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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12388: Estórias avulsas (73): O Dia das Sortes na aldeia de Brunhoso (Francisco Baptista)

Vista parcial de Brunhoso


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 30 de Novembro de 2013:

Éramos homens, tínhamos força, confiança, tínhamos sonhos, queríamos conquistar as mulheres, queríamos conquistar o mundo, queríamos ser nós a governar a nossa vida.
Éramos capazes de transportar sacos de trigo de 80 quilos ou mais, de ceifar três sucos de trigo como os mais velhos, de varejar as oliveiras e cavar tanto as oliveiras como as vinhas.
Sabíamos lavrar com vacas como com bestas, sabíamos semear o trigo e o centeio, plantar as batatas, as abóboras e as hortaliças.

Estávamos confiantes e preparados para entrar na sociedade dos adultos, era o nosso dia e toda a aldeia de Brunhoso iria ter orgulho nos seus filhos que tinham atingido a maioridade.
Tínhamos 20 anos e tinha chegado o dia das sortes.

Pela manhã fomos todos, a pé, até à vila, eram só cinco quilómetros e nós estávamos habituados a calcorrear os carreiros e caminhos do termo da aldeia. No dia anterior tínhamos ido todos, como a tradição mandava, tomar banho ao ribeiro da Lagariça.

Vestimos as nossas melhores roupas porque o dia era solene e de festa. Éramos quatro nascidos em 1947, o Amílcar, o José Luís, o Ernesto e o Chico (sou eu, pronuncia-se quase tchico por lá).
Outros quatro já tinham emigrado, eram eles, o António Borges e o Adelino para o Brasil, o José Maria e o Manuel da Glória para Angola.

Os meninos mortos de 1947, pois morriam tantos nesse tempo, não eram nomeados, nem chorados, pois eram anjos que tinham ido diretamente para o céu. Importa falar dos vivos e de todos, presentes ou ausentes, porque a tradição estabelecia uma irmandade entre todos os nascidos no mesmo ano.

Os da mesma idade eram os praças. A razão deste tratamento teria a ver com o facto de todos assentarem praça no mesmo ano. O dia das sortes significava naquelas terras o dia da passagem à idade adulta, o dia da emancipação.

A inspeção não foi muito demorada. Numas instalações que a Câmara Municipal punha à disposição das Forças Armadas despíamo-nos e íamos passando pelos médicos militares que avaliavam a nossa masculinidade e a nossa saúde.

Ficamos os quatro aptos para o serviço militar o que era sempre motivo de contentamento para o grupo, pois ninguém gostava de ser excluído. Era sinal de saúde e de que passávamos a ser cidadãos capazes de defender a nossa terra.
Ficar excluído era um anátema terrível que marcava um homem pela vida fora.

Ainda recordo tal como ele contava, a história da inspeção do "tio João Passarinho" que ouvi várias vezes, pois ele trabalhou muitos anos à jeira na casa do meu pai e já tinha trabalhado antes na casa dos meus avós paternos.
O tio João Passarinho era um homem valente e trabalhador, que sabia fazer todos os trabalhos do campo melhor do que ninguém. Desde cortar a erva nos lameiros à gadanha para feno, a tirar a cortiça dos sobreiros ele sabia fazer tudo com destreza. Era todavia um homem franzino e baixo, com um metro e cinquenta de altura ou pouco mais. Viveu até aos oitenta ou mais anos e trabalhou sempre enquanto pôde.
Nunca teve férias nem reforma, como a maioria dos trabalhadores do campo desse tempo. Hoje se fosse vivo já teria mais do que 110 anos pois conheço um filho dele, o Joaquim, muito parecido com ele que apesar da idade avançada continua a trabalhar, já com 85 anos.

O tio João talvez nunca conformado por ter ficado isento do serviço militar, nos anos 20 ou 30 do século passado e porque gostava de efabular, contava que quando foi visto pelo médico militar no dia da inspeção ele lhe disse:
- Aqui está um homem bem constituído, alto, forte, espadaúdo. Temos um marinheiro!

Nunca eu o contrariei quando ele fazia estas afirmações e ouvi-as várias vezes. Tinha muito respeito por ele, desde menino fui criado na companhia assídua dele, era um homem respeitável, bondoso e trabalhador.
Sempre soube que dizia uma grande mentira, bastava olhar para ele, mas ele tinha direito a ter os seus defeitos e essa mentira, como outras em que era pródigo, não prejudicava ninguém.

Comprámos quatro foguetes e muitos rebuçados e regressámos à aldeia. Quando estávamos a um quilómetro, numa colina sobranceira, lançámos o primeiro foguete, os outros foram lançados já na aldeia. Demos a volta a todas as ruas a distribuir os rebuçados pelas raparigas, sendo naturalmente mais saudados pelas da nossa idade. Éramos amigos, tínhamos crescido perto uns dos outros, tínhamos entrado na escola ao mesmo tempo, tínhamos sobrevivido aos desejos próprios da adolescência com estoicismo e às restrições que uma moral rígida imposta, através da mãe, do pai, do padre, da professora e do falar do povo nos era imposta.

