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quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20270: Antropologia (34): Cultura e tradição na Guiné-Bissau, por António Carreira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Ao lermos este texto, com mais de trinta anos de idade, podemos dar conta da solidez cultural deste historiador maior das coisas de Cabo Verde e da Guiné, incontornável quando escreve sobre o sistema esclavagista ou grupos étnicos e até panaria, possuía uma curiosidade que não se apagava, tinha a coragem de corrigir opiniões e a dívida cultural com que lhe ficamos é desmesurada. Basta ler este singelo texto que apresentava na Cooperativa Árvore do Porto uma exposição de artes plásticas que exibe escultura da melhor que há em África.

Um abraço do
Mário


Cultura e tradição na Guiné-Bissau, por António Carreira

Beja Santos

António Carreira
Em junho de 1984, a Cooperativa Árvore promoveu uma exposição sobre cultura e tradição na Guiné-Bissau, António Carreira foi convidado a apresentar o país, os dados culturais e o valor da tradição nas manifestações artísticas.

Depois da localização geográfica e de uma síntese histórica, desvelou a estrutura económica, que resumiu deste modo:
“A base fundamental da sua economia assenta na orizicultura e no cultivo dos milhos, como cereais de sustentação; e da mancarra, como produto de exportação. A cultura desta última teve início entre 1942 e 1945. Ao mesmo tempo há o aproveitamento dos frutos da palmeira-do-azeite, nos quais se extrai o coconote e o chamado azeite vermelho.
A orizicultura e o aproveitamento da palmeira-do-azeite constituem a actividade principal dos povos do litoral desde tempos imemoriais; processa-se através de uma técnica bastante aperfeiçoada pela requintada preparação das lalas (planícies alagadas ou alagáveis) e que prontas para o cultivo do arroz tomam a designação de bolanha. A preparação consiste na feitura de camalhões e diques de defesa que permitem a entrada da água do mar e dos rios em quantidades adequadas e, ao mesmo tempo, a descarga dos excedentes quando atingem determinados níveis. O cultivo do arroz nas terras do Quinara e do Tombali, foi introduzido no segundo quartel do século XIX pelos Balantas emigrados na região de Mansoa. À parte este tipo de culturas de arroz, processa-se um outro chamado Pampã, nas terras de sequeiro, sobretudo como cultura intercalar nos palmeirais. Trata-se de uma variedade de arroz especial, temporão, que permite acudir às necessidades alimentares nos períodos entressafras”.

E apresenta o mosaico étnico e a dinâmica cultural nos seguintes termos:
“No concernente à organização social, as comunidades étnicas e étnico-linguísticas mostram-se no geral bem organizadas, coesas, respeitando as suas tradições, os seus hábitos, comportamentos e costumes, tanto quanto o consentem as transformações sofridas nas últimas cinco décadas.
Em matérias de organização política tradicional, necessariamente em decadência, o factor mais saliente é o impacto produzido pelo contacto com outras culturas mais dinâmicas, podemos (ou poderíamos) compartimentar as etnias em dois grandes grupos, sobretudo às crenças ou cultos professados:

1) – o dos que possuem estruturas políticas fortes e eficientes dominando a área do Centro-Leste – Mandingas, Fulas, Beafadas, etc., uns ainda animistas, a grande maioria islamizados; e, no Litoral, os Papéis-Brames, localizados na área compreendida entre a margem esquerda do rio Cacheu até à ilha de Bissau (todos eles animistas). Em todos estes grupos, as autoridades dispunham de poder efectivo sobre as populações das respectivas áreas de jurisdição. Esse poder foi cedido indolentemente, quer devido à presença europeia quer pela mentalização da juventude.

2) – outro, dos que nunca possuíram o tipo de organização acima referido – Balantas, Felupes, Baiotes, Bijagós e outros – agrupando-se em comunidades de povoados, mais ou menos numerosos e submetendo os seus pleitos e conflitos à decisão do Conselho dos Grandes.
Os islamizados não ultrapassam os 40% da população total. A influência do Islão foi, quanto a nós, decisiva em muitos e amplos aspectos da vida deste mosaico. O Djila (negociante ambulante, em regra do grupo Mandinga) ao percorrer as regiões de animistas aproveitava-se da oportunidade para difundir o credo islâmico, isto começou pelos alvores do século XV-XVI e perdurou.

A título de exemplo, aponta-se a mandiguização do Balanta localizado na margem direita do rio Farim, conhecido por Balanta-Mané (Mané, apelido Mandinga), que de Balanta nada possui já; ao passo que do Mandinga assimilou o tipo de habitação, a técnica agrícola, o vestuário, os sistemas matrimoniais, a sucessão pela linha matrilinear, etc. Mas, para além destes aspectos, apontam-se a influência de grupos de cultura arabizada junto dos Nalus e dos Sossos (das áreas localizadas entre os rios Cacine e Cumbijã) que não só adoptaram o islamismo como religião (islamismo do tipo africano, entenda-se), como as regras de matrimónio (até aos anos 1930, os Sossos e os Nalus só faziam o casamento por troca, por ignorarem o sistema do dote ou compensação). E consoante a progressão do islamismo, assim puseram de lado a escultura em madeira de máscaras rituais em que ambos foram exímios. É ver as fabulosas máscaras Bandá, Ninte-Camatchol, etc., tão procuradas pelos coleccionadores europeus e norte-americanos. Não foram todavia só os Nalus que empobreceram os seus valores culturais. Os Manjacos, bons escultores de postes com figuras zoomórficas e antropomórficas, destinados a certos rituais e a assinalar as campas de indivíduos de alta posição social, decaíram ou desapareceram dos seus costumes.

