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sábado, 23 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18769: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 57 e 58: futeboladas... e férias na metrópole, em junho de 1973... o pai, biológico, vem despedir-se dele ao aeroporto de Pedras Rubras, no Porto, com a tia e a avó...Queixas em relação ao SPM: a correspondência que não chega ao seu destino...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > As nossas "futeboladas"...

Foto (e legendagem): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*):

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.

2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;

(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xxi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas;

(xxii) o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;

(xxiii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14); e o autor faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 375,20 €];

(xxiv) considerações sobre o clima, as chuvas; em 19/5/1973, faz 23 anos... e vem de férias à Metrópole, com regresso marcado para o início de julho de 1973: regista com agrado o facto de o pai, biológico, ter trazido a sua tia e a sua avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem dele. 


3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 57 e 58


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


57.º Capítulo  > A FERRADELA NO CU


Foi muito estranho para mim ser precisamente no dia do meu 23.º aniversário que me refiro ao Plácido. No entanto, antes quero que saibam que foi nesse dia que pela primeira vez soube de alguém que mordeu outro, num jogo de futebol.

“Houve hoje uma zaragata entre dois camaradas meus que foi castiça. Num jogo de futebol um rasteirou o outro e o rasteirado deu-lhe uma ferradela no cu. Imagina só, alguns de nós, até se estão a transformara em cães”.


Voltando ao Plácido: foi um furriel e, embora eu não tenha essa referência, penso que era o furriel de transmissões.

Embora apenas de forma subtil, no meu romance “DESERTOR 6520”existe uma grande influência do Plácido. Eis a minha primeira referência a esse senhor. Exactamente, esse senhor.

“Lembra-me para eu te contar umas coisas acerca do furriel Plácido, pois eu acho-lhe uma piada imensa, dado que ele é uma das figuras mais interessantes da companhia.

Diz ele que não anda aqui para ajudar o exército e por tal faz de conta que as ordens não são para ele. Cumpre algumas porque quer pois ninguém manda nele.

Acho que foi a primeira vez que ouvi estas coisas e que me fez pensar. Se faço aqui estas observações é só para mais tarde poder recordar através destas palavras o excelente camarada que é o Furriel Plácido”.


Acho que estava a começar a conhecer as pessoas. Talvez mais adiante encontre por aqui o Silva de Almada que agora vive nas Caldas da Rainha e… olhem, até dia 3 de Julho vou de férias.


58.º Capítulo  > TAP,  THE INTERCONTINENTAL AIRLINE OF PORTUGAL


Foi numa carta com este logótipo que escrevi as primeiras palavras no meu regresso à Guiné.

“Quero que saibas que o meu pai trouxe a minha tia e a minha avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem de mim confesso que gostei da atitude dele mas custou-me despedir-me novamente da minha avó. Também vieram despedir-se de mim ao aeroporto os pais do Zé Leal foi muito comovente. Tive pena que tu não viesses”.

Foi a partir da minha vinda de férias e porque senti que as pessoas na metrópole, embora o negassem, pouco se preocupavam connosco, Excepto, claro, os familiares, deixei de me referir ao que comigo ou com os meus camaradas acontecia. Nos aerogramas e cartas escritos nos dias seguintes, apenas falo de amor, de literatura, de poesia ou música. Também escrevo anedotas, participo em concursos e até jogos e quebra-cabeças envio, via correio, para a namorada.

Noto, pelo que leio, que nessa altura o correio não chegava como era normal e muito do que enviávamos pura e simplesmente não chegava ao destino. Ainda possuo um mapa da correspondência enviada e recebida. Alguns amigos queixam-se do mesmo e até pequenas encomendas desaparecem, mormente cassetes de áudio que eu passara a enviar de vez em quando, mesmo sabendo que em casa da Amélia não havia luz eléctrica. Ela haveria de me ouvir em casa de alguém que tivesse um leitor. O certo é que a Maior parte delas não chegaram às suas mãos.

Cito o que disse no dia 23:

“Isto é uma cambada de sornas os tipos do SPM” (Serviço Postal Militar).

(Continuação)
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domingo, 12 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17044: Blogues da nossa blogosfera (76): Operadores Portugueses Lançam Guiné-Bissau (Ilhas Bijagós) como destino de férias 2017 (Tabanca do Centro)



OPERADORES PORTUGUESES LANÇAM GUINÉ-BISSAU

(ILHAS BIJAGÓS) COMO DESTINO DE FÉRIAS EM 2017

LUXO NOS BIJAGÓS

A francesa Solange Morin, proprietária do Ponta Anchaca na ilha de Rubane, assegura o transporte dos turistas ao seu hotel em avião privado

Os pacotes para a Guiné-Bissau serão lançados até à BTL, feira do turismo de Lisboa, como resultado da primeira viagem de reconhecimento do destino que envolveu a maioria dos produtores de viagens

Foi, literalmente, uma descoberta para os operadores turísticos portugueses. A primeira 'fam trip' à Guiné-Bissau de 'construtores' de programas de viagens promovida pela Euroatlantic de 6 a 11 de janeiro — onde participaram a Abreu, Solférias, Soltrópico, Sonhando, Clube Viajar, You e Across, que representam 80% da operação turística nacional — irá resultar na criação de pacotes de férias, de uma semana a 10 dias, a lançar já na próxima BTL (Bolsa de Turismo de Lisboa), a feira que decorre na FIL de 15 a 19 de março e que é a principal montra do turismo português.

Para os operadores turísticos, a 'pérola' deste destino novo são os Bijagós, arquipélago com 88 ilhas ao largo da Guiné-Bissau e que é um santuário natural (tem os únicos hipopótamos marinhos do planeta, entre uma grande diversidade de vida animal, como tartarugas ou chimpanzés).

"O nosso objetivo é fazer um turismo de qualidade e controlado tendo em conta o ecossistema que existe em Bijagós, cujo potencial é muito aprazível para o turismo que o mundo hoje procura", salientou Fernando Vaz, ministro do turismo da Guiné-Bissau ao receber os operadores turísticos, a quem fez o apelo de criar um produto de férias "para que os portugueses também venham à Guiné onde vão sentir-se em casa, e não só ao Algarve".
O ministro guineense frisou ainda que "o nosso turismo ainda é incipiente, recebemos 30 mil turistas por ano, e queremos aprender com Portugal. Se Cabo Verde conseguiu tornar-se um destino reconhecido nós também vamos conseguir".


MAR DE ILHAS

O arquipélago de Bijagós, ao largo da Guiné, integra 88 ilhas em estado natural, o que é considerado um paraíso para eco-turismo

Para a Abreu Viagens, a Guiné tem todas as condições para "funcionar como um destino novo" de lazer, quando até à data era "desconhecido" dos turistas portugueses, conforme destaca Leonor Ramos, gestora do produto África do operador turístico, que participou nesta viagem de reconhecimento à Guiné-Bissau.

