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terça-feira, 24 de outubro de 2023

Guiné 61/74 – P24787: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (13): 50 ofícios e profissões de antigamente, extintos ou em vias de extinção (Luís Graça, Lourinhã)


O "Pitrolino". Foto e legenda: Cortesia do Museu da Lourinhã


(...) "A função do Petrolino, designado como “e;pitrólino”e; devido à pronúncia local, era percorrer as aldeias do concelho nas “voltas”, constituídas pelo alvará, carroça, macho, reservatórios, líquidos e produtos em armazém. Vendia azeite e petróleo assim como sabão e aguardente. O petroleo era originário da BP-Britum Petroleo e da Vacuumm, que pertencia ao Sr. José Maria de Carvalho, e o azeite era proveniente de Castelo Branco.

"Esta actividade foi transmitida pelo Sr. Veríssimo, de Poiares – Coimbra, ao Sr. José António Mateus que doou, juntamente com o filho, a totalidade da exposição presente no museu." (...)




O "amolador". Foto e legenda: Cortesia do Museu da Lourinhá

(...) As peças em exposição foram pertences do Sr. Garcia, conhecido como “Espanhol” e doadas por este ao Museu da Lourinhã. O Sr. Garcia, galego e natural da zona de Orense, veio para Portugal fugido da Guerra Civil Espanhola, assim como muitos dos seus conterrâneos, procurando melhor vida. 

Estes exerciam, na generalidade, dois tipos de profissão: Amoladores, na qual eram mestres, arranjando chapéus de chuva, amolando facas e tesouras, actividade que lhes deu o nome, colocando “gatos” (espécie de agrafos) em loiça partida, etc.; e Taberneiros, comprando carvoarias, transformando-as mais tarde em tabernas e depois em restaurantes.

O Sr. Garcia foi disso um exemplo típico. Fixou-se na Lourinhã em 1955 executando sempre a actividade de amolador e adquirindo mais tarde uma taberna, na antiga praça, que era conhecida como “Taberna do Espanhol”.

Da exposição sobressai a roda do amolador, roda essa que o Sr. Garcia doou para o Museu e vinha amolar facas e tesouras na presença dos visitantes, como na foto. (..)



1. Camaradas, que aqui têm escrito, na série "Coisas & Loisas do Nosso Tempo de Meninos e Moços" (*)... 

Já aqui falámos de alguns ofícios e profissões que desapareceram na voragem do tempo ou estão em vias de extinção, mas de que guardamos memórias; ceifeiras, mondadeiras, almocreves. ferradores, nomeadamente no sul do país, na terra do Zé Saúde, Aldeia Nova de São Bento, Serpa. 

Mas havia também usos e costumes que se perderam ou estão a perder, como a vindima (manual), a pisa (das uvas), as desfolhadas do milho, a matança do porco,  as feiras, as nossas primeiras viagens de comboio ou de camioneta até à "cidade grande", etc.

Lembremos aqui (porque também fazem parte da nossa identidade, da nossa infància, das nossas memórias..)  outros ofícios e profissões que desapareceram, no campo e na cidade, com as mudanças operadas pelo desenvolvimento da econonia de mercado, a motorização dos transportes, a mecanização e automitazação do trabalho, a urbanização, o consumo de massa, etc.:

Deixem-me acrescentar mais alguns ofícios e profissões que desapareceram com a industrialização e o êxodo da população rural para as cidades e para o estrangeiro... E dentro das próprias cidades, com a "modernização" (caso do aguadeiro e do limpa-chaminés, por exemplo).

(i) leiteiro e/ou queijeiro que vendia porta a porta (queijos de cabra e ovelha)

(ii) aguadeiro (nas vilas e cidades, antes do saneamento básico) (em Lisboa eram galegosó,  depois dos negros e antes dos escravos)

(iii) cocheiro  (condutor de carroças, charretes, carruagens); falando dele, temos que falar do segeiro, o construtor de veículos de tracção animal, ambos vítimas do automóvel; nas casa ricas o cocheiro passou a "chaufeur" ou chofer...

(iv) correeiro (faz arreios,  albardas para os cavalos, machos e burros) 

(v) sapateiro / sapateiro-remendão (fazendo calçado novo ou só consertos)

(vi) latoeiro / funileiro (no Norte, diz-se caldeireiro; no Norte; trabalha o cobre, a folha de Flandres, faz alambiques, caldeiras, artigos de latoaria...)

(vii) limpa-chaminés;

(viii) borreiro / sarreiro  (limpava comprava as as borras e o sarro dos depósitos do vinho. nomeadamente na regiáo do Oeste e Ribatejo);

(ix) tanoeiro (nas regiões vinicolas)

(x) amola-tesouras / amolador ( oficío muito ligado aos galegos);

(xi) parteira/aparadeira (quando os partos eram em casa, até tarde, ao final dos anos 60)

(xii) barbeiro-sangrador (profissão oficialmente extinta, com a proibição da flebotomia ou sangria m 1875!);

(xiii) boticário (fábricava medicamentos "caseiros" ou segundo formulários  codificados, a pedido do médico,  antes do desenvolvimento da indústria farmacêutica)

(xiv) alfaiate (o pronto-a-vestir matou o alfaiate, que agora só existe na alta costura)

(xv) chapeleiro

(xvi) taberneiro

(xvii) carvoeiro (vendedor de carvão)

(xviii) oleiro

(xix) lavadeira (no rio ou lavouro público ) e engomadeira  (que passava a ferro com ferro aquecido a carvão, hoje "ferro elétrico")

(xx) caiador (no sul, pintavam-se as casas com cal)

(xxi) varina / vendedora de peixe (que se fazia notar pelos seus pregóes e a canastra à cabeça)

(xxii) saltimbanco (ambulante), animando as ruas e praças de vilas e aldeias)

(xxiii) vendedor de água fresca e capilé (nomeadamente nas cidades, no verão) (ver aqui foto do grande fotógrafo portuguès Joshua Benoliel, de 1918)

(xxiv) quinquilheiro (feirante, em geral, que vendia quinquilharia, bugigangas, miudezas...)

(xxv) capelista (vendedor, em loja de quinquilharias ou materiais usados na costura e enfeites de vestuário, como fitas, linhas ou botões, etc.)

