >  Ribamar > Festa anual de Ribamar > Almoço-convívio de um grupo de amigos da região do Oeste > 14 de outubro de 2013 > O Luís Fernando Mendes,  ex-fur mil, 38ª CCmds (1972/74), camarada e amigo do Amílcar Mendes.

Fotos (e legendas) © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


1. Ainda recentemente, no espaço de 3 dias, em dois convívios consecutivos (Festa anual de Ribamar, Lourinhã, 14/10/2013; Tabanca da Linha, Alcadideche, Cascais, 17/10/2013), almocei com o Jorge Pinto, membro da nossa Tabanca Grande, natural de Alcobaça. Foi alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74).

Também tive o prazer de conviver em Ribamar com o Eduardo Jorge Ferreira,  nosso grã-tabanqueiro, natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras.   Recorde-se que este último foi alf mil da Polícia Aérea (BA 12, Bissalanca, 1973/74).

Um terceiro camarada, ex-combatente da Guiné, que encontrei em Ribamar, na festa anual da vila e sede de freguesia de Ribamar, é o Luís Fernando Mendes, natural da Atalaia, Lourinhã, meu conterrâneo. Vive nas Gaeiras, Caldas da Raínha, onde gere um negócio. Foi furriel mil comando na 38ª CCmds (1972/74). Em conversa com ele descobri que foi também nem mais nem menos do  que o comandante da secção a que pertenceu o nosso Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando, e hoje taxista na praça de Lisboa, membro da nossa Tabanca Grande, desde 2/11/2005.  São, de resto, amigos e encontram-se, de tempos a tempos. Infelizmente, ele, Luís Fernando Mendes,  não conhece o nosso blogue nem tem endereço de email.

Com um pouco mais de sorte teria encontrado o meu conterrâneo, amigo e parente Horácio Fernandes. Natural de Ribamar, Lourinhã, foi padre franciscano e alferes miliciano capelão do BART 1913 (Catió, 1967/69). É  autor do livro Francisco Caboz: a construção e a desconstrução de um Padre (Porto, Papiro Editora, 2009, 187 pp.). E,  como se sabe, é também membro da nossa Tabanca Grande, desde 12/7/2013. Não o encontrei, na festa da sua terra (e terra da minha bisavó paterna e do seu bisavô paterno. que eram irmãos),  por escassas horas. Tinha, na véspera, regressado a casa, no Porto. 

Gostaria  de o poder mostrar na fotografia de grupo que publico acima. De qualquer é uma feliz coincidência encontrar 3 camaradas da Guiné,  meus amigos, conterrâneos ou vizinhos... O Jorge Pinto e o Luís Fernando Mendes estiveram, inclusive, ao mesmo tempo, na mesma região, a de Quínara, embora o Jorge mais tempo (a comissão inteira) do que o Luís (5 meses)... Também encontrei o Joaquim Jorge e outros veteranos de que falarei a seu tempo...

2. Falando há tempos com o Jorge Pinto, ele queixou-se que se escrevia  pouco sobre  Fulacunda e o chão beafada....É verdade, temos que fazer um esforço por cobrir,  de maneira mais equitativa, todo o teatro de operações da Guiné...

Está então na altura de lhe pedir que ele nos fale (como ele próprio nos prometeu, no poste da sua apresentação à Tabanca Grande),  desta parte da região de Quínara, tão mal conhecida e ainda tão pouco falada no nosso blogue (por comparação, por exemplo,  com o outro lado do Rio Corubal: Ponta do Inglês, Poindom, Ponta Varela, Xime...). 

O Jorge, que vive em Sintra e é  professor de história reformado, é a pessoa indicada por nos falar sobre esta parte do território da Guiné e das mudanças que se operaram na península de Gampará, a partir de 1972, com a contra-penetração das NT e a reconquista parcial dos beafadas no âmbito da política spinolista da "Guiné Melhor". Estava, por outro lado, em Fulacunda quando se deu o 25 de abril. Fica, pois,  aqui  o  desafio ao Jorge. Um abraço fraterno aos três.
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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12058: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (28): Mais vídeos com música do tempo da tropa colonial (Rapazinho e Santa Luzia), gravados recentemente em Gadamael Porto


Vídeo (0' 46''). Rapazinho. Alojado em You Tube > ADBissau 


Vídeo (1' 22'). Santa Luzia, Alojado em You Tube > ADBissau


1. Gravação feita há dias em Gadamael Porto, e enviada pelo nosso amigo e parceiro Pepito, diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau. Além do Piriquito (*), temos hoje mais dois temas: Rapazinho e Santa Luzia

Acompanhamento: gaita de beiços, palmas, vozes.