Por elas, vá lá e pelas outras, tínhamo-nos batido, em dias de festa ou de baile, com os rapazes duma terra vizinha. Muitas vezes os escorraçámos à pedrada, porque elas eram nossas e eles não se podiam atrever a conquistá-las ou a dançar com elas se algum dos nossos não gostasse. Toda a aldeia nos saudava com agrado, éramos os heróis do ano.

Fomos todos almoçar a casa dos meus pais, pois a minha santa mãe quis convidar-nos e fez-nos um almoço melhorado, um almoço de dias de festa.
Há dois anos o José Luís falou-me nesse almoço que eu já não recordava. Dos quatro que fomos à inspeção, o Amílcar e o Ernesto foram mobilizados para Angola, eu pra Guiné, o José Luís como foi sempre um bocado despistado, deve ter perdido o barco que o levaria para algum lado e fez a tropa por cá.

Quando acabou a tropa eu emigrei para o Porto os outros três para França. Dos outros, o António Borges, que nunca mais vi desde a adolescência continua no Brasil, o Adelino continua por lá também tendo-o visto nas duas vezes que ele visitou a aldeia. O José Maria e o Manuel da Glória regressaram de Angola com a descolonização, tendo o primeiro infelizmente morrido o ano passado de doença em Lisboa onde se tinha estabelecido com um negócio de padaria-confeitaria.
Ao Manuel da Glória nunca mais o voltei a ver, disseram-me que morará na Beira Alta ou Beira Baixa.

As "raparigas" da nossa idade, que eram dez, somente uma mora na aldeia depois de ter vivido cerca de 30 anos em França. Só uma delas foi além da quarta classe tal como eu. Pertencia a uma família numerosa, com poucos recursos, mas era uma pessoa muito inteligente e sendo sobrinha bastarda da professora, que pertencia a uma das três casas grandes da terra, terá sido provavelmente ela que a encaminhou para um convento de freiras. Na maioridade deixou o convento, constituiu família e passou a dar aulas no ensino secundário.

Desloco-me com alguma frequência à aldeia para relaxar no contacto com a natureza e sentir o ar mais puro, quente ou frio, conforme a estação, mas sempre agradável. No inverno chego a sentir saudades do ar frio e seco da minha terra. Da varanda da casa, agora quase sempre vazia, avista-se grande parte do casario da aldeia bem como pinheiros, sobreiros e alguns freixos que fazem parte da área agrícola e florestal da terra, e ao longe a paisagem típica dos montes e vales de Trás-Os-Montes que se estende por muitos quilómetros.

Ouço o silêncio duma terra que foi morrendo, que eu por vezes procuro preencher com memórias de há quarenta ou cinquenta anos, e então ouço o barulho próprio de uma casa onde viviam nove pessoas, o palrar das vizinhas, os gritos das brincadeiras dos garotos, o chiar dos carros de bois, os sons dos diferentes animais domésticos e o pregão da minha vizinha, a tia Clementina, a anunciar a sardinha.

Um caudal de memórias como o do Rio Sabor na primavera, que corre num dos limites da área agrícola da freguesia. Recordo estes rapazes e raparigas, conterrâneos da minha idade, e as vidas duras e difíceis que tiveram na aldeia e depois nos caminhos da diáspora.

Dizer que seriam pobres seria uma ofensa para eles, pois por lá os pobres eram os miseráveis que tal como os ciganos andavam a pedir de porta em porta. Os pais deles teriam uma pequena horta, algum campo para semear trigo e talvez algumas oliveiras. O sustento para a família vinha sobretudo das jeiras diárias, em tempo de colheitas para os lavradores. Sei que muitas vezes só comiam pão, batatas e caldo, mas nunca os ouvi queixar-se a mim que pertencia a uma família que sem ser rica era mais abastada.

Mas falar sobre esse mundo antigo e quase feudal é um assunto que dá pano para mangas.
Fica para outra oportunidade.

Bom Natal para todos e um grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12347: Estórias avulsas (72): Aníbal: um inadaptado, um marginal ou um anarquista? (Francisco Baptista)

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12278: Estórias avulsas (71): O meu aniversário - único - na Guiné (Jorge Araújo)

1. O nosso camarada o Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger a, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem. 