(xxvi) vendedor de banha da cobra nas feiras

(xxvii) outros vendedores ambulantes ou em feiras (muitas vezes sazonais, adaptaram-se aos tempos modernos: o assador e vendedor de castanhas, por exemplo; ou o vendedor de gelados e bolas de berlim, nas praias)

(xxviii) ardina (vendia jornais, não confundir com jornaleiro, trabalhador agrícola pago à jorna, como o cavador de enxada)

(xxix) modista / costureira / alfaiate (na realidade eram ofícios distintos, o ultimo era exercido por homens, fazia fatos para homens);

(xxx) bordadeira

(xxxi) ajuntadeira (costureira de botas, sapatos, artigos de pele)

(xxxii) moleiro (no sul, há moinhos de vento;no norte, engenhos movidos a água; engenhos de linho, engenhos de farinha)

(xxxiii) fotógrafo "à lá minuta" (tiraram-nos os primeiros retratos quando éramos miúdos)

(xxxiv) telefonista dos correios

(xxxv) boletineiro (entregava os telegramas)

(xxxvi) engraxador de sapatos (na cidade)

(xxxvii) calceteiro (trabalha no empedramento de estradas, ruas, passeios, etc.).

(xxxviii) canteiro (edreiro ou artífice que trabalha a pedra de cantaria)

(xxxix) matador de porcos, castrador, açougeiro e equivalentes

(xl) pastor / guardador de rebanhos ( adueiro (pastor de porcos)

(xli) regente escolar (do tempo em que não havia em número suficiente professores/professoras diplomadas pelas Escolas do Magistério Primário)

(xlii) regedor (antiga autoridade administrativa de uma freguesia civil; função extinta com o advento do 25 de abril de 1974; era uma #"figura camiliana")


(xliii) sacristão (que ajudava à missa e tocava o sino)

(xliv) carpideira (Mulher ou grupo de mulheres a quem se pagava para chorar ou prantear nos velóriso e enterros, nas aldeias)
(xlv) alcoviteira / casamenteira (arranja ou arranjava casamentos; não confundir com proxeneta)

(xlvi) mineiro (de pá e pica)

(xlvii) alambiqueiro (trabalha na destilação por alambique)

(xlviii) carcereiro (agora "guarda prisional")

(xlix) dactilógrafa/o

(l) vedor (pesquisador de nascentes de água, munido de uma varinha)...


2. A lista não é exaustiva e algumas destes ofícios e profissões, nomeadamente manuais,  podem ser recordados, por exemplo, no Museu da Lourinha, na secção de Etnografia

E em todas as terras da província as alcunhas estavam muitas vezes relacionadas com as profissões (Luís Sapateiro, Jorge Funileiro, o Capelista, Ambrósio Correeiro, o Pitrolino ) ou a naturalidade (Zé Penicheiro, a Bimba, o Espanhol).
__________

Nota do editor

sábado, 21 de outubro de 2023

Guiné 61/74 – P24779: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (12): Almocreves e ferradores, mais alcunhas e locais da Aldeia Nova de São Bento (José Saúde)



O candeeiro a petróleo


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.    


 Coisas & loisas do meu tempo de menino e moço


Camaradas,

Foi precisamente à luz de um candeeiro a petróleo que dei os meus primeiros passos de vida. Depois, veio o aprender de o a, e, i, o, u, e um pouco mais tarde a desejada bênção da luz elétrica. Tempos difíceis onde o trabalho, principalmente no campo, era o elemento mais certo para parte de uma comunidade cuja faina ao “sabor” das calamidades não se apresentava desrespeitada pelos magros tostões ganhos na base do suor derramado na imensidão da planície.

Fui uma das muitas crianças que se habituaram a conviver com as carências deparadas no dia-a-dia, porém, e afirmo-o seguramente, que jamais soube o que fora andar descalço, ou falhas alimentares em casa, vestindo sempre aprimoradas roupinhas e esse minino cresceu, fez-se homem e conheceu uma vida repleta de histórias, sendo também que existem outras estórias as quais não renegarei. Ah, também fui militar (Ranger) e conheci o conflito da Guiné.

Quando parti para a edição do livro “ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO – MEMÓRIAS, ESTÓRIAS E GENTES”, o 10º dos 11 já editados, admiti que a tarefa que me esperava assumia-se bastante difícil. Encarar e enquadrar no texto geral o fator da intemporalidade, de construções físicas francamente alteradas, por exemplo, ou trabalhar, com minuciosidade a exatidão das eras, das festas religiosas, da origem e evolução do povoado, do cante alentejano e dos seus ilustres cantadores, das festividades originárias de uma plebe que soube comer o pão que o diabo amassou, ou de gentes que sofreram os auspícios que o sistema político impunha, ou de lugares da minha aldeia que paulatinamente se foram transformando, ou ainda as profissões que se foram extinguindo, enfim, uma panóplia de recolha de informações que levaram dias, meses e anos a trabalhar.

Todavia, a obra que deixo ao povo, o meu, será, de certeza, uma mais valia que tem como princípio básico quem somos e de onde viemos. Há gráficos que falam da evolução populacional de entre outros temas que ficarão a posteridade, ou do fluxo de pessoas que procuraram outros destinos, nomeadamente Lisboa e seus arredores, ou da migração para países onde por lá fizeram as suas vidas, proporcionando a alguns ao seu solo sagrado, mas com outras condições de vida.      

A obra é feita de eloquentes factos que nos enchem de orgulho.  

(i) Almocreves    


Um almocreve de outros tempos

      

Os almocreves foram outrora pessoas que lidavam diariamente com animais, sendo os trabalhos no campo, uma das suas principais ocupações. Durante a idade média, até a tempos mais recentemente, os almocreves exerceram, também, a função de agentes intracomunitários, sendo indispensáveis no fornecimento de bens às comunidades que viviam dispersas pelas aldeias, vilas e cidades.

Em Aldeia Nova de São Bento os almocreves marcaram, na realidade, gerações. Foram homens cuja disponibilidade de esforços físicos fizeram parte do seu dia-a-dia. Distribuíam-se pelos lavradores da terra: os senhores Bártolo, Luís Madeira, família Barroso, Guanito, Luís de La Féria, Morgado, de entre outros, e por lá trabalhavam, mas sem folgas ou férias que se protelavam por anos consecutivos. Ou seja, trabalhavam do nascer ao pôr-do-sol e sempre de cabeça erguida. Eram, no fundo, assalariados, mas com um trabalho fixo.