Recorde-se, a seguir,  a letra a canção popular "Santa Luzia" (**)... Já a do Rapazinho, ainda não consegui identificar a música e a apanhar a letra (que parece provocar risota ou galhofa entre no grupo de fulas que canta, mulheres e homens...) (LG)

Santa Luzia dos meus amores,
Santa Luzia bonita és,
Santa Luzia dos meus altares,
Linda Viana cai a teus pés.

Quem vai a Santa Luzia,
A Viana do Castelo,
O mais lindo panorama,
Que é de todos o mais belo.

2. Em relação ao primeiro vídeo, comentei na altura (*):

É espantoso como este jovem de Gadamael Porto, 40 anos depois do fim da guerra, reproduz esta cantilena que era tão popular entre nós (e entre os nossos camaradas guineenses, quer do recrutamento local, quer milícias)...

Muito provavelmente ouviu-a a seu pai ou tio(s), antigos combatentes do exército português... Como é espantoso o acompanhamento a realejo e a alegria das mulheres...

Não conhecia esta versão que tem um verso com referência à "passarinha di gazela" (?)... 


Obrigado, Pepito, pela tua sensibilidade e amizade, ao gravares este vídeo em Gadamael Porto e carregá-lo no You Tube...

Bom começo para o teu novo projeto, o teu novo "núcleo museológico", desta vez o da Memória de Gadamael...

Parabéns também ao Manuel Vaz, entre outros gadamaelenses da nossa Tabanca Grande, que têm contribuído de maneira decisiva para a preservação e divulgação da memória de Gadamael...

Quem disse que "um povo feliz é um povo sem história'" ?

O Pepito apressou-se a esclarecer:

Luís: Só te enganas numa coisa: o que cantava era tropa na altura. Noutro dos filmes que gravei, há uma parte (surpresa) que é espantosa!

Depois da divulgação destes 3 gravações vou pedir ao Pepito que me diga qual é o vídeo em que há a tal "parte (surpresa) que é espantosa"... Presumo que se refira à tal canção do Rapazinho (cujo letra não consegui entender bem, mas em que há um comentário jocoso, á parte,  sobre os "tugas"..).

3. O Pepito acaba de me responder, "just in time":

Pois, é Luís... Acertaste na surpresa, mas falhaste no essencial.
De facto é no vídeo Rapazinho, mas o que se ouve como voz de fundo não é "tugas", mas sim "olha os turras"...

Nota que o pessoal que canta é Beafada e não Fula.
Um abraço amigo para todo o pessoal

pepito
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Notas do editor:


(**) Vd. outras gravações anteriores, em postes de julho de 2010:

19 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6761: (in)citações (2): Mais duas músicas do tocador de harmónica de Guileje (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)

20 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6765: (In)citações (3): A lavadeira de Guileje: 'Já passei a roupa a ferro, já lavei o meu vestido, amanhã vou-me casar e o Manuel é meu marido' (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)

28 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6800: (In)citações (4): A lavadeira Lisboa e o tocador de harmónica Sene Coiaté, com a Júlia Neto, na inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje (Pepito, AD - Acção para o Desenvolvimento)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11944: Notas de leitura (511): Gentes de Catió na Revista Geographica de 1972 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
O trabalho etno-antropológico nada traz de novo, o seu autor revelou estudo aprofundado, ruminou sobre matérias consabidas e fez súmulas quanto baste.
As fotografias são excelentes, o inventário étnico é detalhado e correto.
Como andou em trabalho de campo durante dois anos nesta zona a ferro e fogo, faz-se silêncio. Na verdade, há ali descrições fora de tempo como as tabancas no Cubisseco ou no Cantanhez, ele redige imperturbavelmente, só em dois ou três momentos é que o autor fala na situação anormal que ele atribui ao terrorismo.