 O MEU ANIVERSÁRIO [ÚNICO] NA GUINÉ

(XIME-BAMBADINCA-MANSAMBO)

10 de Novembro de 1973 [há 40 anos]

1. Após trezentos e sessenta e cinco dias e ¼, ou doze meses, período a que chamam de “ano civil”, cada ser humano é laureado pela máquina do tempo de origem europeia, um sistema promulgado em 24Fev1582 pelo Papa Gregório XIII (1502-1585), com mais uma “coroa” [unidade] que, somadaao número acumulado no período anterior, perfaz a idade, em anos, que já atingiu, feito que é festejado por familiares e amigos.Em função do determinismo dessa Lei e observada a regra da adição, eis que a partir de hoje conclui mais um ano de idade e iniciei um novo ciclo. Não há volta a dar … nem podemos reclamar.

2. Considerando que a maioria de nós [ex-combatentes] teve de cumprir mais de dois anos de comissão ultramarina, ainda que no início do conflito essa presença obrigatória fosse de dezoito meses, crescendo sucessivamente para vinte e um, vinte e quatro, e no final da guerra quase vinte e oito, é natural que aí tivéssemos de comemorar um ou dois aniversários.

No meu caso, essa efemérideno CTIG apenas se verificou em 1973, sendo, assim, a primeira e única experiência do género, uma vez que no ano anterior, por desejo pessoal definido numa estratégia de gestão do tempo de serviço, ela tivesse acontecido em Lisboa, em ambiente familiar, naquele que foi o primeiro período de férias de trinta e cinco dias [de 24Out a 27Nov1972], [vdpost 9802].

Por ausência de outra alternativa mais exequível, quis a divina providência e o calendário gregoriano [ou o meu projecto de vida militar] que o aniversário de 1973 teria de ser celebrado algures entre a Ponte do Rio Udunduma, Missão do Sono, Mansambo ou Bambadinca, os locais por onde circulavam os vários elementos da CART 3494, após a sua transferência para Mansambo, efectuada nos primeiros dias do mês de Março desse ano.

A uma semana do evento, e sabendo eu onde estaria nesse dia 10Nov1973, sábado, elaborei o projecto que passava por organizar um jantar comemorativo a ter lugar na Messe de Sargentos da CCS do BART 3873, unidade sedeada em Bambadinca.

Para o efeito, analisei essa possibilidade com o camarada Furriel vagomestre e, em conjunto, organizámos a logística para a confecção de um «menu de muitas estrelas» … mais de trinta [ver fotogaleria]. Adquiri os géneros necessários e, ainda, um leitão na tabanca de Bambadinca [com +/- 15kgs].

Durante o jantar, para o qual tinham sido convocados todos os membros disponíveis da família formada em regime de «união de facto», pois era esse o contexto, foi servido um suculento repasto de «Leitão à Bairrada à moda de Bambadinca» em traje de gala [a da metrópole], bem cheirosos e com barba [des]feita, condiçãosine qua nonpara os que não estavam de serviço.

Dito isto … mais palavras para quê?

Basta ver as imagens. Elas espelham o ambiente vivido e a grande satisfação que me deu em proporcionar este convívio – o possível. Foi bom para mim … e para todos, pois foi um dia [noite] diferente.

Assim sendo, e caso algum dos camaradas, membro da nossa «Tabanca Grande», tenha participado neste convívio faça o favor de dar sinais de vida, comentando/recordando esses momentos que estão [já!] a uma distância temporal de quatro décadas. Mas, se não for ou não tenha participado neletambém pode/deve fazê-lo.

Para mim, foi óptimo rever estas imagens e um prazer enorme escrever este texto.

Aguardo!

FOTOGALERIA:

Foto 1 –Bambadinca, messe de Sargentos (10Nov1973) – de trás para a frente, da esquerda para a direita, os furriéis: 1.ª linha: [nome que não recordo] – Russa – Carrasqueiro eAraújo [3494]; 2.ª linha:Monteiro [cozinheiro] – Jorge – Marques – Catarino – Carvalhido – Costa – Soares – Adérito – Laranjeira – Guimarães – Forja – Ferreira [3494] e Veríssimo; 3.ª linha: Mesquita [cozinheiro] – Pinho – Pachão – Faia – Rosado [1.º Sarg.] – Nunes – Costa [35ª CCmds] – Jesus [3494] – Bonito [3494] e Marques; 4.ª linha: Leite [1.º Sarg.] – Martins – Sousa [fur.enfº].
Foto 2 – Bambadinca, messe de Sargentos (10Nov1973) – da esquerda para a direita: furriéis: Adérito [CCS] – Costa [35ª CCmds] – Araújo [3494] – Bonito [3494], aguardando o «Leitão à Bairrada …», servido por Mesquita.
Foto 3 – Bambadinca, messe de Sargentos (10Nov1973) – da esquerda para a direita: Rosado (1.º Sarg.) – nome que não recordo – Carrasqueiro – Adérito – Costa – Araújo [3494] – Bonito [3494].
Foto 4 – Bambadinca, messe de Sargentos (10Nov1973) – da esquerda para a direita: Adérito – Costa – Araújo [3494] – Bonito [3494] – Jesus [3494] – Laranjeira [CCS] – Vítor, de pé – Carvalhido, de costas [CCS].
 Foto 5 – Bambadinca, messe de Sargentos (10Nov1973) – da esquerda para a direita, de frente para a câmara: Araújo (eu, de pé) [3494] – Marques – Soares – Mesquita, de pé – Guimarães – Forja – Leite – Costa – Pachão – Rosado – Costa – Bonito [3494] – Carvalhido – Ferreira [3494] – Veríssimo. 
Foto 6 – Bambadinca, messe de Sargentos (10Nov1973) – Idem.