Claro que a jorna não faltava em casas que, à época, não se viam obrigadas a mendigarem, uma vez que o salário não faltava no final de mais uma semana de trabalho que nesses tempos marcavam o pagamento das respetivas jornas. Tanto mais que o almocreve trabalhava de segunda-feira até ao domingo, logo os tostões ganhos traduziam-se numa vida mais tranquila.

Sabia-se que as dívidas da semana feitas na mercearia seriam pagas com o recebimento do pré, isto é, logo na semana seguinte, o que proporcionava ao merceeiro confiança num freguês que não apresentava no seu livro de querelas a condição de mau devedor. Portanto, era um privilégio ser-se almocreve.

As funções de um almocreve dividiam-se consoantes as necessidades do lavrador. Ora era o lavrar da terra para mais um alqueve, ora era o rasgar de regos para as sementeiras, ou para transportar os cereais para as eiras onde as debulhadoras fixas se instalavam, ou transportar o pessoal que por altura da apanha da azeitona, ou das mondas e das ceifas seriam transportadas nos carros de bestas, ou, ainda, em pequenos trabalhos solicitados pelo patrão. Limpezas das cavalariças ou da mansão do seu proprietário, eram canseiras que o almocreve não escusava.

A azáfama dos almocreves pelas ruas da nossa aldeia era intensa. O transitar pelas artérias onde as calçadas em pedra suportavam as rodas dos carros que possuíam um aro em ferro, apresentavam-se propícias para estridentes sons que levavam, amiúde, à curiosidade de crianças que não evitavam saltar para a “arrebicha” de uma “viatura” que para eles, garotos, era simples delícias.

Recordo ver ranchos de pessoas transportadas em carros de animais a caminho dos seus locais de trabalho. Lembro, ainda, a atividade dos abegões em volta de um carro que por vezes tinha necessidade de uma revisão.

Almocreves, uma profissão que, entretanto, se esfumou no tempo!

(ii) Ferradores

     O mestre Gregório


Conheci-o com tenra idade! Homem educado, amigo, sábio na sua arte e sempre afável para com o próximo, o mestre Gregório vestia, diariamente, o habitual fato-macaco (azul) e ei-lo a cruzar as ruas entre a sua casa no Largo da Igreja e a sua oficina, situada defronte à Sociedade 5 de Outubro.

Naquele espaço, fértil em amizades, o mestre Gregório trabalhava minuciosamente as ferraduras para o gado equídeo e para os asininos. Ou seja, ali se juntavam, mulas, machos, cavalos, éguas, burros e burras. Todos estes animais tinham ferraduras apropriadas para os seus cascos.

Contava o povo que, em tempos muito recuados, as sobras dos cascos dos animais eram triviais pitéus para a presença de lobos na aldeia, ouvindo-se os seus uivos ao longo da noite e a plebe assustava-se. Os ferradores, nessas eras, possuíam uma abastada agenda diária de trabalho, dado que a tração animal era, afinal, a única força motora para trabalhar a terra. Neste contexto, ao final do dia não sobrava tempo para uma atempada varredela aos restos dos cascos que por lá ficavam. Tanto mais que a luz elétrica nas ruas era, nesses recuados tempos, vã.

O mestre Gregório fez, na verdade, escola numa arte que sempre o motivou. O ferrar implicava o arrancar de velhas ferraduras e de cravos já gastos pelo muito andamento do gado por caminhos velhos e estradas pulverizadas com pedras.

Do mestre Gregório guardo excelentes recordações. Revejo-o no seu dócil manusear de ferramentas literalmente úteis à sua profissão; da preparação dos cascos dos animais; da turquês para o arrancar dos cravos; do martelo para os cravar; da lima que alisava esses mesmos cascos; o avental para colocar as patas dos animais nas suas pernas; a feitura das ferraduras num lume feito na oficina com carvão de pedra, como na altura se dizia, e com pura veracidade; o trabalhar os moldes; o curvar do ferro na bigorna e tudo à base do fogo; enfim, uma profissão que paulatinamente se foi perdendo no tempo.

Resta relembrar e trazer a público a profissão de ferreiro onde a nossa aldeia foi abundante, existindo vários ferradores que quase não davam mãos a medir para satisfazer as solicitações agregadas à imensa quantidade de animais então existentes. A aldeia e a serra, repleta de famílias, foram assíduos fregueses destas oficinas.

Hoje, as máquinas agrícolas ultrapassaram a força animal de antigamente. Os ferreiros foram substituídos pelas oficinas. Fica, porém, a certeza que o mestre Gregório foi um conterrâneo que deixou história como ferrador na nossa terra.

Ferrador, uma profissão que se conservou ao largo de anos!



Jana trabalhando a arte de ferrador


A profissão de ferrador conservou-se ao longo do tempo em Aldeia Nova. A geração Mira Monge, o João, o Manuel e o Lourenço, um homem que, entretanto, se instalou em Vale de Vargo, foram irmãos que deram continuidade ao ofício e que se entregaram à tarefa com uma enorme determinação. A oficina localizava-se no Largo dos Madalenos, sendo propriedade do João e do Manuel e teve como seu sucessor o Jana, como o povo o conhecia, mas sendo o seu nome próprio João.      

O Jana, para além da sua profissão, a de ferrador, foi um excelente cantador do cante alentejano, pertencendo, inclusive, ao Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento. Recordo visitá-lo e vê-lo entregue à arte em moldar e trabalhar o ferro e de onde saíam as ferraduras para “calçar” as bestas.
      