Tirando partido dos atuais quatro voos diretos por semana que ligam Portugal à Guiné (dois da TAP e dois da Euroatlantic), a perspetiva da Abreu é lançar a curto prazo programas de viagens de 5 a 7 dias, "focados no arquipélago de Bijagós mas sem deixar Bissau de fora, pois os portugueses têm uma ligação grande à cidade", adianta Leonor Ramos. Na sua perspetiva, o perfil do cliente-alvo para o destino Guiné é sobretudo o "passageiro que já bateu outros destinos ao nível de África, como São Tomé". Mas a gestora de programas da Abreu frisa que neste destino "está tudo ainda muito verde e tem de haver promoção do país, o que não passa só pelos operadores turísticos, é essencial que o Governo guineense assuma aqui o seu papel".


NA ROTA DO HIPOPÓTAMO

Os Bijagós têm a única colónia de hipopótamos marinhos no mundo, havendo programas especiais para os avistar

O mesmo objetivo é partilhado pela Solférias. "Faz todo o sentido incluir a Guiné-Bissau na nossa programação pois África é uma das principais apostas da Solférias", salienta Cláudia Martins, gestora de produto deste operador turístico. "Estamos a trabalhar já na programação de verão, válida de maio a final de outubro, e nesta altura do campeonato o que vamos fazer é lançar de imediato uma brochura com um combinado entre Bissau e Bijagós para pôr à venda já em fevereiro, e seguramente antes da BTL."

Do que viu na viagem de reconhecimento à Guiné-Bissau, a operadora da Solférias adianta que o objetivo é "lançar programas de uma semana, incluindo cinco noites em Bijagós e uma em Bissau" e também "conseguir pacotes a preços abaixo dos 2 mil euros", dependendo das tarifas a negociar com as companhias aéreas."Vai ser um complemento muito interessante para a nossa programação", prevê Cláudia Martins, sustentando que a Guiné pode funcionar como destino "que complementa a nossa oferta 'charter' para Cabo Verde, embora dirigindo-se a um mercado diferente, que não é do 'tudo incluído', mas sobretudo clientes que procuram outro tipo de experiências. Cada vez há mais pessoas a necessitar do contacto com a natureza, do desligar dos telemóveis, e destinos como este são cada vez mais procurados".


ECOSSISTEMA

O Turismo da Guiné-Bissau diz-se empenhado em "desenvolver um destino controlado e não massificado nos Bijagós"

Segundo a gestora da Solférias, "acreditamos que não será um destino de grande volume, mas nesta fase não queremos deixar de ajudar a Guiné-Bissau com tudo o que estiver ao nosso alcance". Salienta que "estão reunidas as condições" para se lançar este destino novo em Portugal, mas sublinha que há ainda "um longo caminho para a Guiné fazer, com todas as notícias negativas que têm saído sobre o país".

"UM PARAÍSO DESCONHECIDO PARA A MAIORIA DOS PORTUGUESES"

Lara Reis, gestora de produto da Soltrópico, também considera que o destino "tem muito potencial e o produto pode ter muita saída em Portugal, mas é preciso mudar a visão que os portugueses têm da Guiné-Bissau". Sustenta que este "pode vir a ser um produto Soltrópico", mas ressalva que terá de ser ainda sujeito à análise do operador turístico relativamente à programação para 2017. Na sua opinião, "de início, e para não correr muito risco, podíamos começar com um pacote mais pequeno, de cinco noites, com Bissau e Bijagós, um paraíso ainda desconhecido para a maioria dos portugueses e que poderá ser um próximo destino a estar em voga".

Segundo a criadora de pacotes de férias da Soltrópico, "mais tarde poderíamos fazer uma identificação de pontos interessantes no país com vista a programas associados a turismo de saudade e às memórias coloniais, pois há uma grande comunidade de portugueses que estiveram na Guiné-Bissau e podem ter interesse em voltar ao país e matar saudades". Frisando que "o que procuramos na Guiné não é um turismo de massas", Lara Reis refere que no início desta operação "os preços terão de ser bastante interessantes, em comparação com outros destinos como São Tomé ou Senegal".

No caso do operador turístico You, a previsão também passa por lançar programas a curto prazo. "Nós já tínhamos pensado fazer alguma coisa na Guiné-Bissau", salienta Elisabete Augusto, diretora de operações da You, para quem a recente visita de reconhecimento ao destino tornou "o produto mais fácil de trabalhar".


TURISMO DE SAUDADE

As memórias coloniais são visíveis na antiga messe dos oficiais em Bissau, que deu lugar ao Hotel Azalai

Para lançar o destino Guiné, o objetivo da You passa por "publicar circuitos de uma semana a 10 dias, com quatro a cinco noites para ir à praia, e vamos de certeza incluir Bijagós", refere Elisabete Augusto, adiantando que os programas terão um alcance mais vasto. "A nossa ideia é também montar um 'tour' pelo interior da Guiné, passando por cidades como Bafatá ou Gabu, além de Bissau, a pensar nos antigos militares que querem visitar os lugares onde estiveram durante a guerra colonial". Como frisa a diretora de operações da You, "vamos trabalhar para que as pessoas em Portugal possam vir conhecer a Guiné".

Tendo já algum tráfego para a Guiné, organizando viagens associadas a ações humanitárias, também o Clube Viajar, cujo operador é o Viajar Tours, tem a perspetiva de começar a lançar pacotes com Bissau e Bijagós. “O arquipélago dos Bijagós é um paraíso natural e apenas a quatro horas de distância de Portugal”, faz notar Manuela Varanda, agente de viagens do Clube Viajar, frisando que, face ao potencial da Guiné ao nível de programas de lazer, o destino merece começar a ser explorado. “E esta viagem de reconhecimento demonstrou tratar-se de um destino tranquilo, genuíno e com um povo muito gentil, além de ter boa comida.”

LANÇAR UM MANUAL DE VENDA PARA OS AGENTES DE VIAGENS

Para o operador Sonhando, a 'fam trip' à Guiné-Bissau foi “um sucesso”, e também "um verdadeiro derrubar de preconceitos, pois apesar da instabilidade política do país encontrámos um ambiente pacífico e seguro", salienta Mariana Correia, gestora de reservas da Sonhando.

Destaca ainda as "paisagens deslumbrantes como o arquipélago dos Bijagós, hotelaria diversificada e de qualidade, receptivos locais com produtos bem trabalhados e prontos a receber o turista português".


ENERGIA AFRICANA

Os operadores também querem destacar a vertente cultural nos programas de viagens à Guiné

Segundo Mariana Correia, "a Sonhando tudo fará para divulgar e colocar a Guiné-Bissau como um dos destinos de eleição dos portugueses", através da criação de pacotes de 5 a 7 noites, que serão lançados ainda antes da BTL. "Vamos apostar em programas de lazer, e também de turismo de saudade associados ao regresso de ex-combatentes, além caça/pesca ou negócios", adianta.

A operadora da Sonhando adianta que "a nossa intenção é fazer um manual de vendas para os agentes de viagens em Portugal, pois sabemos que apesar de uma língua que nos une, existe um profundo desconhecimento da Guiné Bissau enquanto destino turístico com enorme potencial".

Apesar de ser mais especializada em safaris, e tendo o foco em África, também a Across prevê começar a incluir a Guiné na sua programação já em 2017.