Um forte abraço, comvotos de muita saúde e boa disposição.

10Nov2013.
Jorge Alves Araújo, 
ex-Furriel Mil Op Esp/ Ranger, 
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974)
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Nota de M.R.: 

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Guiné 63/74 – P12125: Estórias avulsas (70): Balas de raiva: o meu amigo Toy Sardinha, da CCAV 1747 (Bissum, 1967/69), gravemente ferido em 24/12/1967, é evacuado para o HMP... Os médicos não lhe encontram a bala... que virá a sair, anos mais tarde, da perna... contrária! (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos uma mensagem.



Relatos, na primeira pessoa, da Operação “Bolo Rei”

Toy Sardinha esteve num desses combates e foi um dos feridos graves

Balas de raiva

Debitei, recentemente, um texto no nosso blogue onde trouxe à luz o nosso camarada, e meu particular amigo, Toy Sardinha, um soldado que fez parte da CCAV 1747, sendo o seu destino o destacamento em Bissum. Tive o cuidado de refazer, superficialmente, o seu trajeto militar pelos trilhos da Guiné até ao momento da trágica emboscada sofrida, resvalando o conteúdo do meu tema para os momentos dolorosos pelos quais passou.

Frisei o contacto com IN num dia em que o entoar dos sinos já tocavam os celestes sons natalícios. Estava-se precisamente do dia 24 de dezembro de 1967. Recordo que o balanço final dessa inesperada emboscada montada pelo IN, resultou num morto e quatro feridos.

Perante a realidade contada pelo antigo combatente, insisto no título balas de raiva uma vez que, em meu entender, o rótulo desmitifica a raiva sentida por cada um de nós quando as balas dispersas pelo infinito horizonte, penetravam em corpos de companheiros inocentes que caminhavam ao nosso lado.

Refleti, confesso, sobre o teor do seu ferimento grave e literalmente tracei o seu longo processo de recuperação. Debrucei-me, também, sobre a sua luta titânica que apontava para uma melhoria substancial no seu quotidiano. Objetivo conseguido, não obstante a sua visível deficiência física. Hoje o Toy é, tal como sempre o foi, um homem feliz. 

Aceitando o repto lançado pelo Luís Graça, caminhei no trilho da esperança que visava esmiuçar uma profícua certeza sobre a razão do “embrulhar” numa altura de festa que se previa solene e próspera: o Natal. Tanto mais que o nosso camarada Luís Martins, ex-alferes miliciano, e que conheceu esses combates, já tinha lançado dicas factuais sobre as operações “Bolo Rei” e “Cavalo Orgulhoso” que tiveram lugar nesse período natalício de 1967 na zona de Bula.

Num encontro, mais um, em Beja, com o nosso antigo combatente da CCAV 1747, propôs-lhe um desafio memorial que visou, logicamente, trazer à tona da reminiscência razões óbvias que resvalasse para os conteúdos da emboscada e as suas consequências.

O Toy, com as suas faculdades mentais em plena perfeição e com o sorriso nos lábios, como é hábito, começou por nos dizer: “Lembro-me que dormimos no mato na noite de 23 para 24 de dezembro. Essa operação envolveu toda a minha companhia e muitas outras. Foi um ronco enorme. Era gente por todo o lado”.

Reata a conversa e afirma: “Tratou-se efetivamente da Operação Bolo Rei, uma vez que estávamos precisamente na época do Natal. Foi um pandemónio. Não sei se se terá efetuado uma outra em simultâneo. Não me recordo. Esta operação, Bolo Rei, começou no dia 22 de dezembro de 1967 e só terminou a 3 de janeiro de 1968. Eu fui ferido a 24 de dezembro às 11 horas da manhã. Foram combates intensos. Soube mais tarde que no fim da operação se registaram 7 mortos e 32 feridos”.