 (iii)   Mote para as alcunhas na aldeia 

 Os nomes da minha Aldeia
Há nomes mesmo engraçados
Desde o Porca Chupadiça
Ao Manel Esfrangalhado
O Safarreta, o Catarro,
O Bento em Crendo, o Falcato,
Eu vi o Manel Macaco
Rir do António Chaparro
Por vezes quando me agarro
Recordar é uma teia
O Zé Engancha, o Enleia,
João Bufa, Esgaravana,
Peido, Peidinho e Peidana,
Os nomes da minha Aldeia.
Rei-Varrasco, Escalfa Cães,
O Sacadiço e o Farupa,
Catrapingas, Catraputa,
Sete e Meio e Dois Tostões,
Alho Bufo e Zé Rações,
O Gadelha e o Pelado,
O Beija-a-Poia, o Cagádo,
Facadas e Saltaréu,
Canivete e Faquineu,
Há nomes mesmo engraçados.
Gato Cravo e Paneirinho,
O Zé da Mona, o Garrocho,
O Galdrapas, o Carocho
O Chorrilho e o Chibinho,
O Tigre e o Carapezinho,
O Carola e o Belicha,
Meia-Nalga, Chico Espicha,
O Estrafique, o Biscoito,
Pé-Leve e Luís Dezoito,
Há o Porca Chupadiça.
Pata Curta, Nabo Seco,
Cu de Chumbo, Coradinhas.
O Mil Kilos, o Carinhas,
O Caga Azeite, e o Carapeto,
Cacetadas, Carapeto,
Rasga-a-Manta e Cu Suado,
Zé do Saco e Saramago,
O Mau Bofe e o Cachola,
O Nariz D’Aço, o Engrolo,
Mais o Manel Esfrangalhado 

Autor
Francisco Rafael Rodrigues,
Por alcunha o Carinhas


(iv) Locais de Aldeia Nova de São Bento

MOTE 

Anda tudo em alvoroço
P`ras bandas da varandinha
Porque o monte do Encalho
Namora o Monte da Vinha 

Está à rasca o Carrasquinho
Com a Tapada do Facho
E até a Horta de Baixo
Discutiu com os Alpendrinhos
O Outeiro do Almeirinho
Guerreou com Vale Pedrouços
Vai p`rá farra o Monte Poço
Ao sopapo e aos bofetões
Avança o Poço dos Cães
Anda tudo em Alvoroço 

Há cacetada bravia
Lá p`rós lados da Charneca
O Carapetal aperta
Com o Poço do Tio Matias
Até mesmo na Vigia
Há quem diga que a Laginha
Anda louca embeiçadinha
Pelo Monte do Africano
Pandemónio Franciscano
P`rás bandas varandinha 

Lá na nora do Malquarto
Todos vivem numa fona
Madalenos e Atafona
Não falam do Bairro Alto
A Vareta deu um salto
Fugiu com o Monte dos Talhos
Os Alpendres não quer ralhos
Que a Fonte-Branca incomoda
De mini-saia a Abóbada
Vai ao Monte do Encalho 

Va haver um casamento
Porque há muito que ela chora
A Horta das Pegas namora
Com o Moinho de Vento
O Poça de Lobo atento
Diz para a Horta de Cima
A Cova do Homem é minha
Crespo, Vale Covo e João Gago,
Pias, Ficalho e Vale Vargo
Namora o Monte da Vinha

Autor
Francisco Rafael Rodrigues, 
Por alcunha o Carinhas (16/7/1983) 


Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Texto e fotos: © José Saúde (2023).

___________

Nota de M.R.:

Vd. últimos postes desta série em:

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24751: Facebook...ando (41): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - Parte V: Da ilha de Pecixe à ilha do Fogo...


Cabo Verde >Ilha do Fogo > São Filipe > s/d > Foto do Facebook do António Medina | 26 de Maio de 2014.  [Presumimos que seja o autor o rapaz que está num grupo de amigas, e à volta de uma moto que pode ter sido comprada... com o "patacão da guerra"; de qualquer modo, esta foto, dos anos 60,  contrasta com as fotos a seguir, de raparigas (manjacas?) que vão participar na festa do fanado na ilha de Pecixe]

Foto (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

  



Guiné > Ilha de Pecixe > Foz do Rio Cacheu >  CART 527 (1963/65) :  Raparigas prontas para a festa do fanado (circuncisão) | Página do Facebook do António Medina > 4 de Dezembro de 2013  [ Estamos em crer que as raparigas são da etnia manjaca]

Fotos (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da seleção de fotos do álbum do nosso camarada da diáspora lusófona, António Medina (estas fotos correm o risco de desaparecerem, um dia, com o encerramento da página do Facebook do autor) (*):

(i) ex-fur mil at inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), de resto o único representante desta subunidade, na Tabanca Grande;

(ii) a CART 527 estava adiada ao BCAÇ 507 (Bula, 1963/65), que era comandado pelo ten cor inf Hélio Felgas;

(iii) de seu nome completo, António Cândido da Silva Medina, nasceu em 26 de setembro de 1939, na ilha de Santo Antão, Cabo Verde (completou há dias 84 anos);

(iv) estudou no liceu Gil Eanes (Mindelo, São Vicente) (o único liceu então existente nas ilhas);

(v) depois da passar à disponibilidade, viveu em Bissau, e entre 1967 e 1974, até à independência, sendo funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino);

(vi) regressou a Portugal, onde ainda trabalhou no BNU; mas vive desde 1980 nos EUA, em Medford, no estado de Massachusetts, onde também foi bancário;

(vii) tem página no Facebook (última postagem: 30 de outubro de 2022);

(viio) ver foto acima, aos 83 anos, tirada em (ou por volta de) 30/10/2022, na sua casa nos States.

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24704: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (1): A Feira (Joaquim Costa, Vila Nova de Famalicão)


Quinta de Candoz > A matança do porco (c. 1980): uma cena que Bruxelas conseguiu banir definitivamente dos nossos campos e aldeias (mas não da nossa memória) em nome de uma conceção fundamentalista da saúde pública e de uma Europa securitária, globalizada, normalizada e tecnocrática, matando a etnodiversidade... (Declaração de interesses: Não sou "vegan", adoro carne de porco... Claro que eu hoje não queria ver a minha neta a assistir a uma cena destas... Na nossa infância tivemos que "ver e ouvir" os gritos lancinantes do pobre animal, mas a seguir comíamos-lhe o sarrabulho, os rojões, as "febras", as bochebas, o presunto,   os salpicões ... E jogávamos a bola com a bexiga!)


Marco de Canaveses > c. 1980 >   O "toirinho", vendido na feira do Marco, uma das poucas fontes de receita dos caseiros, para além do vinho e do milho - (Este é um boi de trabalho, não de engorda; a junta de bois puxava a charrua de ferro, e trazia do "monte" uma carrada de lenha.) Por sua vez, o porco era o governinho da patroa (que o guardava, com engenho e arte,  na "salgadeira" ou no "fumeiro"). (*)

Quinta de Candoz > 2023 > O que resta do velho carro de bois: duas rodas desconjuntadas...