O Corão proíbe toda esta simbologia esculpida. O islamismo, por muito que tenha oferecido aos animistas, foi o principal responsável pela decadência (e desaparecimento) da arte escultural dos Nalus, dos Sossos, dos Manjacos e dos próprios Bijagós. Isto contudo não impede que as apresentemos sob um outro esquema, embora simplificado. 
Assim, temos:

- Grupos étnicos nitidamente diferenciados, usando línguas aglutinantes do tipo das semi-bantas, definidas pelo uso de prefixos de classe e prefixos de concordância: Balantas e Bijagós, ambos com formas dialetais; Felupes-Baiotes; Banhuns-Cassangas.

- Grupos étnico-linguísticos nitidamente determinados: Papel-Brame (ou Mancanha)-Manjaco. A par deles a minoria Caboiana ou Cobiana (da região de Caboi) com um linguajar típico misto do Banhum-Cassanga e do Manjaco. Todos eles animistas. Os grupos de fundo linguístico semi-banta, incluindo minorias, abrangem 59,1% da população global (censo de 1950).

- Grupos étnicos falando línguas do tipo sudanês, definidas pelo emprego de sufixos plurativos, todos eles islamizados:

Mandingas e etnias mandinguizadas: Beafadas, Nalus, Sossos, Bambarãs, Saracolés, Landumás, Jalofos, Jacancas, Pajadincas. A par destes, apontam-se também os Balanta-Mané e os Cunantes ou Mansoancas, que usam um linguajar fortemente influenciado pela língua Mandinga; Fulas e os seus diferentes ramos: Fula-Preto, etnia constituída pelos antigos escravos das mais diversas origens, conhecidos também por Fula-djom, Fula cativo, em Mandinga e Fula Matchudô, em Fula; Fula-Forro, o havido por nobre ou filho de pais de longa data alforriados no ato de rapar a cabeça; Futa-Fula ou Fula do Futa – do Futa Djaló ou do Futa Toro, este também conhecido por Toranca e Tôrôdô; Fula do Boé ou Boenca, o oriundo da área do Boé-Kadé.”

No termo do seu trabalho da apresentação da exposição de artes plásticas da Guiné-Bissau no Porto, o historiador refere a importância do crioulo, considerando que todos estes dados somados são definidores de uma extraordinária diversidade, caso ímpar na diminuta dimensão de um território.



Imagens da arte Bijagó, reproduzidas do site Bestnet Leilões, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19840: Antropologia (33): "Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola", por Maria José Lobo Antunes, Tinta-da-China, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20223: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (2): prevalência do HIV/SIDA; comportamento de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST



Guiné-Bissau > Bissau > HIV / SIDA > Dístico colocado sobre a estátua Maria da Fonte, na rotunda do Império, praça dos Heróis Nacionais, em Bissau. Foto de DW - Deutsche Welle / B. Darame. Com a devida vénia...



1. Mais alguns dados sobre a Guiné-Bissau, relativamente às "doenças sexualmente transmissíveis" (*), com destaque para o HIV / SIDA.


A fonte consultado é o relatório da CPLP sobre a Guiné-Bissau, e que corresponde ao capítulo 4 (da pag. 272 à pag. 337) do relatório final. A autora é a consultora brasileira Helena Lima.

Fonte: Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único, dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 2018 [documento em formato pdf, 643 pp. Disponível em: https://www.cplp.org/id-4879.aspx]


(iii) Doenças sexualmente transmissíveis (DST)(Continuação

HIV / SIDA

Prevalência de HIV entre mulheres grávidas: 5%

Prevalência de HIV entre grávidas 15-24 anos: 3,4%

Prevalência nacional geral: 3,3% | Meio rural: 2,3% | Urbano: 3%


Prevalência por género: Homens: 1,5% | Mulheres: 5%


% de recém-nascidos filhos de mães HIV + que nascem infectados pelo HIV: 26%


Número de pessoas vivendo com HIV (2013): 41 mil


Crianças < 15 anos vivendo com HIV: 6.100


Órfãos por causa da doença: 10.614




(iv) Comportamentos de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST:




Tráfico de mulheres e violência de género



Alguns problemas estruturais vulnerabilizam a população de Guiné Bissau para os agravos diversos relacionados  com a sexualidade, como tráfico de mulheres e as diversas modalidades de violência baseada em género. 

O modelo patriarcal legitima as práticas socioculturais e tradicionais sobre grupos étnicos que compõem o país.



Circuncisão feminina e masculina



A Mutilação Genital Feminina (MGF), embora proibida por lei, é praticada em ambiente doméstico. 

Estima-se que as mutilações genitais tenham atingido 44,9% das mulheres entre 15-49 anos e cerca de 49,7% das crianças 
entre 0 – 14 anos.

A circuncisão masculina é socialmente incentivada e tem apoio no serviço público de saúde. 

Em inquérito de 2014, alguns dados apresentados sobre a situação dos inquiridos perante a circuncisão / MGF, por sexo:  
64,1% dos homens confirma a circuncisão, contra 35,9% que ainda não foi circuncisada. 

Para o sexo feminino 37,2% respondeu 
que sim foi submetida a MGF,
contra 62,8% que responde que Não.


Casamento precoce



Em relação ao casamento precoce, 7,1% referem-se a crianças com menos de 15 anos e 37,1% entre menores de 18 anos.



Contracepção


Em relação à taxa de contracepção, 
dados de 2014 apontam que 84% da população não usa método algum contraceptivo.