O Toy, com ar brincalhão, recorda esse malfadado dia: “Estávamos emboscados e demos conta de dois homens e uma mulher no trilho. Eram turras. Houve um grande alvoroço, não conseguimos apanhar os homens, fugiram, mas conseguimos apanhar a mulher. Estava grávida. Depois ouviram-se gritos para deixarmos a mulher em paz. Levantou-se um burburinho de tal ordem que tivemos que abandonar o local que, entretanto, se tornara perigoso e passado pouco tempo estávamos a embrulhar na emboscada. Lembro-me que era para atravessarmos uma ponte, o que não aconteceu, resolvemos ir por um outro lado, só que a emboscada já estava montada e nós caímos nela. Se temos atravessado a ponte teria sido uma grande razia. Tivemos um morto e quatro feridos”.

Memórias de um combatente que foi, no fundo, um dos muitos militares que se depararam com as consequências das balas de raiva num conflito armado que marcou, inquestionavelmente, gerações de jovens enviados para as frentes de combate.

Guiné um território onde António Manuel Moisão Sardinha se deparou com o encurtar da sua comissão. Chegou em julho e foi ferido em dezembro.

Registemos pois o seu depoimento. Que surjam outras opiniões de camaradas que estiveram envolvidos nas Operações “Bolo Rei” e “Cavalo Orgulhoso”. 

Proposta deste vosso camarada: Comandante Chefe do nosso blogue, Luís Graça, sugiro que António Manuel Moisão Sardinha, vulgo Toy, se torne membro da nossa Tabanca Grande. Lancei-lhe o desafio, ele aceitou, ficando a minha proposta de uma ida do camarada ao próximo encontro (almoço) dos velhos tabanqueiros. Prontifiquei-me em levá-lo comigo. 

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 
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Notas de M.R.:

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sábado, 5 de outubro de 2013

Guiné 63/74 – P12118: Estórias avulsas (69): Balas de raiva: o meu amigo Toy Sardinha, da CCAV 1747 (Bissum, 1967/69), gravemente ferido em 24/12/1967, é evacuado para o HMP... Os médicos não lhe encontram a bala... que virá a sair, anos mais tarde, da perna... contrária! (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.



Homenagem a um velho amigo, e camarada, que muito estimo



António Sardinha, ferido numa emboscada na região de Bula no dia 24 de dezembro de 1967



Balas de raiva



Não quero, tão-pouco pretendo, lançar achas para a fogueira cujas labaredas se predispõem a mal entendidos quando em causa residem opiniões egocêntricas que cruzam um espaço onde se debitam ideias variadas e que ostensivamente merecem o nosso devido respeito.



Sublinho que a minha já longa experiência de vida, na escrita sobretudo, não me permite dirimir convicções, ou certezas absolutas, mas um alinhamento de conjugações factuais que literalmente elevam o teor da discussão. É credível a opinião de todos os camaradas, pese embora a precisão faturada de quem emite pareceres de um determinado acontecimento vivido em grupo. 

A pluralidade de um destinado confronto com a guerrilha é por vezes digerido, e comentado, de formas diferentes. Porém, existe na narração verdades pelas quais passámos, sendo que a maneira de explanar o chamado “embrulhar” tem perniciosos tentáculos amplamente complicados.

As emoções sentidas por cada um de nós na guerra da Guiné, levam-nos a extravasar díspares sensações vividas no meio do conflito onde eramos, apenas, pedras de um puzzle colocados em espaços anárquicos e ao serviço de interesses alheios.

A temática por ora exposta tem como título balas de raiva numa Guiné deveras surpreendente. Creio que era peculiar conviver de perto com o aforismo popular sangue, suor e lágrimas.

Todos, ou quase todos, conhecemos os amargos de uma guerra que não deu descanso. A luta trivial nas frentes de combate foi extremamente dura. Duríssima, acrescento. Perdas de vidas, estropiados e feridos com gravidade foram mato.

Desse imenso rol de camaradas que ainda hoje se deparam com problemas herdados da guerra na Guiné, trago à estampa o meu velho amigo António Manuel Moisão Sardinha, natural de Beja, que embarcou para aquele território em julho de 1967, sendo que seis meses depois, numa emboscada sofrida na zona de Bula, colocou fim à sua comissão.

O meu amigo e camarada Toy Sardinha, como é habitualmente conhecido em Beja, pertencia à CCAV 1747, independente, e que ficou instalada no aquartelamento de Bissum.

No dia 24 de dezembro de 1967, vésperas de Natal, o pelotão onde seguia caiu numa emboscada, sendo que o saldo final se cifrou num morto e quatro feridos. O morto, segundo o Toy, tinha como sobrenome de Silva.

Sendo o seu estado preocupante, o nosso antigo camarada foi evacuado para o Hospital de Bissau, onde se manteve dois meses, e transferido para o Hospital Militar de Lisboa. Foi operado naquela unidade hospitalar e a sua recuperação estendeu-se até ao mês de dezembro de 1969.