Quinta de Candoz > 2023 > As enxadas, as pás, as picaretas... (Ainda se usam, a par do trator e demais utensílios e alfaias agrícolas modernas)


Candoz > 2023 > A "mina" (nascente de água): matou a sede a gerações e gerações... e regou o milho


Quinta de Candoz > 2023 > A água da bica que corre, livre, para o Douro, a albufeira da barragem do Carrapatelo, a poucos quilómetros...


Quinta de Candoz > Socalco e escadas em pedra...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Luís Graça, que  não é antropólogo (mas ficou com o "bichinho" da antropologia / etnologia, aquando das aulas e trabalhos de campo com o seu grande mestre e amigo Joaquim Pais de Brito, no ICSTE,  no âmbito da sua licenciatura em sociologia, 1975/80), tem pelo menos a sensibilidade cultural (ou socioantropológica, passe o palavrão) para olhar para o passado sem saudosismos nem miserabilismos, mas sabendo que a roda de um carro de bois, a enxada, a matança do porco, a salgadeira, a panela de ferro,  a "mina" (nascente de água") ou os muros de suporte da Quinta de Candoz de antigamente (quando ainda se fazia o milho, o centeio e havia rendeiros...), todos esses "signos", todas essas "coisas & loisas" falam do "antigamente" da gente. Falam da nossa infância, falam do campo da nossa infância, falam das nossas pequenas vilas e cidades de provincia, falam dos nossos "usos e costumes", das formas de vida e de trabalho, dos nossos pais e avós... nomeadamente na regiáo de Entre Douro e Minho, a que se referem as fotos que reproduzimos acima.

Há dias lançámos o mote e o desafio (**)...Vamos lá "relembrar" algumas das "coisas & loisas do antigamente", ainda do tempo em que nascemos, crescemos, andámos na escola, começámos a trabalhar e a namorar (e alguns casaram)  e, entretanto,  fomos para a tropa e depois para a "nossa querida Guiné" (**)... com "licença para matar e morrer"...

Vamos abrir uma série para deixar espaço para essas "recordações avulsas",  de modo a que não se percam na voragem do tempo... Interessam-nos sobretudo as nossas vivências  (no campo, mas também nas vilas e cidades onde nos fizemos homens).  Afinal, tudo isto faz parte do nosso ADN sociocultural, da  nossa identidade, da nossa humanidade, da nossa portugalidade... São as nossas raízes "telúricas", não as podemos enjeitar, temos orgulho nelas: afinal nascemos num pequeno grande país, já milenar,,,

O pontapé de saída cabe ao nosso querido amigo e camarada, minhoto dos quatro costados, Joaquim Costa (***).

Vila Nova de Famalicão  > c. meados dos anos de 1950 > A família Costa: da esquerda para a direita na fila de trás: José (pai) e Gracinda (Mãe), seguindo-se os irmãos: Maria, Avelino, Manuel (que esteve na Guiné), Eduardo (o columbófilo) e na fila da frente o João (o Don Juan da família) a Noémia e o Joaquim, o mais novo.


Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Coisas & Loisas do Tempo de Meninos e Moços  (1):  A Feira (Joaquim Costa, Vila Nova de Famalicão)


(i)  ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); 

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, tem cerca de 7 dezenas de referências no blogue;

(iii) autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022), e que publicou em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp); 

(iv) tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto; 

(v) foi professor do ensino secundário; 

(vi) minhoto, de Vila Nova de Fmalicão, vive em Fânzeres, Gondomar.


Terminado o verão, de pé livre e descalço, minha mãe me levou à feira para comprar umas chancas, para resguardar o pezinho da chuva e do frio no caminho para a escola bem como o “material escolar”.

O dia de feira era um autêntico dia de festa, pelo que era o êxodo das aldeias para a vila na ânsia de encontrarem alguns produtos e artigos (escolares… e não só!) a bom preço, bem como um pouco de divertimento e “galhofa” fugindo, por algumas horas, às rotinas do trabalho diário. A feira era o sítio onde tudo se vendia e em que tudo podia acontecer:

  • venda de gado apalavrado no recinto da feira e selado na taberna da Sara Barracoa à volta de uma malga de vinho tinto e montes de notas saltando de mão em mão. Durante toda a tarde nunca a malga era lavada : "Sara! lave com a mesma água !");
  • onde se ferravam os cavalos enquanto os homens confraternizavam e reviam velhas amizades na Sara;
  • onde se apregoavam e vendiam panfletos com histórias mirabolantes : um burro que nasceu com 3 cabeças e um homem que foi “morto matado” por um coice do cavalo e ressuscitou quando o cavalo se ajoelha junto do “morto matado” de lágrimas nos olhos de arrependimento;
  • onde se jogava a vermelhinha (jogo com dois copos, manuseados com destreza, e um dado) com o homem em permanente fuga da GNR, montando e desmontando a banca percorrendo toda a feira;
  • onde homens se zangavam, puxando do pau para uma boa refrega, com aplausos da assistência, a intervenção da GNR e as pazes na Sara Barracoa;
  • onde sempre aparecia um grupo de saltimbancos com as suas habilidades, malabarismos, magias e o mais extraordinário o “cospe” fogo;
  • onde não faltava, nos dias de maior calor, a “aguadeira”, com o seu cântaro de barro à cintura vendendo copos de água com limão, quente mas que apregoava como fresca;
  • onde se vendia literalmente de tudo, desde todos os produtos agrícolas, roupa, móveis, ouro, animais e tudo o mais que se possa imaginar (...não esquecendo a banha da cobra) e em que as mulheres pagavam com o dinheiro embrulhado num lenço guardado em segurança entre os seios.

Depois de feirar: ver, apalpar, experimentar, regatear e pouco comprar, lá chega o momento do caçula. Depois da compra do material escolar: uma lousa, uma dúzia de “riscotes”, uma tabuada, um metro de serapilheira para fazer a sacola… e é tudo…, lá fomos às chancas.

Não era propriamente uma sapataria mas sim um artesão de calçado com sola de pau (Socas, chancas e outros artigos em madeira. O artesão era já conhecido, pois foi ele que calçou ao longo dos anos toda a família. Conhecedor dos hábitos da família começou logo a colocar vários pares de chancas para eu provar. Lá se chegou ao número que eu considerei o mais confortável. O artesão, que já conhecia o hábito da Gracinda diz: leva dois números acima não é D. Gracinda! Claro senhor António, sempre assim foi, pois eles crescem todos os dias e este é o último e não tem a quem deixar!

