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segunda-feira, 17 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11720: Estórias cabralianas (79): O Capitão-Tenente dos Submarinos (Jorge Cabral)

1. Mais um estória cabraliana, desconcertante, como sempre são as estórias do alfeero Cabral... Chegou-nos pela mão (ou melhor, pelo email) da Anabela Martins.

O Capitão-Tenente dos Submarinos

por Jorge Cabral

Qual Guiné? São tantas. Cada um cria a sua ou inventa... E quem diz Guiné, diz Guerra.

Por mim conheço muitas... Mas como esta, que mora no Beco do Cotovelo, à beira da Mouraria, não deve haver mais nenhuma. É na tasca da Conceição, onde às vezes abanco com três ex-combatentes da Guiné. Todos eles lá estiveram, em lugares e tempos diferentes e todos davam pelo nome de Mouraria.

Agora, trocada a G-3 pela garrafa, são aqui residentes e contam estórias... Já há meses que lá vou e sou muito bem recebido. A Conceição, uma jeitosa quarentona, trata-me por tio, os outros bebedores por senhor Engenheiro e sei, que desde que lá levei duas protegidas africanas, sou conhecido pelo velhote das pretas.

Na semana passada, talvez devido à época, os Mourarias capricharam. Emboscadas de gorilas... golfinhos no Geba... e até, calculem, uma raça “ de mulheres com três mamas"... Confirmei, confirmei, confirmei, mas não podia ficar atrás. Assim quando o Mouraria II, me perguntou, se eu costumava viajar nos barcos da mancarra, respondi muito sério:
 – Não, eu ía sempre de submarino!

Alguma coisa devem ter acrescentado os Mourarias, porque há dois dias, quando por lá passei, toda a gente me chamou, Senhor Capitão-Tenente

Jorge Cabral

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Nota do editor:

Vd.os úlltimos postes da série >

12 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11707: Estórias cabralianas (78): A Justiça da Velha Mandinga (Jorge Cabral)

(...) Em Agosto de 1969, nasceu a minha sobrinha Maria João e logo fui nomeado padrinho, tendo sido marcado o baptizado para Janeiro de 1970, nas minhas férias. Numa sortida a Batatá, comprei um boneco, coisa fina, talvez de origem francesa, para levar como prenda. Parecia mesmo um bébé, de bochechas rosadas, com fralda e biberon. Guardei-o na mesa de cabeceira, mas às vezes mostrava-o às meninas da Tabanca, que frequentavam a escola. (...)

18 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11586: Estórias cabralianas (77): As bagas da Dona Binta e os seus efeitos... secundários (Jorge Cabral)

(...) Não sei porque razão os Guineenses escolheram o Largo de S. Domingos, para se reunirem todos os dias. Logo de manhã, chegam, conversam, discutem, compram e vendem. É um lugar recheado de História. Foi de lá que partiram os quarenta conjurados para, em 1640, restaurarem a Independência, mas foi também ali que se iniciou a grande matança de Judeus em 1506. Deixo porém para outros a História séria, pois este velho Alfero conta é estórias (...)


(...) Não sei se foi por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer. Claro que tenho pago escrupulosamente o Imposto de Sobrevivência, mas agora resolvi aceder ao apelo governamental “ todos os velhos devem comparecer na Central de Abate,o que constitui um dever patriótico”. Comuniquei a decisão à família, que ficou muito contente, principalmente a minha bisneta Carol, que foi logo requerer mais um filho nos Serviços de Programação Genética. Um rapagão que nasça já crescido para não dar trabalho (...).

sábado, 18 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11586: Estórias cabralianas (77): As bagas da Dona Binta e os seus efeitos... secundários (Jorge Cabral)



Lisboa > 11 de setembro de 2011 > Largo de São Domingos e Palácio da Independência. Memorial às vitimas judaicas de 1506. Este é também um local de encontro dos guineenses em Lisboa.

Foto: © Luís Graça  (2011). Todos os direitos reservados.

1. Através de uma sua querida ex-aluna, Anabela Martins, chegou-nos agora mesmo um "telegrama" do Jorge Cabral,  criador dessa personagem inimitável que é o "alfero Cabral":

Amigos!

Em 14 de Dezembro de 2006, publicaram aí a minha estória “As bagas afrodisiacas do Sambaro....”, não adivinhando que quase sete anos depois, eu as voltava a encontrar através de D. Binta, no Largo de S. Domingos, à beira do Rossio.

Abraços.

P.S – ainda não arranjei boleia para o Encontro, mas estou obrigado a comparecer. 
JC


2. Estórias cabrialianas > As bagas de Bonta e os seus efeitos... secundários

por Jorge Cabral

Não sei porque razão os Guineenses escolheram o Largo de S. Domingos, para se reunirem todos os dias. Logo de manhã, chegam, conversam, discutem, compram e vendem. É um lugar recheado de História. Foi de lá que partiram os quarenta conjurados para, em 1640, restaurarem a Independência, mas foi também ali que se iniciou a grande matança de Judeus em 1506.

Deixo porém para outros a História séria, pois este velho Alfero conta é estórias...

Últimamente tornei-me um assiduo frequentador desta pequena Guiné, até porque o Beja Santos me informou que por lá parava o meu Primeiro Cabo Africano Negado Costa. A verdade é que apesar de toda a gente o conhecer, ainda não o encontrei. Pois era de Bafatá, dizem, mas agora é de Odivelas...Vou continuar a procurá-lo... e entretanto converso com quase todos. Fico a saber que há uma Discoteca em Missirá e vai ser inaugurada outra no Mato Cão, chamada “Beira Rio”.
No Mato Cão?

Num destes dias a D. Binta, que foi lavadeira da tropa e que agora,  abrigada do sol, debaixo de uma árvore, mesmo em frente da Ordem dos Advogados, vende tudo... desde cola a peixe seco, ofereceu-me umas bagas que dão grande poder e o gesto que fez, identificou o poder de que falava...

Ingénuo perguntei:
- E tem efeitos secundários?
- Até mais! - respondeu, e reparando no meu ar espantado, acrescentou:
- Mas pelo menos a segunda, é garantida!

À noite ouvindo as péssimas notícias, penso que nem com quatro milhões de conjurados restauraremos a independência e que com tantos cortes, vou ficar em regime de meia pensão. Pois é, tenho que voltar a trabalhar. E porque não na Guiné? Gerente da Discoteca no Mato Cão, claro. Escrevo ao senhor Sanhá, o dono e espero ser admitido.

Melhor velhice é difícil imaginar. E com efeitos secundários...

Jorge Cabral
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10943: Estórias cabralianas (76): Não sei se por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer... (Jorge Cabral)

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11545: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (13): Estórias cabralianas nº 7: Alfero põe catota nova... (Jorge Cabral)


[Foto à esquerda: Lisboa, Sociedade de Geografia, 2008 > O Jorge Cabral. Foto: © Henrique Matos (2008). Todos os direitos reservados.]


1. O "alfero Cabral" foi um dos grandes artistas que animou a nossa "tertúlia" nos idos tempos da I Série do blogue (que vai de 23/4/2004 a 1/6/2006)... Simplesmente genial este camarada da tropa que,  se não existisse, teria que ser inventado...  Ele trouxe, na época, à nossa caserna virtual  o outro lado do espírito do blogue, que podemos descrever como sendo  o  lado mais solar, alegre, romântico, maroto, brejeiro, provocador, irreverente, desconcertante, descomplexado, histriónico, humorístico, burlesco, saudavelmente louco... dos camaradas da Guiné.