O nosso camarada é um homem que jamais escondeu a sua postura física. Ela é visível. A perna esquerda ficou mais curta. Ainda assim fez, e faz, uma vida absolutamente normal. Vive no seu recanto familiar com a sua eterna companheira Fernanda. Trabalhou na antiga Administração Regional de Saúde em Beja. Está aposentado. Mantém uma disposição ótima. É alegre. Os seus apartes desabam, normalmente, para descomunais sorrisos. Tem sempre uma anedota na ponta da língua. 

O Toy é e será um dos muitos milhares de deficientes das Forças Armadas Portuguesas. Assume. Um selo herdado de uma emboscada sofrida no malfadado dia 24/12/1967, lá para as bandas de Bula

Hoje, o nosso camarada não se refugia na herança que a vida, enquanto jovem, o carimbou. Ironizando, como é seu hábito, assegura: “Na altura da operação a equipa médica não conseguiu encontrar a bala alojada na perna, mas passados muitos anos a magana acabaria por sair pela perna contrária sem que nada o fizesse prever. Coisas do destino”, diz com um sorriso nos lábios.

Expressa o povo, e com razão, que o nosso corpo tem por hábito expulsar matérias estranhas e a bala de raiva que dilacerou as entranhas do nosso camarada, finalmente apareceu. 

Força, Toy! 




Junto ao rio


Com outros camaradas em Bissum


O segundo da fila


No Hospital Militar, em Lisboa

Com Rosa Santos, antigo árbitro de futebol internacional, amigo de infância e que foi ferido em Angola 
Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 


Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:



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2 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12105: Estórias avulsas (68): Do meu Álbum de Fotos sobre Galomaro 3 (José Ribeiro)

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12105: Estórias avulsas (68): Do meu Álbum de Fotos sobre Galomaro 2 (José Ribeiro)


1. O nosso Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72, enviou-nos mais algumas fotos de Galomaro:

Aspectos do 
Aquartelamento Galomaro 

Postal do meu orgulho pessoal.
Galomaro > Gen. Spínola discursando para a tropa presente.
Galomaro > Com a minha G3.
Galomaro > A malta das transmissões.
Dulombi > Operação no mato.
Cassamba > após ataque do IN.
Galomaro > Unimog destruído em emboscada.

Um abraço para todos,
José Fernando dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms da CCS do BCAÇ 2912

Fotos: José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

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sábado, 28 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12098: Estórias avulsas (67): Do meu Álbum de Fotos sobre Galomaro (José Ribeiro)

1. O nosso Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72, enviou-nos algumas fotos de Galomaro:




Aspectos do  
Aquartelamento Galomaro 

Galomaro > Aquartelamento em construção > Vista aérea
Galomaro > Aquartelamento > Vista da porta-de-armas
Galomaro > Abrigo
Galomaro > Trincheira
  Galomaro > Para a foto 
Galomaro > No bunker das transmissões (Op. De Mensagens Cripto)
Galomaro > Hastear da Bandeira Nacional
Galomaro > Mato

Um abraço para todos,
José Fernando dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms da CCS do BCAÇ 2912

Fotos: José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12049: Estórias avulsas (66): Ética militar (José Colaço)

Mensagem do nosso camarada José Colaço, ex-Soldado Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 12 de Setembro de 2013:


ÉTICA MILITAR

Quando jovem sempre tive por hábito vestir o melhor possível muitas das vezes com sacrifício de outros bens porque nem sempre se pode ter tudo.

Desta vez o passeio teve um encontro inesperado. Em sentido contrário vinha o major Ricardo Durão com o tenente coronel, comandante do BCav 757, e mais um ou dois oficiais. Aquele encontro não era o que desejava. Fico parado, em sentido, e faço-lhe a continência com uma palada, mas o major mira-me de alto a baixo e diz-me:
- Anda aqui.

Faz-me as perguntas sacramentais: quem era eu e a que unidade pertencia.
Resposta em sentido:
- Soldado de transmissões 1162 da CCaç 557.
- Põe-te à vontade.

Começa a examinar a indumentária; os sapatos são pretos mas são civis, as calças não são de caqui e o corte não é militar, a camisa (quem está autorizado a usar camisas de nylon são os graduados). O bivaque era a única peça que ele admitia, embora não estivesse 100% a rigor devido ao tecido que era terilene e devia ser caqui.

Mandou-me seguir o meu caminho:
- Vou tratar do teu assunto com o comandante da tua companhia.

Bem o disse, melhor o fez. Passado pouco tempo fui chamado ao capitão para esclarecer o que se tinha passado, e quanto a factos não há argumentos, há que aceitar e não aparecer com tal indumentária à frente do senhor oficial.

Solução: para usar a mesma indumentária sem ser incomodado pelo dito oficial, o capitão passava-me um papelinho com autorização de trajar à civil e eu, a única coisa que tinha que fazer, era deixar o bivaque no cacifo e aí estava eu um rapaz livre a passear sem o incómodo do sentido de ter que sair porque na mesa ao lado estava o senhor oficial fulano ou sicrano.