Os homens nunca são responsabilizados por eventual esterilidade, esta é uma questão meramente feminina e de mulheres, em alguns casos são sancionadas pelo divórcio. 

Essa verdade não é diferenciada por zonas ou espaços rurais/urbanos, 
é uma realidade cultural. 



A religião, a cultura e a tradição obrigam as mulheres a procurarem formas de conseguir despistar os maridos para poderem usufruir dos métodos contracetivos, porque,  segundo estes, elas são casadas para se procriar. 



Para se livrarem dos maridos, muitas das vezes, elas inventam desculpas em levar as crianças para as vacinas e/ou consultas e aproveitam para fazer controlo 
do implante dos métodos.




Planeamento familiar, gravidez e aborto 
entre os manjacos e os papéis



Segundo inquérito de 2014,  entre os manjacos, as mães não deixam os filhos fazer o planeamento e, quando aparecem grávidas, não as deixam fazer o aborto, porque é uma prática tradicionalmente interdita ("mandjidu") (...) 



Similaridade em Quinhamel, entre os papéis, onde se testemunhou um grau de liberdade das raparigas em ambientes noturnos e, quando aparecem grávidas, as mães não as exigem, temendo represálias de defuntos e/ou "kansaré". 



Segundo a crença dos papéis, se uma mãe se zangar com a filha grávida, ela não poderá tocar na criança após a nascença, porque representa uma rejeição a priori, o que faz com que as mães tenham que se consentir com a gravidez das filhas. 



Ainda neste mundo animista, segundo um técnico entrevistado em Caió, uma localidade de elevada taxa de prevalência do VIH, os homens desta localidade contraem matrimónio com mais de cinco mulheres, o que se associa a um elevado índice de promiscuidade, sobretudo nas deslocações de mulheres ao Senegal e das oportunidades sexuais que se lhes assistem.



Curandeiros tradicionais, muros, djambacus e balobeiros





Outras experiências demonstram que 
as mulheres casadas em dificuldade de gravidez recorrem sempre aos "murus" ou "djambacus" para receberem tratamentos tradicionais ou ainda as "balobas" de "ferradias",  fazendo pedidos e consequente promessas, em detrimento de aconselhamento e/ou tratamento médico.



Relativamente ao HIV/SIDA, segundo as perceções de alguns técnicos de saúde 
e ativistas de organizações 
que lidam diariamente com esta pandemia, 
uma larga percentagem de pessoas infetadas recusa a existência, considerando-a "tarbeçado", doença de "badjudeça".

De acordo com certas tradições animistas,  a doença é igualmente interpretada como falta de cumprimento de alguns rituais, 
caso de se tornar "djambakus" 
e/ou cerimónia de "rônia iran".


Fonte: Excertos do supracitado relatório. 
Com a devida vénia...

(Continua)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13364: Notas de leitura (608): "África" - Literatura-Arte e Cultura - Os Djumbai (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Dezembro de 2013:

Queridos amigos,
De há muito que a cultura oral fascina os estudiosos guineenses. Logo Marcelino Marques de Barros, um pároco guineense, de elevadíssima cultura, que chegou a ser vigário-geral da Guiné e sócio correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa, deixou o primeiro acervo de lendas e adivinhas, mais tarde Benjamim Pinto Bull, na sua tese de doutoramento na Sorbonne debruçou-se sobre a filosofia do crioulo na Guiné-Bissau e procedeu a um importante levantamento das adivinhas e a sua estrutura, evidenciando o papel que é a oralidade e o crioulo têm na cultura popular. Estas adivinhas são um dos esteios que marcam a diferença da cultura guineense face aos países limítrofes, é uma das marcas de água da sua identidade.

Um abraço do
Mário


Os “Djumbai”

Beja Santos

Na segunda metade dos anos 70, o escritor Manuel Ferreira dirigiu a revista África, de saudosa memória. No seu número 6, correspondente ao último trimestre de 1979, foi publicado um ensaio assinado por Teresa Montenegro/Carlos de Morais que questiona o vigor da cultural popular oral na Guiné-Bissau. De forma preambular, os autores recordam a importância das narrativas comunitárias e o desempenho que cabe nessa oralidade aos “homens grandes”; ainda sob essa forma preambular, é também observada a importância da floresta imensa e ancestral e o papel que ocupa na cultural oral, pois é nesse espaço temeroso que se desenvolvem vários deuses que falam com as serpentes, por ali vagueiam espíritos errantes, é na floresta que decorre o fanado, o que significa que ali os jovens se transformam em adultos, à volta da floresta decorre o centro nevrálgico da economia guineense. É dentro deste enquadramento que os autores põem em cena os “djumbai”, reuniões informais de convívio onde estão presentes homens, mulheres e crianças de todas as idades, atravessadas por uma dinâmica da comunicação onde têm lugar os relatos, canções, adivinhas, comentários, etc., e que é sustentada e dirigida por intervenções de gente de todas as idades.

Os “djumbai” acontecem ao crepúsculo, trata-se de contar, cantar e ouvir histórias, tudo na noite fechada ou na noite estrelada, é aqui que o convívio noturno eclode com toda a sua magia. É nestas reuniões informais que vão surgir as adivinhas, uma síntese que encerra o enigma e propõe um jogo: a descoberta desse enigma.