"Esta viagem deu-nos a mostrar a verdadeira imagem da Guiné", sustenta Reno Maurício, diretor-geral da Across, frisando que o seu interesse está em "destinos com uma relação forte com Portugal, locais que não tenham só animais mas também história, algo com que o cliente português se possa relacionar".

Segundo o diretor-geral da Across, "vamos já lançar três programas para a Guiné-Bissau, com vertente cultural, de vida selvagem e de praias", e a curto prazo sairão as respetivas brochuras para venda nas agências de viagens. "Vamos aproveitar os voos da Euroatlantic para vender uma série de experiências", que irão resultar em combinados de Bissau com Bijagós e com locais para safaris, além de "programas à medida na área de turismo de saudade, em que queremos levar pequenos grupos de umas 18 pessoas, pois este é um mercado forte na Guiné".

A nível de preços, Reno Maurício avisa que "não vamos ser os mais baratos do mercado, pois a nossa guerra não é a dos preços". Na Across o preço dos programas para este destino vai depender de uma série de opções disponíveis. "Na Guiné estamos a falar de um produto que pode ir de pouco mais de mil euros até três mil euros", avança.


VIDA SELVAGEM

Assistir à desova das tartarugas na ilha de Poilão é uma das experiências que os turistas podem ter nos Bijagós


"Eu acho que vai haver uma grande dose de boa vontade dos operadores que aqui vieram no sentido de promover a Guiné-Bissau", sustenta o diretor-geral da Across.

A "NECESSIDADE DE RESPIRAR NATUREZA"

Para alojar os turistas nos Bijagós, a mira dos operadores está sobretudo no Ponta Anchaca, hotel da francesa Solange Morin na ilha de Rubane onde os quartos são 'tabankas' de madeira à beira do mar e entre palmeiras, exalando um ambiente de luxo natural.

"Quando aqui cheguei isto era selva virgem, não havia nada, nada, tive de fazer tudo do zero", diz Solange Morin, assumindo o seu "grão de loucura" ao ter vendido os seus hotéis no Senegal para criar uma unidade nos Bijagós. "Tinha necessidade de respirar natureza, não há outra sensação de paz e liberdade como há aqui", confessa.

É a mesma sensação que Solange Morin quer transmitir aos clientes do hotel. "Quando as pessoas querem ver as tartarugas ou os hipopótamos, nós podemos fazer isso", garante. O Ponta Anchaca conta com várias lanchas para passeios e também um avião privado em permanência para assegurar o transporte dos hóspedes de Bissau. "É um destino que ainda não é conhecido. As pessoas perguntam: onde ficam os Bijagós?", refere Solange Morin, que tem recebido sobretudo hóspedes franceses, belgas, ingleses ou italianos, "e espero que cada vez mais portugueses".

Além do Ponta Anchaca, são sobretudo os hotéis virados para a pesca, e também de proprietários franceses, que predominam nos Bijagós.

ACAMPAR NA PRAIA

O Dakosta Island Beach Camp do guineense Adelino da Costa põe a tónica na cultura bijagó

O destaque também vai para o Dakosta Island Beach Camp, do guineense Adelino da Costa, junto à praia de Bruce em Bubaque, onde parece que o tempo parou.

Além dos quartos em vivendas, o Dakosta Island tem também um espaço de tendas marcado por instalações artísticas associadas à cultura bijagó.

"Estamos num espaço protegido pela UNESCO, isto é um museu ao ar livre, é a pura natureza que está a faltar no mundo", faz notar Adelino da Costa, que trocou a vida nos Estados Unidos (onde é um lutador medalhado e tem uma rede de ginásios em Nova Iorque, com a marca 'Pump') para estar mais próximo do investimento turístico que quer reforçar na sua terra.

"A língua portuguesa está-se a perder aqui", considera Adelino da Costa, lembrando que o investimento turístico nos Bijagós está a ser feito sobretudo por franceses, e "há zero de portugueses". Como guineense, propõe-se aqui diferenciar pelo toque da cultura. "O atraso da Guiné pode tornar-se na sua principal vantagem, pois os Bijagós ainda estão em estado natural, nada foi estragado", salienta. "É um local para desligar o telemóvel e desligar de tudo. E isto para os turistas é o mesmo que lhes dar ouro."

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Nota: O texto que reproduzimos foi publicado recentemente no Blogue dos Especialistas da BA12. O seu conteúdo poderá interessar a muitos dos combatentes que passaram pela Guiné e que gostariam de poder voltar a lembrar tempos e gentes do antigamente. Por isso achámos útil editar este texto, com a devida vénia aos Especialistas da BA12.

Acrescentamos ainda que a BTL (Bolsa de Turismo de Lisboa) a que o texto faz referência é o maior evento de turismo realizado em Portugal e a sua 29ª edição vai ter lugar na FIL, Parque das Nações, de 15 a 19 de Março de 2017.

Os editores
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Notas do editor

Transcrito com a devida vénia ao Blogue da Tabanca do Centro

Último poste da série de 15 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16837: Blogues da nossa blogosfera (75): rumo ao norte, de Luanda a Pangala, "sinais de civilização": uma velha placa com o sinal de aproximação de estrada sem prioridade e os dizeres “Gasolina Sphinx” e por baixo “Vacuum Company”... [Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012), ex fur mill, op esp, CCE 306 / BCE 357, Angola, 1962/64]

domingo, 6 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15452: (Ex)citações (303): Eu e o marinheiro a bordo de um avião da TAP, a caminho de Lisboa... Um conto do vigário: o 'negócio chorudo' das fotografias do deserto do Sara... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

1. Comentário do Valdemar Queiroz ao poste P15445 (*)


[Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; , foto à esquerda, em Contuboel, 1969]


Viva, caro Juvenal Amado.

Este teu conto do vigário foi muito 'contado' e 'cotado', naqueles anos em que havia tantos filhos na guerra colonial. Era fácil ao vigário — o que faz as vezes do outro — burlar os pais, principalmente as mães, que só queriam o melhor para os seus filhos.

Mas, o que se passou comigo brada aos céus dos contos do vigário. Brada aos céus por ser o mais totó, o mais naif, o mais inocente dos contos do vigário. Senão vejamos.

Vinha no avião da TAP, passar as minhas férias a Lisboa, quando se avistou, nas janelas do lado direito do avião, o deserto do Saara. Todos fomos ver, cá de cima, o deserto lá em baixo e até houve fotografias do deserto. 

O deserto do Sara visto de satélite. Foto da NASA, imagem do domínio
público. Cortesia da Wikimedia Commons.
Acabou o visionamento do deserto e eis que chega ao pé e mim um tropa, com uma máquina fotográfica, dizendo:
— Não vendo estas fotos a ninguém!.

Sentando-se ao meu lado,  propôs-me logo um negócio garantido:
— Tirei umas fotos ao deserto que são vendidas como água. 
—  Se calhar... —, respondi eu.
 — Eu sou marinheiro, vou de férias e se o... o furriel avançar já com mil pesos para se fazer, em Lisboa, muitas cópias que são facilmente vendidas...  — dizia ele. — E eu também regresso à Guiné, daqui a um mês, depois das férias... Vamos ganhar um dinheirão e logo fazemos contas.
— Pois é, não digas isso a ninguém, o que a rapaziada mais gosta é fotos do deserto, e é pena não teres do oceano Atlântico — disse eu,  e lá seguimos até Lisboa sem mais conversa.