Sempre usei as chancas com com papeis ou trapos enfiados na biqueira para que as mesmas não me saíssem dos pés!

Nota: As tabernas da Sara Barracoa em Famalicão e a Bagoeira em Barcelos, poiso dos lavradores nos dias de feira, felizmente, ainda sobrevivem, com algumas adaptações aos novos tempos.

24 de setembro de 2023 às 12:27 (**)
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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24632: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (10): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: beldades de Bambadinca

Foto nº  1

Foto nº 1A


Foto nº 1B


Foto nº 2

Foto nº 3


Foto nº 3A

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá _ Setor L1 > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) > Pel Rec Daimler 2046 (1968/1970) >   Fevereiro de 1970 > "Eu com um belo conjunto de bajudas junto à capela"... Se não é uma foto de despedida, até parece; mas não, nenhuma delas era conhecida do fotógrafo; dias mais tarde, finda a comissão, em fevereiro de 1970, o Pel Rec Daimler 2046, comandado pelo alf mil cav Jaime Machado, partiria  para Bissau donde regressaria à metrópole, no T/T Niassa, em abril de 1970.

Fotos (e legenda): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do belíssimo álbum  do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852) (*).

[Foto atual, à direita, do Jaime Machado, que reside em Senhora da Hora, Matosinhos; sua avó paterna era moçambicana; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]


2. Comentário do editor:

Ao tempo do BART 2917 (1970/72), que o Jaime já não conheceu (veio render o BCAÇ 2852, 1968/70), havia só no regulado de Badora (que incluía, Bambadinca, o principal núcleo populacional com c. de 1500 habitantes), uma população total (recenseada e controlada pelas NT) de c. de 12 mil, metade dos quais de etnia fula.

Os restantes eram mandingas (20%), balantas (20%) e outros (10%), onde se incluíam mansoanques, manjacos e alguns cabo-verdianos e metropolitanos, cristãos.

No conjunto  do setor L1 (que incluia ainda os regulados do Xime, Corubal, Enxalé e Cuor), o total da população sob o nosso controlo não ia além dos 15200. Segundo a  mesma fonte (a história do BART 2917), a população sob controlo do IN, andaria à volta das "5400 pessoas, na sua maioria de etnia Balanta, Beafada ou Mandinga" (nos regulados do Corubal, Xime, Enxalé e Cuor).

Perguntei ao Jaime Machado o que é que estas beldades, bem arranjadas, "bem produzidas" (como se diz no Norte),  fariam aqui, junto à capela de Bambadinca,  em fevereiro de 1970 ? Era dia de festa ?  Era domingo ? Seriam cristãs ? Seriam fulas, seriam mandingas ?

Apesar da sua "memória de elefante", o Jaime confessou que não se recorda de mais pormenores:

(i)  não, elas não vieram despedir-se do "alfero";

(ii)  nenhum delas era sua conhecida, lavadeiras ou coisa assim do género;

(iii) estavam em grupo, por ali, junto à capela (que ficava em frente ao edifíico de comando, quartos e messes de oficiais e sargentos);

(iv) o fotógrafo, oportuno, zás!, tirou-lhes uma chapa (Foto nº 1) , e inclusive deixou-se fotografar também com o grupo (Foto nº 2);

(v) um "penetra", da CCS, também quis ser fotografado com as "beldades" (foto nº 3).

O Jaime admite que elas fossem cristãs, estavam com ar domimngueiro, bem vestidas e calçadas. (De facto, não há nenhuma descalça, até por que o chefe de posto não autorizava "pés-descalços" ali nas imediações da "cibilização"...).

Quanto a mim, seriam mandingas, a avaliar pelas feições, pelo vestuário e pelos adornos... Embora houvesse de facto uma pequena comunidade cristã em Bambadinca, não vejo crucifixos ao peito, mas sim colares, e numa delas com um amuleto (talvez em prata, uma figa, que é de origem europeia, etrusca e romana, e não africana, estando associada originalmente ao erotismo e à fertiliddae, e hoje à proteção contra o mau olhado) (foto nº 1 A)... 

Mas,  vendo bem, a bajuda assinalada ao centro, na foto nº 1B, parece trazer ao peito um colar com um crucifixo... E a do lado esquerdo, traz um medalhinha (pormenor pouco percetível)...  

Na foto nº 3 há um outro militar, que se introduziu no grupo.  Na foto nº 3A, há uma bajuda que parece  usas sutião ("corpinho"), o que era um hábito ocidental... Se calhar, neste grupo todas já usavam "corpinho"... (O saudoso "alfero Cabral, cmdt do Pel Caç Nat 63, gababa-se de ter introduzido a moda do "corpinho"; no regresso das férias, que devem ter sido em meados de 1970, trouxe um carregamento de sutiães para as bajudas de Fá Mandinga.)

Por outro lado, a porta da capela está fechada... Fica a dúvida: seriam bajudas cristãs ou fulas e/ou mandingas, islamizadas ? Um certeza: para estas lindas, amorosas, bajudas, era um "dia de ronco", talvez elas fossem, frescas, alegres e divertidas,  para algum casamento, ali em Bambadinca ou em Bambadincazinho. 

3. Comentário do Cherno Baldé (**):

(...) E em jeito de resposta àquestão do Luís Graça, na minha opinião, acho que as imagens retratam um "grupo de idade" da etnia fula num dia de festa tradicional. Por força da islamização, as festas desta etnia são quase todas de natureza religiosa. [Em inglês, "age set",conceito socioantropológico; vd. Enciclopaedia Britannica]

A postura e o olhar algo envergonhados, a indumentária, os penteados e os enfeites na cabeça e no corpo, dizem isso mesmo.

Ainda seriam solteiras mas, nesta idade estariam todas comprometidas (com casamentos arranjados entre os pais) e aproveitam os últimos meses de liberdade antes do casamento.

A presença de elementos ou símbolos estranhos usados como adornos pode ser explicada por razões de urbanização e da crescente mistura/influência de outros hábitos e culturas em Bambadinca (centro urbano e importante elo de ligação ao resto do país) e arredores, devido à guerra e ao movimento das populações.

 (...) A expressao "islamizado/a"  não é  correcta, seria mais correcto dizer "islâmico/a",  pois já nasceram dentro de uma familia, meio e cultura islâmicas, mesmo que superficial. Islamizados seriam os seus bisavos que, de facto foram coagidos (de forma voluntária ou não) a uma conversão, muitas vezes forçaada, nos séculos. XVIII/XIX.