Um abraço.
Colaço
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11937: Estórias avulsas (65): Manga di ronco... Uma "rapidinha" a Bafatá, para uma "patuscada"! (José Ribeiro)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11937: Estórias avulsas (65): Manga di ronco... Uma "rapidinha" a Bafatá, para uma "patuscada"! (José Ribeiro)

 1. O nosso Camarada José Fernando dos Santos Ribeiro, ex-1º Cabo de Transmissões na CCS do BCAÇ 2912 (Galomaro-Cossé), 1970/72, enviou-nos o seu segundo texto e fotos:

Manga di ronco... Uma "rapidinha" a Bafatá, para uma "patuscada"!

- ... no dia anterior tinha chegado um "vale-correio" com "patacão, vindo da Metrópole.
Manga de patacão... 4.000$00, que na Guiné valia muito mais, pois que cada 100$00 valiam mais 20$00.

Claro, que nessa manhã tinha de ir, a
 Bafatá, receber o guito (que era para vir de férias, à Metrópole, pela 2ª. vez). Toca a voluntariar-me para ir na "coluna do correio". Enverguei o "camuflado", cartucheiras, G-3 e fui falar ao Alferes que comandava a respectiva coluna, para me deixar ir. Anuiu. Lá vamos nós, para fazer os cerca de 40 Km., entre Galomaro e Bafatá, numa picada sem "picagem".
Passada cerca de uma hora, lá chegamos a Bafatá. Enquanto a maior parte da "malta" ia ao Esquadrão buscar o correio a tratar doutros assuntos, eu e mais alguns que se tinham voluntariado... fomos tomar o: - Pequeno almoço; aperitivo; almoço; lanche e jantar! 

Fomos direitinhos ao Restaurante "Mira-Geba", que existia na rua principal e mandamos vir o pequeno almoço: Pão (de farinha de arroz) com presunto e leite achocolatado fresquinho… a seguir veio, para aperitivo, camarão do rio com cerveja (bazuca) e Martini.  
Para o almoço, logo a seguir, veio bife com batata frita e aquele molho de piri-piri com limão tudo regadinho com vinho tinto Metropolitano. Viemos dar uma volta e voltamos para o lanche. 

Repetimos o camarão de rio acompanhado de "bazucas" e mandamos preparar, para o jantar (logo a seguir), frango assado com batata frita, não esquecendo o molho de piri-piri com limão e o vinho tinto. Rematamos com café. 

Como deveis compreender, não era só comida que existia nos nossos estómagos, o que havia mais era liquidos/álcool, hehehehehe. Já "finos" e com uma "felicidade e coragem que nem vos conto", fomos até às "Libanesas" esperar pela malta que tinha ido tratar do correio, ao Esquadrão, e na espera "emburcamos" mais uns tantos whiskyes. Lá viemos embora, 4 de nós com uma "carripana" de caixão-à-cova. 

No meio do percurso, sensivelmente, já a começar a escurecer, paramos para urinar. Alguns fizeram a segurança e eu (cheio de vapores elíticos) olhei para as árvores e vi vários "macacos-cão". Sem pensar em segurança nem em nada, peguei na G-3, em rajada, comecei a disparar para os "bichos". 

Despejei os 4 carregadores, a arma até queimava, não acertei em nenhum... e puz em risco a minha vida e a dos meus companheiros. Viemos para o aquartelamento e fui logo para o "beliche". Felizmente, ao outro dia, quando fui ter com o Oficial que comandou a coluna (e à espera de correctivo ou castigo)... ele só me disse: .... andaste aos tiros aos macacos, não ouvi nada... Que sorte. 

Mas ainda hoje me pergunto, como foi possível tamanha inconsciência. Coisas da "minha Guiné", que recordo com saudade!... 

Galomaro-Cossé > 1970
Galomaro > Grande patuscada
Ponte que ligava Bafatá a Galomaro e Bambadinca

Bafatá > Igreja, na rua principal 

Um abraço para todos,
José Fernando dos Santos Ribeiro
1º Cabo Trms da CCS do BCAÇ 2912

Fotos: José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11800: Estórias avulsas (64): A bananeira armadilhada e o frango desvitaminado (João Rebola)


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11800: Estórias avulsas (64): A bananeira armadilhada e o frango desvitaminado (João Rebola)

1. Mensagem do nosso camarada João Rebola (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, CacheuBissorã e Binar, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2013:

Olá, amigo Carlos
Seguem duas "estorinhas" passadas em Bissorã.
No fundo, de entre muitas, foram situações vivenciadas em terras da Guiné, onde um pouco da nossa juventude foi severamente delapidada.