Os autores escrevem textualmente: “Dos elementos propostos parte-se para a descoberta e chega-se à chave do enigma através de um exercício de reflexão e imaginação que assenta nos dados da adivinha, que contêm e transmitem o essencial da situação proposta. A síntese apresentada à assistência pode assumir a forma do absurdo, do insólito ou invocar sons conhecidos. Uma mesma adivinha pode também admitir mais do que uma resposta e a uma mesma resposta pode chegar-se através de formulações diferentes (…) Sendo a descoberta a sua finalidade, as adivinhas estão permanentemente a veicular conhecimentos, conhecimentos úteis que correspondem às necessidades do meio em que circulam e que são apreendidos em completa participação e liberdade”.

Os autores escreveram um livro sobre as adivinhas que se intitula «‘N sta li, ‘n sta lá» (estou cá e estou lá). Estar simultaneamente em mais de um sítio, viajando no tempo e no espaço sem deixar de estar de algum modo.

Aportam igualmente dois elementos explicativos para a força deste jogo em que as adivinhas desempenham um papel primordial na vida comunitária: o crioulo e a oralidade. Obviamente que a comunicação dentro da tabanca é para ser apreendida por uma ou mais etnias, daí o uso da língua veicular, o crioulo que ainda não é um sistema de escrita. Escrito este ensaio em finais da década de 1970, era já candente a argumentação utilizada para a análise destas adivinhas:
“Numa sociedade onde apenas agora se começam a distribuir livros e cadernos às crianças e a prática escrita se encontra quase ausente mas, em contrapartida, se encontra há muito tempo perfeitamente generalizado o estatuto de produtor cultural a todos os seus elementos e existem, instituídas, estruturas de transmissão e troca, a oralidade ocupa uma dimensão cultural central.
É neste lugar que surge a adivinha como uma síntese capaz de reter e transmitir sem esforço a experiência útil, propor uma onomatopeia breve para o lugar de uma longa descrição ou sondar uma dimensão que está para lá das aparências.
Afirmando de forma mais aberta (interrogando) e arriscando-se a terminar o seu ciclo no próprio instante em que se conta (ou canta), já que a imaginação, a liberdade e o prazer de algumas pessoas em diálogo destroem adivinhas, partem histórias ao meio e acrescentam ditos com toda a naturalidade quando se reúnem para criar e transmitir a própria cultura”.

A título de esclarecimento, publica-se uma página com adivinhas em crioulo e em português.

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JULHO DE 2014 Guiné 63/74 - P13352: Notas de leitura (607): Livro de memórias de guerra, de António Ramalho de Almeida, médico pneumologista, do Porto, ex-alf mil, GG, Bissau, 1964/66

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12051: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (18): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2o07) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (II). A festa do fanado (feminino). Fotos.








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Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 >  Festa do fanado (feminino), a que se associaram os militares.

Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68).


2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (II). A festa do fanado. Fotos

(...) Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais.

Atraídos pela música, os militares metropolitanos acercaram-se do local onde decorria o ritual – as meninas postadas à volta do enorme almofariz enquanto as mulheres, com o pilão, moíam cereais cuja farinha se derramava sobre as cabeças das ainda crianças – e sem quaisquer constrangimentos dançaram e cantaram como se fossem parte da cerimónia.

Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia nem pensar.

Tal deferência nada tinha a ver com o meu cargo ou posição na companhia, mas sim porque quando o correio me trazia os slides revelados, eu montava o cenário e mostrava à população as suas caras e os seus lugares que provocavam grandes ovações e expressões de alegria dos visados. Era o que chamavam de cenima do nosso sargenti. (*)


3. Comentário, de 17 do corrente,  de Cherno Baldé, nosso amigo e irmão guineense [, foto à direita]:

(...) A guerra colonial travada num meio essencialmente rural/tradicional tinha, também, o condão de provocar efeitos secundários ou colaterais de âmbito sócio-cultural. Só algumas raras pessoas podiam perceber o alcance e a profundidade das transformações sociais que se operavam no seio dessas mesmas sociedades.

Neste caso concreto das imagens [do Zé Neto], o que salta a vista é o facto de as mulheres, no uso da liberdade pontual que a cerimónia [do fanado] autorizava nos idos anos 60, desafiarem a tradição e quebrarem o velho tabu do uso de roupas do sexo oposto e, sobretudo, de homens de guerra. 

No caso da Guiné, o facto não é meramente fortuito, pois tratava-se de uma fase de viragem histórica e que viria a ser bem aproveitado e vulgarizado pelo PAIGC no período pós-independência (...)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10865: Agenda cultural (244): O nosso grã-tabanqueiro António Graça de Abreu vai dirigir um curso livre sobre a China de ontem e de hoje (1713-2013), no Museu do Oriente, em Lisboa, aos sábados de manhã, de janeiro a março de 2013



República Popular da China > Xangai > Março de 2011 > O António Graça de Abreu, nosso camarada e amigo, membro da nossa Tabanca Grande, é um grande especialista da história e da cultura chinesas. Vai dirigir, de janeiro a março de 2013, um curso livre sobre a China (1713-2013)... O curso vai realizar-se no Museu do Oriente, em Lisboa. Preço do curso: 100 €.  Ele sentir-se-ia muito honrado em ter, entre os participantes,  um de nós. Fica aqui o programa definitivo do curso, que eu acho aliciante. Há cinco séculos que os portugueses têm relações económicas, políticas e culturais com a China. Para mais informação, clicar aqui.

1. Mensagem, com data de 19 do corrente, do nosso camarada AGA:

Luis, caríssimo: Aqui segue o programa definitivo e final do meu próximo Curso. Peço-te o favor de também reencaminhares para a  malta toda do blogue. Gostava mesmo de ter uns camaradas da Guiné, agora por companheiros no desbravar da China.