De notar que os portugueses nunca utilizam a expressão "cristianizados" quando se referem aos guineenses de confissão cristã. 
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domingo, 16 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24227: (Ex)citações (425): o recurso ao pensamento mágico, à superstição, aos amuletos e às artes adivinhatórias, etc., na guerra, de um lado e do outro (Luís Graça)

(...) " Quando eu e o capitão João Bacar, em fevereiro [de 1970] , tínhamos vindo de Bissau para Fá Mandinga, para formarmos a CCmds da Guiné, o capitão Barbosa Henriques  [o instrutor]   deixou-nos em Bambadinca para tratarmos da situação das nossas famílias. E foi nessa ocasião que, em casa de um companheiro de João Bacar, encontrei esse tal homem, o Mamadu Candé, um Homem Grande e adivinho muito respeitado.

Pois, então, em Paunca, quando o encontrei, Mamadu Candé disse-me, solenemente, para eu avisar o capitão João Bacar que fizesse tudo por tudo para que a nossa companhia não fosse deslocada para ocidente de Fá Mandinga. Que nos ajudava a tratar de nos mantermos no leste, que a nossa fama já era grande e que, assim, o leste não seria conquistado. E disse mais: que nas suas previsões nos tinha visto a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e que nessa cidade íamos começar a sofrer muitas baixas.

Quando lhe perguntei que cidade era essa, se ficava na Europa ou em África, ele respondeu que não sabia. Eu acho que ele sabia muito bem qual era a cidade, não queria era dizer-nos. (...) (*)

(...) "Disseram-me que estávamos entre Bubaque e a Ilha de Soga, no arquipélago dos Bijagós. Que estamos a fazer neste sítio? Era uma pergunta que todos faziam, resposta ninguém tinha. O que vimos foi um grande movimento na ilha que me disseram chamar-se Soga.

Nesta altura veio-me à lembrança que, em Fá Mandinga tínhamos recebido instrução de combate dentro de cidades [ministrada pelo cap art Morais da Silva, hoje cor ref, membro da nossa Tabanca Grande... LG]. E também recordei o que tinha ouvido do adivinho de Paunca [Mamadu Candé, pág. 166 ]. Que íamos para uma grande cidade e que íamos sofrer muitas baixas. Eu nunca falei nesta conversa a ninguém, a não ser ao João Bacar. Fiquei com estes pensamentos na cabeça".(...) (**)


1. Comentário de LG ao poste P24224 (*):

Tal como os seus patrícios guineenses, muçulmanos, animistas ou cristãos, o Amadu Djaló era supersticioso. Veja-se a importância que ele dá, no seu livro de memórias, às revelações dos adivinhos. 

Neste caso, em Paunca, ele recebe uma mensagem misteriosa que deve transmitir ao seu comandante, João Bacar Jaló, ambos fulas e muçulmanos. A CCmds Africanos deve ficar no Leste e nunca sair de lá.  O adivinho Mamadu Candé, homem grande e respeitado na suas artes adivinhatórias, que ele já conhecia de Bambadinca, diz que a CCmds Africanos  vai ser confrontada com um cenário de tragédia. O adivinho vê o Amadu Djaló e o João Bacar metidos num barco a caminho de uma grande cidade, aonde desembarcam e onde sofrerão muitas baixas. 

Trata-se de uma premonição da Operação Mar Verde, o desembarque anfíbio em Conacri em 22/11/1970... Ou será antes uma reconstituição feita  "a posteriori", na sequênciua da operação ou muitos anos depois, pelo Amadu ? "Afinal, o que adivinho me revelou, batia certo!", terá concluído...

 O adivinho não lhe revelava ormenores, de qualquer modo,  uma cidade grande, junto ao mar, alvo da ação dos comandos africanos,  por via de um desembarque anfíbio, ó podia ser nos países limítrofes, Dakar (Senegal) ou Conacri (República da Guiné). 

O recurso a adivinhos, para saber o futuro e aliviar a angústia da incerteza, devia ajudar os combatentes de um lado e do outro a exorcizar o medo, enfim  é um ato de securização, tal como uso de amuletos (ou mesinhos) que protegem o corpo contra as balas do inimigo, era muito frequente, nesse tempo,  entre os guineenses, quer do PAIGC, quer das nossas tropas.

Amílcar Cabral sempre lutou contra estes aspetos "menos racionais" do comportamento dos seus militantes, e em particular dos seus  combatentes. O 'Nino' Vieira, por exemplo, não se deslocava no mato em situações de combate sem o seu arsenal de amuletos, e de ajudantes que os carregavam.... Quem o diz é o comandante Bobo Keita (ou Queita) ( In: Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 197). (***)

Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > O "alfero Cabral", "completamente apanhado do clima"... O nosso saudoso alf mil at art Jorge Cabral (1944-2021) ostentando, ao peito, um amuleto de origem fula ou mandinga, e mais dois, um à cintura e outro no direito ...  

A função dos amuletos de guerra era "fechar (blindar) o corpo" contra as balas do inimigo... Todos os combatentes, em todas as guerras, são "supersticiosos", sejam cristãos, mulçulmanos, judeus, crentes ou não crentes... E mal deles se não desenvolvem uma "idelogia defensiva" que os proteja contra o medo e o azar: veja-.se a conhecida divisa dos comandos, "A sorte protege os audazes"...  Todas as profissões de risco (dos médicos aos pilotos de aviação, dos futebolistas aos toureiros, dos mineiros às tropas especiais) têm estratégias de "racionalização" para lidar com os "riscos"...

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 15 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24224: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIV: As previsões agoirentas do adivinho Mamadu Candé que nos via, a mim e ao João Bacar Jaló, a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e aí a sofrer muitas baixas (... só não nos disse o nome da cidade: Conacri...)

(**) Vd. poste de 22 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23804: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte X: Op Mar Verde, há 52 anos, em 22/11/1970: para Conacri, rapidamente e em força.

(***) Último poste da série > 4 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24194: (Ex)citações (424): Adeus, até ao meu regresso !... Mas em que ainda se fala de esquizofrenias galopantes, de Diniz de Almeida e do velho... do Restelo da Revolução (José Belo, Suécia)

sábado, 15 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24224: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIV: As previsões agoirentas do adivinho Mamadu Candé que nos via, a mim e ao João Bacar Jaló, a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e aí a sofrer muitas baixas (... só não nos disse o nome da cidade: Conacri...)