Evidentemente, que no regresso de férias, a Bissau, do marinheiro/fotógrafo nem pó. Mas, esta das fotografias do deserto é boa e não lembra ao diabo num conto do vigário. (**)

sábado, 31 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15307: História da CART 3494 (12): A mobilização para a Guiné –CART3494 - O embarque em Lisboa [Base Militar de Figo Maduro] e o primeiro período de férias na Metrópole em outubro de 1972 [há quarenta e três anos] (Jorge Araújo)


1. O nosso Camarada Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494, (Xime-Mansambo, 1972/1974), enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Camaradas,

Com um pequeno atraso em relação ao lançamento do tema «O nosso querido mês de férias», por razões operacionais, e por efeito de nova visita ao baú de memórias, donde recuperei meia-dúzia de imagens com mais de quatro décadas, permitiu-me partilhar convosco, não uma mas duas efemérides, simbolicamente relevantes, e que marcaram aquele meu/nosso tempo da vida militar, ou seja, a mobilização e respectivo embarque, e o primeiro período de férias passadas na Metrópole, iniciadas em 24OUT1972, faz hoje quarenta e três anos. 

A MOBILIZAÇÃO PARA A GUINÉ – CART 3494 
- O EMBARQUE EM LISBOA [BASE MILITAR DE FIGO MADURO] 
E O PRIMEIRO PERÍODO DE FÉRIAS NA METRÓPOLE 
EM OUTUBRO DE 1972 [HÁ QUARENTA E TRÊS ANOS] 

1. - INTRODUÇÃO

Eis mais duas efemérides que me proponho partilhar convosco, resumidas nesta pequena narrativa histórica. A primeira surge na sequência da respectiva mobilização ultramarina publicada na Ordem de Serviço do então RAP2, Vila Nova de Gaia, em 03JAN1972, com destino ao CTIGuiné, para completar o contingente da CART 3494, do BART 3873 [1971-1974], sediado em Bambadinca [P15230]. A segunda decorre do primeiro período de férias passadas na Metrópole, entre 24 de Outubro e 27 de Novembro de 1972, faz agora quarenta e três anos.

Trata-se, naturalmente, de duas memórias de significado antagónico. A primeira tendo por pensamento, não a sabedoria que o contexto impunha nem tampouco a experiência feita por episódios anteriormente vivenciados naquele território africano banhado pelo Atlântico, lugar de misteriosas e desconhecidas matas “com olhos”, mas, tão só, uma elevada crença onde as expectativas deveriam orientar os nossos comportamentos, no sentido de gradativamente ficarmos mais habilitados a jogar aquele “jogo”, em nome da defesa da vida.

Este valor humano [o de viver] não era só uma questão pessoal, incluía também os meus pares ex-combatentes [e vice-versa], onde os desempenhos concertados em cada actividade [missão/acção], com alguma audácia à mistura, deveriam ser cumulativos ao permitir a aquisição de novos saberes e novos comportamentos, aprendendo com cada uma das diferentes experiências, visando obter os melhores resultados possíveis, nestes se incluindo justamente os conceitos de superação e de transcendência, sinónimos de sobrevivência.


Lamentavelmente, no final, este objectivo colectivo não foi conseguido na totalidade.

A segunda como possibilidade de retorno às origens, ainda que com duração efémera traduzida em trinta e cinco dias, que passaram depressa, e com recurso a bens económicos próprios, visando repor/recuperar os deficits físicos e psicológicos por efeito de sete meses de intensa e exigente actividade militar numa zona de grande complexidade [como bem sabem todos aqueles que por lá passaram, antes e depois de nós], como era o exemplo do Xime.

De entre os registos historiográficos desse primeiro período destacam-se: a 1.ª emboscada à Ponta Coli [22ABR1972], a morte de Mário Mendes na Ponta Varela [25MAI1972], o Naufrágio no Rio Geba [10AGO1972] e os diferentes ataques ao Aquartelamento e ao Enxalé, todos eles já aqui referenciados com razoável detalhe.

2. – O EMBARQUE LISBOA-BISSAU EM 23MAR1972

Cumpridos os procedimentos administrativos que antecederam o embarque para o CTIG, como seja a vacinação obrigatória efectuada no Hospital do Ultramar, sito na Junqueira, Freguesia de Alcântara [Lisboa], uma unidade de saúde que, a par do Instituto de Medicina Tropical [IMT], funcionavam na dependência do Ministério da Marinha e Ultramar e que se destinavam a dar assistência médica aos funcionários civis e militares em trânsito, de e para o Ultramar Português, incluindo os casos com doenças tropicais e infecciosas. 

Entretanto, por efeito da aprovação do Decreto-Lei n.º 47102, de 16JUL1966, o IMT daria lugar à nova Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical [ENSPMT], continuando esta a estar inserida no complexo do Hospital do Ultramar. Depois do 25 de Abril de 1974, mais propriamente em 05 de Outubro desse ano, o Hospital do Ultramar passou a designar-se por Hospital Egas Moniz no âmbito das comemorações do centenário do nascimento do médico, neurologista e investigador português, natural de Estarreja, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz [1874-1955], galardoado em 1949 com o Nobel de Fisiologia ou Medicina, prémio partilhado com o fisiologista suíço Walter Rudolf Hess [1881-1973], “pela descoberta da relevância da leucotomia (lobotomia) pré-frontal no tratamento de certas doenças mentais”. 


Capas dos boletins de vacinas

De referir que o Nobel da Fisiologia ou Medicina, um dos prémios internacionais de investigação científica instituídos pelo sueco Alfred Bernhard Nobel [1833-1896] desde 1901, é atribuído anualmente pelo Instituto Karolinska, situado em Solna, arredores de Estocolmo [Suécia]. Este Instituto sueco, que foi criado em 1811 como centro de treino para cirurgiões do exército, chamava-se inicialmente Medico-Chirurgiska Institutet, sendo no presente a única Universidade de Medicina existente na Suécia. Ele está associado ao Hospital Universitário Karolinska, e daí ser considerado como uma das maiores universidades médicas da Europa.

Concluído o processo de vacinação sem efeitos secundários e expirados os dias de férias atribuídos no processo de mobilização, eis que é chegado o dia «D» – o da despedida – e, concomitantemente, o da partida aprazada para 23 de Março de 1972, uma 5.ª feira.

Depois de um jantar [bem acompanhado] no Restaurante-Cervejaria Solmar, nas Portas de Santo Antão [passe a publicidade], e uma noite sem dormir, obviamente, desloquei-me pelas 08:00 horas ao Aeroporto [Base] Militar de Figo Maduro, ali bem perto da minha casa em Moscavide, onde um Boeing-707 dos Transportes Aéreos Militares [TAM] me/nos aguardava, preparado para voar com mais um contingente militar de cento e noventa milicianos, entre oficiais, sargentos e praças, rumo ao aeroporto de Bissalanca, em Bissau.