Um abraço
JRebola


A bananeira armadilhada e o frango desvitaminado

Estávamos em princípio de Abril de 1969. Os quartos dos furriéis da CÇac 2444, ficavam um pouco mais acima do tasco do “ Labinas”. Eu tive a sorte de conseguir um pequeno espaço, onde já se encontrava uma cama, uma mesinha de cabeceira e uma estante em madeira, ao fundo do quarto, pregada à parede. Mais, era impensável. E aqui assentei armas e bagagem, durante 14 meses.

Na “suite”, nada faltava: havia luz, rádio gira-discos, whisky, a foto da amada

Antes de iniciar estas pequenas “estórias”, pergunto-vos se ainda se lembram do” Labinas”?! Dele falarei um pouco mais à frente.

Então vamos lá às “estórias”.

Em frente dos quartos, encontrava-se um quintal com algumas árvores, arbustos e uma atrevida bananeira, que suspendia, para o vulgo apreciar, um grande cacho de bananas. Pelo mesmo, vagueava um belo frango. Dava gosto olhá-los. Mas era necessário tê-los debaixo de olho, não fosse o diabo tecê-las… Ora como o local era muito movimentado, devido à presença dos vários furriéis, que ali dormiam, não era fácil, durante o dia, serem surripiados. O leitor amigo, pergunta-me: - E de noite? Bom, responderei que a noite era boa conselheira, já que ninguém ousava entrar no quintal, sabendo que estava sujeito a arrepender-se!

Mas era eu que mostrava mais interesse pelos mesmos.

Ora, um dia, o pobre galináceo, talvez por só comer arroz ou por qualquer outro motivo, não conseguia levantar-se. Estava sem forças. E se lhe desse, as vitaminas que tomávamos na messe? Se bem pensei, bem o fiz! E deu resultado, pois ao fim de algum tempo, sem grande dificuldade, já se erguia, percorrendo-o e depenicando ali e acolá.

Acontece que tinha férias marcadas e pensei numa maneira de tentar que o cacho lá permanecesse até ao meu regresso: armadilhá-lo! Depois de dar conhecimento aos meus colegas do que me propunha fazer, assim procedi e com efeitos muito práticos. Passei vários fios pelas ditas – só para assustar - e dependurei uma granada de bazooka e algumas de mão – sem detonador, claro - e pronto, já está!

Que melhor guarda de honra poderia ter aquele cacho de bananas?!

Entretanto, nada aconteceu durante a minha ausência, em relação às bananas, mas algo tinha desaparecido do quintal: o frango, que me fora oferecido e que preso por uma pata o explorava, alimentando-se de arroz, dado pelos meus colegas e daquilo que as suas unhas iam descobrindo nos buracos que abriam.


Ah! Vamos ao “Labinas”.

Manuel Lavinas Soares, de seu nome, era um destemido soldado, condecorado com a Cruz de Guerra, pertencente a uma companhia sediada em Bissorã, em meados dos anos 60, terminando aqui a sua comissão. Talvez “ferido” pelas setas do Cupido, regressou para junto da companheira e filhos até a guerra terminar.

Paralelamente, ao ramo da restauração, tinha outro negócio, ou seja, dedicava-se também à compra de mancarra e caju, principalmente, dando, em troca, depois de pesados, o produto base da alimentação da população: arroz.

A pesagem (vi algumas) era feita num anexo contíguo ao tasco, afastada de qualquer olhar! Em Bissorã, no meu tempo, a messe dos sargentos funcionava numa casa particular, a do sr. Maximiano, marido da D. Maria, ambos cabo-verdianos. Era da responsabilidade desta última a confecção das refeições.

Ora, muitas das vezes, a comida não nos agradava e como tal, íamos ao “restaurante” do “Labinas”, que nos servia, entre outras coisas, frango assado com bastante “gindungo” e batatas fritas. Bebidas também não faltavam.

Foto de 1970 – petiscando (2º. à esquerda) com elementos do meu pelotão, no tasco do Labinas

Voltemos à “estória”.

Desaparecido o galináceo, que acabou por sucumbir, possivelmente, às mãos de (des)conhecidos para seu repasto - restaram as bananas. Bom, fosse quem fosse, o segredo ainda perdura!

O cacho das bananas foi cortado e dependurado no meu quarto, aí amadureceram e foram desaparecendo consoante a minha vontade.

E assim, vinguei o desaparecimento do meu frango.

Fotos de 2011 

O que resta da messe dos sargentos

Posando à porta onde era o tasco do Labinas

E acabaram assim estas simpáticas “estórias” que foram recordadas, passo a passo, quando me desloquei à Guiné-Bissau, com um grupo de ex-combatentes, numa viagem de saudade, em 2011. Ao fim de 41 anos, o sonho de um dia regressar àquelas terras, tornou-se realidade.

Espero ainda poder voltar, e se for o caso, direi: “Até ao meu regresso”
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11296: Estórias avulsas (63): O menino que não sabia ler (António Eduardo Ferreira)