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quinta-feira, 13 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

Guiné-Bissau > Bissau > Palace Hotel > Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau > 4 de Março de 2008 > Painel 1 (Guiledje e a Guerra Colonial / Guerra de Libertação) > Intervenção de Pedro Lauret, dirigida à mesa, e mais concretamente a Manuel dos Santos, ou Manecas, antigo comandante militar do PAIGC, que fez um comunicação sobre Amílcar Cabral e a componente militar do PAIGC: achegas para a compreensão dos meandros estratégicos e tácticos da guerra de libertação nacional.

Vídeo: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Pedro Lauret foi o único represente da Marinha no simpósio, pelo lado dos ex-combatentes portugueses. Como orador, fez uma comunicação, no dia 5 de Março, no âmbito do painel 2 (Guerra colonial / luta de libertação nacional: problematização conceptual, contextualização histórica e importância historiográfica), subordinada ao título A Marinha no Teatro de Operações da Guiné: Guiledje e Gadamael, Maio-Junho de 1973, o papel da Marinha (1).
Sinopse da comunicação:

A Guiné, atravessada por uma multiplicidade de rios e braços de mar, com uma rede viária escassa será um Teatro de Operações privilegiado para a actuação da Marinha. Mais de 80% de todo o reabastecimento será efectuado por via fluvial. A evolução dos meios navais, as missões as potencialidades e as dificuldades, encontradas no teatro de operações. A missão hidrográfica, os levantamentos e as cartas hidrográficas, a balizagem e a farolagem. Os fuzileiros navais. A partir de Maio de 1973 com as dificuldades sentidas pela Força Aérea, a Marinha irá ser chamada a um maior esforço apesar das grandes dificuldades em meios. A Marinha e o Inferno dos 3 G’s – Guiné, Maio-Junho 1973.

Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem fez a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL).

Foto: © Pedro Lauret (2006) . Todos os direitos reservados.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > Os tugas de volta a Cacine, outrora um importante baluarte no sistema de defesa do Rio Cacine contra as infiltrações e ataques do PAIGC. Foi sede do Destacamento de Fuzileiros Especiais 22. Hoje, é uma terra com ar desolado e decadente. Partimos de Cananima, do outro lado do rio, num barco de pesca, depois de um belíssimo almoço onde não faltou o saboroso e fresquíssimo peixe local. Embarcados, éramos um grupo de 30 participantes do Simpósio. O nosso capitão de mar-e-guerra ficou em terra a planear as eventuais operações de socorros a náufragos. Na foto, o regresso ao barco, depois de uma duas horas em Cacine: em primeiro palno, o jornalista do Correia da Manhã, correspondente em Guileje, José Marques Lopes, seguido da Júlia, esposa do Coronel Nuno Rubim, e da Diana Andringa...

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Pedro Manuel Cunha Lauret Saldanha e Albuquerque - CV abreviado:

(i) É capitão-de-mar-e-guerra na situação de reforma.

(ii) Nasceu em Lisboa, a 23 de Janeiro de 1949.

(iii) Efectuou os estudos secundários no Liceu Camões (1960/67), em Lisboa, onde foi dirigente da Acção Católica (JEC), participando em movimentações estudantis.

(iv) Entrou para a Escola Naval em 1967, tendo terminado o curso de Marinha em 1971.

(v) Foi um dos fundadores, em 1970, de uma organização política clandestina de Oficiais da Armada.

(vi) Em Setembro de 1971 iniciou uma comissão na Guiné, como oficial imediato da Lancha de Fiscalização Orion, exercendo uma intensa actividade operacional até Agosto de 1973; participou no início das operações conhecidas pelo cerco a Guidaje em Maio de 1973, e nesse mesmo mês e seguinte nos acontecimentos de Guileje e Gadamael.

(vii) Em Outubro de 1973, já no continente, efectuou os primeiros contactos com o Movimento dos Capitães, por designação de um grupo de oficiais da Armada.

(viii) Fez parte da comissão que redigiu o Programa do Movimento das Forças Armadas, e outros importantes documentos – em conjunto com Vítor Alves, Melo Antunes, Franco Charais, Vítor Crespo, Almada Contreiras.

(ix) Após o 25 de Abril integrou o gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional.

(x) Faz parte da Comissão Coordenadora do MFA Armada, da Assembleia do MFA Armada e Assembleia do MFA Nacional.

(xi) Em 1976, especializou-se em sistemas de armas, embarcando em 1977 como chefe de serviço de Artilharia na fragata Comandante Roberto Ivens, participando em numerosos exercícios nacionais e no âmbito NATO.

(xii) Desembarcou em 1979 vindo a desempenhar funções técnicas no Gabinete de Estudos da Direcção Geral do Material Naval onde foi nomeado para a frequência de numerosos cursos no âmbito da electrónica, sistemas digitais e informática.

(xiii) Em 1981 concluiu uma pós graduação em Estratégia e Organização, no Instituto Superior Naval de Guerra.

(xiv) Em 1983, em comissão civil, exerceu as funções de engenheiro no Grupo de Oficinas de Armamento e Electrónica do Arsenal do Alfeite, acumulando com Chefe de Serviço de Informática do Arsenal.

(xv) Em 1986 passou à reserva e depois à reforma, iniciando actividade empresarial no âmbito
da engenharia e consultoria informática.

(xvi) Foi Membro fundador da Associação 25 de Abril, integrando actualmente a sua Direcção.

(xvii) Coordenou a equipa que produziu o site da Associação 25 de Abril e dirige, actualmente, no mesmo âmbito, um site sobre a Guerra Colonial.

(xviii) Dirige um projecto de investigação histórica designado Marinha: do fim da segunda Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974, que conta com o apoio do Chefe do Estado Maior da Armada.

(xix) Foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Fonte: Site oficial do Simpósio Internacional de Guiledje > Oradores > Pedro Lauret

___________


Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta nova série, Fórum Guileje:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

(2) Postes do nosso amigo e camarada Pedro Lauret:

1 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1590: O sacrifício dos oficiais do quadro permanente (Pedro Lauret)

18 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1767: Spínola e Senghor encontram-se na região de Casamance em 1972 (Pedro Lauret)

27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2222: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (4): Aspectos positivos e negativos (Pedro Lauret)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2578: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (22): Uma iniciativa que remonta a 2006 (Luís Graça / AD)

Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 3 de Fevereiro de 2008 > O Professor, belga, Hubert Lelotte "continua, com a sua competência e entusiasmo, a formar os primeiros guias ecoturisticos de Cantanhez, após vários anos de colaboração na criação das Escolas de Verificação Ambiental no país"... Na foto, um grupo de jovens "guias prepara-se para identificar um itinerário turístico, recolhendo todas as informações de carácter ambiental, fluvial e logístico, que irão permitir aos nacionais e estrangeiros que demandam esta zona sul, poder escolher o que pretendem conhecer e visitar".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)


1. Excertos do Relatório de Actividade da AD - Ano de 2006, de 37 pp.

Caros Amigos,


O elevado espírito de equipa e dinâmica de trabalho dos seus quadros e técnicos e, fundamentalmente, dos nossos parceiros comunitários, permitiu à AD demonstrar ao longo dos últimos 14 anos que é possível combater a pobreza, preservar a natureza e criar dinâmicas de progresso e desenvolvimento.