O "alfero Cabral" foi uma criação do Jorge Cabral, uma espécie de "alter ego" do Jorge Cabral, ex-alf mil art, comandante do Pel Caç Nat 63, que esteve destacado, há muitas luas, nos idos tempos de 1969/71, em Fá Mandinga e depois em Missirá, na zona leste, no setor L1 (Bambadinca)... Na portuguesíssima província da Guiné, longe do Vietname... Hoje, República da Guiné-Bissau, pátria de outro Cabral, que não tinha, nem de longe, o sentido de humor, a ironia fina, e o talento para contar histórias, do seu homónimo lisboeta... Aliás, discutia-se, no meu tempo, quem era "o Cabral mais Cabral da Guiné"... Seu contemporâneo e vizinho na região, eu nunca tive dúvidas de que "Cabral só há [, havia,] um, o de Missirá e mais nenhum"... Mesmo que dele se dissesse coisas manifestamente exageradas como "consertador de catotas, engatatão de bajudas, anfitrião da putaria, oferente de soutiãs, e pai de todos os mininos da tabanca"...

O melhor elogio que se pode fazer deste brioso "alfero Cabral",  é dizer que ele, no TO da Guiné, foi  "pau para toda a obra": para além de oficial miliciano e comandante de um pelotão de caçadores nativos, era homem grande, pai, patrão, chefe de tabanca, conselheiro, poeta, contador de histórias, antropólogo, cherno, mauro, enfermeiro, médico, sexólogo, confidente de bajudas, advogado e não sei que mais, um verdadeiro Lawrence das Arábias da  Guiné... Mais: não tinha inimigos, nem nas fileiras do PAIGC!... E a prova disso é que, no seu tempo, nem Fá nem Missirá foram atacadas ou flageladas.

Pois bem, foi este homem quem começou a escrever, na I Série do blogue, as famosas "estórias cabralianas" que já vão no nº 76... Pensando nos seus fãs, mais antigos ou mais recentes, e em tempo de comemorações do nosso 9º aniversário (*),  reproduzimos aqui a nº 7 dessas "estórias cabralianas", que tem a ver com um delicioso anúncio que apareceu um dia,  cravado no poilão da Tabanca de Fá Mandinga: " Alfero poi catota noba, dam trez bintim"...

Se não foi o melhor negócio da vida dele, "alfero Cabral",  foi seguramente a melhor "boa ação" psicossocial levada a cabo no tempo do Spínola, e que muito terá contribuído para uma Guiné Melhor... Pelo menos, em Fá (Mandinga), sempre que lá fui,  nunca vi  bajudas com ar infeliz... (LG).


2. Estórias cabralianas > Alfero Cabral põe "catota nova" (**)...

por Jorge Cabral


Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois [, com sede em Bafatá,]  referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”.

Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha…

Entre Fulas, Mandingas e Beafadas, as mulheres eram compradas, alcançando-se verbas elevadas. Cheguei a arbitrar casamentos, cujo dote atingiu os trinta contos!  Claro que era exigida a virgindade, que às vezes havia desaparecido… Era então que o Alfero odjo grosso era procurado para remediar o que parecia irremediável.

Quanto ao teste pré-matrimonial, a cargo das mulheres grandes, que utilizavam um ovo (!), a questão resolvia-se, com alguns pesos.

O mais difícil era a prova do sangue no lençol, que devia ser exibido no dia seguinte à cerimónia. Equacionado o problema, adoptei uma solução que sabia já ter sido usada entre outras gentes com sucesso. Comprei em Bafatá pequenas esponjas, as quais embebidas em sangue de galinha, e metidas no local apropriado deram um resultadão.

Não houve mais Bajuda que não casasse em total e absoluta virgindade e confesso que me dava um certo gozo assistir às manifestações de júbilo dos viris maridos, no dia seguinte aos casamentos, no meio da algazarra da Tabanca.

Espalhada a minha fama, acorreram noivas de todo o lado. Ponderei mesmo montar um gabinete especializado, tendo chegado a escrever um folheto publicitário a informar que Alfero poi catota noba, dam trezbintim.

Texto: © Jorge Cabral (2006). Todos os direitos reservados

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Notas do editor


(*) Último poste da série > 7 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11539: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (12): Fima Siga, a enfermeira do Morés (Virgínio Briote, ex-alf mil comando, Brá, 1965/67)

sábado, 19 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - 10962: Blogpoesia (318): Dizem-nos que estamos a envelhecer ( Luís Graça)



Texto e foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados


Dedicatória

Poema para ser lido por velhos,
daqueles que já usam óculos com muitas dioptrias,
ou então essas horríveis lentes de aumentar
que se compram nas Lojas do Avô,

nos novos templos das novas religiões do consumo,
e que só servem para ler os títulos de caixa alta do jornal.

Títulos Pornográficos. Bombásticos. Terroristas.


A todos os velhos combatentes de todas as guerras 
em que a minha geração andou metida.

Ao Jorge Cabral, mestre do lirismo do absurdo 
e da 'short story'.

Ao meu pai, meu velho, meu camarada

que conseguiu chegar aos 91. 
Ao (e)terno sorriso e à sua alegria de viver,
a sua forma muito pessoal de promover 
um envelhecimento ativo.




Dizem-nos que estamos a envelhecer.


Luís Graça


Dizem-nos
que estamos a envelhecer.
Dizem os demógrafos,
que correm, eles próprios, o risco
de ver limitado o objecto de estudo da demografia
aos velhos.

Dizem as máscaras do Entrudo
do nosso descontentamento
muito pouco chocalheiro.
Diz o safado do cangalheiro:
Eu cá não quero que ninguém morra,
só quero que o meu negócio corra.
Dizem os divertidos caretos de Ousilhão.

Dizem os últimos rapazes da Festa dos Rapazes.
Dizem os médicos,sizudos,
que também estão a encanecer.
Diz o senhor Ministro da Indústria da Doença
que mandou encerrar as maternidades.
Por falta de fedelhos.

E por falta de crença.
Tenham paciência, 
minhas senhoras.
Voltemos ao tempo das aparadeiras!
Dizem as abortadeiras.
Dizem os hospiteis,
a abarrotar de gente na fila para morrer.

Em Portugal.
Hospiteis, que os hospitais agora só de campanha!
Dizem os sociólogos,
em crise tamanha

de paradigma existencial.
Dizem os jornais,

de papel,
que já não vendem mais.
Diz o meu geneticista,
que anda à procura do gene da eterna juventude.

Hoje com saúde, amanhã no ataúde.
Dizem os futurólogos
que leem nas entrelinhas das camadas de ozono.
Diz a esteticista, pessimista,

quando o verniz estala.
Vão-se os anéis, ficam os dedos!
Diz a vida, malsã.
Diz a palma da mão 

e a linha (torta) da vida.
Muita saúde, pouca vida, 
que Deus não dá tudo.
Diz a grega pitonisa de Delfos,
a escarnecer
da cultura judaico-cristã.
Diz o comissário político de Bruxelas,
que não foi eleito,

todos eles e todas elas, os eurocratas,
muito menos eleitos pelos eurovelhos.

Diz a medicina,
que a velhice não tem cura.
Diz o Eurostat,
que representa a sacrossanta ciência
do positivismo do século.

Diz o Golden Sachs Sachs Sachs.
E até a Santa Madre Igreja,
agora sem crianças para baptizar
nem selvagens para evangelizar.
Não sei o que diz Ela,
a Santa,
a Madre,
a Igreja.
Não sei o que é que diz Roma
nem Pavia,
que não se fizeram num dia.
Mas dizem as estatísticas,
que, dizem-nos, não mentem,
que estamos a embranquecer,
a encanecer,

a ensurdecer,
a envelhecer,
a ensandecer.

Diz o Censo de 2011.
A morrer, meus irmãos, a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão
.
Diz o espelho meu,
que o tempo faz o seu trabalho de sapa.
Que o tempo, no final, te mata.
Como nos filmes de terror.
Diz o sino da tua aldeia,
quando dobra a finados.

Que te importa, agora, 
os teus feitos heróicos de Quinhentos,
ó povo meu ?
Dizem as tuas rugas.
Dizem as tuas brancas,
as primeiras, não sei onde.
Dizem os teus dias cinzentos.
Só o Governo esconde
a bomba biológica
que paira sobre a cabeça
dos que hão-de vir.
Dizem-me que o Governo tropeça, trapaça,
mas não cai
só por mentir,
com as medidas da tendências central.