Destes, a maioria seguia em situação de rendição individual, com o objectivo de substituir outros camaradas/combatentes por motivos diferentes: fim da comissão, ferimentos em combate ou, ainda, casos de morte. Esta última situação era dramática e altamente emotiva para quem dela tinha conhecimento antecipado.


Foto 2. Figo Maduro (23MAR1972). Grupo de familiares presentes na despedida para o CTIG (imagem pouco nítida). 

Foto 3. Figo Maduro (23MAR1972). Grupo de Militares escalando os últimos degraus rumo ao interior do transporte aéreo que, minutos depois, os levaria até Bissau.

3. – AS PRIMEIRAS FÉRIAS NA METRÓPOLE - DE 24OUT A 27NOV72

Durante os primeiros meses no Xime, onde cheguei algumas semanas depois de aí ter ficado aquartelada a CART 3494 vinda de Bolama, onde realizou o seu IAO durante o mês de Janeiro de 1972, não fazia a menor ideia de qual seria o melhor período para agendar férias, particularmente por ter/termos de cumprir, no mínimo, dois anos de comissão.

Aos poucos foram-se afinando as ideias sobre esse tema, entre Sargentos e Oficiais da Companhia, ficando definitivamente acordado que o primeiro grupo a marcar férias só o poderia fazer após estarem concluídos os primeiros seis meses de comissão, de acordo com as normas então em vigor. 

A gestão do tempo foi-se fazendo com maior ou menor dificuldade, e em finais de Setembro decidi considerar com uma excelente hipótese balizar o primeiro período de férias de modo a fazê-lo coincidir com o meu aniversário [10NOV]. E assim foi. Da análise ao competente plano de férias global, eu, o Espadinha Carda [furriel do 3.º GComb] e o Mendes Pinto [furriel do Serv. Mat.], acordamos viajar em grupo, reservando o voo para a Metrópole para 24 de Outubro (3.ª feira) e o regresso a Bissau para 27 de Novembro de 1972 (2.ª feira).

Dois dias antes fizemos a viagem Xime-Bissau por via marítima, ficando hospedados [se a memória não me atraiçoa] no Hotel-Cervejaria Miramar, a tal cervejaria das ostras «***** estrelas», em que cada travessa custava vinte e cinco pesos. 


Foto 4. Bissau (23OUT1972). O Mendes Pinto, o Espadinha Carda e o Jorge Araújo, mentalizando-se para a sua primeira viagem de férias na Metrópole.


Foto 5. Bissau (23OUT1972). Na marginal, junto ao monumento ícone da epopeia dos Descobrimentos Portugueses do século XV, inaugurado em 1960 em comemoração do quinto centenário da morte do Infante D. Henrique [1394-1460]. 


Foto 6. Bissau (23OUT1972). No jardim da marginal, depois de ter liquidado o valor da viagem de avião entre Bissau/Lisboa/Bissau, e ter na minha posse os respectivos bilhetes.


Foto 7. Bissau (24OUT1972). Aeroporto de Bissalanca (Marechal Craveiro Lopes), aguardando o momento de embarque.


Foto 8. Bissau (24OUT1972). Aeroporto de Bissalanca (Marechal Craveiro Lopes), a caminho do Boeing-707 da TAP, rumo a Lisboa, com três “necessaire”, um de cada elemento do grupo, oferta da Agência de Viagens.

Chegado ao aeroporto de Lisboa era aguardado pelos familiares mais próximos, seguindo depois para a minha residência em Moscavide. Os primeiros dias foram de completa readaptação aos espaços, particularmente no que concerne ao trânsito intenso na capital, aos semáforos e às passadeiras, aos cheiros, aos ruídos; em suma, a quase tudo.

Os dias passaram a ser, gradualmente, mais tranquilos, com os familiares a não perderem a oportunidade de colocarem questões sobre a realidade por mim vivida até então na Guiné, transmitindo-me, nessas ocasiões, os seus medos, expectativas e ansiedades, mas também procurando saber mais como era a sua gente, o seu ambiente, o seu clima, a sua organização social, os seus consumos, o que era perfeitamente natural e normal naquele contexto e naquela época. 

Os amigos, alguns mais velhos, que tinham já vivido experiências semelhantes nos diferentes cenários ultramarinos, davam-me conselhos, sugestões e outras dicas visando ajudar-me a ultrapassar eventuais dificuldades.

Fora deste ambiente, e uma vez que o ex-Alf. Mil. Maurício Viegas, também ele natural e Lisboa, e que havia chegado ao Xime em Junho de 1972 em rendição individual para comandar o 20.º Pelotão de Artilharia, sugeriu-me que visitasse os seus pais, residentes na Freguesia da Ajuda, facultando-me a sua morada, o que respeitei. Daí ter agendado um encontro com eles levando-lhes as naturais saudades e palavras de conforto e ânimo para resistirem ao tempo que ainda faltava para a conclusão da sua Comissão de Serviço, pois contabilizava à data uns escassos quatro meses.

Na sequência do primeiro contacto presencial, aceitei a proposta de com eles almoçar, ficando também combinada uma sessão de slides [meus] visando uma aproximação à realidade por parte daqueles que, estando longe do seu filho, agora na condição de militar/combatente, gostavam de ver as suas paisagens, as suas gentes, as lavadeiras, as beijudas e outros ícones da cultura guineense, e que para mim era o contexto para onde teria de voltar alguns dias depois. 

Como um dos tios do ex-Alf. Maurício Viegas era pasteleiro [mestre de renome em doçaria], e o sobrinho comemorava mais um aniversário no dia 01DEC, pediu-me para ser portador de um bolo especial para esse dia de anos, confeccionado com uma substância que permitia aguentar os dias em falta até à chegada ao mato. No dia 26NOV1972, véspera da partida, lá fomos buscar o bolo ao Bairro da Boa-Hora, fazendo votos para que ele chegasse inteiro ao seu destinatário.

Embarquei no dia seguinte prometendo voltar, logo que possível, para um segundo período de férias.

Regressado a Bissau no dia 27NOV1972, 2.ª feira, desci à terra e tomei consciência de que as férias tinham acabado e que o principal objecto que teria em mãos, a partir de então, era outro, mais sério e problemático do que nunca.

Cheguei ao aquartelamento do Xime dois dias após a saída de Lisboa, ou seja em 29NOV1972, 4.ª feira, por volta das 17.00 horas. Mas, como tinha feito a totalidade da viagem ao sol [Geba], pois a embarcação civil navegava a céu aberto, logo sem sombras, essa noite foi passada num estado febril em crescendo. Antes, porém, tive a oportunidade de entregar ao ex-Alf. Maurício Viegas, o bolo de aniversário que me tinham pedido para lhe trazer. O dia seguinte foi passado na cama, aguardando que as drogas produzidas no Laboratório Militar, prescritas pelo meu camarada mezinho, ex-Fur. Mil. Enfº. Carvalhido da Ponte, fizessem o seu efeito.

O dia seguinte, 01DEC1972, 6.ª feira, voltou a ser um dia diferente, com muitas emoções/tensões, em função de nova emboscada [a 2.ª] à Ponta Coli. Sobre este acontecimento ver P9802. 