Estamos igualmente muito reconhecidos aos nossos parceiros do Norte e numerosas pessoas singulares anónimas que se solidarizam e apoiam iniciativas das comunidades rurais e urbanas da Guiné-Bissau e que, graças à sua dedicação e interesse tornaram possível a implementação de diversas acções de desenvolvimento com resultados muito positivos.

Se é verdade que muita coisa foi feita, porém, ainda muito mais está por fazer...Caros Amigos, a nossa ONG olha para futuro com optimismo. Como a “amizade é o único combustível que aumenta à medida que é utilizado”, aceitem o nosso abraço amigo.


Roberto Quessangue, Presidente da Assembleia-Geral


Sítio da AD - Acção para o Desenvolvimento > Boas vindas

O Simpósio Internacional de Guiledje no Plano de Actividades da AD - 2006 (pp. 11-12) (*)

Fixação do texto, subtítulos e negritos de L.G.


(1) A organização do Simpósio, em colaboração com o INEP e a UCB, mobiliza, em 2006, os sócios e os colaboradores da AD


Em 2006, a AD abalançou-se à realização do Simpósio Internacional de Guiledje, acontecimento de vulto e que irá exigir a mobilização de todos os sócios da nossa ONG. Decidido no início de 2006 para ser realizado de 1 a 7 de Março de 2008, a AD convidou a Universidade Colinas de Boé (UCB) e o INEP [- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa] para se associarem à sua organização.

Tendo em conta as características deste evento, considerou-se que o INEP enquanto instituição vocacionada para a pesquisa histórica e a UCB enquanto instituição académica dinâmica, associadas à AD que vem trabalhando na zona de Guiledje há mais de 15 anos, fariam o pleno para uma abordagem diversificada e multi-facetada do que representou e representará Guiledje na História e Desenvolvimento da Guiné-Bissau.

(ii) A abordagem histórica na perspectiva do desenvolvimento integrado e sustentável

O Simpósio apresenta-se como um dos pontos importantes da chamada Iniciativa de Guiledje, enquanto abordagem histórica na perspectiva de um desenvolvimento sustentável, salientando a importância de Guiledje no processo da luta de libertação nacional e uma vez que a rica herança histórica interpela constantemente a vida das populações da área, apontando para a necessidade de melhor conhecer o passado que comunica com o presente, mas também com o qual o presente dialoga, numa relação ambivalente de sentidos e significados que importa clarificar pela via do conhecimento da História reconciliada ou em vias de reconciliação consigo própria.

A AD deve assumir sem ambiguidades a sua responsabilidade perante um dos maiores desafios que se depara à Guiné-Bissau e que é o de preservar e reforçar a sua identidade enquanto Nação, consciente de que o conhecimento e a compreensão da sua História e, em especial, a da gesta de libertação nacional, é determinante para uma maior identificação colectiva à volta de valores comuns e para a procura e construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem.

(iii) Os quatro principais objectivos do Simpósio Internacional de Guiledje

O Simpósio Internacional sobre Guiledje persegue como objectivos:

(i) Associar à metodologia de participação comunitária uma nova perspectiva de abordagem baseada no estudo e promoção do ensino da história, por forma a que, nos esforços de desenvolvimento, sejam devidamente enquadradas e capitalizadas as heranças e valências culturais portadoras de dinâmicas de coesão que, por isso, se afiguram necessários conhecer, compreender e promover, tanto mais que é absolutamente indispensável um maior esforço na procura e identificação colectiva dos valores comuns tendentes à construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem;

(ii) A transmissão da História, atendendo sobretudo ao facto de as testemunhas vivas estarem já a desaparecer, promovendo a necessidade de levar as pessoas a compreender o que se passou antes por intermédio do registo e da preservação do património cultural, de molde a que a sua apropriação, sobretudo por parte da geração que a não viveu, se processe num contexto que facilite a passagem do testemunho a outro que se torna uma nova testemunha e seu porta-voz;

(iii) A salvaguarda e preservação do património histórico de Guiledje, procedendo à recolha, classificação e preservação de vestígios históricos, bem como do registo magnético ou iconográfico (fotos, filmes, etc.) dos protagonistas ainda vivos da História, com vista à constituição de um acervo documental em permanente actualização;

(iv) No contexto dos estudos das guerras de libertação, promover acções de parceria susceptíveis de propiciar oportunidades de pesquisa histórica sobre Guiledje, mormente, junto de investigadores nacionais e estrangeiros, visando uma maior divulgação da História de Guiledje e colocar a zona de Guiledje na agenda dos decisores em matéria de desenvolvimento económico e social.

(iv) A preparação do Simpósio em 2006

Em 2006 foi elaborado um plano detalhado de actividades de preparação do Simpósio, compreendendo acções a serem realizadas antes (recolha, tratamento e arquivo de material histórico, novas fontes de informação, produção de um logótipo, definição dos temas, identificação dos oradores e 12 participantes, elaboração do programa detalhado, identificação de presidentes de sessões, comité de redacção, canais de comunicação, responsáveis pela logística e procura de financiamento), durante (encontros com as populações, visitas a Guiledje, Gandembel, Gadamael e Iemberem, exposição de livros, fotografias, mapas, realização de espectáculos teatrais e musicais) e depois (Publicação das Actas do Simpósio, desenvolvimento do museu de Guiledje, acções de desenvolvimento económico e social na zona de Guiledje e implementação das recomendações do Simpósio).

Realizou-se a recolha de testemunhos em DVD de grande número de combatentes que participaram no Assalto Final, especialmente guineenses, tendo-se iniciado os contactos para a mesma recolha junto dos combatentes caboverdianos.

Prosseguiu-se a recolha junto de instituições portuguesas militares de fotografias e de importantes documentos, alguns deles ainda classificados, mas de grande importância para o conhecimento da verdade histórica, dispondo a AD de um grande espólio escrito e visual. Refira-se a título de exemplo a obtenção de um pequeno filme com a actuação do Duo Ouro Negro em Guiledje.

(v) Impacto interno e externo desta iniciativa~

Esta iniciativa despertou um grande interesse a nível de muitos intelectuais guineenses, caboverdianos e portugueses, bem como de antigos guerrilheiros, tropas portuguesas e académicos europeus.

Iniciou-se igualmente a sensibilização junto da Embaixada de Cuba, uma vez que a solidariedade combativa do povo cubano em termos de médicos, sapadores e conselheiros militares para a luta de libertação nacional foi importante, em particular para a batalha de Guiledje.

O aspecto mais atrasado do programa prende-se com a reabilitação dos escombros em que se encontra actualmente o Quartel de Guiledje, fruto da não remoção dos UXOS (lixo balístico) que ainda por lá existem, uma vez que as organizações especializadas não a consideram prioritária.

O maior sucesso foi o da construção de um furo de água, mesmo se com um débito fraco (500 litros por hora), e a instalação de um depósito elevado de água com capacidade para 4.000 litros, funcionando em regime de energia solar. (...)


Programa Integrado de Cubucaré (PIC) (pp. 20-27)


As acções mais importantes neste ano foram as seguintes:

a) Início do Programa de Ecoturismo

As potencialidades turísticas da zona de Cubucaré representam para a AD um dos produtos estratégicos em que se deve apostar para a dinamização do desenvolvimento da região.

A existência do futuro Parque Nacional de Cantanhez, com toda a sua diversidade faunística e florística, a riqueza cultural assente numa diversidade populacional com várias etnias minoritárias, com concepções diferentes do mundo, de manifestações diversas de canções, danças, folclore e rituais e a existência de vestígios de um passado histórico recente que faz desta zona o berço da nacionalidade, transforma-a num local de grande interesse para o turismo ecológico, científico, cultural e histórico.

Isto leva-nos a orientar a estratégia de implantação para um modelo de turismo que, não sendo naturalmente de massas, se baseie numa primeira fase nos cooperantes e funcionários de organismos internacionais sedeados na Guiné-Bissau e quadros técnicos nacionais desejosos de conhecer o “interior”, para se ir alargando gradualmente a um público europeu muito específico:

(i) portugueses que fizeram a guerra colonial nesta zona e que estão interessados em voltar a ver os locais onde passaram uma parte importante da sua juventude, trazendo consigo a família e colegas. O facto de nesta região se situarem quartéis míticos como Guiledje, Gandembel, Gadamael, Bedanda, Cacine, Cafine, Cadique e Cabedú, reforça a “oferta turística”

(ii) cidadãos com uma cultura ambientalista que vêm com a sua família porque gostam de fazer turismo em zonas calmas, bonitas, com pessoas acolhedoras, com uma diversidade de animais selvagens e de grandes árvores localizadas em matas fechadas e densas, que possam ter acesso directo a produtos ecológicos como o mel e medicamentos naturais, comprar artesanato
(esculturas nalús, cestaria e panos tradicionais) directamente àqueles que os produzem e passear calmamente sem que ninguém os incomode.

(iii) pessoas que vêm à procura de coisas novas e diferentes e que, estando dispostas a visitar Cantanhez , não conseguem estar uma semana inteira nesta zona, gostando de alternar o campo com a praia, exigindo por isso um programa que associe as ilhas dos Bijagós.

(iv) finalmente, pesquisadores e cientistas que poderão eventualmente vir a Cantanhez com a família, para associarem a parte lúdica e recreativa da estadia com a profissional de investigação e descoberta.

Uma das questões fundamentais, decididas desde o início, é a de que este programa de implementação do ecoturismo só tem razão de existência se for desenvolvido em cooperação com as comunidades locais, desenvolvendo as suas capacidades organizativas, valorizando os seus recursos humanos e traduzir-se na criação de novos postos de auto-emprego com a consequente
melhoria das suas condições financeiras, de vida e de acesso ao conhecimento e saúde.

Daí que a montagem deste programa comporte:

(i) a criação de um núcleo de 12 guias ecoturísticos constituído por jovens das diferentes matas do Cantanhez, os quais já tiveram a sua primeira formação em 2006, onde durante um mês aprenderam a conhecer melhor o meio ambiente, a saberem o que representa um guia em termos éticos, de comportamento com os turistas, de cuidados ambientais e de valorização e
respeito pela cultura e tradições locais.

(ii) o apoio ao ressurgimento de escultores de madeira que produzam peças de artesanato da etnia nalú, a qual está em vias de desaparecimento, como forma de promover uma arte de valor reconhecido e permitir aos jovens terem uma profissão e emprego, sendo que para isso 10 deles já receberam uma formação em dois módulos, totalizando dois meses e meio.



(iii) a identificação de percursos ecoturísticos, em função dos interesses dos diferentes grupos de turistas, tendo em 2006 sido registados dois itinerários, detalhados o tempo de duração, as situações a observar e os motivos de cada um deles. O estudo e identificação de 10 a 15 percursos, será uma aposta a breve prazo, pois dela dependerá a motivação dos turistas em
visitar Cantanhez.

(iv) a montagem de locais de acolhimento e alojamento, estrategicamente dispersos por pontos de interesse: Iemberem, sede do Parque, e ponto central; Guiledje para cobrir os corredores transfronteiriços e os quartéis da zona (Balana, Medjo e Gadamael); Cambeque, com vista para o rio Cacine. É um dos elementos mais delicados do programa pois requer logo à partida um elevado grau de gestão competente, de elevado nível e de garantia irrepreensível de higiene. O envolvimento da comunidade local far-se-á de forma lenta e gradual.

(v) apoio à criação de iniciativas de restauração, em locais de passagem, onde os turistas possam degustar-se com pratos de sabores tradicionais, confeccionados por mulheres especialistas. Em 2006 foram construídos 2 casas redondas para esse efeito, uma em Faro Sadjuma, com o prato chamariz à base de palha de batata-doce e mandioca e outro no porto de Canamine, à base de peixe. Sendo de exploração privada, este processo vai incentivar o aumento da produção de frutas, legumes, raízes e tubérculos e a captura de peixe por parte dos agricultores, jovens, mulheres e pescadores, todos beneficiando com o ecoturismo.

(vi) a identificação de outros locais de turismo nas zonas circunvizinhas, cuja inclusão nos percursos possa atrair mais turistas para Cantanhez. Estão neste caso incluídas visitas à Guiné-Conakry (Candjafra e Boké), à ilha de Melo na foz do rio Cumbidjan e à reserva da biosfera (Parques de João Vieira e Poilão). A maior distância, mas nem por isso menos importante, está o Parque de Dulombi, os rápidos do Saltinho e o macaréu em Xitole.

Todas estas acções que estão em curso, implicam a existência de outras medidas que ultrapassam a própria AD mas que são determinantes para o sucesso deste programa: a existência de uma estrutura privada de turismo através da qual os turistas possam fazer as suas marcações e reservas; um sistema de rent-car para o aluguer de veículos; a cobertura da zona por um operador de telemóvel.

A AD tem a plena consciência que a implantação de estruturas de apoio ao ecoturismo exclusivamente em Cantanhez, não irá assegurar por si só a viabilidade desta iniciativa. O ecoturismo tem de fazer parte de um plano nacional de turismo que ainda não existe, pelo que temos a convicção que esta é a contribuição da nossa ONG para o referido plano


b) Criação do Parque Nacional de Cantanhez

Não sendo ainda legalmente um Parque Nacional, Cantanhez tem beneficiado da acção conjunta da AD com a UICN e o IBAP, na procura de uma forma de gestão que tenha em conta os 15 anos de actuação da nossa ONG nesta zona e das estruturas e mecanismos de decisão que já existem e funcionam.

A AD considera que o ambiente e uma boa prática de gestão dos recursos florestais e marinhos são elementos naturais na procura do desenvolvimento social e económico das comunidades locais, não devendo nem ser penalizado, nem sobrevalorizado a ponto de castigar aqueles que lá vivem.

Daí que tenha apoiado a criação de 4 Comités de Gestão do Território do Regulado , um para cada regulado (Cabedú, Medjo, Iemberem e Cadique) representando um espaço de concertação, troca de informações e tomada de decisões sobre a conservação, preservação, valorização, gestão e desenvolvimento sustentável da zona.

Cada Comité é composto pelos representantes activos das instituições tradicionais, da sociedade civil e estatal que fazem parte do território concernente, nomeadamente, o Régulo e seus conselheiros, os notáveis dessa zona, chefes de tabanca, guardas florestais comunitários, guias ecoturísticos, representantes das associações de base mais activas e dinâmicas, das ONG
intervindo na zona, do Administrador do sector, dos representantes dos serviços técnicos das Florestas e do IBAP.

Compete-lhes promover o desenvolvimento integrado do território do regulado, nas suas vertentes económica, social e cultural, identificar os principais estrangulamentos, as prioridades programáticas, os produtos estratégicos e as acções a incrementar, tomar medidas de preservação, conservação, valorização e de gestão, apoiar o trabalho dos guardas florestais comunitários, guias ecoturísticos e guardas florestais, definir medidas de controlo e punição contra os infractores, promover acções de sensibilização e vigilância ambiental, zelar pela boa utilização e ocupação dos solos, criar em conjunto com os outros Comités de Regulado o Fundo de Desenvolvimento de Cantanhez e participar na sua gestão.

Foi criado um núcleo de Guardas Florestais Comunitários que trabalham em nregime de voluntariado, sob a tutela de poderes tradicionais (régulo e chefes de tabanca) com o objectivo de assegurar a implementação de todas as medidas de preservação, conservação, valorização e gestão sustentável do território. Compete-lhes fiscalizar o cumprimento de todas as medidas tomadas nas reuniões do Comité de Gestão do Território do Regulado, levantar autos das infracções, adoptar medidas cautelares e de polícia para assegurar os meios de prova, informar o régulo e o Guarda Florestal da DGFC e exercer funções de sensibilização e vigilância no território comunitário.

Em relação aos Guias Ecoturísticos é da sua atribuição relatar experiências vividas em relação à fauna selvagem e plantas medicinais; cooperar com as autoridades informando acerca das actividades ilegais que testemunhe; assegurar-se que os turistas estão conscientes de todas as regras e regulamentos estipulados; fazer o monitoramento do impacte da erosão do solo, diminuição da natalidade de uma espécie particular de pássaros, etc.; melhorar a comunicação entre a administração local e a população para evitar mal-entendidos.

A criação destas estruturas e orgãos é o resultado de um longo processo de procura das melhores soluções para as dinâmicas em curso, recusando sempre conceber uma estrutura para depois encaixar a realidade lá dentro. É um processo lento, cheio de contradições entre os diferentes actores (régulos, guardas, guias, ONG, estruturas estatais), de negociações através de aproximações sucessivas. Todos os regulamentos produzidos resultam de uma procura de resposta aos problemas encontrados no terreno e não de propostas aparentemente muito correctas mas que, de tão generalistas, tanto servirem para Cantanhez como para o Suriname.

Por isso todos os actores envolvidos (IBAP, UICN e AD) devem procurar avançar lentamente, procurando a pouco e pouco uma solução original, evitando que a criação do Parque de Cantanhez se torne um pesadelo e destrua tantos anos de trabalho e dedicação.

A maior ameaça neste momento advém, por um lado da instalação incontrolada de agricultores de países vizinhos que se estão a instalar em grande número junto à linha da fronteira, em plenos corredores de animais selvagens, desmatando completamente zonas que ficam irreconhecíveis; por outro, o papel de certos guardas florestais da DGFC promotores e actores directos de autênticos saques de cibes, muitos deles em plenos corredores de
elefantes.

Trata-se de uma situação demasiadamente grave para não se tomarem medidas urgentes e definitivas, punindo os prevaricadores, instalando um grupo de guardas florestais sérios e competentes com meios apropriados e regulamentando de forma rigorosa o funcionamento dos corredores de animais selvagens.

Outro aspecto que merece uma reflexão profunda é o da realização de estudos de carácter científico, tanto os relacionados com a flora como com a fauna, ocorrendo por vezes situações em que o rigor científico parece dar lugar à procura, a todo o transe, da demonstração de teses predefinidas à partida, traduzidas em perigosas generalizações quando, a partir de amostras de 14% se tiram conclusões apressadas.

Há bons exemplos como os da equipa Catarino-Cassamá que poderão servir de referência para a futura definição dos termos de trabalho das missões de carácter científico.


c) Diversificação Frutícola


Depois de anos a fio a apostar na diversificação frutícola, os resultados parecem demonstrar a pertinência de a considerar como um produto estratégico para o desenvolvimento desta zona sul do país.« Inicialmente dominada em regime de quase exclusividade pela banana, plantada frequentemente em solos ferruginosos com fraca capacidade de retenção da água e com rendimentos muito baixos e atacada por doenças resultantes do stress hídrico, esta espécie foi gradualmente dando lugar à produção da manga melhorada sem fibra, à citricultura assente nas laranjas e limas, para mais recentemente se assistir a um incremento do ananás, abacate
e toranja
.

Num levantamento efectuado em 2006, registaram-se 73 fruticultores em 10 tabancas. Assiste-se agora à emergência de um pequeno grupo de fruticultores modernos que se dedica em regime de quase exclusividade à fruticultura, contrariamente à maioria que durante a época das chuvas cultiva produtos alimentares, para na época seca se dedicar mais à produção de fruta. Este grupo de vanguarda, distingue-se dos restantes pequenos agricultores pelas técnicas culturais que pratica, como um melhor ordenamento do pomar (espaçamento e alinhamento), uma escolha mais criteriosa dos solos para cada espécie (mangueiras no cimo das encostas e citrinos nas zonas em que o lençol freático não se encontra profundo), a utilização de cultivares melhoradas a partir de viveiros sanitariamente sãos e maiores superfícies dos pomares.

O sucesso financeiro que este grupo está a obter tem encorajado mais pequenos fruticultores a seguir-lhes o exemplo, o que é assinalável se tivermos em conta que todos estes avanços e modernização se faz sem recurso a grandes investimentos financeiros e sem a utilização de mecanização.

Um dos grandes estrangulamentos que surgiu há cerca de dois anos e se tem vindo a acentuar de forma grave, é o aparecimento de uma nova praga dos mangueiros, a mosca da fruta (Bactrocera invadens), que está a provocar prejuízos preocupantes. Trata-se de um díptero originário do Sri Lanka e assinalado pela primeira vez em 2004 no Benin, que está a comprometer as exportações africanas de mango para a Europa e para o qual ainda não se encontrou antídoto eficaz.

Em 2006 apoiou-se um fruticultor de referência com crédito para a aquisição de um meio de transporte para a evacuação da sua fruta e da dos outros fruticultores da zona, para os mercados consumidores. É uma iniciativa que pretende contribuir para resolver o problema da debilidade dos circuitos comerciais de fruta encontrando uma alternativa assente num produtor da zona. Os resultados parecem ser encorajadores, tanto em termos de aumento da fruta comercializada, como na taxa de reembolso entretanto realizada.

d) Outras actividades


Desenvolveram-se igualmente outras actividades no quadro do PIC:

(i) criaram-se 3 viveiros florestais (Iemberem, Guiledje e Cadedú) em colaboração com associações de jovens, apostando em 13 espécies, algumas delas em extinção e outras que servem de alimento para os animais selvagens (Búfalos, Chimpanzés, Gazelas e Cabras de mato). Produziram-se cerca de 15.000, registando-se a difusão da Leucaena em Cabedú pela dificuldade da população encontrar lenha de cozinha.

(ii) foram concluídas e entregues à comunidade 6 Escolas Firkidja (futuras EVA) em Darsalam, Madina Cantanhez, Cabante, Lautchandé, Bendugo e Iem.

(iii) No Centro Materno Infantil de Iemberém, de Novembro de 2004 (início do seu funcionamento) até Novembro de 2006, nasceram 116 crianças, das quais 86 são do sexo feminino e 30 do masculino. De assinalar que nenhuma mulher ou criança morreu durante o parto, fruto das consultas pré-natais e vacinações das mulheres. A média mensal de consultas é de 600 doentes, sendo os casos mais frequentes o paludismo, a diarreia infantil, a conjuntivite e ferimentos ligeiros. De 2004 ao final de 2006 registaram-se 5 óbitos (3 crianças e 2 adultos) de pessoas vindas de fora e internadas em estado muito crítico.

(iv) Apoiaram-se 8 tabancas (Catesse, Iem, Lautchande, Catchamba, Canamina, Calaque, Kura e Caboxanque) na recuperação de bolanhas, abertura de canais, reabilitação de diques de cintura e de diques secundários.
´
(v) apoiaram-se 345 mulheres horticultoras de 19 tabancas com sementes de cebola, tomate, alface, repolho, pimentão e beringela. As mais vendidas foram a cebola (60%) e o tomate (20%).

(vi) à UAC (União das Associações de Cubucaré), que compreende 42 associações, foi concedido um crédito de 4.615.000 Cfa para a compra de 42 toneladas de arroz, que foram distribuídas pelas tabancas mais atingidas pela má campanha do ano anterior e onde se verificavam situações de carência nutricional. (...).

2. Comentário de L.G.:

Amigos e camaradas da Guiné:

(i) Este blogue quer-se um espaço de liberdade e de pluralismo. Mas também de partilha de memórias e de amizade entre ex-combatentes, de um lado e de outro. Um espaço onde cabe, além disso, a solicitude, a solidariedade, a simpatia, a (com)paixão e a amizade para com a Guiné e o seu povo...

Temos aqui falado, desde há dois anos e meio, da ONG guineense AD - Acção para o Desenvolvimento, e do seu papel em prol da democracia, da cidadania, da participação comunitária, da protecção da natureza, do desenvolvimento sustentado e integrado da Guiné bem como da preservação da sua identidade histórica e cultural, nos mais diversos sectores e domínios.

A organização do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau (que vai arrancar no próximo sábado, dia de 1 de Maro de 2008) não é um acto isolado nem uma acção de show-off. Insere-se numa perspectiva estratégica e num processo de desenvolvimento integrado e participado.

A AD, que foi fundada há quinze anos, é uma ONG [organização não-governamental] que tem vindo a consolidar a sua imagem de liderança, seriedade, competência, qualidade e eficácia pelo trabalho realizado na Guiné-Bissau. E isso só pode constituir um motivo de orgulho para a sua direcção e os seus colaboradores. Mas é também um desafio e uma responsabilidade acrescida. Muita gente, a começar pela região de Tombali, tem os seus olhos postos na AD e conta com o apoio da AD, nos mais diversos domínios, da formação profissional à saúde.

O trabalho da AD (substituindo-se muitas vezes a uma administração pública que não existe, ou que não funciona) tem vindo a merecer o nosso respeito e admiração, à medida que o vamos conhecendo melhor. É nessa perspectiva que divulgamos aqui alguns excertos do seu relatório de actividades de 2006 (o de 2007 ainda não está disponível), com destaque para as iniciativas mais relacionadas com o projecto Guiledje.

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série:

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2554: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (21): Chegou o Nuno Rubim, em Mejo o Capitão Fula (Pepito)

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2266: Bibliografia (11): Quem conhece o Inácio Maria Góis, autor de O meu diário, CCAÇ 674 (Fajonquito, 1964/66) ? (René Pélissier)

René Pélissier - História da Guiné: Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936. Lisboa: Editorial Estampa. 2 volumes, c. 600 pp. Preço de capa de cada volume: 14,27 € (mais IVA).

Foto das capas: Editorial Estampa (2006) (com a devida vénia...)


1. Mensagem do historiador francês René Pélissier , que muito nos honra. Apelamos à melhor colaboração de todos os amigos e camaradas da Guiné.

Prezado Senhor:

Sou o historiador e bibliógrafo francês da Guiné e não consigo encontrar um exemplar de uma edição de autor que a Biblioteca Nacional de Lisboa possui mas sem dar o endereço do autor-editor. Trata-se de:

GÓIS, Inácio Maria: O meu diário: Guiné 1964-66, Companhia de Caçadores 674 s.l. s. d. Aljustrel: Mineira. 2006. 416 pp.

Seria capaz de me dizer onde posso arranjar o livro ou pelo menos como contactar o autor? Alguém no seu blogue deve conhecer este senhor.

Muito obrigado pela sua ajuda
Melhores cumprimentos

Prof Dr René Pélissier
20 rue des Alluets
78630 Orgeval
França


2. Comentário de L.G.:

Caro René Pélissier:

Sentimo-nos muito honrados pela sua presença neste blogue colectivo sobre a guerra da Guiné (1963/74), o maior da Internet em língua portuguesa. Tudo iremos fazer para localizar o autor desta publicação. Já temos aqui alguns elementos que permitem mais facilmente localizá-lo. Por exemplo, sabemos que a Companhia de Caçadores 674 esteve em Fajonquito, no nordeste da Guiné, junto à fronteira com a República da Guiné-Conacri. Inclusivamente identificámos alguns dos camaradas do autor, cujo nome correcto é Inácio Maria (e não Mário...) Góis.

Além disso, o autor deve ser natural de Aljustrel, localidade do Alentejo onde foi editada a obra. Presume-se que seja uma edição de autor. A obra deve ter sido impressa na Gráfica Mineira Lda, com sede na Rua Vasco da Gama, 49, 7600-117 Aljustrel. Tel: + 351 284602569 / Fax: + 351 284602712.

O concelho de Aljustrel pertence ao distrito de Beja e é historicamente conhecido pela sua indústria extractiva. Ainda hoje as minas são o principal sector de actividade económica.

Por outro lado, o número de páginas da publicação é 416, e não 675, como por lapso você nos indicou.

Disponha sempre. Pode contactar-nos em francês, se assim o preferir.
As nossas melhores saudações. Luís Graça.
_________________

Nota dos editores:

(1) Temos na nossa tertúlia um homem, Constantino Neves, que teve um irmão, Sérgio Neves, na CCAÇ 674 (1964/66): vd. post de 24 de Setembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2127: Estórias de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

Há outros posts com referências a homens da CCAÇ 674, unidade que operou na Zona Leste, Fajonquito:

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2185: Álbum das Glórias (31): 13 brancos maduros do Puto em almoço de homenagem a Marcelino da Mata (Abreu dos Santos)

10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1357: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (3): Nem a cruz nem o altar (Mário Dias / Luís Graça)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1897: O Queta Baldé, com a sua memória de elefante, é muito superior ao grande Fernão Lopes (Beja Santos)

1. Mensagem do Beja Santos, de 26 de Junho último:

Camaradas, eram 8:30 quando o Queta chegou de caderno em punho [, ao meu gabinete de trabalho, ao Saldanha]. Na matreirice, pedi-lhe para vir ao computador para me dar um esclarecimento de umas coisinhas no mapa. Quando viu o Matos Francisco (1), olhou-o 15 segundos em silêncio absoluto e depois deu uma gargalhada que se ouviu no Campo Pequeno.

Ele que é a disciplina e o rigor no cumprimento das tarefas, descreveu-me a chegada do Matos Francisco ao pelotão, contou como se tinha rifado o destino de cada um, como trocara com outro camarada do 51 a vinda para o 52 (o 51 foi para Guileje...), disse-me que o Matos Francisco deu uma queda, que o Furriel Vaz foi apanhado à mão na região do Geba depois de ter sido punido pelo Capitão do Enxalé, que o Furriel Altino passara a Comandante interino até à chegada do Alferes Azevedo, o nº2 da lista (temos que descobrir onde anda o Azevedo, que me foi apresentado de raspão em Bissau).

O 52 estava nessa altura em Porto Gole e colaborava com uma das três companhias de polícia móvel, sobre as quais ainda não vi nenhum referência no nosso blogue. Tanto quanto me parece, são os antecessores das milícias, eram comandadas por régulos ou outros homens grandes, e a companhia de milícias que estava em Porto Gole patrulhava nas regiões de Mansoa e Bissá.

E mais não digo, o Matos Francisco que começa agora a contar a história, o filho mais novo do régulo Malã Soncó que acompanha o nosso blogue logo dará notícias para cerca de 50 mails da Guiné, que nos acompanham religiosamente. Tudo o mais que o Queta me disse vem num dos próximos episódio do nosso folhetim. Saúde para todos e que o Matos Francisco trabalhe, Mário.

2. Comentário de L.G.: Mário, espantosamente não temos uma foto, antiga e/ou actual, do teu/nosso Queta Baldé, que é um prodígio de memória... Ao fim de um ano de macaréus, o teu e o Queta formam uma parelha inseparável... Devo dizer-te que a nossa Tabanca Grande está reconhecida aos dois. L.G.
_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1645: Questões politicamente (in)correctas (29): O Capitão Diabo, Teixeira Pinto, e o seu tempo (A. Teixeira-Pinto)

1. Resposta de A. Teixeira-Pinto (docente da UTAD - Universidade de Trás os Montes e Alto Douro) (1) aos posts P1619 e P1621 (2):

Caro Colega Luís Graça:

Naturalmente que me dirigi logo ao endereço que teve a amabilidade de em enviar (2) e, como não poderia deixar de ser, deparei-me com a nota acerada do João Tunes sobre a questão monarquia-república e o aparente desfazamento das datas (1910 - 1912 - 1915).

Como monárquico que sou, não posso perdoar à república a forma como sempre olhou para o Ultramar (não sei se sabe que no tempo do Afonso Costa chegou-se a equacionar a venda de Angola para pagamento das dívidas). Vê-se depois (sem querer ir por aí) a forma como a 3ª república tratou o Ultramar, aviltando o esforço que tantos de nós fizemos na defesa daquelas terras.

Não me agarro a saudosismos nem a situações mais do que passadas, mas continuo a interrogar-me (e a indignar-me) sobre a irresponsabilidade absoluta com que tudo foi tratado, miserável e cobardemente à pressa. Com prejuízo, sobretudo, das populações cuja segurança e futuro estavam debaixo da nossa responsabilidade.

Macau, com uma população muito menos diversificada e com cerca de 2500 indivíduos europeus, levou 25 anos a ser descolonizada, formando-se comissões conjuntas, a todos os níveis, para estudar a transferência de poder para a China, um país com um cultura multimilenar e, concorde-se ou não com o actual regime, muito mais estável e organizada que qualquer grupelho armado ao serviço de interesses exteriores descarados mas complexos.

Nesses 25 anos a preocupação de Portugal com Macau cifrou-se na visita de 3 presidentes desta república (que me recuso a escrever com letra grande); o Ramalho Eanes (2 vezes), o Mário Soares( 2 vezes) e o Jorge Sampaio (2 vezes também). Preocupações excessivas (foi-se ao ponto de discutir com minúcia as leis) na devolução de uma pequena cidade à China (um país organizado) contrariamente à pressa de sair de África onde havia populações de origem europeia na casa das centenas de milhar e populações nativas na casa dos milhões (e em que muitas delas estiveram sempre do nosso lado, sendo por isso vítima fácil dos algozes a quem se entregou os territórios).

Foi assim na Guiné (onde por exemplo o Prof. Pinto Bull, uma voz moderada e não comprometida, nunca foi ouvida) (3), em Angola (onde havia muita gente alternativa aos guerrilheiros que praticamente não tinham expressão nem militar nem política), em Moçambique (onde havia também alternativas internas à Frelimo) e até na pacífica Timor onde se inventou um movimento revolucionário à pressa para reinvindicar a independência que a esmagadora maioria da poplulação não desejava.

Eu acho que o nosso esforço de combatentes foi desbaratado. Se defendemos numa primeira fase territórios que eram património Português ancestral, numa segunda fase o nosso esforço poderia ter sido reconhecido no encaminhamento para soluções honrosas em que os interesses das populações (sobretudo as indígenas, as mais indefesas) fossem salvaguardados.

Com as desculpas mais incríveis não quis assim a república. E o esforço de tantos, que inclusivamente ali deixaram o melhor que tinham, a Vida, foi desbaratado. Nem concorreu para uma solução digna. Por isso, (e ainda hoje!!!) me recuso a plebiscitar a república (que os republicanos nunca tiveram coragem de perguntar ao Povo se a queriam). E impuseram na Constituição o dogma da república, vedando ao Povo Português a livre escolha (o regime monárquico é rigorosamente proibido).

Desculpe-me o desabafo, esta já vai longe. Mas sem querer impor as minhas ideias a ninguém (respeito absolutamente os que se consideram republicanos, embora a maioria não saiba porquê), nem distorcer a História, mantenho para mim: naquele tempo, João Teixeira Pinto integrou o chão balanta na Coroa Portuguesa, que era o regime legal em Portugal (1). O outro, resultante do 5 de Outubro de 1910 ainda não tinha sido legitimado. E, em boa verdade, ainda não o foi. Nunca foi perguntado aos Portugueses se queriam o regime republicano. Convicções tolas, dirá, mas convicções que vão morrer comigo.

Uma pequena correcção, se me permite:

Nas notas que o estimado colega Luís Graça anexa ao respigo (muito bom) de Carlos Bessa diz a certa altura: Leia-se também o próprio Teixeira Pinto, em livro de memórias que eu não conheço > João Teixeira Pinto - A ocupação militar da Guiné. Lisboa: Agência Geral das Colónias. 1936.

O livro não é de memórias nem do próprio Teixeira Pinto, é apenas prefaciado pelo Capitão de Artilharia João Teixeira Pinto, filho do Capitão Diabo (que havia morrido em combate contra os alemães, em 1917, em Negomano no Norte de Moçambique). O livro não tem autor (foi ordenada a sua publicação à Divisão de Publicações e Biblioteca da Agência Geral das Colónias pelo respectivo Ministro) e apresenta os relatórios de campanha de João Teixeira Pinto contra o Oio, os Balantas, os Manjacos e os Papéis e os Grumetes de Bissau. Com a ajuda inestimável do Abdul Injai e do Mamadu Cissé, tão maltratados depois.

Um abraço amigo do Colega

A. Teixeira-Pinto
(uso o hífen, para tentar evitar que me chamem Sr. Pinto, o que abomino)


2. Comentário do editor do blogue: Alguns dos nossos camaradas reagiram, com alguma estranheza, a um anacronismo histórico, subjacente à afirmação de A. Teixeira-Pinto segundo a qual "o capitão Teixeira Pinto (na qualidade de chefe do Estado Maior da Guiné entre 1912 e 1915) (...) entrou [depois de conquistar o Oio] no chão dos Balantas e dominou-os, submetendo-os à Coroa Portuguesa" (sic).

João Tunes, por exemplo, fez a seguinte pergunta: "Porque o rigor também é uma forma de respeitar as nossas figuras históricas, se calhar a principal, gostaria que me esclarecessem como foi possível que o capitão Teixeira Pinto, tendo estado na Guiné entre 1912 e 1915, submeteu os Balantas à Coroa Portuguesa, se a República foi instaurada em Portugal em 1910?"...

Ficamos agora a saber que A. Teixeira-Pinto, como monárquico, não reconhece, ainda hoje, a legitimidade histórica da República (1910-1926). Como editor do blogue, limito-me a registar os diferentes pontos de vista sobre esta questão (algo bizantina, para mim, devo confessá-lo), mas também não estou interessado em alimentar qualquer polémica à sua volta. O nosso blogue não tem vocação para o debate político-ideológico. É um blogue de ex-combatentes que querem, sobretudo, partilhar entre si a sua experiência humana e militar na Guiné - basicamente entre 1963 e 1974.

Agradeço ao professor A. Teixeira-Pinto os elementos informativos que nos forneceu sobre o seu ilustre parente, o Capitão J. Teixeira Pinto (Angola, 1876 / Moçambique, 1917)(1), e que por certo contribuirá para despertar o interesse pelo aprofundamento do conhecimento sobre esta tão grande quanto mal conhecida (e quiçá mal amada) figura militar, ligada às campanhas de pacificação da Guiné, entre 1912 e 1915. Agradeço-lhe igualmente a correcção que me faz em relação ao livro de 1936, A ocupação militar da Guiné, que não é um livro de memórias, e que foi prefaciado pelo filho do herói do Oio, o Capitão de Artilharia João Teixeira Pinto.

______________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira Pinto)

(2) Vd. posts de:

22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1619: Questões politicamente (in)correctas (27): Teixeira Pinto, a Coroa e a República (João Tunes)

22 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1621: Questões politicamente (in)correctas (28): Salazar, um dos últimos reis de Portugal (David Guimarães / João Tunes)


(3) Refere-se a Benjamim Pinto Bull (que morreu em Portugal em 2006) ou ao outro Pinto Bull, seu irmão, que foi deputado pela Guiné na Assembleia Nacional, e que morreu justamente na Guiné, em acidente de helicóptero, juntamente com o Pinto Leite, líder da ala liberal , em 25 de Julho de 1970, dois dias antes da morte de Salazar ?

Sobre Benjamim Pinto Bull, vd. artígo publicado no Diário de Notícias, de 5 de Janeiro de 2006, por ocasião da sua morte > O amigo de Senghor que a Guiné não aproveitou

domingo, 26 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)


Portugal > Caldas da Rainha > 1968 > O futuro furriel miliciano Guimarães, de minas e armadilhas, está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha. "Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Cunha".... Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime)

Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.


1. Na minha outra encarnação, quando eu fui o furriel miliciano Henriques, e estive na Guiné, entre Maio de 1969 e Março de 1971, no final da minha comissão, ainda em Bambadinca, escrevi a história da minha companhia, que era a CCAÇ 2590, ou melhor CCAÇ 12, uma companhia de nharros, que fazia parte da nova força africana com que Spínola sonhava ganhar... tempo (que não a guerra).

Devo dizer que o meu nome foi sugerido pelo meu Capitão - Capitão de Infantaria, do QP, Carlos Alberto Machado de Brito -, tendo como base a minha experiência, na vida civil, como jornalista... Devo acrescentar que tive acesso a todos os arquivos classificados da companhia, o que só foi possível com a cumplicidade de vários camaradas meus, de um dos sargentos (o Piça, o famoso Piça, minha senhora, para a servir! -, como ele, impecável e delicadamente, fazia questão de repetir, quando alguém do sexo oposto não percebia o seu apelido de família, tipicamente alentejano, e voltava a perguntar Como ?)... Com a cumplicidade até do meu próprio comandante, bom homem, que, embora assustado com o resultado final do trabalho que me encomendara, fechou os olhos à minha ousadia e até me deu um louvor...

Hoje eu estou em condições de compreener a sua delicada posição: devia estar já com os seus 37 ou 38 anos, com 3 comissões no ultramar (se não me engano) e à beira de ser promovido a major (em Janeiro de 1971, lembra-me o Humberto Reis).

Trinta e tal anos depois, em 1994, fui encontrá-lo, em Fão, Esposende, na casa de um dos nossos antigos alferes - o Carlão - no posto de coronel e confessei-lhe, candidamente, que tinha tomado a liberdade de distribuir, na época, uns tantos exemplares, clandestinos, aos tugas da companhia... De facto, ainda em Bambadinca, foram tiradas a stencil (recordam-se desta primitiva técnica de reprografia?) umas escassas dezenas de exemplares da história não autorizada da CCAÇ 12, antes de embarcarmos para a metrópole, em rendição individual (os nossos soldados africanos, esses, continuaram a servir a CCAÇ 12, muitos deles até ao final da guerra, aquartelados no Xime, desde 1973).

Tenho para com estes últimos um sentimento de gratidão e de reconhecimento, mesmo sabendo, na época, que eles estavam do lado errado da guerra e da história. Alguns, desgraçadamente, pagaram com a vida ou a liberdade o terem apostado no cavalo errado.

2. Vou republicar hoje, 26 de Novembro de 2006, o relatório da Op Abencerragem Cadente (que raio de nome esotérico!), desdobrando um texto que, de certo modo, dá o pontapé de saída a este blogue (ou mellhor, ao Blogue-Fora-Nada, que antecedeu o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné) (1)...

Fá-lo homenageando os nossos camaradas que tombaram na Ponta do Inglês: o furriel miliciano Cunha, o soldado Soares e os outros camaradas - cujs nomes não recordo - da CART 2715 (aquartelada no Xime) que morreram na Operação Abencerragem Candente, na madrugada de 26 de Novembro de 1970 (dias depois da invasão de Conacri, a 22, por uma força comandada por Alpoim Galvão e na qual participaram os meus vizinhos da 1ª Companhia de Comandos Africanos, estacionados em Fá Mandinga).

Quando publiquei esse texto - em 25 de Abril de 2005 -, eu tinha alguma dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconhecesse que ele fora um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos e anos a fio.

Como muitos outros pobres diabos, o Seco fora também um mercenário, um colaboracionista, um torcionário, um homem para os trabalhos sujos da guerra: ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da política de terra queimada, da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha (Samba Silate, Poindon, Nhabijões...) , ele próprio era encarregue pelo capitão tuga do Xime (sic), para matar, à paulada (sic), em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados...

Tenho dificuldade em fazer recuar esses tempos, mas é bem possível que sejam anteriores ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz (1965-1968),o mesmo é dizer, que devem ser do tempo dos seus antecessores: 1959 - 1962 António Augusto Peixoto Correia (1959-1962) e Vasco António Martínez Rodrigues (1962-1965).

No regresso ao quartel, o capitão, manga de bom pessoal (sic), pagava-lhe um sumol (sic)... O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente os pertencentes aos grupos étnicos islamizados...

O Seco Camará morreu ingloriamente em 26 de Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se alguma vez se sentiu (ou poderia sentir) português. Sei apenas que foi um bravo soldado - ou melhor, auxiliar dos militares portugueses - e eu não posso julgá-lo, sumariamente, com base nos meus valores ou princípios éticos. É claro que também não vou absolvê-lo com base no relativismo cultural: o facto de ser mandinga, descendente de um povo de guerreiros e conquistadores, não lhe davam quaisquer direitos, e muito menos o direito de vida ou de morte...

3. Alguém, da população do Xime - que me desculpe o nosso amigo José Carlos Mussá Biai, que nessa altuta teria 7 anos! -, nos terá traído nessa noite fatídica. A nós e ao Seco Camarà. Ou se calhar nem foi preciso isso: 250 homens em armas são uma multidão ruidosa, a entrar e a sair de um quartel... No mato, na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, são uma cobra gigantesca, de quilómetro e meio...

De qualquer modo, onde quer que o Seco Camrá esteja, no céu ou no inferno dos mandingas, paz à sua alma!

4. Pertencente na altura ao 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (não tinha uma posição fixa, era uma espécie de suplente, já que era um atirador de... armas pesadas de infantaria, numa companhia de intervenção que não tinha... armas pesadas), fui um dos que resgatei o corpo do furriel miliciano Cunha (que era de Braga, se não me engano). Gostava muito dele, éramos amigos. Tinha passado a noite de 25 para 26 na conversa com ele entre dois copos, no Xime, a fazer horas para a trágica saída na madrugada seguinte.

O segundo comandante do BART 2917 (não vale a pena citar o seu nome, já que ainda pertence ao número dos vivos) obrigara-nos a seguir o mesmo trilho da véspera: escassas horas depois, o Cunha estava morto mais quatro tugas e o guia e picador Seco Camará.

O Cunha, o pequeno e valoroso Cunha, ainda com o seu ar de criança tímida, era o único dos seis que não estava desfeito pelos rockets. Tinha apenas um fiozinho de sangue na testa: o primeiro tiro fora, seguramente, para ele que ia à frente da secção, juntamente com o Seco Camarà. A imagem que tenho dele, era que estava a dormir, exausto, no capim, quando cheguei à sua beira. Ainda lhe dei uma bofetada e sacudi-o energicamente:
- Acorda, meu sacana!

Como garante o Guimarães (da CART 2716, do Xitole), o Cunha que fez a recruta com ele e foi mobilizado para a Guiné no mesmo Batalhão (BART 2917), "deve estar no céu porque era um homem bom".

5. Nunca mais consegui esquecer essa maldita operação, em que até mesmo os meus soldados fulas, que eram bravos soldados, tiveram medo… Foi a maior emboscada que eu sofri, e também a mais mortífera que apanhámos na região do Xime. Mas não dei um tiro. Nunca dei um tiro, na Guiné, a não ser a um desgraçado de um jagudi (abutre) a que nem sequer felizmente acertei…

Recordo esta estória, em homenagem também aos que morreram e aos que sobreviveram, em Portugal, na Guiné e noutros teatros de guerra, aos homens e mulheres que contribuiram, de mil e uma maneiras, para que hoje nós possamos - pelo menos aqui - estar a falar de liberdade, a recordar a guerra e a fazer a paz connosco próprios, a praticar a liberdade com a mesma naturalidade com que respiramos...

6. Na elaboração da história da minha companhia (ex-CCAÇ 2590 e, depois, CCAÇ 12) que é também a história militar do Sector L1 / Zona Leste da Guiné entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971, segui, em muitos casos, o teor dos relatórios de operações que eram feitos pelos alferes milicianos (com destaque para o Moreira) ou pelo capitão, passado pelo crivo da minha própria experiência como operacional ou do relato dos meus camaradas, furriéis milicianos...

Dentro dos constrangimentos do tempo e do lugar, procurei ser objectivo, recusando tanto quanto possível a tentação da hagiografia que era corrente na história de outras companhias independentes ou de companhias integradas em batalhões: "Fomos os melhores, chegámos, vimos e vencemos!"...

Nesta, como noutras operações, há passagens muito discutíveis como aquela em que se sugere que o IN sofrera baixas prováveis... Há aqui um branqueamento da situação, o que era frequente entre nós: depois da violentíssima emboscada de que fomos vítimas, ninguém estava em condições, físicas e psicológicas, de fazer o reconhecimento do local e, muito menos, de ir em perseguição dos guerrilheiros...

Seis mortos e nove feridos exigem, no mínimo, a afectação de dois grupos e combate (60 homens) para o seu transporte... Esta falsificação da realidade ou, no mínimo, o seu branqueamento era frequente entre oficiais milicianos e do quadro: enganavam-se uns aos outros, enganavam Bafatá (onde estava o comando da zona leste, o COP 7, se não me engano), enganavam Bissau (o quartel-general) e enganavam Lisboa (sede do Governo, não democrático, do país), que por sua vez enganava o Zé Portuga!...

Tudo isso acabava por ter consequências pesadas, para o pessoal no terreno, que era obrigado a executar operações mal planeadas e, por vezes, ainda pior executadas e comandadas...

De facto, não se pode ganhar uma guerra, escamoteando ou ignorando informação! Pessoalmente, eu já sabia isso, desde os meus quinze ou dezasseis anos...A verdade, trágica, terrível e humilhante, é que o IN destroçou ou neutralizou seis grupos de combate (2 agrupamentos), matou seis elementos das NT, feriu outros nove e ainda por cima levou-lhes as armas!... E só não levou os corpos porque houve ainda um resto de coragem física, de solidariedade e de determinação (outros chamam-lhe heroísmo).

No relatório da operação ninguém quis dizer o que era óbvio: os erros de planeamento da operação, as imprevidências, a imprepração da nossa tropa fandanga, a total incompetência e a arrogância militarista do major (periquito) que comandou a operação, lá de cima, arrogante, a partir do seu PCV... Que Deus lhe perdoe...Eu, que não sou Deus, não tenho o poder de perdoar; em contrapartida, não consigo esquecer - por muito que me esforce - essa descida aos infernos do Xime.

As duras palavras que lhe disse, a quente, à noite, no regresso da operação, na parada de Bambadinca, não as vou repetir aqui... Como as pedras que são lançadas contra alguém, essas palavras não têm regresso...mas só fazem sentido no contexto, de grande tensão, física e emocional, que era próprio daquela guerra...

Ainda hoje não consigo perceber por que é que fomos obrigados a fazer aquela operação - três dias depois da invasão de Conacri! - e sobretudo por é que cometemos tantos erros infantis... Na guerra, os erros de comando pagam-se carros...

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Notas de L.G.:

(1)Vd. post de 25 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)