Um abraço do
Mário


Gentes de Catió, na revista Geographica, 1972

Beja Santos

O tenente-coronel António José de Mello Machado, do Centro de Estudos Vasco da Gama e do Centro de Estudos de Etnologia, publicou um trabalho sobre as gentes de Catió, subsidiado pelo Projeto de Investigação Científica “Mudança Social em Portugal (Metrópole e Ultramar) do Instituto de Alta Cultura”. O investigador dá provas de um bom conhecimento geral nas áreas da etnologia e antropologia, apresenta um bom resumo da história da Guiné à luz dos conhecimentos da época e espraia-se sobre as etnias predominantes.

O território de Catió, escreve, é chão antigo de Nalus, outrora seus povoadores. Sofreram a expressão expansionista dos Balantas que se assenhorearam das planícies baixas e alagadiças, esta foi e é a etnia predominante de Catió. Ao tempo, os Nalus eram a segunda etnia da região, posicionavam-se em ambas as margens do rio Cacine, ocupando o Tombali, o Como e o Cubucaré, estando em acentuada fase de assimilação pelos Sossos. Refugiaram-se na floresta, deixando as bolonhas aos Balantas, habitavam as clareiras escondidas no arvoredo. Apareciam superficialmente islamizados, conservavam as suas práticas de magia, ao que parece ligado a práticas canibais. Acresce que a expansão dos Beafadas absorveu muitos Nalus na região de Cubisseco. Recorde-se que os Nalus conservavam talvez a mais notável tradição escultórica da Guiné.

Os Balantas foram-se gradualmente expandido pela região, estabeleceram-se no Tombali, irradiando depois pelo Como e Cubucaré (matas do Cantanhez), trouxeram o arroz. Segundo o investigador, fizeram um longo itinerário, saíram do Enxalé e Porto Gole, atravessaram o Geba, subiram o Corubal, atingiram Buba e depois passaram a Quínera e daqui prosseguiram, no princípio do século XX até chegar a Catió. Os Balantas devem a sua relativa prosperidade à cultura do arroz. Segundo a tradição, foram dois degredados macaístas para aqui deportados que introduziram o arroz na região, mas o investigador considera esta suposição destituída de fundamento. Depois o autor espraia-se sobre os usos e costumes dos balantas, a sua rusticidade e estoicismo, a organização social e vida comunitária. Após referir detalhadamente o fanado, o casamento e as práticas de justiça, a economia familiar e os ritos funerários, o investigador conclui: “Povo rural, muito trabalhador, de cultura primitiva, de temperamento ingénuo e destemido, foi muito explorado pelas etnias de cultura mais adiantada. Os esbulhos que sofreram, por um lado, e a sua fraca coesão política, paradoxalmente aliada ao seu elevado sentido comunitário, por outro lado, foram fatores sagazmente explorados pelos mentores do terrorismo, conseguindo aliciar numerosos Balantas a partir de movimentações fáceis de aceitar por estas boas gentes, ingénuas e primitivas. Mas não foi desdenhado pelos aliciadores o espírito destemido dos Balantas, a sua admiração pelos feitos arrojados e a sedução da aventura guerreira a que os convidavam. Pobres Balantas cuja ingenuidade, capacidade de sacrifício, valentia, espírito de renúncia, foram virtudes de novo exploradas em benefício alheio numa proporção que a não sofreu alguma outra etnia".

A terceira etnia considerada no estudo são os Fulas e o investigador faz o respetivo histórico da presença dos Fulas em toda a Guiné. No final, expende a seguinte opinião: “A intranquilidade, nascida do terrorismo que atingiu a província, fê-los abandonar muitas das posições isoladas, afluindo aos centros mais seguros, onde aumentaram em número. A sua fidelidade contribuiu para a constituição das primeiras forças de voluntários nativos na luta contra o terrorismo. Surgiram, assim, no concelho de Catió, as principais núcleos de Fulas, resultantes da reunião de quantos se dispersavam por toda a área. Estes diversos núcleos, totalizados devem comportar cerca de 10 % da população do concelho”. A presença Fula seria considerável em Catió, Bedanda, Cacine, Guileje e Mejo.