A propósito, sabes quem disse isto?

"Nestas viagens da China, mais se ganha no furtado do que no ordenado." Foi o teu homónimo poeta Luis Vaz de Camões, em carta de Lisboa, cerca de 1550, in "Versos e Alguma Prosa de Luís de Camões", Porto, Ed. Inova, 1972, pag. 92.

Claro que no furtado se ganha mais do que ordenado, se ganha mais do que a trabalhar honestamente. Sempre foi assim e continuará a ser.

Toda a amizade do,

António Graça de Abreu









segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8671: Álbum fotográfico de João Graça (11): 1º Festival Cultural de São Domingos, 18-20 de Dezembro de 2009 (II Parte): Homens que lavam o rosto do seu país...










Guiné-Bissau > Região do Cacheu > São Domingos > 18 de Dezembro de 2009 > 1º Festival Cultural de S. Domingos, sob o lema "Nô Laba Rostu di Nô Guiné". Actuação de diversos grupos de música e dança, balantas, felupes, etc.  

A organização foi da responsabilidade da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, cujo director executivo, o Eng Agr Carlos Schwarz da Silva (Pepito),  aparece na 1º foto, a contar de cima. A iniciativa tem-se vindo a repetir todos os anos, em regiões diferentes. O objectivo é mostrar aos guineenses (e aos seus amigos) a grande riqueza multicultural da Guiné-Bissau e reforçar a sua identidade nacional. 

Fotos tirados pelo João Graça no penúltimo último dia da sua viagem à Guiné-Bissau (5-12 de Dezembro de 2009).


Fotos © João Graça (2009). Todos os direitos reservados

[ Selecção / edição / legendagem: L.G.]

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Nota do editor:

Ultimo poste da série > 14 de Agosto de 2011 >Guiné 63/74 - P8667: Álbum fotográfico de João Graça (10): 1º Festival Cultural de S. Domingos, 18-20 de Dezembro de 2009 (Parte I): Mulheres que lavam o rosto da sua terra...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5440: Ser solidário (48): “Ciência para meninos em poemas pequeninos” (Regina Gouveia)

1. A Regina Gouveia, esposa do nosso Camarada Fernando Gouveia (Alf Mil Pel Rec Inf - Comando de Agrupamento 2957 -, Bafatá, 1968/70), enviou-nos um convite que passamos a publicar, extensível a todos os Camaradas tertulianos, familiares e amigos, bem como a todos os nosso Amigos que acompanham a vida do blogue, para o lançamento do seu mais recente livro:

CONVITE

Lançamento do Livro "Ciência para meninos em poemas pequeninos" da escritora Regina Gouveia

No próximo dia 16 vai ter lugar o lançamento do meu novo livro, onde estará presente o Coronel Marques Lopes, representando a Ajuda Amiga.

Um abraço,
Regina Gouveia

A Vivacidade tem a honra de convidar V. Exa. para o Lançamento do Livro “Ciência para meninos em poemas pequeninos” da autoria de Regina Gouveia, que terá lugar no dia 16 do corrente mês pelas 18h na Vivacidade - Espaço Criativo no Porto.

Serão momentos de cultura e de diversão numa acção de solidariedade para com as crianças da Guiné-Bissau. A sessão tem entrada livre.

Envio o convite e anexo o folheto informativo onde encontrará um resumo do currículo das pessoas que irão participar no lançamento.

A Autora Regina Gouveia e o Ilustrador Nuno Gouveia darão uma sessão de autógrafos.

Muito apreciaríamos poder contar com a sua presença neste evento. Agradecemos confirmação.

Direcção,
Mª Adelaide Pereira
Vivacidade – Espaço Criativo
Rua Alves Redol, 364 - B
4050-042 Porto
Tel.: 220937093
Fax: 220937092
Mob: 913263302
www.vivacidade.pt
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 20 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > O apanhado do Alferes Cabral , à direita, com o seu inseparável cachimbo, em amena conversa com dois periquitos da CCAÇ 12: o António Manuel Sucena Rodrigues, que mora em Oliveira do Bairro, ex-Ful Mil Inf na CCAÇ 12, no período final da guerra (1972/74), tendo estado no Xime e regressado em Agosto; e o Victor Alves, de Santarém, que chegou à CCAÇ 12, em Fevereiro de 1971, para render o Jaime, o Fur Mil Vaguemestre... (Ainda conheceu, portanto, em Bambadinca, os pais-fundadores da CCAÇ 12, que vieram no Niassa, como CCAÇ 2590, em Maio de 1969, e a que se juntariam em Contuboel 100 recrutas africanos...).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, seguramente uma das figuras mais conhecidas, mais populares e mais queridas da nossa Tabanca Grande:
Caro Amigo,

Estás de Parabéns! Tu, o Mexia, o Vinhal, estamos todos nós.

Em cada Encontro, por magia, recuo quarenta anos, e volto a ser o apanhado Alferes Cabral. Diferentes, o muito que nos separa, desaparece e dá lugar ao tudo que nos une.

Como te prometi, envio mais uma 'estória' (1).

Abraço para ti

Abraço para todos

Jorge



2. Estórias cabralianas > Alferes cai em desgraça por via de Proposta Indecente
por Jorge Cabral

Quando ele chegou, o Pelotão era pluriétnico. Fulas, Mandingas, Manjacos, dois Bijagós, um Balanta e um Papel, conviviam sem grandes problemas. Um ano depois, porém, só existiam Fulas, sempre acompanhados das mulheres.