Guiné > s/l > 1ª CCmds Africanos > c. 1970 > Da esquerda para a direita, em pé, os então alferes graduados 'cmds' Saiegh e Sisseco, o major inf Leal de Almeida, o tenente graduado 'cmd' João Bacar Jaló e outro alferes. Em baixo, o ex-fur mil pil Ramos, e o alferes graduado 'cmd Justo Nascimento. Foto reproduzida no livro, pág. 167. A foto é do Jorge Caiano, ex-1º cabo especialista, melec/av (Bissalanca, BA12, 1969/70), a residir desde 1974 no Canadá (Poste P3897). 

Foto (e legenda): © Jorge Caiano (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. C
ontinuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro 
"Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.

[Floto à direita > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) ]

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri,  começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757; 

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló; 

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual vai participafr

 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  



Guiné > Região de Gabu > Carta de Paunca (1957) ( Escala 1/50 mil > Posição relativa de Paunca e do rio Xaianga (ou Geba Estreito) que vem do Senegal, atravessando a fronteira no marco 74

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas fa Guiné (2023)



Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um    luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIV:  
 

As previsões agoirentas do adivinho Mamadu Candé que nos via, a mim e ao João Bacar Jaló, a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e aí a sofrer muitas baixas


Em setembro
 [de 1970] , na última saída da companhia para os lados do rio Xaianga, quando estávamos a regressar a Paunca [1], um guarda da administração civil, de nome Sore Bombeiro, viu-nos passar nas viaturas. Esse homem viveu muitos anos com o capitão João Bacar Jaló, na vila de Catió. Quando me viu, fez-me sinal para eu ir ter com ele.

Mal a coluna entrou no aquartelamento de Paunca, fui procurá-lo e vi-o a falar com um homem também meu conhecido, o adivinho Mamadu Candé.

Quando eu e o capitão João Bacar, em feve
reiro [de 1970] , tínhamos vindo de Bissau para Fá Mandinga, para formarmos a CCmds da Guiné, o capitão Barbosa Henriques  [o instrutor]   deixou-nos em Bambadinca para tratarmos da situação das nossas famílias. E foi nessa ocasião que, em casa de um companheiro de João Bacar, encontrei esse tal homem, o Mamadu Candé, um Homem Grande e adivinho muito respeitado.

Pois, então, em Paunca, quando o encontrei, Mamadu Candé disse-me, solenemente, para eu avisar o capitão João Bacar que fizesse tudo por tudo para que a nossa companhia não fosse deslocada para ocidente de Fá Mandinga. Que nos ajudava a tratar de nos mantermos no leste, que a nossa fama já era grande e que, assim, o leste não seria conquistado. E disse mais: que nas suas previsões nos tinha visto a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e que nessa cidade íamos começar a sofrer muitas baixas.

Quando lhe perguntei que cidade era essa, se ficava na Europa ou em África, ele respondeu que não sabia. Eu acho que ele sabia muito bem qual era a cidade, não queria era dizer-nos.

Depois de acabarmos a conversa corri para uma viatura da coluna e seguimos em direcção a Bajocunda e, só à noite, quando chegámos contei a conversa ao João Bacar, mas ele não deu qualquer resposta.

Em finais de outubro de 1970, estava eu e o furriel Talabio a regressar a Fá Mandinga, tive conhecimento que o capitão João Bacar ia estar trinta dias de férias. Chegado o dia, ele e o Talabio foram para Bissau com o major Leal de Almeida, o supervisor da nossa companhia.

Nessa data, dois grupos nossos partiram para o Enxalé[2] e eu fui com um dos grupos. Os outros grupos da companhia ficaram em Fá.

Já no Enxalé, quando estávamos a regressar da primeira saída[3], chegou uma mensagem para recolhermos todas as unidades o mais rapidamente possível. Nem houve tempo para descansar da saída, arrumámos as nossas bagagens e corremos para o porto, para apanhar o barco para o Xime. Aqui chegados entrámos para as viaturas e rumámos para . Depois de pousarmos as armas e os equipamentos seguimos para Bafatá.

Eu, logo de manhã fui ao mercado ver gente conhecida. Havia muito peixe nas bancas e comprei uma cabeça de bicuda, que a minha mulher levou para casa para fazerem uma caldeirada, enquanto fiquei a conversar com os meus amigos.

A certa altura, um soldado chegou ao pé de mim e, fazendo-me a continência, eu era furriel então, disse que queria falar comigo em particular. O que tinha para me dizer era que a companhia estava a ser recolhida, por ordem de Bissau. Perguntei-lhe pelo major Leal de Almeida, ele não sabia a resposta, perguntei-lhe quem tinha dado a ordem e ele também não tinha resposta para dar.

Então, tomei o meu lugar na viatura e dirigi-me para casa. Quando cheguei a comida ainda não estava pronta, mudei outra vez de roupa e despedi-me da família, com grande pena minha e deles. A minha mãe perguntou se eu não esperava pelo almoço e eu respondi que não tinha tempo para esperar, que ia sair com fome. Uma facada no coração da minha mãe, foi o que ela deve ter sentido.

Quando voltei a ver a minha mãe, quase um mês depois, vi-a muito magra. Quando me abraçou, senti o seu coração bater de amor e sentimento que ela tinha por mim. Sei que a minha mãe só comeu à vontade, a partir desse dia. 

Continua: vd. poste P233804 (**).

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Parènteses rectos com notas /  Subtítulo / Negritos: LG]
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Notas do autor ou do editor literário (VB):

[1] Nota do editor: desde 26 Julho 1970, guarnecida com a CCaç 2658 e, desde 15 Agosto 1970, com a CArt 11 / CTIG.

[2] Nota do editor: destacamento da CArt 2715.

[3] Nota do editor: 30 Outubro/07 Novembro 1970.
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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 6 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24204: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIII: Na 1ª CCmds Africanos em 1970: de Fá Mandinga a Bajocunda, Pirada e Senegal, respondendo ao terror do PAIGC

(**) Vd. poste de 22 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23804: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte X: Op Mar Verde, há 52 anos, em 22/11/1970: para Conacri, rapidamente e em força.