A quarta etnia considerada é a dos Beafadas que no século XV estavam bem estabelecidos na Guiné e que, sujeito a pressões, atravessaram o Corubal, cruzaram o rio Buba e instalaram-se no Forreá, tornaram-se importantes na região de Fulacunda, mas também em Empada e Tite. Foram os Beafadas no reino de Guínala (hoje Quínara) que detiveram e desbarataram as hostes Fulas que assolaram o chão Mandinga do Gabu. Os Beafadas foram vassalos durante longo tempo dos Mandingas. Fixaram-se também no Tombali. Escreve o autor que também se fixaram em Gadamael indo até à região de Kandiafara, na república da Guiné Conacri. Ao longo de séculos os Beafadas mandinguizaram-se.

A quinta etnia respeita aos Mandingas. É longa a exposição do autor sobre o histórico dos Mandingas em toda a Guiné, vê-se que leu muito e que sabe resumir. Alerta-nos para o povoado Mandinga de Príame, fundada por um antigo cipaio, Dandan, chefe ao tempo em que o artigo foi publicado. Príame tinha mesquita e aqui também fixaram residência numerosas famílias Fulas.

Falando das minorias, refere Papéis, Bijagós, Manjacos, Sossos, Landumãs. Quanto às razões do seu estudo, recorda que tem o propósito de transmitir elementos escolhidos através do íntimo convício com populações nativas, ao longo de dois anos. Houve o cuidado de confrontar esses elementos com estudos publicados, assim terminando: “Acima de tudo, houve o escrúpulo de escutar o que disseram os anciãos, e respeitar a tradição que conservam do passado da sua gente. Com a publicação deste estudo mais não pretendemos que contribuir para a compreensão e conhecimento do povo nativo da província da Guiné".
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11933: Notas de leitura (510): Djarama PAIGC, uma reportagem fotográfica de Koen Wessing (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11398: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (8): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes XV/ XVI): Setembro de 1969... (i) Tragédia (para a 15ª CCmds)... (ii) Condição feminina ('Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer')



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > 1969 > Viatura destruída por mina anticarro. Resultado: dois mortos.



1.  Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70), Partes XV e XVI (*) [Originalmente publicado na I Série, em 2006]



Buba, 1 de Setembro de 1969

Empada continua a ser a preferida do IN para brincar às guerrinhas. Ontem, pelas 4.30 h da madrugada, sofreu novo ataque. Foi chamada a aviação que não chegou a intervir.

Empada, 9 de Setembro de 1969

Desde ontem que estou por estas bandas, após dois meses em Buba sem novidade de maior. O ataque do dia 31 não foi tão perigoso como constou em Buba. Atacaram de Morteiro 60, LGFog e bazuka  sem causarem prejuízo. Não caiu nenhuma dentro do quartel.

Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anticarro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência...

A Companhia de Comandos tinha vinda a fazer uma série de operações no Setor e dirigia-se para o Cais no Rio Grande, perto de S.João, para se retirar para Bissau.

Tem tido muito azar esta Companhia de Comandos. O Zé João sempre que sai com a Companhia faz ronco, mas no regresso tem tido sempre problemas graves. Ainda há pouco tempo, quando estavam em Buba comigo, saíram para uma operação em Saredivane, fizeram um ronco de 15 mortos, apanharam 21 armas, apenas com dois feridos ligeiros, mas no regresso cairam num campo de minas e uma bailarina matou um Furriel e um soldado ficou sem uma perna...

Nesse dia o Zé João foi buscar o morto e ferido ao campo de minas tendo recebido o prémio Governador, que não chegou a gozar devido a este brutal acidente que o afastou da guerra definitivamente.





Guiné-Bissau > Refgião de Bafatá > Saltinho > 2005 > O Zé Teixeira com um antigo milícia, o Braima de Mampatá, e uma bajuda, num antigo aquartelamento das NT, agora transformado em unidade  hoteleira.


Empada, 11 de Setembro de 1969

Conheci a Mariama no primeiro dia que aqui cheguei. A sua alegria contagiante, as suas brincadeiras e a maneira como sabia fazer-se respeitada, tudo isso fez com que simpatizasse logo com ela. De manhã vinha acordar-me:
- Tissera, corpo stá bom ?

Ao fim da tarde de hoje, passou pela enfermaria, como sempre, mas vinha diferente; olhos inchados, cabelo muito arranjado, a alegria habitual tinha desaparecido.
- Mariama, corpo di bó ?
- Ká stá bom, hodje manga di chátisse.
- Porquê? Qui passa ?
- Meu pai diz a minha Mãe: 'Põe Mariama bonito. Hodje ela vai cása cum alfaiate'. Mim ká na sibi qui vai cása. Mim ká miste alfaiate.
E acrescentou:
- Eu fui trabalhar na bolanha , manhã cedo, muito trabalho. Vem, lava roupa de Catarino [, o Jorge Catarin, meu companheiro nas artes de seringa e grande amigo,] e passo tua roupa a ferro. Chega a minha mãe e conta a verdade. Eu não sabia que ia casar...

As lágrimas escorriam-lhe para o regaço. Não gosta do Sanhá e parece que nem sabia que o pai a tinha vendido como se faz com os animais. Sabia o que a esperava mais dia menos dia, mas nunca com um velho.

Nos Beafadas a cerimónia de casamento é diferente dos Fulas. Ao fim da tarde a bajuda segue para a morança do futuro marido, acompanhada por outras bajudas em festa: aí espera-a um jantar.





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 2005 > O Zé deixou amigos que ele reencontrou trinta e cinco anos depois... Como, por exemplo, a mulher do filho do Régulo Shambel, de Contabane.


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: L.G.]


Em tempos apreciei um casamento fula em Mampatá. O casamento foi programado com antecedência. A festa durou dois dias com muita animação e até batuque. Este foi controlado pelo Sargento da Milícia, que a determinada altura mandou parar a batucada e vingou o silêncio. A noiva seguiu para casa do noivo às costas de um ancião coberto com um lençol de modo a ficar escondida dos olhares dos curiosos e, segundo me disseram, no dia seguinte tinha de pôr à porta o lençol com manchas de sangue para demonstrar que estava virgem.

A conversa com Mariama prolongou-se. Apresentou-me a Fanta, minha nova lavandera e deixou-me a dar largas aos meus pensamentos… Vieram-me à memória os jovens de Nápoles, e os da Ribeira . . . A Fármara de Mampatá que gostava do Amadu e era feliz; da Jubae, e da Yeró.

Esta última casada à força, presa fácil da tropa, que o marido me ofereceu como pagamento por lhe ter salvo o pai de uma doença (#), da Fatinha (siriana), cujo marido não se cansava de lhe bater. . . e era tão bonita !... Da Suade … das suas lágrimas, quando à sua volta toda agente dançava ao som do batuque.

Pergunto a mim mesmo, como é possível em pleno século XX, ainda haver este tipo de escravidão. Como é possível um pai vender sua filha por uma vaca e três carneiros !

(Continua)

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Nota de JT:

(#) Quando cheguei a Mampatá, veio ter comigo pedir quinino para o pai que estava com muitas dores. O Furriel enfermeiro que fui substituir disse-me:
- Este gajo tem o pai a morrer, eu estou a dar-lhe um comprimido por dia de X medicamento. Não lhe dês mais que um por dia, pois só tens esta caixa e em Aldeia Formosa não há.

Assim fiz e no dia seguinte, já sozinho, fui ver o doente. Velho de cabelos brancos, amarelo como cera, há mais de um mês de cama, sem forças etc,etc.

Reuni com o Alferes comandante do Destacamento e decidimos pedir a evacuação, à revelia das ordens que havia, o que gerou ameaças solenes para o Alferes do Comandante de Quebo, o qual teve como resposta:
- Sr. Major, eu não sou médico nem enfermeiro, o meu enfermeiro diz-me que não se responsabiliza pela saúde do homem. O Sr. Major responsabiliza-se ?

Assim o velho, foi evacuado. Esteve cerca de dois meses internado, fez uma operação ao intestino e regressou, para alegria dos familiares, muito melhor. Quando deixei Mampatá estava vivinho da costa.

Como prémio ou pagamento do meu trabalho, o filho, disse-me:
- Fermero, ká na tem patacão pra paga. Fica ku minha mudjer.

Este gesto gerou outra conversa que, como esta história,  não coube no meu diário
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11363: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (7): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes XIII / XIV): Julho / agosto de 1969: a angústia do cristão ante a dúvida "De que lado estará Deus ?"

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11054: Notas de leitura (455): "Raças do Império", por Mendes Corrêa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Raças do Império foi um acontecimento editorial do seu tempo, mereceu honras de edição de luxo e uma outra mais popular, um pouco como a História de Portugal, a chamada edição de Barcelos, dirigida pelo Prof. Damião Peres.
Estamos numa época de rescaldo de diferentes eventos sobre o mundo colonial português, houvera a exposição do Porto, em 1934, a do Parque Eduardo VII, em 1937, e o acontecimento excecional que foi a Exposição do Mundo Português, fazia todo o sentido divulgar, como material de estudo, com abundante mostra fotográfica, todos os povos que pertenciam ao Império e que bebiam a tão apregoada “missão civilizadora”.

Um abraço do
Mário


Raças do Império: A Guiné Portuguesa, pelo Prof. Mendes Corrêa 

Beja Santos

Em 1943, um médico que se lançara entusiasticamente na antropologia e etnografia, Mendes Corrêa, deu à estampa na Portucalense Editora um livro singular na investigação da época: “Raças do Império”. Note-se que Mendes Corrêa será convidado pelo governador Sarmento Rodrigues a visitar a colónia e daí resultará, em 1947, a sua obra “Jornada Científica na Guiné Portuguesa”, de que já aqui se deu notícia(1).

As suas teorias sobre a raça estão hoje obviamente em desuso, não aguentaram os novos estudos decorrentes da evolução trepidante que conheceu a Paleontologia, entre outros conhecimentos científicos. Define a raça como assente numa trilogia História, Psicologia e Biologia, em que nenhum dos elementos é dispensável. E diz mesmo: “Estudar a raça como um fator da História e da vida social é, afinal, estudar o papel da hereditariedade psicossomática, das causas germinais remotas, dos fatores biológicos profundos e permanentes, das energias elementares de estirpes naturais geradora dos povos, na fisionomia e atividade étnica, política e histórica destes últimos”.

Mendes Corrêa inicia a sua investigação sobre as gentes da Guiné procurando dar um quadro histórico da região antes da chegada dos portugueses. Recorda que no século III consta já junto do Níger superior, no Sudão Ocidental, o estado de Ganá, a leste do qual irá surgir o primeiro reino Songai. No século X, a invasão dos Sossos abate-se sobre o reino de Ganá que começará a desagregar-se, irão então surgir em cena populações negras oriundas de outros territórios. Formara-se entretanto o Estado de Mali, dos Mandingas, que no século XIV estendem o seu domínio até à Guiné Portuguesa. No seu apogeu, aquele reino terá incorporado Tungubutu, Songai e outras regiões, mas o Império de Songai conseguiu libertar-se. O Mandimansa seria o imperador de uma parcela do vasto reino Mandinga. Se nos recordarmos do que escreveu na sua tese de doutoramento Carlos Lopes em Kaabunké (Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gãmbia e Casamance), de que igualmente aqui já se fez menção(2), os dados históricos têm larga margem de flutuação. Espero em breve referir-vos uma compilação de textos publicada pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa intitulado “Mandingas – Um pouco de História” e também se verificam discrepâncias cronológicas apreciáveis.

Mas voltemos a Mendes Corrêa, estamos no Império do Mali e é a vez dos árabes se voltarem para os tesouros do Sudão. Tungubutu é conquistado em 1591 pelo Sultão de Marrocos. Songai passa a colónia marroquina. É neste entretanto que emergem os Fulas.

Na Guiné, os Mandingas são os principais adversários que os Fulas encontram no Futa-Djalon. Os Mandingas da Guiné são batidos e subjugados pelos Fulas em 1836, o mesmo sucede com os Beafadas. Para Mendes Correia é este o contexto em que se chega à carta etnológica atual.

A população da Guiné não terá mudado muito desde as descrições dos nossos autores dos séculos XV e XVI. Terão perdido importância demográfica os Nalus, os Beafadas e os Cassangas e progredido os Balantas e os Fulas. Adverte Mendes Corrêa: “Apesar das diversas investigações realizadas, não pode considerar esclarecido o problema das origens e afinidades raciais de todos os grupos étnicos da nossa Guiné”.

Os Fulas proviriam de uma mistura de Etíopes e de Negríticos (negros sudaneses e nilóticos). Os outros agregados seriam Negríticos (negros que não falam línguas Bantus), destacando-se os Mandingas (ou Mandé) num grupo à parte: todas as outras populações da nossa Guiné seriam Negríticos litorais ou guineenses, com grande uniformidade do tipo físico. Os Felupes seriam a tribo principal dos Diola de entre o Casamansa e o Gâmbia. Mendes Corrêa refere como quase autóctones os Balantas, os Banhus, os Papéis, os Bijagós, os Beafadas e os Nalus.

O Fula é suscetível de enquadramento na raça etiópica. André Álvares de Almada, no século XVI, descreve-os deste modo: são robustos, bem-dispostos, de cor amulatada, os cabelos corredios. Na nossa Guiné, mencionam-se os Fulas forros, os Futa-Fulas e os Fulas pretos. Os primeiros e os últimos terão resultados das migrações Fulas, os forros consideram os Fulas pretos são antigos escravos. Os Fulas forros são descritos como de estatura elevada, corpo delgado, cor acobreada, cabelos lanosos, nariz e lábios finos. Segundo Carvalho Viegas, um governador que se abalançou a estudar a região, o Mandinga morfologicamente é uma espécie de raça negra, sem mescla de sangue. Duarte Pacheco refere que os Beafadas estavam sujeitos aos Mandingas. Os Sossos teriam sido expulsos do Futa-Djalon e empurrados para a costa pelos Fulas. André Álvares de Almada refere que os Bijagós são “mui pretos, gentis-homens, não furam as orelhas, as mulheres sim”.

Mendes Corrêa recolhe a opinião dos colonialistas do seu tempo: Os Fulas são tipos como ambiciosos, o grupo mais civilizado e de maior superioridade intelectual; os Mandingas como inteligentes, perspicazes, observadores, empreendedores e aristas; os Felupes como independentes, corajosos e hospitaleiros; os Papéis como traiçoeiros, belicosos, pouco trabalhadores; os Brames como inteligentes, pacíficos e trabalhadores; os Manjacos como inteligentes, dominados pelo pudor, trabalhadores, os mais acessíveis a influência portuguesa, ainda que litigantes e pouco probos; os Balantas como inteligentes, tenazes, argutos, laboriosos, mas ladrões e litigantes; os Bijagós como artistas, belicosos e tímidos.

Depois, Mendes Corrêa abalança-se à descrição sobre os idiomas, mobiliário, tipos de habitação, vestuário, tatuagens, manifestações religiosas, totemismo, sistemas de justiça, panaria, olaria, escultura, trabalhos em coiro, arte musical e literatura, não há elementos inovadores, digamos que se trata de um conspecto antropológico e etnográfico com base em bibliografia recolhida.

“Raças do Império” foi uma revelação para o tempo, nunca se tinha ido tão longe numa síntese sobre todos os povos que constituíam Portugal e o seu Império. Tratou-se de uma recolha meticulosa, de acordo com a documentação existente e as preocupações raciais que fizeram furor no primeiro quartel do século, ao nível dos estudos coloniais. Mendes Corrêa procurou ser abrangente e leu alguma da melhor bibliografia internacional do seu tempo, reconheça-se.

Daí resultou um texto fluído, bem organizado para não iniciados, estamos numa época em que os autores procuravam atrair o leitor capturando-o para o exotismo e quase com ternura pelo “bom selvagem”. É assim que ele escreve: “Há, entre Mandingas, Fulas, Manjacos, Papéis, Bijagós, entre outros, canções, batuques, danças, pantominas, de variado carácter, como para incitamento ao trabalho agrícola, orgia, culto religioso, homenagens fúnebres. Entre Mandingas, as mulheres casadas, geralmente, não dançam; os Papéis cantam a valentia dos seus chefes mortos, organizando danças fúnebres em sua honra. Os Bijagós têm o culto da vaca…”.

Foi um enorme esforço, este estudo de índole imperial, e não é por acaso que refere com alguma insistência a exposição colonial de 1934 e a Exposição do Mundo Português de 1940, foram polos de atração para o desenvolvimento da curiosidade em conhecer os povos que estavam sujeitos à nossa missão civilizadora.
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Notas do editor:

(1) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9183: Notas de leitura (311): Uma Jornada Científica na Guiné Portuguesa, de António Mendes Corrêa (Mário Beja Santos)

(2) Vd. poste de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10519: Notas de leitura (416): Kaabunké Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance", por Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11037: Notas de leitura (454): "A Pátria ou a Vida" por Gertrudes da Silva (2) (Mário Beja Santos)