Na guerra desde o início, alguns que já haviam ultrapassado os quarenta anos, formavam um Comité de Homens Grandes, cujos conselhos eram acatados, inclusive pelo Alferes, que frequentemente os consultava. Cansados, só queriam calma e sossego. Poucas operações, uns óculos escuros, um rádio, arroz para o mês inteiro e algum dinheiro para a jogatana, e sentir-se-iam felizes.

Um Pelotão mesmo à medida do Alferes, sem qualquer vocação guerreira e que apenas ali estava… porque sim. Para eles o Cabral devia ser rico pois lhe pediam tudo e às horas mais despropositadas… Às vezes no meio da noite, era acordado, porque durante o dia chegara um vago parente que era preciso presentear…

Com infinita paciência lá ia aguentando. Já comprara oito pares de óculos escuros e cinco rádios para uso alternado, quando alguns soldados resolveram arranjar mais uma mulher, recorrendo mais uma vez aos seus préstimos. Impossível garantiu, mais mulheres custariam uma fortuna...

A não ser que se fizesse como com os óculos e os rádios. Uma mulher para três ou quatro… Recusada a proposta, o Alferes arriscou:
-E se fosse a meias comigo? Sou vosso Comandante e vosso Amigo. Mais oito meses, vou-me embora e elas serão só vossas.
Nem responderam. Retiraram-se, zangados.

Logo dois dias depois, vindo não sei de onde, um velho Marabu veio falar com o Alferes. Altivo, através do intérprete Sambaro, pregou-lhe um sermão. Uma valente piçada, pensou o Alferes.

Porra, não lhe bastavam as do Capitão, do Major, do Comandante, agora até de um Marabu!...

Claro que, dias depois, fez as pazes com os soldados, afiançando-lhes que estivera a brincar... Mas teria estado mesmo?


Jorge Cabral
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Nota de L.G.:

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2846: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (16): Salvemos o Cantanhez (II)


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Rio Cacine > Cananima > 2 de Março de 2008 > Concentração dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje na praia e porto fluvial de Cananima, frente a Cacine, na margem direita do Rio Cacine (1).

O Cantanhez é delimitado pelos dois rios principais, o Cumbijã e o Cacine. As margens destes rios são constituídas por uma vasto e rico mangal. A bacia do Cumbijã é conhecida por ser (ainda) um dos celeiros de arroz do país (cerca de 13 mil hectares de bolanhas cultivadas em finais da décad de 1990). A actual crise alimentar no mundo está também a afectar a Guiné-Bissau, cujos dirigentes políticos e agentes económicos têm apostado na monocultura do caju, para exportação (seguindo, desgraçadamente, o mau exemplo colonial, da o da monocultura do amendoím), e na importação de arroz estrangeiro que, devido aos preços mais baixos particados pelos grandes produtores mundiais, acaba por ter uma vantagem decisiva em relação ao arroz nacional. É preciso que os guineenses aprendam as sábias lições do Cantanhez. Hoje, mais do que nunca... É preciso salvar as bolanhas. É preciso lutar contra a erosão e a salinização das melhores terras de cultura do arroz... É preciso evitar a sangria dos jovens, atraídos pela miragem da grande cidade... É preciso dar sentido ao futuro, é perciso dar esperança aos guineenses...

O Rio Cacine, por sua vez, é rico em peixe e moluscos. É muito procurado por pescadores da vizinha Guiné-Conacri, concentrados sobretudo na Ilha de Melo, na foz do Rio Cumbijã. As espécies piscícolas mais procuradas são o Djafal, o Bagre e o Tubarão (este apanhado sobretudo como juvenil, o que vem compromter o equilíbrio da fauna marinha, já que é uma espécie que está no topo da cadeia alimentar). Há uma crescente consciente ecológica entre as gentes do Cantanhez, que representa, pela sua biodiversidade, um património riquíssimo que é preciso preservar, proteger e utilizar, numa óptica de custo-benefício, de maneira a tirar partido de todas as suas potencialidades, hoje e sobretudo amanhã.

Segundo a ONG Tiniguena - Esta Terra É Nossa que lançou um belíssimo calendário para 2008 - Matas de Cantanhez: Biodiversidade ao serviço da soberania, com magníficas fotos de Augusta Henriques (sua secretária-geral), Emanuel Ramos, Pierre Campedron, André Barata e Cristina Silva - , um estudo feito junto dos Nalus mostrou que mais de 200 espécies vegetais selvagens são utilizadas regularmente pelas famílias, mais de metade das quais na farmacopeia (produtos medicinais tradicionais) e cerca de 20% na alimentação. "Estes recursos e saberes da biodiversaidade são um valioso património a proteger contra a biopirataria e a preservar para o futuro", diz a Tiniguena.

A floresta também satisfaz a quase totalidade das necessidades da população local, em matéria de energia. A recolha de lenha não é vista como um perigo. Duas das ameaças que pairam sobre o Cantanhez, levando à degradação das suas florestas (que os Nalus consideram sagradas), são a produção de carvão com fins comerciais e as queimadas para fins agrícolas. Por razões históricas e culturais, mas também económicas e sociais, logo, de sobrevivência das gerações futuras, é fundamental salvar o Cantanhez, verdadeiro ex-libris da Guiné-Bissau.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A simpatiquíssima Cadidjatu Candé, da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guileje e colaborada da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, servindo um fabuloso arroz com filetes de peixe do Cacine e óleo de palma local, que tem fama de ser o mais saboroso do país, devido à qualidade da matéria-prima e às técnicas e condições de produção (artesanal). Na imagem, um diplomata português, o nº 2 da Embaixada Portuguesa, que integrou a nossa caravana (e cujo nome, por lapso, não registei, lapso de que peço desculpa).