Os cães ladram e a caravana passa.
A média, a moda e a mediana,
mais o desvio padrão
e o erro amostral.
Eu sei que o Governo está sujeito à erosão
dos ventos e das marés,
mas também à irrisão,

mortal,
das sondagens.

E das pilhagens.
O Governo pode ser sacana.

mas não deve mentir
e muito menos roubar.
O Governo deve dizer a verdade,
deve dizer a verdade, nua e crua,
com um grau de confiança de noventa e cinco por cento.
Mas nem sempre diz toda a verdade,
ou só a verdade,
por causa da coesão social,
por causa do clima económico,
por causa da confiança psicológica
do investidor estrangeiro,

por causa do índice de NASDAQ,
por causa da liberdade,
primordial,
do consumidor.


Dizem que estamos a envelhecer, camarada.
Dizem-te que há muito ultrapassaste 
a barreira dos quarenta.
Até aos 40 bem eu passo, 
dos 40 em diante, ai a minha perna, 
ai o meu braço. 
Que aos 45 já eras velho,
para além do limiar da esperança ao nascer
quando nasceste.
Dizem-te que somos todos velhos.

O censo. E a falta de senso.
Um em cada cinco.
Leia-se: velhos, os mais de 65.

Velhos até aos tutanos.
E que agora já começou a caça
aos talentos, aos rebentos,
na perspectiva da rarefacção dos recursos humanos.

Diz o nosso mediático guru.
Diz o feio do jagudi, 
diz o mau do urubu.
Diz o provérbio que na era de 31, 
poucos moços, velhos nenhum.
Dizes tu, camarada, ex-combatente da guerra colonial,
Antes a morte que tal sorte!
Mas não é envelhecimento,
é senescência,
diz o meu neurologista.
Degenerescência,
dizem os puristas da língua.
Diz a neurociência:
o mais importante
não é perderes 100 mil neurónios
por dia,
nem a paciência, 
nem a compostura, 
nem o controlo dos esfíncteres.
Nem a decência.

Nem a cabeça do fémur.
Que a saúde dos velhos é mui remendada.
Deus te livre do Alzheimer e do Parkinson
e das demais doenças crónicas degenerativas.

Que Deus te livre da peste, da fome e da guerra,
E do Estado Mínimo a que hás-de chegar.
O que é grave é perderes
as redes neuronais
e não sei que mais.

Blá, blá, blá.
Mas já diziam os antigos,
Não há cousa tão junta a outra como a morte à vida.
E mais avisado é o conselho do velho para o novo,
à laia de impropério;
Teme a velhice porque ela nunca vem só,

Cabelos brancos, flores de cemitério!


PS - Dizem que estamos a envelhecer, Papi!

Porra, meu pai, meu velho, meu camarada,
eu sei o que a vida fez de ti,

mas tive orgulho na maneira como viveste 
e como morreste!


LG - jan 2008 / jan 2013
___________

Nota do editor:


Último poste da série > 14 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10942: Blogpoesia (317): Toadas de Inverno (J.L. Mendes Gomes)

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10943: Estórias cabralianas (76): Não sei se por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer... (Jorge Cabral)

1. Mais um "estória do nosso alfero". Desta vez "triste", diz ele. Alfero Cabral, lembram-se dele ? Não, não é o Cabral que foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, mas um tal Jorge Cabra, que um dia foi "régulo" de Fá Mandinga e de Missirá, ínfimas aldeias de um pequeno país lusófono chamado Guiné-Bissau. 

[Foto à esquerda: Jorge Cabral e Eduardo Magalhães Ribeiro, dois camaradas patriotas, Lisboa, Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, Forte de Bom Sucesso, 10 de Junho de 2011]


2. Estórias cabralianas > Mais uma incursão no futuro - Ano 2042
por Jorge Cabral

Não sei se foi por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer. Claro que  tenho pago escrupulosamente o Imposto de Sobrevivência, mas agora resolvi aceder  ao apelo governamental “ todos os velhos devem comparecer na Central de Abate,o  que constitui um dever patriótico”.

Comuniquei a decisão à família, que ficou muito  contente, principalmente a minha bisneta Carol, que foi logo requerer mais um filho  nos Serviços de Programação Genética. Um rapagão que nasça já crescido para não dar  trabalho… 

Porém antes do dia da apresentação é preciso fazer o espólio e transmitir as memórias  que serão arquivadas. Todos os meus dez mil livros serão incinerados..e quanto às  memórias, ligar-me-ão a uma máquina que reproduzirá um resumo. Já consultei  algumas de Camaradas da Guiné. A máquina não me parece muito fiável ou se calhar  são as memórias…

Mas é obrigatório. Estive três horas ligado e depois o operador deu-me a conhecer o  resultado. Lá aparece um idílico Missirá, rodeado de cerejeiras ,junto a um riacho  onde se pescam trutas e até consegui ouvir o Branquinho ao piano.
 - Confere ? - perguntou o funcionário.
- Correcto!- respondi.

É já amanhã o dia. Sei que vou encontrar Camaradas. Patriotas….pois então!

J. Cabral [, foto à direita, em cima, Fá Mandinga, 1969]

___________

Nota do editor:

Últimos cinco  postes da série:


(...) Há mais de sessenta anos que conheço esta Leitaria. Fica na Avenida do Brasil e quando eu era miúdo havia lá uma vaca. Uma vaca em plena Lisboa…Quando conto,pensam que é estória, mas não é, a Senhora Margarida, vendia o leite produzido à vista do cliente. (...)

1 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)

(...) – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? – perguntei-lhe um dia destes, porque habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
–Cúpulas ? Quais cúpulas? (...)

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)

9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)

24 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9796: Estórias cabralianas (71): Fixações etnomamárias: evocando o meu avoengo Carloto Cabral que, no séc. XVIII, crismou Quebo como a Aldeia das Mamas Formosas (Jorge Cabral)

(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10940: (Ex)citações (207): Festejando a entrada do nosso seiscentésimo grã-tabanqueiro, Abílio Magro, natural de Fronteira, um dos seus 6 filhos que a família Magro ofereceu à ditosa Pátria amada para servir em África (Angola, Moçambique e Guiné) ...

1. Dois comentários do 600.º (e bem humorado) membro da nossa Tabanca Grande, o último "pira, Abílio Magro (*), ao poste P10935 (*)

Camarada Carlos Vinhal,

Agradeço o teu post de apresentação e aproveito para informar que o título de sexycentésimo não me soa nada mal.

Aproveito também para lembrar aos grã-tabanqueiros que é norma, mesmo no mais "mixuruca" dos supermercados, a atribuição de uma lembrança àqueles que atingem números assim redondinhos (também aceito cheques).

Entretanto,  quero corrigir a distribuição do pessoal da Companhia Magro que saíu errada na O.S., talvez por minha culpa na formatação do texto enviado.

Então era assim em 1972:

Disponibilidade - Rogério Magro
Moçambique - Dálio Magro
Angola - Carlos Magro
Guiné - Fernando Magro + Álvaro Magro
Caldas da Rainha - Abílio Magro

Feitas as devidas correcções, com o meu pedido de esculpas, passemos ao trabalho.

Quanto à assessoria informática, eu sou apenas um "curioso" que anda metido nisto dos bytes há bué de tempo, como autodidacta, não me sentindo, no entanto, nenhum expert na matéria. Faço umas coisitas, é verdade, e é o meu principal hobby, mas não sei se estarei à altura de assumir tamanha responsabilidade. Estou, isso sim e com todo o gosto, inteiramente disponível para dar a ajuda que me for possível, se para tanto tiver engenho e arte. E acreditem que o digo com toda a sinceridade porque eu "gosto mesmo disto, carago!". Isto é: informática na óptica do programador. Mas fica desde já o aviso: sou completamente amador!.