Foto 9. Xime (1998) – Estrada Bambadinca-Xime. O espaço à esquerda da imagem era designado por “Ponta Coli”, local onde ocorreram as duas emboscadas perpetradas pelo PAIGC ao efectivo da CART 3494 [4.º GComb], em 22ABR1972 e 01DEC1972, com baixas de ambos os lados.

[foto do camarada ex-Alf. Mil Acácio Correia, datada de 1998, e obtida durante uma visita realizada por um grupo de ex-combatentes da Companhia à Guiné-Bissau, com a devida vénia]. 

Concluída esta pequena narrativa histórica, despeço-me com amizade, prometendo voltar logo que possível com outras memórias da nossa passagem pelo CTIG. 

Fontes do ponto 2:
http://www.chlo.min-saude.pt/Hospital/Historia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Karolinska 

Com um forte abraço e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15216: O nosso querido mês de férias (18): Viagem Bissau-Lisboa-Porto-Lisboa-Bissau paga a prestações porque o patacão não transbordava das algibeiras (António Tavares)

1. Ainda a propósito das nossa férias, recebemos esta mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 4 de Outubro de 2015:

Camarigos,

Ao ler o P15178, do tema “O nosso querido mês de férias”, recordo:

- Em 03Agosto1971 paguei, na Agência Correia, Bissau, CTIGuiné, o total de 6 430$80 pela viagem: BISSAU - LISBOA - PORTO - LISBOA - BISSAU.
- Voei na TAP e tive direito a um Saco de Pernoita, que ainda possuo.
- Viajei na modalidade: VIAJE AGORA PAGUE DEPOIS.
- Em três prestações paguei a importância total, que não ganhava, como explico: 4.430$80 em 03-08-71; 500$00 em 22-09-71 e finalmente 1.500$00 em 21-10-1971.

Se repararem na cópia do bilhete consta uma taxa de 110$80. O ZÉ pagante teve sempre Taxas e Selos à perna. O pagamento foi em Pesos.
- O Escudo era trocado com uma agiotagem de 10%.
- A viagem foi no dia 04 de Agosto de 1971 e regressei no dia 07 de Setembro de 1971.


Os camaradas mais atentos verificarão que acabei de pagar a totalidade das prestações depois da minha chegada de regresso ao CTIGuiné. Porque o “patacão” não transbordava das algibeiras tinha de aproveitar todas as facilidades de pagamento autorizadas.

Com um abraço,
António Tavares
Foz do Douro,
Domingo 04 de Outubro de 2015
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 Nota do editor

 Último poste da série de 7 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)


O João Sacôto, em 1965, vinha de Catió para fazer férias de verão na metrópole. Embarcou em Bissau num Super Constellation L1049. Muito longe de imaginar que, em 1970, viria a pertencer aos quadros da TAP como Piloto de Linha Aérea.

Fotos: © João Sacôto (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de ontem do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes [, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66): comandante da TAP, reformado]

Assunto - O meu querido mês de férias

Vim de férias à Metropole uma vez, no verão de 1965. Coincidiu com uma carga de paludismo intensa, mas, com tudo já planeado há meses, e a ansiedade de umas férias com a família (meus pais, mulher e filha com 3 anos) não quis alterar nada. 

Embarquei em Bissau num Super Constellation L1049 da TAP.

Nessa altura estava bem longe de imaginar que, mais tarde, em 1970, viria a pertencer aos quadros da empresa com a profissão de Piloto de Linha Aérea. Já não voei o Super Constellation L1049 mas antes o saudoso Caravelle da Sud Aviation, o Boeing 707, o Lokeed Treestar, o Boeing 737 e finalmente o Airbus 310.

Durante a viagem para Lisboa ia causando, involuntariamente, um incêndio a bordo. Após a refeição e, como na altura fumava viciadamente e era permitido fumar a bordo, ainda antes de me tirarem da frente o tabuleiro da refeição, que, na altura era encaixado nos braços da cadeira, acendi o meu cigarro que devido ao meu estado palúdico, me soube tão mal, que logo o quis apagar. O facto de o cinzeiro se encontrar implantado no braço da cadeira, portanto de difícil acesso devido à colocação do tabuleiro da refeição e provavelmente, também aos meus tremores, a beata acabou por se introduzir entre o braço da cadeira e a antepara do avião.

Apesar dos meus esforços para o recuperar, isso não me foi possível e a solução foi chamar uma hospedeira, mais tarde designada por assistente de bordo, que, munida de uma cafeteira, despejou alguma água no sítio para onde tinha caído a ponta do cigarro. 

Chegado a Lisboa, matei as saudades e curei o paludismo assim como uma anemia que se associou ao meu estado de saúde. Passado um mês, acabaram as férias e regressei à Guiné e à minha unidade em Catió a CCaç 617.

Sobre a TAP e sua História, posso acrescentar que em 1974 e, após a nacionalização, a Companhia entrou numa recessão, que durou cerca de dez anos.

Foram vendidos à PIA (Pakistan International Airway) os 3 Boeing 747 e o pessoal deixou de receber os tão apreciados dividendos no fim de cada ano (foram, para não mais voltar).
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Nota do editor:

Último poste da série 6 de outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15209: O nosso querido mês de férias (16): Férias em Bissau para tirar a carta de condução de pesados (Abel Santos)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Guiné 63/73 - P15209: O nosso querido mês de férias (16): Férias em Bissau para tirar a carta de condução de pesados (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 3 de Outubro de 2015:

Camaradas,
Aí vai o meu contributo para a temática férias durante o serviço militar.

Eu também gozei férias, mas na Guiné, duas vezes, já que os meus pais naquela altura não tinham posses para que o seu filho viajasse para a Metrópole e vice-versa, para usufruir de um merecido descanso.

As primeiras foram gozadas no mês de Março de 1968, a primeira semana em Nova Lamego, que me deu a oportunidade de apreciar a azáfama dos meus camaradas do Batalhão ao qual a minha companhia estava adstrita, vendo entrar e sair viaturas em constante movimento, pessoas se cruzavam na sua luta diária pela sobrevivência e, que ainda não me tinha apercebido de tal facto.

Parti de Nova Lamego à boleia numa coluna militar rumo a Bambadinca, local onde embarquei numa LDG rumo a Bissau, destino dos meus restantes dias de férias, que aproveitei ao máximo.

Aquando da minha apresentação no quartel dos Adidos, aconteceu um caso caricato, o oficial de dia ainda sem ler a documentação de que era portador, escalou-me logo para fazer serviço, tendo eu, perante tal situação, chamado atenção do senhor Alferes para o facto de eu estar ali em gozo de férias e não para qualquer atividade militar. Lendo então os documentos que lhe apresentei e, eis a exclamação do homem: ainda sou periquito - o que há socapa deu para rir.


Nesta foto, Abel Santos à esquerda

A segunda vez que gozei férias na Guiné, (a 1742 já se encontrava em Buruntuma) juntei o útil ao agradável, mas desta vez fiquei hospedado numa residencial junto das instalações da PIDE, foi entre Janeiro e Fevereiro de 1969. Viajei para Bissau num avião Dakota ido de Nova Lamego, no qual apanhei alguns sustos, principalmente quando sobrevoávamos a zona de Farim, devido aos poços de ar, ainda hoje me recordo dos estalidos na carlinga, que mais parecia parafusos a partirem-se, foi a primeira vez que voei e fiquei a gostar, já que no dia do meu batismo de voo o medo inicial logo se dissipou.

Férias propriamente não gozei, a minha missão era outra, tirar a carta de condução de pesados profissional, que obtive com distinção. Fui instruendo na Escola de Condução S. Cristóvão que ficava junto ao estádio de futebol. Fiz exame no dia 07 de Fevereiro de 1969 e durante o exame de mecânica fui massacrado, pelo engenheiro examinador, com perguntas sobre o tema. E porquê? Porque um cavalheiro de cor, que estava perfilado antes de mim, a poucas ou nenhumas perguntas respondeu acertadamente. Tive de responder por ele e por mim, mas lá consegui o que pretendia.

Foi um dia especial para mim, que hoje recordo com satisfação e orgulho, pois éramos 12 instruendos e só 3 passámos em todas as provas.

A tarde foi passada com grande euforia por todos nós, juntamente com o instrutor, e com a tal bazuca (cerveja) presente, acompanhando o marisco e não só.

E assim passei os meus dias de férias a que tive direito.
Para todos os camaradas da tabanca e não só, aquele abraço.

Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Outubro de 2015 > Guiné 63/73 - P15205: O nosso querido mês de férias (15): em agosto de 1971, entre a praia da Nazaré e as tertúlias de Vila Franca de Xira... enquanto em Lisboa, tudo na mesma, isto é, a vida corria... (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P15207: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (23): De 27 de Outubro a 12 de Novembro de 1973

1. Em mensagem do dia 3 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 23.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

23 - De 27 de Outubro a 12 de Novembro de 1973

Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

(...)

OUT73/27Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia na estrada A. FORMOSA-BUBA, frente de A. FORMOSA. [Sublinhados meus]

- Efectuou-se uma coluna a BUBA e outra ao R. CORUBAL para trazer população com vista ao acto eleitoral do dia 28 e festas do RAMADAN.

OUT73/28 – Processou-se o acto eleitoral e iniciaram-se as festas do RAMADAN, que trouxeram a A. FORMOSA muita população de BUBA, NHALA e SALTINHO.

OUT73/29 – Pelas 1800 horas apresentaram-se em A. FORMOSA 3 elementos de população, naturais da REP GUINÉ, um homem, uma rapariga e um rapaz. - Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transportar de regresso as populações que se deslocaram a A. FORMOSA.

OUT73/30 – Esteve em A. FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1, regressou a BISSAU mesmo dia. - Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia da estrada A. FORMOSA-BUBA, frente de BUBA.

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Das minhas memórias:

Novembro de 1973: as primeiras férias

As férias de quem está na guerra não são como as outras. Pode descansar-se o corpo, repor-se o sono, disciplinar o metabolismo e, mais importante, encher a alma com as atenções daqueles que mais amamos. Mas, no fim, o doloroso regresso ensombra todas as coisas boas recém-adquiridas. Pelo menos no meu caso foi assim. Se a minha guerra tivesse sido a do Vietname, que não sendo pior nem melhor que a minha, pelo menos dava a benesse aos soldados de, com alguma regularidade, irem a Saigão desanuviar nas bebedeiras e na pele macia das vietnamitas. Com esse desanuviar eu poupar-me-ia a um doloroso regresso não fazendo estas férias. Mas quase nove meses de saudades, no caldo das agruras e do isolamento no mato, foram mais fortes que a razão. Melhor fora que tivesse ido até Bolama, por exemplo. Mas não fui. Por isso, ao princípio, senti a euforia e a impaciência dos preparativos como qualquer outro. Era a excitação de uma pessoa normal.

Quando levantei voo de Buba com destino a Bissau, essa excitação teve um pico alto, associada a uma sensação de libertação de efeitos quase sedativos. Mas o arrastar dos dias em Bissau até ao embarque, quatro dias, quase mataram a minha excitação e, quando embarquei, foi sem grande entusiasmo e com muitas dúvidas de que estava a fazer as coisas certas. Fora demasiado tempo para reflectir. Fora demasiado tempo a deambular naquela cidade estranha e egocêntrica que, ora se agita com efervescência, ora se arrasta com sonolência; onde até as crianças vivem de expedientes, esquecidas no último escalão da sociedade; onde a vasta tropa em trânsito extravasa tensões acumuladas e maluqueiras que já eram deles, num sentimento de quase impunidade, (nisso era parecida com Saigão); onde são reis e senhores os grandes comerciantes, os funcionários e os militares residentes. Não que tivesse razões de queixa destas gentes, mas fizeram-me sentir deslocado no seu seio. Se isto que digo não era bem assim, não deve andar longe da realidade mas, quatro dias em Bissau, excessivos para mim, talvez não fossem suficientes para ver mais fundo, concedo, mas foram excessivos – dolorosamente excessivos, para a minha resiliência. Como grata lembrança ficaram-me as ostras e a cerveja, mais as fragrâncias da avenida à noite, dissolvidas no ar morno dos trópicos, quando, solitário e finalmente em sossego, por aí descia até ao cais. Ainda sinto nostalgia.

Recuando um pouco no tempo para datar a partida: Nhala, 2 de Novembro de 1973 (sexta-feira), em carta para a Metrópole, “(...) daqui a cinco dias sigo para Buba onde tomarei uma avioneta que fretei com os camaradas de lá que também vão de férias. De Bissau devo partir, como já disse, no dia 13”.

Afinal, partiria de Buba às 9 horas do dia 9 de Novembro (sexta-feira). De Bissau, como previsto, parti ao fim da tarde do dia 13 (terça-feira). Não recordo detalhes do embarque, tão pouco da viagem mas, a chegada ficou gravada para sempre. Pouco antes, ouviu-se a mensagem que a todos deixou em polvorosa: “Atenção senhores passageiros: acabamos de passar a costa algarvia. Agradecemos que apaguem os vossos cigarros [!!!] e apertem os cintos. Dentro de momentos aterraremos no Aeroporto Internacional de Lisboa. A temperatura neste momento em Lisboa é de 9 graus. Obrigado.”

E depois surge o Tejo e a cidade espraiada junto dele, melancólica, sonolenta e escura, apesar dos milhares de pontinhos luminosos que se distinguiam lá de cima. Lisboa, finalmente, passados quase 9 meses. Lisboa, tantas vezes cantada no mato por tantos que nem sequer a conheciam, mas que a cantavam como o objecto da saudade da Mãe Pátria, “Cheira bem, cheira a Lisboa...”. Era quase meia-noite.

Não guardo grandes memórias destas férias de Inverno, tirando uma ida à Serra da Estrela com a namorada e família, para meu desconsolo, porque não gosto de neve nem de frio. De resto, visitas a familiares e alguns amigos, sempre com o desconforto das conversas “como é que está a guerra lá Guiné?”, mas logo patenteando um desinteresse enfadado, ou arrependimento da pergunta, mal começava a resposta... Dos amigos, alguns preferia nem ver, devido a lembranças do primeiro embarque, (Lisboa, 16-03-1973), coisas assim do género: “Vens despedir-te para ir para aquela guerra? Tu? Não acredito! E o que é isso aí nos ombros? Oficial? Ainda por cima vais como oficial? Não te estou a reconhecer, Murta! Pois não, não estás a reconhecer-me, porque se eu tivesse um papá rico como o teu, também estaria aqui no conforto de Lisboa na faculdade e, quando ela acabasse, punha-me nas putas para Paris, Berna, Londres ou o caraças, era só dizer ao papá para onde queria ir e ele punha-me lá de malas, bagagem e com a coerência impoluta, estás a perceber? Porque a coerência não está ao alcance de todos, tal como o popó, a faculdade e o fato de marca, estás a perceber, revolucionário de merda?”

Com a aproximação da data do regresso, a ansiedade foi-se avolumando, os semblantes ensombrando, à frente da minha mãe fingia que estava tudo bem comigo, fingia que não percebia a angústia dela. Mas, ambos sabíamos, irmos reabrir uma ferida que nunca fechara completamente. A favor, só o facto de eu ter regressado a casa como prometera. — Eu não te dizia, mãe, que não me aconteceria nada e que regressaria rijo como um pêro? — tentava eu animá-la, e fazendo-lhe crer que desta vez iria ser da mesma maneira. Sonhasse ela que por mais de uma vez podia ter ficado impedido de cumprir a promessa...

A despedida de Lisboa foi péssima. Noite de muita chuva, grande confusão no aeroporto e mau serviço, subida a um céu carregado de água e ventania. Logo após a passagem do Tejo, sentimos uma sacudidela que deixou todos estarrecidos e o pior estava para vir. Com insistentes apelos a que não se desapertassem os cintos, voámos aos safanões quase até ao Algarve, as asas do avião vibrando como se fossem papel de alumínio. Os deuses estavam contra nós mas, aos poucos, entrámos no limbo e quase todos adormecemos.

Já disse noutra ocasião, e não é novidade para ninguém porque a maioria dos que vieram de férias passaram pela mesma experiência: o difícil deste regresso era sabermos, com realismo, ao que íamos. A fantasia de conhecer África com as suas idílicas paisagens mais as suas gentes e os bichos tão diferentes e variados, enfim, nada disso fazia já parte do nosso imaginário no regresso de férias. O nosso pensamento estava na guerra. Todavia, todo o encanto africano se mantinha lá mesmo antes de virmos de férias, mas poucos ainda o viam.

Daí que, ainda no ar, ao sobrevoar o arquipélago de Cabo Verde e, ao sentir de novo a pele a humedecer-se (dentro do avião, sim) e o rosto a ficar como que gorduroso, pensasse que me ia afundar na angústia. Era aquele clima de novo e a guerra outra vez. Pior, só quando se abriu a porta do avião, já em chão da Guiné, e senti aquele bafo quente e húmido bater-me na cara. Senti-me fragilizado e sem ânimo, quase em estado de choque. A hospedeira arredou-se e eu desci as escadas como um autómato. E assim deambulei dois dias por Bissau até ao regresso a Nhala. A agravar tudo, as notícias a circular em Bissau eram as mais desanimadoras: perspectivas de endurecimento da luta do PAIGC; a cidade de Bissau ia ser atacada no Natal por aviões que o PAIGC já possui... Passei pelo QG, pela messe de oficiais, pelo Pelicano e outras repartições, sempre sem ânimo e, quase sempre, incomodado com o ânimo dos outros, os seus excessos e bebedeiras (detesto bêbados!). Não procurei companhias e só por acaso elas se chegaram, à roda de uma ou outra mesa, bem guarnecida de ostras e muita cerveja.

Certa vez, na esplanada da 5.ª REP, reconheci um ex-camarada de Mafra integrado num grupo muito agitado. Levantei-me e fui cumprimentá-lo, indagando da zona em que estava e de como era por lá. Sem grandes atenções, mais concentrado nas parvoeiras dos outros, foi-me dizendo que estava no leste e que, pior que aquilo, só o Inferno. Estava por tudo e estava-se cagando em tudo, dizia ele, já sem sequer estar a falar para mim. Virei-lhe as costas e fui-me sentar na minha mesa. Num instante, sem perceber como, ouço impropérios, cadeiras pelo ar e viro-me para o grupo que, feroz, parecia disposto a não deixar pedra sobre pedra. Levantei-me e berrei para o que estava mais próximo: — Não tarda, têm aí a PM em cima de vocês! — Que se f... a PM! Muita sorte era levarem-nos a todos presos! — Saí dali rapidamente, não me querendo misturar em embrulhadas. E, se conto isto, é só para se ter uma ideia do estado de espírito daquela onda de tropas que estava sempre em trânsito por Bissau. Em finais de 1973.

Embarco finalmente num Nord Atlas, com destino a Aldeia Formosa e já com ânsias de chegar a “casa”, farto de dois dias de Bissau. Para meu espanto, o aparelho, ronceiro e a gingar, levantou de Bissalanca em espiral até ganhar altitude como se estivesse no mato... Foi também em espiral que desceu em A. Formosa, mas isso já era assim há muito tempo. Estávamos a 21 de Dezembro de 1973 (sexta-feira). No dia seguinte saí cedo para Nhala e recordo que me senti bem ao chegar, farto de férias e de boémia forçada.

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Na minha ausência de Nhala, muitas coisas ocorreram no Sector, de que darei conta mais à frente em “postes” posteriores, extraindo resumos da História da Unidade, de onde sobressai o grande avanço na construção da estrada nova. Na tabanca de Nhala houve um incêndio que podia ter tido consequências maiores, não fora a intervenção dos militares da minha Companhia, dirigidos pelo Capitão Braga da Cruz, na ajuda à população. Com oportunidade, e para memória, alguém fotografou o sinistro, e é da série de fotografias que então adquiri, que faço agora uma selecção para partilhar. Não carecem de legenda.













Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

NOV73/06 – Forças da CCAV 8351, detectaram a base de fogos utilizada pelo IN na última flagelação ao DEST CUMBIJÃ em GUILEGE 3 E 2-54. Assinalado o local de instalação do CAN S/R 82 e 12 ninhos de atiradores. (...).

NOV73/09 – A 3ª CCAÇ/4516 por determinação superior, é rendida no Sector pela CCAV 8350, deslocando-se para BUBA a fim de posteriormente seguir para BISSAU. A CCAV 8350 fica sedeada em COLIBUIA.

- Forças da CCAV 8351 procedem à implantação de um campo de minas na região da base de fogos IN detectada. (...).

NOV73/11 – As forças do Sector além da protecção aos trabalhos de Engenharia, continuam a executar em permanência patrulhamentos para a região de fronteira e contra-penetrações nos corredores tradicionais.

NOV73/12 – Realizou-se mais uma coluna de reabastecimento a BUBA, para transporte de material de Engenharia e víveres. Esteve em A. FORMOSA uma equipe da RTP a efectuar gravações para mensagens de NATAL.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15174: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (22): De 09 a 23 de Outubro de 1973