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um dos pratos que foi servido no almoço de domingo, aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje, foi peixe de chabéu, do Rio Cacine, do melhor que comi em África... Durante a guerra colonial, na zona leste, em Bambadinca, só conheci conhecíamos o desgraçado peixe da bolanha....


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O nosso camarada Cor Art Nuno Rubim passando revista à logística do Comes & Bebes, da comissão organizadora do Simpósio, e que nos acompanhou desde Iemberém... É obra, isso dar de comer e beber a tanta gente, esfomeada e sedenta...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um outro aspecto da improvisada cozinha que foi montada em Canamima, logo de manhã, e onde se fez o almoço (um prato de carne e outro de peixe) para as dezenas de participantes do Simpósio.



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Francisca Quessangue, uma das mulheres que fez a guerrilha e esteve no ataque a Guileje, como enfermeira.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O Luís Graça entre a Francisca , enfermeira, e a senhora Ministra dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Catarina Silva, filha do Pepito e da Isabel, que é portuguesa. É formada em psicologia social, pelo ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa. Integrou a nossa caravana e foi sempre uma simpatiquíssima companhia durante este fabuloso fim-de-semana. É também, como o pai e a mãe, uma entusiástica defensora do Cantanhez, da sua fauna, da sua flora, das suas gentes.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Catarina Santos que, juntamente com o Vitor Ramos e o Alfredo Caldeira, representaram (e muito bem!) a Fundação Mário Soares no Simpósio Internacional de Guileje.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O famoso óleo de palma do Cantanhez. A sua cor vermelha intensa deve-se às características da variedade do chabéu (termo científico, Elaeis guineenses), que é rico em caroteno.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um médico cubano, ortopedista, cooperante em Bissau, o Dr. Mário. Pelo pouco que conversei com ele, soube que trabalha no Hospital Nacional Simão Mendes é também professor da Faculdade de Medicina de Bissau, criada em 1977 e desactivada no início dos anos 90, tendo o projecto sido relançado mais recentemente com o apoio da cooperação cubana. Cuba é dos países mais activos na cooperação com da Guiné-Bissau, no campo da saúde e da educação.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Em primeiro plano, da direita para a esquerda, a Isabel, a Alice e o Álvaro. De perfil o Pepito, em segundo plano, mais o Sérgio Sousa, um Gringo de Guileje.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Diana Andringa, que registou em vídeo todas ou quase todas as actividdades destes oito dias, com destaque para as comnunicações ao Simpósio. Em segundo plano, a Júlia.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Diana Andringa e o marido, Alfredo Caldeira; em segundo plano, a Júlia e o marido, Nuno Rubim.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O Dr. Alfredo Caldeira, chefe da delegação da Fundação Mário Soares...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O nosso amigo catalão, Josep Sánchez Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa... Esteve encantado estes dias todos com os tugas...
Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Uma jovem, da região, que estava grávida, e que tinha o marido em Bissau (se não me engano). Caíu nas boas graças das nossas senhoras, sempre muito maternais: a Júlia, a Alice, a Isabel... Seu nome: Cadi, filha de um antigo guerrilheiro, nalu, da região...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um amostra de conchas do Rio Cacine, reveladoras da riqueza, em moluscos, marisco peixe, deste belíssimo rio do sul da Guiné...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.



II. O Turismo na região de Tombali (2) (Continuação)
por Brígida Rocha Brito


(...) 1.2. Os elementos culturais

A população residente na região de Tombali estava estimada em 91.930 habitantes, por referência a 2004 (…), representando 7,1% do total. Do ponto de vista étnico, os grupos principais são Nalu, Fula, Balanta, Tanda e Sosso, encontrando-se grupos secundários como Manjaco, Djakanka, Papel, Bijagó e Mandinga.

Tradicionalmente esta era uma área identificada com os Nalu, etnia caracteristicamente animista, com hábitos enraizados, desenvolvendo práticas culturais ancestrais perpetuadas ao longo do tempo através do costume e da tradição oral, entre as quais os ritos de iniciação e de passagem. Uma parte do território, identificada como as Florestas de Cantanhez, é tradicionalmente conhecida como o Tchon di Nalu (…) ou Terra dos Nalu, apesar de actualmente, e depois de se terem efectuado deslocações internas, se encontrar uma multiplicidade de comunidades com origens étnicas diversas.

Cada grupo étnico apresenta particularidades próprias no que respeita à forma e ao tipo de produção principal, à organização do espaço e materiais utilizados na construção, às práticas rituais e às formas de culto. Apesar da paisagem florestal ser dominante, a influência da diversidade étnica na forma de produzir a terra e de relacionamento com o meio confere à região uma imagem de mosaico marcado pela heterogeneidade.

Dadas as características de toda a zona costeira e fluvial, e tendo presente a importância e a dimensão dos rios e cursos de água, as áreas de mangrove, mangal ou tarrafes, adquirem grande importância, principalmente para os Balanta que aproveitam o solo salinizado para a produção de arroz M'pampam.

A fertilidade do solo, natural ou provocada através da prática de queimadas, tem permitido incrementar a produção frutícola, com destaque para os citrinos e o caju, que tem vindo a ser fortemente explorado pelas potencialidades (*) que o caracterizam. Este tipo de produção, conseguido a partir da desflorestação e das queimadas, é fortemente desenvolvido pelas comunidades de origem Fula, que eram tradicionalmente pastores.