Quanto a fotos é que a coisa, para já, está fraca, por um lado porque a minha impressora deixou de "sacanear" e através de telemóvel a "coisa" não funciona lá muito bem e, além disso, os meus irmãos, cá como lá, estão dispersos - Viseu, Lisboa, etc. 

O meu irmão Fernando, o mano velho, escreveu em tempos um livro "Memórias da Guiné" (***) do qual possuo um exemplar e penso enviar-vos alguns excertos mais tarde, porque hoje "bai dar o Puorto, carago!"

Um grande abraço.
Abílio Magro


PS - Em tempo:

Felizmente regressamos todos sãos e salvos, uns mais cacimbados que outros, e cá continuamos todos, agora troikados e também uns mais que outros. A nossa mãe faleceu em Dezembro de 1971, enquanto o 5.º filho navegava com destino à Guiné. O nosso pai é que viu todos partir e, felizmente, também os viu regressar. A dada altura já todos nós o tratávamos por Comandante.

AM

2. Comentário de L.G. (**):

Abílio, ainda não tive ocasião de saudar a tua entrada, jovial, bem humorada, nesta "caserna virtual" onde, como sabes, pelas regras em vigor, se pode falar de tudo menos de "política, religião e futebol"... 

Isto quer dizer, que eu não vou comentar as (muito menos revelar as minhas) emoções do jogo de futebol de ontem, entre Benfica e Porto, que - dizem - dividiu mais uma vez o país ao meio... Eu, como sou mouro, de ADN,  mas morcão de coração, só posso estar, nesses dias, em Vila de Rei, que é o centro geodésico de Portugal...  

Quanto ao resto, és bem vindo e aparecido. Deixa-me tirar o quico à tua ditosa e amada família que tantos filhos machos deu à Pátria, esforçada na guerra, ingrata na paz.  Para já, vocês, os Magro, passam a figurar no Livro de Recordes da Tabanca Grande. Seis combatentes em África é obra. Temos também aqui um outro alentejano, o José Luís Vacas de Carvalho, que esteve comigo em Bambadinca, e que teve vários irmãos militares, mas julgo que menos que vocês. Os Vacas de Carvalho são uma família numerosa e conhecida de Montemor-o-Novo.

Bom, espero que tragas os manos da Guiné, o Fernando e o Álvaro, até ao nosso blogue. Vamos fazer 9 anos de existência e até ao dia 23 de abril de 2013 temos uma campanha em curso para "recrutar" mais 25 "periquitos"... Conto com a tua militância bloguística. As alvíssaras virão depois.
_______________

Notas do editor:

(*) vd. poste de 13 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia

(**) Último poste da série > 14 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10937: (Ex)citações (206): Festejando a chegada do "pira" José Sousa Pinto, meu contemporâneo em Teixeira Pinto, 1972 (Mário Bravo)

(***) Fernando Valente (Magro) é também blogador,  autor do blogue *Portugal e o passado", donde retirámos os seguintes elementos de identificação:

(i) Nasceu a 10/05/1936 em Arouca;
(ii) É Engenheiro Técnico de Construções Civis;
(iii) Prestou serviço na ex-colónia da Guiné como Capitão Miliciano de Artilharia, entre 1970 e 1972;
(iv) É membro da Associação Portuguesa de Escritores;
(v) Autor das seguintes obras: - Menina do Meu Pensar - A Canção Arábica - Memórias da Guiné - Um Olhar Abrangente - As Aventuras de Robin dos Bosques

Da Docweb, retirámos mais os seguintes elementos bibliográficos:

Memórias da Guiné / Fernando Magro. - Lisboa : Polvo, 2005. - 84 p. ; 20 cm

  

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10833: Mi querido blog, por qué no te callas?! (3): A moral da história, cada um que a tire; e quanto ao mural, cada um que o pinte... Relembrando o velho blogue-fora-nada, com amor, com humor, e votos de festas felizes para tertulianos de ontem e grã-tabanqueiros de hoje... (Luís Graça)



Página do nosso blogue, I Série,ã com o último poste, de 1 de junho de 2006


1. Para quem é "pira"  na Tabanca Grande, convirá aqui dizer que o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné chamava-se,  originalmente, Blogue-Fora-Nada. Nasceu em 8 de outubro de 2003. O primeiro poste publicado, às 15h03, não tinha nada a ver com a Guiné e  intitulava-se Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter...e-mail.

Eu, na altura, tinha acabado de redigir e de entregar a minha tese de doutoramento, tinha  ido pela primeira vez a Angola... Precisava de "desopilar", de escrever coisas mais ligeiras, mas não pensei imediatamente nas minhas/nossas memórias da Guiné. É certo que os blogues também estavam na moda... como está hoje o Facebook e outras redes sociais. Aliás, as redes sociais começam com os blogues... Depois de vários "toques e retoques", esta era a apresentação do meu blogue:

blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!

Esta primeira série do nosso blogue vai de 8 de outubro de 2003 a 1 de junho de 2006. Neste espaço de tempo publicaram-se 825 postes, numerados de I a DCCCXXV (Numeração romana, que estopada!)... E, no final, contadas as  cabeças, éramos exatamente 111 os amigos e camarada da Guiné. Tratávamo-nos por "tertulianos", ou sejam, membros de uma tertúlia...  Aqui vai essa lista, já histórica...  Atenção que a lista está ordenada, por ordem alfabética, não por antiguidade...( Aproveito o ensejo para lembrar com saudade o nosso camarada Zé Neto, que a morte levou em 2007):

(1) A. Marques Lopes, 
(2) A. Mendes, 
(3) Abel Maria Rodrigues, 
(4) Afonso M.F. Sousa, 
(5) Aires Ferreira,
(6) Albano Costa
(7) Amaro Samúdio, 
(8) Américo Marques, 
(9) Ana Ferreira, 
(10) Antero F. C. Santos, 
(11) António Baia, 
(12) António Duarte, 
(13) António J. Serradas Pereira, 
(14) António (ou Tony) Levezinho, 
(15) António Rosinha, 
(16) António Santos, 
(17) António Santos Almeida, 
(18) Armindo Batata, 
(19) Artur Ramos, 
(20) Belmiro Vaqueiro, 
(21) Carlos Fortunato, 
(22) Carlos Marques dos Santos, 
(23) Carlos Schwarz (Pepito), 
(24) Carlos Vinhal, 
(25) Carvalhido da Ponte, 
(26) David Guimarães, 
(27) Eduardo Magalhães Ribeiro, 
(28) Ernesto Ribeiro, 
(29) Fernando Chapouto, 
(30) Fernando Franco, 
(31) Fernando Gomes de Carvalho, 
(32) Hernani Acácio Figueiredo, 
(33) Hugo Costa, 
(34) Hugo Moura Ferreira, 
(35) Humberto Reis, 
(36) Idálio Reis, 
(37) J. C. Mussá Biai, 
(38) J. L. Mendes Gomes, 
(39) J. L. Vacas de Carvalho, 
(40) João Carvalho, 
(41) João S. Parreira, 
(42) João Santiago,
(43)  João Tunes,
(44)  João Varanda,
(45)  Joaquim Fernandes,
(46)  Joaquim Guimarães, 
(47) Joaquim Mexia Alves, 
(48) Jorge Cabral, 
(49) Jorge Rijo,
(50)  Jorge Rosmaninho,
(51) Jorge Santos, 
(52) Jorge Tavares, 
(53) José Barreto Pires, 
(54) José Bastos, 
(55) José Casimiro Caravalho, 
(56) José Luís de Sousa, 
(57) José Manuel Samouco, 
(58) José Martins, 
(60) José (ou Zé) Teixeira, 
(61) Júlio Benavente, 
(62) Leopoldo Amado,
(63)  Luis Carvalhido,
(64) Luís Graça
(65) Luís Moreira (V. Castelo),
(66)  Luís Moreira (Lisboa), 
(67) Manuel Carvalhido,
(68)  Manuel Castro, 
(69) Manuel Correia Bastos, 
(70) Manuel Cruz, 
(71) Manuel Domingues, 
(72) Manuel G. Ferreira, 
(73) Manuel Lema Santos, 
(74) Manuel Mata, 
(75) Manuel Melo, 
(76) Manuel Oliveira Pereira, 
(77) Manuel Rebocho, 
(78) Manuela Gonçalves (Nela), 
(79) Mário Armas de Sousa, 
(80) Mário Beja Santos, 
(81) Mário Cruz, 
(82) Mário de Oliveira (Padre), 
(83) Mário Dias (ou Mário Roseira Dias), 
(84) Mário Migueis, 
(85) Martins Julião, 
(86) Maurício Nunes Vieira, 
(87) Nuno Rubim, 
(88) Orlando Figueiredo, 
(89) Paula Salgado, 
(90) Paulo Lage Raposo, 
(91/92) Paulo & Conceição Salgado, 
(93) Paulo Santiago, 
(94) Pedro Lauret, 
(95) Raul Albino, 
(96) Renato Monteiro, 
(97) Rogério Freire, 
(98) Rui Esteves, 
(99) Rui Felício, 
(100) Sadibo Dabo, 
(101) Sérgio Pereira, 
(102) Sousa de Castro, 
(103) Tino (ou Constantino) Neves, 
(104) Tomás Oliveira, 
(105) Torcato Mendonça, 
(106) Victor David, 
(107) Victor Tavares, 
(108) Virgínio Briote, 
(109) Vitor Junqueira, 
(110) Xico Allen, 
(111) Zélia Neno.

Em rigor foi em 1 de junho de 2006 que o Blogue-fora-nada passou a chamar-se simplesmente Luís Graça & Camaradas da Guiné, continuando "a ser o sítio (virtual) onde nos encontramos, sempre que quisermos e pudermos". Era descrito como  "um blogue colectivo que tem por missão ajudar a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, como queiram) na Guiné, hoje República da Guiné-Bissau, nos anos quentes de 1963 a 1974".

E acrescentava o blogador-mor, nessa altura, ainda sozinho: "É um blogue, em português, para tugas, turras e nharros, sem discriminação de alguma espécie (sexo, idade, nacionalidade, etnia, orientação sexual, estado civil, religião, clube, hobby, lobby, escolaridade, título, profissão, situação na profissão, posto na tropa, estatuto sócio-económico, idiossincrasia, etc.)". 

Mas voltando ao nosso primeiro blogue, foi só em 23 de abril de 2004 que criámos a série Guiné 69/71 e publicamos um primeiro poste: Guiné 69/71 - I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra... Ou seja, seis meses depois... Na realidade, o primeiro poste do Blogue-fora-nada, foi este que a seguir se reproduz...Ao relê-lo, vejo que tem uma inesperada atualidade, por diversas razões, que não vou aqui esmiuçar; em todo o caso, tenho pena que haja ainda muitos camaradas nossos - antigos combatentes - que não chegam até nós por, não por falta de um computador em casa, mas por falta de literacia informárica... Segundo os dados do estudo Bareme Internet da Marktest, em cada 10 lares portugueses há 7,3 lares que têm pelo menos um PC - computador pessoal, com utilização; e em 4 em cada 10 lares têm mais do que uma máquina...O número de lares onde existe computador aumentou três vezes mais, de 1997 (25.8%) para 2012 (73.4%). Em 2003, era de 42,7% e em 2006 de 52,9%. O problema está utilização diferencial do PC em função da idade e da escolaridade: é um domínio onde os mais novos estão muito  mais à vontade do que os mais velhos... E nalguns casos - refiro-me ao nosso blogue - são os filhos e netos que trazem pais e avós, antigos combatentes, até nós... Acho que é um ternura, e deve ficar aqui registado, para que esse exemplo floresça.

Bogue-fora-nada > 8 de outubro de 2004 > Estórias com mural ao fundo - I: Ter ou não ter...e-mail

[por Luís Graça, revisto hoje]

Tenho por (mau) hábito perguntar às pessoas que vou conhecendo "se têm e-mail"... Mas depois de ler a história a seguir, não vou ter mais lata para o fazer: (i) é indelicado; (ii) pode ser embaraçoso; e (iii) até pode dar azar...

Um dia houve alguém que me respondeu, com agressividade mal contida (mas compreensiva):
- Não tenho... e tenho raiva a quem tem ... Ou será que já é obrigatório por lei ?...

Nós, os ex-clérigos (durante séculos o pessoal universitário, incluindo os estudantes, estavam sujeitos ao direito canónico e só com o triunfo do liberalismo é que o reitor de Coimbra passou a ser um leigo!), temos dificuldade em imaginar um mundo sem livros, sem escrita, sem cátedras, sem professores e, agora, sem Internet, sem blogues,  sem Facebook, sem e-mail...

Não sei se é obrigatório ter e-mail (ou se vai sê-lo em breve), mas a verdade é que todos os dias nos ameaçam com a infoexclusão, uma espécie de upgrade das labaredas do inferno. Há muito boa gente que hoje em dia teme ser acusada de infoanalfabeta e pensa que, "pelo sim, pelo não, sempre é bom ter e-mail, não vá o diabo tecê-las"... E quem diz e-mail, diz outras buzzwords horríveis tais como url, password, username, nib...

Já assim pensavam, noutro contexto, os cristão novos de Trancoso que assinalavam, com uma cruz, as suas casas, não fossem os cristãos velhos desconfiar que eles eram judaizantes, logo ignorantes e inimigos da fé cristã (a única, a verdadeira, a dominante)... A cruz era a password e o e-mail daqueles tempos em que os portugas sucumbiram à tentação totalitária...

Por isso, "ter ou não ter e-mail: eis a questão" é uma história com moral... E com mural ao fundo. Bem ao fundo.  Ponderei seriamente se havia de a pôr a circular entre @s car@s ciberamig@s... Há sempre o risco de uma leitura demasiado literal, apologética, direi mesmo...primariamente neoliberal !!! Mas, pensando bem, o que conta são os factos, a narrativa (digna do melhor do Reader's Digest, diga-se de passagem). A moral, cada um que a tire. E quanto ao mural, cada um que o pinte... 

Moralistas e grafiteiros do meu país, divirtam-se! A minha (moral) é apenas a da filosofia baseada na evidência. E quanto ao mural, sempre preferi o branco-da-cal-da-parede. Com aviso, como comvém: (i) pintado de fresco; (ii) por favor não encostar à parede; (iii) é expressamente proibido fuzilar (contra o muro).

Por azar o meu, recebi esta mensagem por e-mail, através de um amigo angolano (J.D.) que, coitado, também ele tem o azar de ter e-mail, o mesmo é dizer, terminação em branco. Mesmo jogando no Euromilhões,  tanto ele como eu temos praticamente 100% de probabilidades de nunca virmos a ser milionários, como o herói desta história.

Dei à história o meu toque pessoal. Vocês usem-na (e socializem-na)... para os devidos efeitos. Não posso evitar eventuais tentativas de branqueamento da história. A história é para se usar e branquear, dizem os historiadores oficiais dos vencedores. Mas esse não é o meu ofício. No fim, não se esqueçam do nosso trato: Ciber-humor com ciber-humor se paga...

Ter ou não ter e-mail: eis a questão!

Um homem respondeu a um anúncio da MicroDura com uma generosa oferta de emprego para desempregados de longa duração. O lugar era para empregado de limpeza. Um adjunto do Gestor dos Recursos Humanos (GRH) entrevistou-o, fez-lhe um teste, tão simples como (i) varrer o chão, (ii) apanhar o lixo e (iii) enfiá-lo num saco...  No fim,  disse-lhe:
- Parabéns, o lugar é seu. Dê-me o seu e-mail para eu lhe poder enviar a ficha. Depois de preenchida e devolvida, aguarde que a MicroDura lhe comunique a data e a hora em que se deverá apresentar ao serviço nos nossos headquarters.

O homem, subitamente embaraçado e nervoso, respondeu que não tinha casa, e muito menos computador, e muito menos ainda Internet, endereço de correio electrónico e essas coisas todas. Era um sem-abrigo.

Aí o valente adjunto do GRH da MicroDura ficou branco como a cal da parede... Por essa é que ele não estava à espera!... Um cidadão norte-americano sem e-mail, o que era uma aberração sociológica, bloguissimamente falando !... O que iria pensar o Mr. Bill Gaitas ?!... Por fim, recompôs-se e disse, de maneira assertiva como tinha aprendido nos cursos da empresa sobre comunicação assertiva::
- Lamento muito, mas se eu o senhor não tem e-mail, isso quer dizer que virtualmente não existe; e, não existindo, não pode ter o privilégio de pertencer ao admirável mundo novo dos colaboradores da MicroDura.

O homem saiu, envergonhado e, pior ainda, mais desesperado e desempregado que nunca. Tinha apenas 10 dólares no bolso. Em vez de ir ao McSandocha’s matar a malvada, resolveu entrar num Bigmarket e comprar uma caixa de 10 quilos de tomate para revenda. Em menos de duas horas vendeu a mercadoria, porta à porta, num dos bairros mais próximos, habitado por negros e porto-riquenhos, tendo assim conseguido duplicar o seu capital. Repetiu a operação mais três vezes e obteve um lucro de 60 dólares. 

No fim do dia, concluiu que podia sobreviver dessa maneira, pelo menos por uns tempos. Passou a trabalhar mais horas por dia. Rapidamente aumentou o seu pecúlio, e em breve comprou a sua primeira carrinha, em segunda mão. Uns meses depois trocou-a por uma camião.

O resto da história é fácil de adivinhar: ao fim de um ano e meio já era dono de uma pequena frota e ao fim de cinco estava milionário, ao tornar-se o principal accionista de uma das maiores cadeias de distribuição alimentar nos Estados Unidos... Como podes imaginar, caro leitor, esta história de sucesso só podia ter acontecido na Terra Prometida e já se tornou um casestudy nos mais famosos cursos de MBA de todo o mundo. E em tempos de crise

Pensando no futuro da sua nova família, o nosso homem resolveu fazer um não menos milionário seguro de vida. Chamou um corretor ao seu escritório e acertou um plano. Quando a reunião estava praticamente concluída, o corretor de seguros pediu-lhe o e-mail para lhe poder enviar rapidamente a proposta de contrato. O homem-que-se-fez-a-si-próprio, afinal um herói americano, respondeu, com a maior naturalidade deste mundo, que simplesmente não tinha nem nunca tivera nem nunca provavelmente viria a ter um endereço de e-mail. O corretor não queria acreditar e comentou, em tom de brincadeira:
- Você não tem e-mail e construiu todo este império!... Imagine até onde poderia ter chegado, se tivesse e-mail!... Quem sabe se não poderia ter chegado inclusive até à Casa Branca!

O homem ponderou as palavras do corretor e respondeu-lhe, com a mais fina das ironias:
- Olhe, se eu tivesse e-mail, ainda hoje andaria, feito cão, a lamber o chão do escritório do Bill Gaitas!!!

Moral da história:

(i) Ter ou não ter e-mail, eis a questão;
(ii)  Se queres ser empregado de limpeza da MicroDura ou doutra grande empresa, procura antes de mais ter um e-mail. 

(iii) Se não tens e-mail, gostas de trabalhar e és empreendedor, ainda podes vir a ser milionário;

(iv) Se por acaso recebeste esta mensagem por e-mail é por que estás mais perto de ser empregado... de limpeza do que ser milionário...

(v) Se és antigo combatente da Guiné, se não tens PC, nem sabes usar a Internet, e queres vir a ser grã-tabanqueiro (leia-se: membro da nossa Tabanca Grande), não tens desculpa: pede ao teu filho ou teu neto que nos mande... um email, em teu nome... para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com...

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10822: Mi querido blog, por qué no te callas?! (2): (i) A guerra também é capaz de revelar o que há de mais sublime nos seres humanos (Hilário Peixeiro); (ii) ... E eu estou nesta bela caravana há quase 9 anos (David Guimarães)...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10801: Os nossos médicos (45): O dr. Soares Oliveira na Tabanca de Matosinhos com o João Rebola (Armando Pires


Foto nº 1

Foto nº 2


Foto nº 3


1. Mensagem de 13 do corrente, enviada pelo Armando Pires [, foto á direita, na sua casa de Miraflores, concelho de Oeiras...

Meu Caro Luís Graça.

Camarada.

Em primeiro lugar, informo que a minha ferramenta, o computador, obviamente, já se encontra em funcionamento. Assim sendo, apraz-me enviar-te as fotos, que me pediste, da presença do Dr. Soares Oliveira [, ex-alf mil med, BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70] no almoço da Tabanca de Matosinhos.

A primeira foto foi tirada à chegada ao restaurante. A partir da esquerda, estão: (i)  o José Teixeira, 1º cabo enfermeiro da CCAÇ 2381; (ii)  o ten cor capelão Augusto Pereira Batista, que no blogue já homenageei e que pertenceu ao meu batalhão; (iii) o João Rebola, fur mil da CCAÇ 2444, que estava em Bissorã quando nós lá chegámos, de quem me tornei amigo e que só reencontrei graças ao nosso blogue;  e (iv)  o Dr. Oliveira, que foi, tal como o capelão, convidado pelo Rebola a estar presente naquele almoço.

Na segunda foto, o Dr. Oliveira faz a sua apresentação à Tabanca. Ao seu lado tem o Eduardo Moutinho Santos, que foi alf mil da CCAÇ 2366.

A terceira foto não tem que enganar. Todos à mesa com o Dr. Oliveira ao lado do Moutinho, lá ao fundo, na cabeceira da mesa.

À margem, quero dizer-te que, por telefone, procurei convidar o Dr., não a fazer parte da Tabanca Grande,  mas a escrever um texto sobre a sua experiência, enquanto médico, na guerra colonial. Ainda lhe disse, "o dr. escreve à mão, envia-me pelo correio, eu passo à máquina, mando-lhe para fazer correcções...", mas qual quê, só não levei um grande arraso porque ele faz o favor de me estimar.

Em forma de alerta, por razões que depois explicarei, tenho já pronto um "breve conto de natal" que espero poder enviar amanhã ou sábado, o mais tardar com pedido de publicação. Só falta o preciosismo de identificar um fulano que está na foto que irá em anexo.

Um abraço do

Armando Pires


2. Comentário (ou melhor, inconfidências) de L.G.:

Às vezes a vida, vista  por dentro do blogue (leia-se: na casa das máquinas), parece mais um manicómio... Quem está do outro lado, de fora, na blogosfera,   pode não se aperceber dos aspetos cómicos, hilariantes,  dramáticos, patéticos e até trágicos do "making of" desta coisa que sai religiosamente (!) , todos os dias, há quase três mil dias (!), na Net, o 5º quinto mundo, depois da terra, do céu, do inferno e do purgatório...

Enfim, isso é outra "pequeníssima  história" dentro da "pequena história" que nós procuramos, com honestidade e humildade, contar aqui todos os dias, em complemento da "grande história"... Há alguns privilegiados que, se um dia tiverem tempo e pachorra e não perderem o sentido de humor que têm, poderão contar essas "outras pequenas histórias" dos bastidores da Tabanca Grande... Eu, o Carlos Vinhal, o Virgínio Briote, o Magalhães Ribeiro, o Torcato Mendonça, o Hélder Sousa, o Zé Martins, o Humberto Reis, o Jorge Cabral, o Joaquim Mexia Alves, o Zé Manel Dinis, o Miguel Pessoa, atuais e antigos editores e colaboradores permanentes...

Mas vamos ao que interessa, neste caso a troca de correspondência, nos últimos dias, com o Armamdo Pires, "furriel, enfermeiro, ribatejano, fadista, radialista, jornalista", meu vizinho (ele, a residir, em Miraflores, Oeiras, eu, em Alfragide, Amadora) e que há dias pus, por indícios (alarmantes) da doença do alemão, a morar em Santarém (!)... Já lhe pedi desculpa, coisa que ele cristãmente aceitou, meio resignado... É que já não é a primeira vez que eu o mando para... Santarém, capital do gótico e do gado bravo...

Em véspera de Natal, ele vai-me permitir quebrar algumas regras (como as do sigilo e confidencialidade das fontes)  que são caras aos jornalistas, como por ex. estas nossas conversas "off record"... Esta sequência é "surreal" e só vem demonstrar que o editor-mor do blogue anda mesmo "cacimbado" de todo,  ao fim de tantas "comissões na Guiné" (quatro, a caminho de cinco!)...Aí vai um filme da tal conversa fiada:

(i) Meu caro Luís. Parte da resposta que te queria dar já lá está, em comentário. Aqui queria escrever outra parte que seria indelicado da minha parte escrever "lá". O dr. Oliveira é um impenitente infoexcluído. Não tem computador e apetece dizer que tem raiva a quem o tem. No telemóvel nem gravar números ele faz quanto mais enviar uma mensagem. Isto que te digo, contado por ele,  vale mais do que dez partos no abrigo do Zé Manjaco. A história do manjaco ele contou-ma faz tempo. Quando decidi contá-la para nós, para lhe pedir autorização (coisa de velhos jornalistas, eu sei) tive de a imprimir, enviar-lhe por correio, com fotos e tudo, e esperar que me telefonasse. Para o entusiasmar a escrever, nem que fosse um único texto, eu tinha de estar ao pé dele, abrir o computador, mostrar-lhe o blogue e dizer, vá lá, doutor,  escreva só uma coisinha, escreva mesmo à mão que eu depois trato do resto Ora, ele está "lá em cima".

Só o vejo uma vez por ano, quase todos os anos, nas férias. Ele e a mulher vão para a mesma praia que eu, quase sempre na mesma altura que eu e para próximo da casa onde estou.

Sobre a foto do almoço, esqueci-me de te dizer. Estou sem computador. Constipou-se e deu baixa ao hospital. É lá que está a fotografia que o Rebola me enviou. Se quiseres esperar, tudo bem. Se achares que dava mais jeito ser já, é só dizeres que eu telefono ao Rebola e peço-lhe para a enviar logo para ti.
abraços.

(ii) Caro Armando: Está tudo dito, o Soares de Oliveira deve ter uma década à nossa frente e essa diferença é muito grande, em termos de literacia informática. Fico sempre entusiasmado quando vejo no blogue referência aos nossos médicos e enfermeiros. Consegui pôr alguns a escrever no blogue...Mas é óbvio, tenho que respeitar o ritmo, a idade e a história de vida de cada um... É uma geração "alérgica" ao PC [, Personal Computer]... A foto mandarás quando a tua "enxada" vier do "hospital"... Não tem pressa... Já agora, vim a subir as escadas, a caminho do meu gabiente, com um antigo aluno, jovem, brilhante, o dr. Ricardo Mexia, que acaba de ser colocado como autoridade de saúde na tua cidade, Santarém. Ele vive aqui em Lisboa, e trabalha aí. Toma boa nota. Um abraço. Luís

(iii) Tens toda a razão, Luís. O dr. Oliveira leva 75 anos de idade. Mas, para te ser franco, e fica, aqui entre nós, eu creio que aquilo ali também há um bocadinho de preguiça. Não intelectual, mas daquela que é usada pelos que "compram tudo feito". Ele costuma-me dizer: "ó pá, eu se quisesse meter lâmpadas nos candeeiros tinha ido para electricista". Ele é tão bom homem e tem tanta graça, que tudo lhe perdoo. Um dia hei-de contar-te a história de como ele pensava que as rodas dos automóveis se trocavam com uma chave inglesa. Contou-me ele (sim, ele conta-me) e ri-se às gargalhadas. Pronto, logo que tiver o PC, segue a foto.

Quanto ao dr. Mexia, grato pela indicação mas uma ligeira correcção. Ele "trabalha aí", não, ele trabalha lá. Embora perto, só raramente vou a Santarém. Os meus amigos, apesar da idade, continuam a ser mais da noite. Infelizmente, os meus pais já há muito faleceram. É a vida. Um grande abraço.

(iv) Ok, Armando, tinha a (falsa) ideia de continuares a morar em Santarém... Aquele abraço. Luis

(v) Eu bem sei que tens um mundo de gente para "aturar". Para "decorar". Mas lá vai, de novo.
Há 40 anos que moro no concelho de Oeiras. Sou quase teu vizinho, aqui em Miraflores, muito próximo daquele teu amigo que visitas, na Avenida "dos leões". Bom fim de semana.

(vi) Eh! pá, que grande porra!!!... Desculpa lá!!!... Sou distraído comó camandro!!!... Não é que venho mesmo da tal avenida dos leões, em Miraflores, onde fui visitar o tal meu amigo, arquiteto, que acaba de ser operado ao coração!... E eu a mandar-te prá lezíria!!!... De facto, meu caro Armando, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é que é... Grande! Grande de mais para a minha camioneta!!!...

Ennfim, daqui vai um Alfa Bravo apertado para o teu doutor, deixa-o em paz, que ele tem esse direito, e convida mas é o teu amigo e camarada João Rebola, esse sim, para engrossar as nossas fileiras. E o nosso capelão, por que não ?!... Festas felizes,  quentes e boas, para ti e para todo o maralhal da Tabanca de Matosinhos. LG
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10778: Os nossos médicos (44): Cumprir as normas, sempre (Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10780: Tabanca Grande (372): O resto da autobiografia do nosso último grã-tabanqueiro, nº 591, João Carvalho Meneses, 2º tenente fuzileiro especial na situação de reforma, DFA, a residir em Azoia de Cima, Santarém

1. Mensagem de 9 do corrente do João Carvalho Meneses,  o nosso último grã-tabanqueiro (que, espero,  não será o último nem deste ano nem do resto da vida Tabanca Grande, que vai completar 9 anos a 23 de abril de 2013, e que teoricamente deveria encerrar, para balanço, quando chegar - se lá chegar - aos 11, os míticos 11 da guerra colonial na Guiné, 1963/74):

 Assunto: actualizações

Amigos: Primeiro que tudo, um grande abraço.

 (...) Junto mais alguns dados individuais, que penso te possam interessar para o Blogue:

Data de Nascimento: 05-01-1948
Data da Morte: terá que ser outro a escrever
Data de alistamento: 19-09-1971
Data de Imposição das Boinas aos Fuzileiros Especiais: 16-03-1972
Data de Promoção a Aspirantes: 14-04-1972
Data da disponibilidade: 01-05-1974 (note-se o dia - 1º de Maio, feriado oficial)
Local de Nascimento – Freguesia de Santos-o-Velho, Lisboa, PORTUGAL
Local de Falecimento – A ver vamos ….
Local de Residência – Azoia de Cima, Santarém, PORTUGAL
NOTA: Não sou EX-Ten. Sou 2º TEN FZE na Situação de Reforma (pela razão de DFA)

Afirmei também a dada altura que os meus problemas duram há 33 anos, mas foi erro meu tipográfico. Dado que ainda estou vivo, fez este Setembro 2012, a dias 29, 40 anos sobre o facto [, o grave ferimento em combate ocorrido na região do Cubisseco, a sudoeste de Emapada]

Novo Alfa Bravo (como vocês dizem)

2º TEN FZE Carvalho Meneses, Guiné, 1972
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Nota do editor:


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10475: Blogpoesia (306): S. T. T. L., Sit tibi terra levis!... Que a terra da tua Pátria, ao menos, te seja leve!.. (Luís Graça)


[Imagem à esquerda: Guernica, de Picasso, 1937. Óleo sobre tela, 349 cm × 776 cm. Museu Rainha Sofia, Madrid, Espanha... 

Imagem do domínio público: Cortesia da Wikipedia.]




S.T.T.L... Sit tibi terra levis!... Que a terra da tua Pátria,
ao menos, te seja leve!

por Luís Graça



1. Um dia até as pombas da paz do Picasso
repousarão no museu da guerra.

Em relicários,
de aço.
Mais as moscas,
regressadas dos campos de batalha,

que ficarão lá espetadas em alfinetes
nos respetivos mo(n)struários.

As moscas.
Exangues.

Cobertas de terra.
E a merda das moscas,

liofilizada,
como os grelos que comias na noite de Natal,
a merda agora elevada à categoria
de artefacto cultural.

Um dia ouviste um coronel, 

veterano,
dizer, sem rancor nem fel
(mas nunca viste isso escrito na Ordem de Serviço):
 Chiça!, sempre mais vale uma mosca na sopa
do que um míssil na cozinha.


A tua guerra foi tacanha.

Foi uma guerrinha,
de baixa intensidade,
assegura-te o escriba, submisso,
agora garboso historiador oficial.
Não viste mísseis a cruzar o Geba ou o Corubal,
mas milhões de insetos caíam-te na sopa.

Salgada,
da água da bolanha.
Fria.
Desconsolada.

A responder-lhe,
ao veterano,
seria com a célebre frase de um  general prussiano
(um general das guerras napoleónicas,

ainda por cima prussiano,
sempre é mais ovoestrelado 
do que um coronel do exército colonial):
– A guerra não é mais do que
a continuação da política de Estado
por outros meios. 

Fim de citação. 
Ponto final.
Siga a Marinha.
Até ao Terreiro do Paço. 

2. De megafone em punho,

o guia-mor do museu,
antigo combatente
maneta, 
o olhar baço, 
o peito ainda ardente, 
fala-te da arte e da ciência da guerra.
E da importância que é devida
aos detalhes
de barba.
Lá estava o aviso exposto na tua camarata:
– Mais vale perder um minuto na vida,
do que a vida num minuto.
Confessa, camarada,
que nunca chegaste a perceber
por que é que o soldado tem que ser tosquiado.
E ir ao encontro da deusa da morte... devidamente ataviado.

3. Faltou-te sempre a visão do todo,
que, para um estratega, 
bem escanhoado,
como o teu major de operações,
só podia ser maior do que a soma dos detalhes.
A única filosofia de vida,

de vida sem liberdade,que tu ouviste,
foi na tropa,
ao teu tenente de instrução da especialidade 

de atirador de armas pesadas de infantaria.
Começava em porcaria, 
e rimava com morte.
Era cínica e dissolvente,
como qualquer vulgar detergente
de cozinha:
- A merda é o adubo... da vida;
é fazendo merda, que tu aprendes;
e sobretudo nunca te esqueças
que é com a merda dos grandes,
que os pequenos se afogam.



À quinta feira, 
recordas-te ainda tão bem,
depois da feira do gado vacum, 
em Tavira,
fazia-nos, à malta do nosso pelotão,

rastejar na bosta,
enquanto ele gania como um cão
debaixo da janela da sua amada.  
É por isso que ainda hoje 
nem tu nem eu gostamos... de xarém.

4. Na tropa-do-um-dois-três-e-troca-o-passo

nunca soubeste
onde ficava o norte,

meu desgraçado!
Nem nunca soubeste pôr ao pescoço o baraço.
Nem fazer o nó à gravata.
Nem onde pôr a mão esquerda.
Nem o ombro arma,
a arma no ombro
ou o ombro na arma.

Nem fazer o pino.
Nem adivinhar a hora da sorte.
Nem sequer fazer um manguito de bravata.
Nem por isso te chumbaram,
coitado.

Depois um dia, no meio da guerra,

quiseram mandar-te para a psiquiatria,
o que era estranho,
porque o RDM,
em todo o seu articulado,
não previa a figura do inimputável 
nem a do cacimbado
(muito menos  a do psicopata... do major).
 Deem-lhe um valium dez,
metem-no numa camisa de forças. –
gritou o comandante das tropas em parada
ao médico, amável, 
ao enfermeiro, calado que nem um rato,
ao maqueiro, rapaz cortês:
– Sempre é mais cómodo e barato
do que embrulhá-lo em papel selado!

5. Prometeram-te depois um mundo melhor,

porém chato, chatíssimo,
com escudo de proteção 
e seguro contra todos os riscos;
não te disseram onde,
nem quando,
nem a que preço.
Descobriste que era tarde
e longe do planeta

e caríssimo.

 6. Ter a consciência limpa,

ó meu... sacana ?!
Para ti, é ter a memória com as baterias em baixo.

–   Por favor avisa-me, camarada,
quando elas estiverem a cinco por cento.
Quero fazer 'reset' das minhas memórias da Guiné.


Procuras, além disso, uma mão ?
– Direita, 
com cinco dedos,
disposta a ajudar
o meu pobre braço.
Esquerdo.
Decepado.
Dou alvíssaras,

estou disposto a pagar
com o American Express Card.
Golden, claro!


7. Morrer é 

quando tu chegas um beco sem saída
e não tens um kit de salvação.

Morrer em Nhabijões,
em Madina do Boé,
em Gandembel,
em Mampatá,
na Ponta do Inglês,
em Gadamael
ou em Missirá
... ou no Pilão, numa cena canalha,
tanto faz.
A morte não tem SPM.
E quem morre,  morre de vez,
quer mortalha,
e sobretudo quer que o deixem em paz!

8. A vida com a morte se (a)paga.
Há sempre moscas à espera
do teu cadáver,

mesmo seco e magro.
E jagudis.
E formigas bagabaga.

E um dia aziago.
E um primeiro sorja da CCS que te põe os pontos nos ii.
E um capelão que te fecha os olhos, 
com extrema unção e compaixão.
E um coveiro que te prega as tábuas do caixão.
– Não me perturbem o sono eterno! –,
podia ser o teu epitáfio,
ó tuga dum carago!

9. A prática, dizem-te, leva à perfeição,
exceto no jogo da roleta russa

que jogavas nas picadas da Guiné,
a G3 contra a Kalash,
a pica contra o fornilho,
o coiro, encardido,  contra o Erre-Pê-Gê.
Por isso tu vivias cada dia,
como se aquele fosse
o único que te restasse

no calendário de parede,
no teu abrigo,
grafado com gajas nuas.
E muitos traços, em conjuntos de sete, 
marcando a eternidade de uma semana, 
ou de um mês:

Cada dia era o primeiro, 
o único, 
o original, 
o irrepetivel,
no jogo da vida e da morte!
E todos as manhãs fazias o teste do dedo grande do pé esquerdo,
o do joanete,
o dos calos,
o das bolhas,
o da unha encravada,
o das pisadelas,
o mais azarento, 
o rebenta-minas!

10. Não sei se o pintor de Guernica 

(ou Gernika, que o topónimo é basco),
gostaria de ter conhecido
Adão e Eva
no Paraíso.

Ou a Terra Prometida quando era rica,
e nela corria então o leite e o mel,
mais o ouro, o incenso e a mirra.
Deve ter achado que 
esteticamente o Inferno
dava muito mais... pica.





PS - Aqui vai, para a comissão de ética,

 a tua declaração de conflito de interesses:
– Não conheço nenhum museu da paz,
apenas este,  o da guerra.

Nada sei de estética.
Não sou columbófilo.
E muito menos fã do Picasso. 


Já agora escreve, 
no teu testamento vital,
a tua última vontade, 
o teu desejo final:
Quando eu morrer, camaradas, 
que a terra da minha Pátria, 
ao menos, me seja leve!

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