Em maioria, os Nalu são pescadores, agrupando-se muitas vezes em acampamentos temporários e itinerantes, e dedicando-se também à extracção de óleo e vinho de palma ou à produção de culturas agrícolas para consumo directo.

Além da produção para subsistência, as comunidades locais produzem peças de artesanato e utensílios vários, que utilizam no dia-a-dia ou que vendem em mercados locais e lumus (**) . São objectos típicos e fáceis de encontrar para observação aquando das visitas às tabancas, se bem que ainda não se verifique a disponibilidade para aquisição: esculturas e máscaras de madeira produzidas pelos homens Nalu; esteiras e cestos trabalhados pelas mulheres Nalu; potes e recipientes de barro produzidos pelas mulheres Balanta; panos confeccionados pelos homens Manjaco.

Uma grande parte do artesanato produzido, nomeadamente pelos animistas Nalu, tem significado simbólico representando as forças sobrenaturais, havendo a crença de que conferem poderes a quem os usa ou detém. Estes são os caso do Banda, uma máscara que reproduz uma imagem de associação entre o Homem e os animais, como a ave, a cobra, o peixe e o crocodilo, utilizada em momentos festivos; ou do Ninte-Kamatchol [ou Nhinte-Camatchol] (3), uma cabeça de ave com rosto humano, utilizada em ritos de iniciação.

Todas as peças artesanais são susceptíveis de adquirirem interesse turístico, sendo necessária a disponibilização de originais para mostra, exposição e comercialização.

No que respeita às comunidades animistas, é possível encontrar junto de áreas residenciais elementos e locais de culto, nomeadamente pequenos recipientes contendo água para o irã, onde são realizadas práticas de veneração. Além da importância das crenças animistas, na região sul da Guiné-Bissau, o islamismo tem adquirido importância sendo hoje predominante, de tal forma que existem escolas islâmicas com professor próprio, organização e funcionamento autónomo do ensino formal.

A religião e as crenças influenciam ainda os modos de vida das comunidades, no que respeita por exemplo a horários, gastronomia e vestuário: nas tabancas muçulmanas, é habitual o dia iniciar com as orações cantadas pelos homens, que se levantam de madrugada, sendo cuscus marroquino a primeira refeição.

Qualquer uma das práticas exemplificadas reveste interesse turístico no sentido da divulgação e do aprofundamento dos conhecimentos sobre os modos de vida e de organização social das populações autóctones, por serem elementos diferenciadores e conotados com exotismo.


1.3. Os Factores Históricos e Nacionalistas

A região de Tombali, em particular os sectores de Bedanda e de Cacine, fortemente envolvidos pelas Floresta de Cantanhez, é entendida para a maioria do povo guineense como o berço da independência. Esta foi a zona de excelência da luta armada contra a colonização portuguesae o ícone da libertação, tendo albergado alguns dos principais aquartelamentos de tropas portuguesas, como Guiledje, Bedanda, Cacine e Cameconde, mas também os acampamentos da guerrilha, protegidos e apoiados pelas comunidades animistas Balanta e Nalu.

Os Matos de Cantanhez reúnem dois traços que são entendidos como fundamentais para o sucesso das tropas do PAIGC: por um lado, a riqueza dos recursos florestais e as difíceis condições físicas impostas pelo meio denso e fechado, que favoreceram as comunidades locais que detinham conhecimentos únicos propiciados pela vivência directa, adquiridos atravésda experiência ancestral. Por outro lado, a crença no apoio espiritual e na protecção das forças superiores da floresta, o irã, reforçaram a auto-estima e a identidade comunitária, resultando em catalisadores para a concretização da luta.

Os momentos chave da longa guerra colonial foram assim enquadrados pela densidade florestal, desde a fase de organização até às disputas armadas propriamente ditas. Ao longo dos sectores de Bedanda e de Cacine são vários os locais de valor histórico e que representam marcos na História nacional, onde ainda existem partes de aquartelamentos, antigos abrigos, material de guerra, como obuses que se encontram ora espalhados pelo parque florestal, ora amontoados após ter sido efectuada uma primeira recolha, e objectos vários, como pratos e materialde cozinha. Da mesma forma, nas proximidades da tabanca Cassacá, existe um marco de importância extrema para a História da República da Guiné-Bissau: o local onde foi realizado, em 1964, o 1º Congresso do PAIGC, local que Luís Cabral tinha intenção de transformar em cidade pelo simbolismo que representa.

Paralelamente, vivem na região testemunhas vivas da guerra colonial, ex-combatentes que, em maioria, demonstram receptividade para contar e descrever vivências pessoais relacionadas com os momentos mais marcantes, sejam dificuldades ou sucessos, experiências que se transformaram em histórias de vida de uma época que é definida como um dos períodos mais importantes para a Guiné-Bissau e para Portugal.

pp. 35/37
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Notas da autora:

(*) O caju é aproveitado como fruta fresca, secando-se a castanha para comercialização, produzido sumo, vinho e aguardente.

(**) O lumu é um mercado local de dimensão alargada e sujeito a uma determinada organização que funciona com uma periodicidade semanal, reunindo comerciantes que se deslocam a partir das diferentes localidades da região.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série: 24 de Abril de 2008 >
Guiné 63/4 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

(2) Vd. publicação disponível, em formato pdf, no sítio do Instituto Marquês de Valle Flôr :Estudo das Potencialidades e dos Constrangimentos do Ecoturismo na Região de Tombali

(3) Vd. poste de 31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau