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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10598: Agenda cultural (228): O livro "O Outro Lado da Guerra Colonial - Cantina Oliveira, Moçambique", de Manuel Francisco de Oliveira Ramos, foi apresentado em Torres Novas no passado dia 28 de Outubro de 2012 (Carlos Pinheiro)

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2012:

Camarigo Carlos Vinhal
Ontem tive o prazer de assistir ao lançamento de um livro - "O outro lado da Guerra Colonial - Cantina Oliveira, Moçambique".
Entendi por bem fazer uma pequena noticia do evento, noticia esta que anexo. Apesar da noticia se referir a Moçambique e não à Guiné de que trata mais especialmente o nosso bloque, mesmo assim resolvi enviar-te a mesma com o fim de ser publicada se assim o entenderes que é possivel e que a mesma merece ser publicada.
Fica à tua consideração.

Um abraço
Carlos Pinheiro


“O outro lado da Guerra Colonial – Cantina Oliveira, Moçambique” 

Mais um livro sobre a guerra colonial, “O outro lado da Guerra Colonial – Cantina Oliveira, Moçambique”, foi apresentado hoje, 28 de Outubro de 2012, no anfiteatro da Taberna do Aspirante em Lapas - Torres Novas perante uma plateia agradável e interessada na obra.

É seu autor Manuel Francisco de Oliveira Ramos que foi Furriel Miliciano de Operações Especiais (Rangers), na 2.ª Companhia de Caçadores do Batalhão de Caçadores 4810 - Tete -Moçambique 1972-1974 e actualmente é Presidente da Junta de Freguesia de Lapas, localidade onde foi feita a apresentação da obra.

A obra foi editada pelo Núcleo de Torres Novas da Liga dos Combatentes e contou com o apoio da Câmara Municipal de Torres Novas na normalização, revisão e editing, coordenação e grafismo da mesma e ainda com a colaboração de vários camaradas de armas do autor e foi prefaciada pelo Presidente da Liga dos Combatentes Tenente General Chito Rodrigues.

Começou por usar da palavra o Comandante da Companhia a que pertenceu o autor do livro, o Presidente do Núcleo da Liga dos Combatentes, o autor, o Vice-presidente da Câmara e a terminar o Presidente da Liga dos Combatentes.

Todos foram unânimes em elogiar o autor e a obra, tendo o Presidente da Liga tecido ainda algumas considerações acerca do dia de hoje, o Dia do Exército comemorado nas Calda Rainha, e feito a apologia do autor tendo também proferido algumas palavras sobre a guerra propriamente dita e ainda pela forma interessada como a Liga apoia este tipo de iniciativas visto que, na sua opinião, é o conjunto de livros sobre a guerra que um dia irá permitir que se faça a verdadeira história desse período conturbado. Nesse sentido e porque todos os contributos são importantes, deixou bem claro que a Liga já apoiou várias edições de livros e está preparada e interessada em continuar a apoiar futuras edições.

Mesa de honra. Da direita para a esquerda: O Comandante da 2.ª Companhia do BACÇ 4810; o autor; o Tenente General Chito Rodrigues, Presidente da Liga dos Combatentes; Dr. Pedro Ferreira, Vice-presidente da Câmara Municipal de Torres Novas; o Presidente do Núcleo da Liga dos Combatentes em Torres Novas e o orador, no uso da palavra, como representante da Junta de Freguesia de Lapas 

Encerrada a sessão, seguiu-se a habitual sessão de autógrafos do autor aos inúmeros livros que muitos dos seus amigos se prontificaram a adquirir.

Seguiu-se um beberete de confraternização entre os presentes.

Nota finalA Taberna do Aspirante é um edifício da Junta de Freguesia que foi recuperado e é composto por um anfiteatro onde se desenvolvem com alguma frequência manifestações culturais de vária índole, possui também um pequeno bar e outras instalações de apoio e mantém o nome original da taberna que foi tem tempos idos.

Carlos Pinheiro 28.10.12
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10595: Agenda cultural (227): Lançamento do livro "Goa - O Preço da Identidade - Invasão 50 Anos Depois", de autoria do Prof. Doutor Valentino Viegas, dia 16 de Novembro de 2012, pelas 18h30 na Casa de Goa, em Lisboa (Maria Teresa Almeida)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 27 de Julho de 2012:

Envio para todos os meus contactos o link que suporta o livro que acabei de editar, em situação de pré venda na livraria online de www.sitiodolivro.pt.

Em breve estará à venda quer neste site, quer na livraria "Leya na Barata", na Av. de Roma, nº 11, Lisboa.

Vejam a apresentação do livro. Oportunamente, em breve, enviar-vos-ei uma apresentação mais detalhada do livro em pps.

http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/prece-de-um-combatente/9789892030685/

Cumprimentos
Manuel Sousa

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2. "PRECE DE UM COMBATENTE - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial"

Sinopse

Pela Pátria…

· Fomos arrancados ao convívio dos entes queridos, interrompendo e adiando promissores projectos de vida;

· Vivemos a pungente despedida do zarpar lento de um navio, pejado à proa de lenços brancos a acenar para outros que se agitavam no cais, pairando a incerteza de, um dia, podermos ali voltar;

· Aportámos em terras de África, cujo clima nos causticou a pele e nos tornou pasto fácil para turbilhões de insaciáveis insectos;

· Estreitámos relações com as populações nativas e as suas crianças que, no dia a dia, nos surpreendiam com os seus rituais, a sua cultura;

· Não resistimos à beleza das bajudas, (raparigas) vivendo com elas romances de “amor em tempo de guerra”;

· Calcorreámos trilhos e picadas, ora sob poeira asfixiante e calor intenso, ora sob chuvas tropicais diluvianas;

· Transpusemos linhas de água e pantanosas bolanhas que quase nos submergiam;

· Passámos fome e sede, bebendo, muitas vezes, a água insalubre das bolanhas;

· Fomos acometidos de doenças tropicais;

· Vimos rebentar minas sob viaturas e companheiros de armas, as quais deixavam rasto de destruição e de morte;

· Rastejámos e irrompemos sob o fogo intenso inimigo, debaixo do arrepiante sibilar das balas e dos estilhaços das granadas, ora a atacarmos, ora a defendermos;

· Como toupeiras impregnadas de pó ou de lama, abrigámo-nos do fogo inimigo nas labirínticas trincheiras dos quartéis, defendendo essas nossas posições;

· Vimos companheiros no campo de batalha a agonizar, balbuciando as últimas palavras que guardamos na alma como fiéis depositários;

· Disparámos para não morrermos;

· Pairaram sobre nós vorazes abutres, atraídos pelo sangue que nos jorrava da carne rasgada;

· Honrámos o nome dos companheiros que tombaram em combate, gravando-os de forma indelével em singelos monumentos, autênticas obras d’arte disseminadas no chão colonial africano;

· Sofremos mazelas físicas e psicológicas que nos vão acompanhar durante o resto da vida;

· Tivemos saudades que desfiámos em longas missivas na troca de correspondência com os familiares, namoradas e madrinhas de guerra, além do célebre “adeus até ao meu regresso”, difundido através da Rádio Televisão Portuguesa na quadra natalícia;

· Fomos irreverentes, brigámos, brincámos, rimos, cantámos e chorámos;

· Finalmente chegámos de regresso ao cais onde ternos abraços de saudade nos cingiram, contrastando com o drama daqueles que não tiveram a mesma ventura de abraçar os nossos companheiros, em cujo navio os seus lugares vieram vazios.

· Enfim, com sublime abnegação, tudo isto foi, por ela,

…LUTAR!


Ficha Técnica:

Editora: Edição do Autor
Colecção:
Data de Publicação: 08-2012
Encadernação: Capa mole - 398 páginas
Idioma: Português
ISBN: 9789892030685
Dimensões do livro: 149 x 210 mm
Capa / Paginação: Marco Martins / Paulo Resende
Depósito Legal: 343300/12

(Com a devida vénia a Sítio do Livro)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8310: As Nossas Madrinhas de Guerra (5): Avé-Maria do Soldado (Manuel Sousa)

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9250: Bibliografia de uma guerra (58): Pequenas partes do Lugares de Passagem aqui juntas com algum sentido (José Brás)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9841: Agenda cultural (199): Intervenção de Mário Beja Santos na Tertúlia sobre o livro de sua autoria "Adeus até ao meu regresso", realizada no passado dia 26 de Abril em Lisboa

Realizou-se no passado dia 26 de Abril, na Bertrand Dolce Vita Monumental, Lisboa, uma sessão integrada no ciclo "Tertúlia, Literaturas da guerra colonial: há memórias que nunca acabam", com coordenação do Cor Carlos Matos Gomes, em que esteve em destaque o livro "Adeus até ao meu regresso" de autoria do nosso camarada Mário Beja Santos que foi um dos intervenientes a par do nosso camarada e Editor/Administrador deste Blogue, Luís Graça.


1. Deixa-se aqui um apontamento da intervenção de Mário Beja Santos:


Adeus, até ao meu regresso:

Algumas questões sobre a literatura da guerra da Guiné

Por Mário Beja Santos

Pode não ter uma elevada qualidade, esta literatura da guerra da Guiné, mas tem uma longevidade assombrosa, basta dizer que surgiu logo aos primeiros tiros, em 1964, e não para de nos surpreender.

Abraça, esta literatura, o romance e o conto, as memórias de vários matizes, o ensaio, a poesia, a reportagem, a investigação histórica e os diários.

Obedece às vicissitudes dos ciclos históricos do Império, da descolonização, do desatar dos constrangimentos, da gradual equidistância que permite aos participantes joeirarem azedumes e centrarem-se no essencial. Foi essa a trajetória que eu escolhi para tratar no livro Adeus, até ao meu regresso as impressões que colhi sobre os títulos que tive oportunidade de conhecer e, tanto quanto sei, até tive a felicidade de ler o essencial.

Começou a guerra, não havia espaço para dúvidas de fé, o regime não permitia sedições nem clamores anticoloniais. O que se escreveu tem a ver com a dinâmica militar, o apoio à guerra, o exame do estudioso da evolução da guerrilha ou a nomeação do verdor do soldado português: Armor Pires Mota, Manuel Barão da Cunha, Hélio Felgas, por exemplo.

No final da década, numa linguagem totalmente codificada, emerge um nome importante das letras portuguesas, Álvaro Guerra, ex-combatente, a quem se ficará a dever alguns parágrafos belíssimos e irrecusáveis sobre esta guerra (desde O Disfarce até já nos anos 70, O Capitão Nemo e Eu).

Estamos nos anos 70, antes do 25 de Abril temos a escrita desalentada de A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha e os textos sempre encriptados (ou quase) de Álvaro Guerra. Vejamos com algum detalhe algumas obras de Álvaro Guerra. Oiçamo-lo em O Disfarce: «Nasci na pátria do ódio gentil, na pátria da paz e do sono, do idílio de uma seringa cheia de medo com uma veia cheia de velho sangue, uma veia sossegada e antiga, sem dores de me parir. Cresci entre as histórias mentirosas e as mezinhas mitológicas de adiar mortes serenas, milhões de tranquilíssimas mortes conformadas, ao som do fado-hino e da saudade-destino».

Falta agora uma apreciação de O Capitão Nemo e Eu (1973), é a última incursão de Álvaro Guerra na guerra da Guiné.

Alguns críticos que saudaram a obra na época interrogaram-se se se estava perante um romance, uma narrativa ou uma memória. Há um homem que está ferido, preso a uma cama de hospital, que entra num processo de convalescença, que divaga quase em estado de delírio, entre o sono e a vigília, nunca é dado estabelecer as fronteiras entre o que é sono e o que é sonho.

Temos um ferido que tateia o corpo e o meio envolvente, que vigia a fisiologia e que repesca os factos acontecidos, a justificação por estar ali, sujeito a remédios e injeções. 



Pequena tertúlia que contou comn a presença de alguns camaradas da Tabanca Grande: além do Beja Santos, o Jorge Cabral, o Luís, a Alice, o Alberto Branquinho, o João Martins, o António Vaz,  o Francisco Henriques da Silva (antigo embaixador na Guiné-Bissau, o Joaquim Carvalho (do BENG)... Fotos de L.G.

É bem possível que tenha regressado ferido na perna, tal como Álvaro Guerra, tão ferido que volta à infância, vê aparecer no seu quarto um anjo, depois regressa ao Geba e amaldiçoa a sua sorte: «Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo nem a presença da morte o pode aniquilar». Bastava este parágrafo de Álvaro Guerra para o colocar obrigatoriamente em qualquer antologia referente à literatura da guerra da Guiné.

E chegamos a 1974, a dinâmica literária dá uma sacudidela veloz, é tempo de niilismo e de irreverência. José Martins Garcia será o arauto e o grão-mestre dessa viragem. E  

Lugar de Massacre a obra incontornável do anúncio desses novos tempos.

Lugar de Massacre é um livro soberbo (3ª edição, 1996). É difícil acreditar que haja prosa mais niilista, corrosiva e grotesca que a que ele utiliza na construção dos personagens, dos ambientes e atmosferas, nos diálogos entre guerreiros, até nas circunstâncias do quotidiano. Martins Garcia usa até à exaustão o nonsense como metáfora, a relação entre chefes e subordinados decorre habitualmente entre o despotismo, a orgia sexual e a bebedeira que culmina no embrutecimento e até mesmo na hospitalização. É um livro autobiográfico, como ele próprio anota: «Este romance foi redigido entre o mês de Dezembro de 1973 e o dia 8 de Setembro de 1974. Qualquer coincidência com a realidade colonial dos anos 1966 – 1968, no que respeita à Guiné-Bissau, não é produto do acaso».

Os anos 80 terão novas características: os autores estão mais disponíveis para os relatos confessionais, a intimidade vem à flor dos relatos, tornam-se crus, pujantes, como numa corrediça os acontecimentos circulam velozmente do presente ao passado ou vice-versa. Três autores (Álamo Oliveira, José Brás e Cristóvão de Aguiar) merecem incontestável destaque.

Álamo Oliveira com o seu Até Hoje (Memória de Cão) vem desafrontadamente falar da homossexualidade e da guerra, entre João e Fernando, as personagens principais. É uma obra rica na descrição de ambientes. Por exemplo, a chegada do correio é um acontecimento avassalador, como Álamo Oliveira descreve: «Estão como cabras espantadas, prisioneiros ridículos, inocentes, amantes de cordel, aos saltos, gritinhos tarzânicos. Doentes de alegria explosiva, rapazes com o coração a viajar para o princípio do ser, primitivos os sentidos expostos. Fixam-se no meio da parada, a mão à testa para tapar o sol, a avioneta de voo raso, dois sacos de correio que se despenham e se amparam nos mil dedos que os agarram... As notícias vinham ali ensacadas, cadeadas, atrasadas quase quatro semanas. Vinham alegrias de tempo contado, saudades moídas pela azenha da distância, tristezas em rebanho... Os olhos estão fixos nas mãos do cabo-escriturário que agora é todo o quartel de Binta e só aquele tamanho, a mão emocionado metendo a chave no cadeado do saco com a mesma untuosa demora da desfloração».

José Brás é um estreante e traz uma grande surpresa com as suas Vindimas no Capim. Vindimas no Capim é uma obra de peso da literatura da guerra colonial guineense. Um Filipe Bento que vem à fala orgulhoso do pai barbeiro e da mãe costureira, orgulhoso das origens, da fossanga das vinhas, íntegro numa raiva desmedida à instituição militar com quem, tudo leva a crer, ficou definitivamente incompatibilizado. Enternece este regresso à juventude e depois saltar para Cutima-Fula, Camba-Jate ou caminhar até Guileje, nos entretantos deixar claro o que o pessoal da 4022 viveu em estafadeira. Há imagens que, de tão bem resumidas, nunca mais se esquecem: «Buba! Ao longe pareceu-nos um bairro de lata. O Prior Velho. O rio era a autoestrada do norte e o barco a carreira dos Claras a caminho de Lisboa. As barracas iam crescendo e já se viam braços no ar à beira do espelho da estrada; um amontoado de troncos a entrar na largura da rota, em forma de cais, e uma mancha a alargar-se, a mexer-se, a gritar».

É uma narrativa que fala de bruxa de vários tipos, das eleições no tempo de Salazar, do obscurantismo de vários matizes, de um mundo que gradualmente foi desaparecendo com o termo daquela guerra. Compreendemos, no fim da narrativa, porquê vindimas no capim: é a voz do chamamento da terra, dentre as tabancas, ao pé do corredor da morte, com os palavrões da guerra. E também se compreende a dedicatória «Àqueles que se estoiravam, eles próprios, por dentro e por fora, para que a terra continuasse a parir e o sol a fecundá-la». Seguramente, estas Vindimas no Capim têm lugar merecido entre o que melhor se escreveu nos já longínquos anos 80.

Temos finalmente Cristóvão de Aguiar, ainda hoje às voltas com o seu livro Braço Tatuado.

Desde que escreveu Ciclone de Setembro (1985), Cristóvão de Aguiar (1940) nunca mais largou o filão da Guiné, onde combateu de 1965 a 1967. Virá a desafetar de Ciclone de Setembro o romance O Braço Tatuado (1990), segue-se Relação de Bordo (1999), Trasfega (2003) e A Tabuada do Tempo (2006).

A expedição de Arquelau de Mendonça em terras da Guiné, publicada em Ciclone de Setembro (1985) deve ter sabido a pouco quer ao escritor quer aos leitores. Arquelau é um ilhéu típico: foi à guerra para não se demorar, andou lá a correr, acompanhado de um casal de rafeiros, comandou o 1.º grupo de combate da CCAÇ 666. As suas correrias, tanto quanto parece, centraram-se no Leste, procurou alhear-se da guerra, era impossível, viu execuções sumárias, dez mortos numa emboscada, entre Piche e Canquelifá. Sofreu as solidões do aquartelamento de Dunane, sentiu a sombra da loucura, depois o Niza, o tal soldado do braço tatuado, resolveu suicidar-se quando a Lena (cujo nome estava tatuado) o preteriu por outro. Não é difícil perceber como o episódio do Niza lhe ficou gravado, obriga Cristóvão de Aguiar a revisitações: «Tento de onde estou parado parlamentar com ele. Faço-lhe ver que aquela loucura o poderá desgraçar para o resto da vida. Não me dá ouvidos. Desgraçado já ele estava, nenhuma outra desgraça o poderia afetar tanto. Dão uns passos a medo e muito devagar. Mal nota que me vou aproximando, dá dois tiros para o ar. Estaco estarrecido. Muito subtil, levo a mão ao bolso e palpo a arma. Ele olha-me com a fixidez de um dementado e entende o meu gesto sorrateiro. Diz ele: Se o meu alferes sonha em tirar a pistola, abato-o de seguida... E despeja, em rajada, quase todo o carregador da G-3 para o ar, mas não tanto para o ar que não sinta o assobio de uma bala rente ao ouvido direito. Não me dou por achado, mas entro em pânico por dentro. A minha cabeça é um carrossel de fogo. Mordo os beiços numa tentativa de autodomínio, se calhar de autodefesa. Verifico que o Niza não traz cinturão nem as cartucheiras. Respiro de alívio».

Dos anos 90 em diante temos toda a gente a escrever: Armor Pires Mota regressa com Cabo Donato Pastor de Raparigas e surpreende-nos com uma obra-prima Estranha Noiva de Guerra. Seja em edições de autor ou com chancela de editora, surgem títulos à volta do romance e conto, de um modo geral coisas insignificantes, mesmo quando há boa vontade. O registo vai para Tempo Africano de Manuel Barão da Cunha, Memória dos Dias sem Fim, de Luís Rosa e As Ausências de Deus, de António Loja. Barão da Cunha remexe nos seus diferentes títulos anteriores, põe alguém em nome das jovens gerações a interpelar um ex-combatente que cirandou por África, o resultado é o de um bom exercício didático. Ficamos a dever a Luís Rosa e a António Loja parágrafos belíssimos, diria mesmo que se acaso se vier a publicar uma antologia de grandes textos eles terão presença obrigatória.

No campo das memórias é onde mais longe se foi, no escol e no rol. Vasco Lourenço, Salgueiro Maia, Gustavo Pimenta, as reportagens de João Paulo Guerra, antigos prisioneiros do PAIGC e essencialmente José Talhadas, Amadú Djaló e Moura Calheiros. A equidistância veio garantir olhares mais serenos sobre a guerra colonial, a investigação revelou-se parte interessada sobretudo com os trabalhos de João de Melo, Rui de Azevedo Teixeira e Margarida Calafate Ribeiro. 

Muita gente começou a vazar recordações, a título exemplificativo: Nuno Mira Vaz escreveu sobre o BCP 12 e a Guiné; Garcia Proença sobre os movimentos independentistas, o Islão e a Guiné; António Duarte Silva deu continuidade ao estudo da história recente da Guiné, é hoje um investigador indispensável; Sanches de Baêna escreveu sobre os fuzileiros da Guiné como Kruz Abecassis sobre a aviação. 

No campo da História Luís Nuno Rodrigues escreveu uma biografia sobre Spínola, recorrendo aos parâmetros da história oral, José Freire Antunes escreveu nos anos 90 (recentemente reeditado) A Guerra de África, 1961-1974. E Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso deram devido relevo à história da Guiné nos já incontornáveis Os Anos da Guerra Colonial. A súmula sobre a guerra da Guiné de Fernando Policarpo tem poucas rugas e muitos méritos para acicatar a curiosidade dos não-iniciados.

Graça de Abreu colige notas da sua observação, não escondendo o quotidiano entediante, estava atento ao evoluir da guerra e tinha acesso a muita informação, daí a utilidade em ler-se o seu trabalho como uma apreciação do agigantar da guerra, entre 1972 e 1974; Leonel Olhero está num Esquadrão Panhard, sobretudo em Bula, doseia as recordações entre o antes e o durante a guerra e profere declarações altamente polémicas como aquelas que tece ao capitão Salgueiro Maia. Mário Beja Santos pretende reconstituir a sua comissão militar desde que desembarcou em Bissau, em Julho de 1968, até ao seu regresso, em Agosto de 1970. Organiza metodicamente os acontecimentos por semanas, interessa-se em mostrar como descobriu o deslumbramento pelo Cuor, onde viveu 17 meses, com a missão principal de garantir a navegabilidade do Geba.

Urgindo pôr temo a este arrazoado de considerações sobre uma literatura sem fim à vista, tendo mesmo em conta que este arrazoado poderá ter sido injusto em omissões graves ou qualificações menos abonatórias, importa sublinhar que qualquer síntese é espinhosa quando não abre espaço à antologia. Isto para significar que se revela indispensável entregar a um especialista o cotejo de textos representativos de autores representativos. O único mérito que posso conferir a este apanhado é a chamada de atenção para obras e autores até agora omitidos, sabe-se lá por que razões de cariz ideológico ou outras. Afinal, até eu me esqueci de apresentar A Cubana que Dançava Flamenco, de Armor Pires Mota, de dizer que continuam a surgir obras com depoimentos de ex-combatentes, caso de Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné Moçambique: 50 histórias da guerra colonial, de Nuno Tiago Pinto, com prefácio de Carlos de Matos Gomes (A Esfera dos Livros, 2011); deixei no olvido inúmeras histórias de companhias, algumas delas de grande significado. Não quero estar na pele do historiador a quem couber tal missão! Todos os dias o investigador é confrontado com surpresas, entra num arquivo ou num alfarrabista e surgem mais novidades. Há depois amigos zelosos que juntam outras peças e, com um sorriso nos lábios, surpreendem-nos. Falou-se na literatura propagandística do regime, o exemplo escolhido foi o de Amândio César. Mas há mais. Horácio Caio escreveu em 1970 Guiné 9 Dias em Março, José Manuel Pintasilgo escreveu em 1972 Manga de Ronco no Chão e Horácio Caio volta às lides do panegírico em 1974 com Guiné 1974, Vigilância e Resposta. Para que conste que o rol é supostamente infindável.

A despeito de uma maioritária falta de qualidade desta literatura, há parágrafos extraordinários assinados por Álvaro Guerra, Martins Garcia, Cristóvão de Aguiar, António Loja ou Luís Rosa. E Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota, o mais persistente dos todos os escritores da guerra da Guiné, é autor de uma obra-prima digna de constar na bibliografia indispensável de todas as literaturas de guerra.

Haverá surpresas? E porque não? As memórias de Amadú Djaló, do sargento Talhadas e do coronel Moura Calheiros não foram publicadas nos últimos anos? Até ao lavar dos cestos, até estar vivo o último militar que combateu na Guiné, há que contar com as surpresas da vindima, não há mês em que não surja um título, um depoimento, um olhar sobre aquela guerra que se travou enquanto se caminhava na farroba de lala, entre cipós e tabás, a patinhar no tarrafo, nas emboscadas montadas em florestas secas densas, militares acoitados atrás do baga-baga, a resistir à fúria das emboscadas, ou dentro dos aquartelamentos, imprecando em noites de flagelação destruidora. Haverá seguramente surpresas, este género literário está muito longe de ter fechado para obras e muito menos para mudança de ramo.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9797: Agenda cultural (197): "Adeus até ao meu regresso" em foco na "Tertúlia - Literaturas da guerra colonial: há memórias que nunca acabam", dia 26 de Abril de 2012, pelas 18 horas, na Bertrand Dolce Vita Monumental, Lisboa, com a participação de Mário Beja Santos e Luís Graça

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9828: Agenda cultural (198): "O Trilho: um cruzar de épocas em gerações transversais – 1950-2050", novo livro de José Saúde

terça-feira, 20 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9629: Agenda Cultural (188): Convite para o lançamento do livro Adeus até ao meu regresso, de Mário Beja Santos, dia 29 de Março de 2012, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, em Lisboa (Carlos Vinhal)

C O N V I T E

"Adeus até ao meu regresso" (a literatura dos e sobre os combatentes da guerra da Guiné) é o último livro de Mário Beja Santos, publicado pela Âncora Editora, cujo lançamento vai ser levado a efeito no próximo dia 29 de Março de 2012, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95 em Lisboa.

A obra será apresentada pelo Coronel Carlos Matos Gomes.


O "Adeus até ao meu regresso" é uma compilação das recensões feitas pelo camarada Mário Beja Santos no nosso Blogue, e agrupadas no livro por: Romance e Conto, Memórias, Ensaio, Poesia, História e Diários.

Entre outros autores podemos encontrar: Armor Pires Mota, Álvaro Guerra, José Martins Garcia, Álamo Oliveira, José Freire Antunes, José Brás, António Graça de Abreu, Hélio Felgas, Rui Alexandrino Ferreira, Cristóvão de Aguiar, Alberto Branquinho, Vasco Lourenço, Salgueiro Maia, Carmo Vicente, Amadú Djaló, Manuel Batista Traquina, Lobato Faria, José de Moura Calheiros, José Pardete Ferreira, Fernando de Sousa Henriques, António Duarte Silva, Aniceto Afonso, Carlos Matos Gomes.

Alberto Branquinho, Amadú Djaló, António Graça de Abreu, Cristóvão de Aguiar, Fernando de Sousa Henriques (1949-2011),  José Brás, José Pardete Ferreira,  Manuel Batista Traquina e Rui Alexandrino Ferreira, fazem parte da nossa Tabanca Grande, cujo número total de membros (entre os vivos e os mortos) ascende já a 543.

Dedicatória de Mário Beja Santos inserta neste livro:

À malta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, pela ajuda que me deu na pesquisa de livros esquecidos ou esgotados, um companheirismo espantoso;

ao António Duarte Silva, um amigo que dispõe de uma biblioteca surpreendente em tesouros da história e da literatura guineense, e que tem sido incansável com empréstimos e conselhos, sempre avisados e estimáveis;

à memória de Serifo Candé, de Mamadu Silá e de Ussumane Baldé, meus queridos camaradas do Pel Caç Nat 52, recentemente falecidos;

ao Armor Pires Mota, pela sua obra-prima "Estranha Noiva de Guerra";

à memória de Ruy Cinatti, a quem prometi, logo em 1970, que trataria com carinho este dever de memória, incluindo os testemunhos literários de combatentes e estudiosos.

Um livro a não perder, principalmente pelos interessados em literatura dedicada à guerra colonial, da Guiné particularmente. Para os menos endinheirados, na impossibilidade de comprar todos os títulos recenseados, poderão encontrar uma ajuda na selecção das obras a ler prioritariamente.

CV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9573: Agenda Cultural (187): Inauguração da exposição Guerra Colonial - Tarrafal 50 anos depois - CONVITE

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8840: Notas de leitura (279): Os Anos da Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
Esta aturada investigação de Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso (na sequência de trabalho anterior, de que aqui já se fez recensão) é indubitavelmente a obra de maior fôlego até hoje publicada, permitindo ao leitor mesmo não-iniciado acompanhar os principais factos e acontecimentos que na cena internacional e nacional se projectaram nos teatros de operações e vice-versa.
Profusamente ilustrado, assegura ao leitor o conhecimento das unidades militares envolvidas e comporta um apreciável acervo bibliográfico.
Como se compreenderá, delimitaram-se as apreciações da recensão exclusivamente a feitos e factos da Guiné.

Um abraço do
Mário


Os anos da guerra colonial

Beja Santos

Editado primeiro em 16 cadernos e depois sob a forma de livro, “Os Anos da Guerra Colonial”, por Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso constituem um importante levantamento de eventos de grande significado, seja na política internacional ou na política nacional, procurando estabelecer as respectivas ondas de choque na evolução dos teatros de operações (Quidnovi Editora, 2010).

Os autores dão a seguinte justificação, logo no preâmbulo: “Publicámos há 11 anos um livro em fascículos intitulado “Guerra Colonial 1961 – 1975”. 11 anos depois voltamos ao tema. Quisemos aprofundar o conhecimento dos factos, ensaiar a sua explicação e, essencialmente, saber e compreender o que se passou. A obra assenta numa cronologia de factos que procuram transmitir o essencial do que aconteceu nos vários palcos onde a guerra se travou – nos campos de batalha, nos corredores dos vários poderes, em Portugal e um pouco por todo o mundo que interferiu com as acções de Portugal e dos movimentos de libertação africanos. É sobre o saber mais e compreender melhor os anos da guerra colonial que trata esta obra”.

Tratando-se de um trabalho monumental, apela-se à compreensão do leitor para a necessidade de só relevar alguns dos principais acontecimentos que envolvem a Guiné. Logo no primeiro caderno consta o relatório do Tenente-Coronel Filipe Rodrigues, Comandante Militar da Guiné, sobre os acontecimentos do Pidjiquiti de 3 de Agosto de 1959. Talvez valha a pena equacionar o que aqui se diz com o que é referido no relatório do Comando da Defesa Marítima da Guiné e que consta dos anexos da História dos Fuzileiros de autoria do Comandante Sanches de Baêna. Não há entendimento sobre o número de mortos e feridos, a propaganda do PAIGC procurou explorar a dimensão dos incidentes, é crível que se tenham registado 7 mortos, 20 feridos e um número equivalente de detidos pelas forças policiais e que vieram a ser interrogados pela PIDE.

É no número 4 dos cadernos que se começa a falar das hostilidades desencadeadas pelo PAIGC em 23 de Janeiro de 1963. Fala-se na data de 1960 como do início das acções anticoloniais na Guiné, é um pequeno lapso, os ataques conduzidos pelo Movimento de Libertação da Guiné tiveram lugar em 1961. Procede-se a um pequeno historial dos acontecimentos e estranha-se que mesmo numa obra de divulgação histórica, a propósito das razões de Amílcar Cabral se escreva que este “Para a garantir a viabilidade da Guiné, engendrou a aliança de Estados com Cabo Verde, que possuía uma posição estratégica invejável. Infelizmente, os guinéus pensaram que a aliança era favorável a Cabo Verde, por lhe dar acesso ao interior de África, ao deserto, esqueceram-se de considerar a vantagem mútua”. Quem isto escreveu emitiu um juízo subjectivo, o historiador não tem que deplorar nem exaltar, são os políticos que respondem pelas estratégias e são os povos que as acolhem ou rejeitam, nada mais. Os acontecimentos referentes a 1963 na Guiné apontam para a sublevação e desarticulação do Sul e a criação da base do Morés, não há uma palavra para a constituição das bases do PAIGC no Leste, que tanta influência vieram a ter na região do Corubal, que ficou sob o comando de Domingos Ramos, que faleceu mais tarde em Madina do Boé.

De um modo geral, as sucessivas sínteses militares que precedem os diferentes anos da guerra destacam os factos mais salientes. Pegando, a título exemplificativo, em 1972, encontramos em Janeiro a captura pelas forças portuguesas de duas rampas de foguetões na região de Aldeia Formosa, em Abril uma delegação da ONU visitou zonas libertadas da Guiné, em Abril duas bombas explodiram em Bissau, mês em que Spínola enviou uma carta a Caetano e onde se menciona que “não ganharemos esta guerra pela força das armas”; e no mês seguinte Spínola encontrou-se com Senghor em Cap Skiring, mas Caetano determinou que esta política de contactos não devia continuar (os analistas consideram que estes pontos de vista irredutíveis constituíram uma viragem no relacionamento entre Caetano e Spínola; em Julho começam as referências ao fornecimento de mísseis terra-ar ao PAIGC e em Outubro a Assembleia Geral da ONU passou a reconhecer o PAIGC como o legítimo representante da Guiné-Bissau. Os autores procedem a uma memória sobre a africanização da guerra e a constituição das forças especiais africanas na Guiné.

No volume dedicado ao fim do Império, é igualmente importante o que Josep Sánches Cervelló escreve quanto ao 25 de Abril na Guiné: “Em Bissau, quatro dias depois do golpe de Estado, um grupo de militares redigiu uma carta dirigida ao general Spínola, na qual lhe pediam o cessar-fogo imediato, a entrega do poder ao PAIGC e a imediata repatriação dos soldados. O MFA assinalou que se recolheram mais de 300 assinaturas em 24 horas, algumas de oficiais superiores. No princípio de Maio, o batalhão de artilharia 6520 recusou-se a partir para Cadique para render um Batalhão com 16 meses em zona de combate e mais de 50 % de baixas. A decisão foi assumida por todos, excepto pelo Comandante. Depois de dias de negociação, acabaram por cumprir a ordem, depois de conseguirem a destituição do Comandante e o compromisso de que em Cadique se procuraria o cessar-fogo com o PAIGC. Estes protestos estenderam-se a todas as unidades sem excepção (…) Enquanto se desenrolavam estes acontecimentos, a guerra ainda não tinha terminado oficialmente. Desde o 25 de Abril até finais de Maio houve acções bélicas que provocaram 84 baixas portuguesas e mais de 60 entre a população que lhes era afecta. Quando, no princípio de Maio, o Tenente-Coronel Fabião chegou ao território como novo representante do Governo, e depois de comprovar "in situ" a degradação da situação militar, passou a colaborar estreitamente com o MFA local”.

Em jeito de síntese, Carlos de Matos Gomes analisa o conceito de combater pela Pátria e comenta que “A Guerra Colonial, do ponto de vista dos movimentos independentistas, tem dois tempos, o da guerra, na qual obtiveram o inegável sucesso de desgastarem as forças portuguesas a ponto de estas terem optado pela sua auto-regeneração através da sublevação contra a hierarquia, e o da descolonização e da pós-descolonização. A descolonização foi rápida a destruir a herança colonial. O período posterior está ainda hoje enredado na contradição entre o real, que é construir e administrar um Estado-Nação e a utopia de criar uma Nação africana com um povo africano dirigida por uma nova aristocracia constituída pelos sobreviventes vitoriosos das várias guerras anteriormente travadas”. Aniceto Afonso falando da história e da memória da guerra colonial recorda que o Movimento dos Capitães nasceu da necessidade de acabar com a guerra, desenvolveu-se em torno dos quadros médios do Exército, sendo eles os mais sacrificados estavam em melhores condições para se aperceberem da irracionalidade da guerra e eram os únicos capazes de se envolverem num movimento que levasse à queda do regime. Este trabalho sobre os anos da Guerra Colonial, refere este autor, não seria possível sem a abertura dos arquivos militares.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8830: Notas de leitura (278): Tarrafo, de Armor Pires Mota: censura e autocensura, em tempo de guerra. Cotejando as edições de 1965 e 1970 (Parte I) (Luís Graça)

domingo, 19 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8447: Agenda Cultural (137): A propósito do lançamento da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, no dia 15 de Junho de 2011 no Auditório CIUL, Lisboa (José Brás)



1. Mensagem do nosso camarada José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 16 de Junho de 2011:
(continuação)

Lateralmente, devo dizer que não assisti à sessão de apresentação da Antologia, numa postura pessoal talvez exagerada mas fincada nesse dito popular "quem não se sente, não é filho de boa gente", sendo certo que já não tenho idade para engolir sapos destes.

Eu explico.

Em tempo apropriado foi-me solicitada autorização para inclusão na Antologia**, de um texto meu identificado então. Respondi que sim mas que o texto estava incompleto e seccionado, sugerindo que tal autorização estava garantida para o texto completo que sabia que a Dr.ª Margarida tinha com ela mas que juntei na altura.
Mais tarde responderam-me que si, que fazia sentido inteiro e que a sugestão havia sido acolhida.

Ontem, adquirido um exemplar, depois de me sentar para participar na sessão, constatei que, afinal, o que ali estava era a primeira opção e não o que havia sido acordado. Senti com se numa guerra qualquer me tivessem seccionado abaixo do pescoço e acima da anca e me deixasse a caminhar assim com o vazio do meio.

Naturalmente que entendo que para além da formação científica e da habilidade para construir uma Antologia como esta, é necessário também uma outra que diz respeito à construção literária e, mesmo ao gosto de cada um. Mas creio igualmente que também faz falta outra coisa que é o respeito pela propriedade que cada autor mantém sobre o que pinta, o que escreve, o que diz, no fundo, pelas várias vias da comunicação e da arte.

Admito mesmo que poderá ter ocorrido um erro qualquer que terá levado ao resultado que me desgosta. Contudo, na posse do organizador da Antologia estava o texto integral e um razoável número de outros textos sobre a mesma matéria e de minha autoria.

Como dizia o cónego, "não habia nexexidade", saí antes que começasse a sessão.

E para que o blogue avalie se exagerei ou não, segue-se o texto completo e o outro que foi publicado.

tinhas no olhar
sinais seguros de esperança
quando
numa quente segunda-feira
de verão
em 64
eles vieram à vila
tomar-te o peso
o pulso
a medida do peito
o sonho
o sonho não
à tarde
quando partiram
a tua ficha dizia apenas
João
20 anos
apto para todo o serviço


tinhas na boca
uma leve aragem de troça
e nos olhos
sinais seguros de esperança
quando
numa suave manhã
de maio
em 65
passada a porta d’armas
os muros do regimento
pretenderam
separar-te
do aroma dos pinhais

e o aroma dos pinhais
ardia em ti
nas noites
de Maio de Junho e de Julho
quando
após o “cross”
a ordem unida
a instrução da “mauser”
e da “guerra subversiva”
o sonho retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a ordem das coisas

nas Caldas da Rainha
os pinhais
tinham o mesmo aroma
dos pinhais da tua terra
e o cansaço
a esperança
e a raiva
subiriam contigo ao “Niassa”
numa gelada manhã
de Novembro
em 66
no Cais da Rocha

os compêndios
de instrução militar
diziam
que na Guiné
não havia pinhais
queriam convencer-te
que na Guiné
o sonho morrera
e tu sabias da gente
sonhando a liberdade
de armas na mão
na escola da guerrilha
nas clareiras abertas
“p’lo napalm”

a mata da Guiné
seria o caminho
da tua liberdade
ouviras dizer
que nenhum homem
é livre
enquanto oprime outro homem
e concluíras
que
na mata da Guiné
como nos pinhais da tua terra
o sonho e a luta
libertavam
o homem

tinhas
nos olhos
sinais seguros
de esperança
e o sonho
retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a frieza da “G3”
quando
deixaste o quartel
na direcção de Guileje
a caminho do “corredor”
onde a liberdade se ganhava
e se perdia
em cada passo em frente
em cada morte

tinhas no olhar
sinais seguros
de esperança
e na tua frente
a mata
densa
da Guiné
confundia-se
com os pinhais da tua terra
quando
a mina
te rasgou o peito
no corredor
perto do destacamento
da Xamarra

************

tinhas no olhar
sinais seguros de esperança
quando
numa quente segunda-feira
de verão
em 64
eles vieram à vila
tomar-te o peso
o pulso
a medida do peito
o sonho
o sonho não
à tarde
quando partiram
a tua ficha dizia apenas
João
20 anos
apto para todo o serviço

tinhas no olhar
sinais seguros
de esperança
e na tua frente
a mata
densa
da Guiné
confundia-se
com os pinhais da tua terra
quando
a mina
te rasgou o peito
no corredor
perto do destacamento
da Cambajate


Nota:
Quero dizer-te ainda que o que digo sobre o Colóquio, e sobretudo sobre a minha reacção ao "erro" no texto que havia acordado, não coloca em causa a minha apreciação pessoal sobre a importância do Colóquio, da organização e edição da Antologia e do valioso trabalho da Dr.ª Margarida Calafate sobre a temática das memórias da Guerra Colonial.

Penso mesmo que lhe devemos todos um voto de agradecimento pela sua contribuição para que sejam preservados relatos, estudos e investigações, colecção de testemunhos e análises deste caldo que nos envolve a todos, ex-combatentes pela via da emoção desatada na memórias dessa parte das nossas vidas, filhos e famílias de ex-combatentes que sofreram de modo diverso o nosso envolvimento, artistas que em algum tempo elegeram o tema como justificação dos seus trabalhos, investigadores armados de método ou simples observadores da guerra e das suas consequências então e hoje.

Grande abraço
José Brás
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8443: Agenda cultural (136): Colóquio/Debate OS FILHOS DA GUERRA COLONIAL - Pós-memória e Representações, ocorrido nos dias 14 e 15 de Junho de 2011 no Auditório do CIUL; CES - Lisboa (José Brás)

(**) Vd. poste de Guiné 63/74 - P8406: Agenda Cultural (131): Lançamento do livro Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, dia 15 de Junho de 2011, pelas 19 horas, no Auditório CIUL / Forum Picoas Plaza, Lisboa (José Brás)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8416: Blogpoesia (151): Gostava de vos falar dos esquecidos... (Josema)

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O Zé Manel, ou o Josema (pseudónimo literário), que durante a sua comissão na Guiné escrevia todos os dias um poema...

Ei-lo aqui  "a reler o que havia escrito, numa pausa durante a protecção a uma coluna de Buba para Aldeia Formosa".


Foto: © José Manuel Lopes (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




1. Relembrando a poesia simples, singela, espontânea, chã, naïve,  de um combatente que nunca quis ser poeta nem nunca frequentou workshops de escrita criativa nem teve  a veleidade, a pretensão ou a ambição de figurar no panteão nacional das letras nem sequer das eruditas antologias poéticas da(s) guerra(s)... Limitava-se a escrever uma poema (ou uns versos que não tinham obrigatoriamente que rimar com nada),  todos os dias, enquantro montava segurança aos trabalhos de construção da nova estrada Quebo - Mampatá - Salancaur, que ficou asfaltada antes do 25 de Abril... (Tratava-se de uma obra que ia ao encontro da estratégia desenhada por Spínola, a da contra-penetração nas regiões libertadas do PAIGC, nomeadamente no Cantanhez. A obra parou com o 25 de Abril... O novo troço deveria ter uns 30 quilómetros... Do alcatrão, pouco resta ou restava quando lá passei em 1 de Março de 2008, a caminho de Guileje)...

Do Poemário do Josema (*) também restaram umas escassas dezenas  versos. A maior parte da sua produção poética foi consumida pelo fogo, numa daquelas noites de dúvidas, insónias, pesadelos que podem assaltar qualquer um de nós que conheceu o TO da Guiné... De repente, apeteceu-me revisitar o nosso camarigo Josema, que agora se dedica a outras culturas, Turismo & Vinhos, numa das regiões mais belas do nosso querido Portugal: Vd. aqui a página no Facebook da Quinta da Senhora da Graça  (**) (LG)...



Gostava de vos falar
dos esquecidos,
dos heróis que a história
não narra,
que as viúvas choraram
mas já não recordam,
daqueles
que nem tempo tiveram
de ter filhos
que os amassem,
descendentes
que os lembrassem,
daqueles
que nunca tiveram
o dia do pai,
vítimas de guerras
que não inventaram,
em tempo que já lá vai.

Falar deles é prevenir,
se bem que de nada lhes valha,
guerras que possam vir,
geradas pela ambição
dos que nunca morrerão
num campo de batalha.

Josema

[Sem título, s/l, s/d] (*)
 
[Revisão / fixação de texto: L.G.]
 
______________
 
Notas do editor:
 
(*) Originalmente publicado em 19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

(**) Último poste da série > 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8352: Blogpoesia (150): A todas as crianças do mundo (Felismina Costa)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8364: Agenda cultural (127): Conferência a realizar no dia 3 de Junho de 2011, pelas 19 horas, na Biblioteca-Museu República e Resistência - Espaço Grandela, incluída no 4.º Ciclo de Conferências MEMÓRIAS LITERÁRIAS DA GUERRA COLONIAL, a cargo de Rogério Seabra Cardoso - "Rotas Sem Fim"

Leva-se ao conhecimento da tertúlia a conferência a realizar no dia 3 de Junho de 2001, pelas 19 horas, na Biblioteca-Museu República e Resistência - Espaço Grandela na Estrada de Benfica, 419, incluída no 4.º Ciclo de Conferências MEMÓRIAS LITERÁRIAS DA GUERRA COLONIAL, a cargo de Rogério Seabra Cardoso - "Rotas Sem Fim".


Cartaz - PROGRAMA  4º Ciclo de Conferências das «Memórias Literárias da Guerra Colonial»




Sobre o autor e o livro, ver aqui.


Sobre este autor, e nosso camarada de armas (que vive em Castelo Branco), e sobre o livro, vd. aqui uma entrevista.

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Nota de CV:


Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8323: Agenda cultural (126): IV Jornadas de Memória Militar, dia 31 de Maio de 2011 no Palácio da Independência

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8323: Agenda cultural (126): IV Jornadas de Memória Militar, dia 31 de Maio de 2011 no Palácio da Independência

1. No dia 23 de Maio recebemos do nosso camarada Mário Beja Santos, uma mensagem dando conta das IV Jornadas de Memória Militar.


IV JORNADAS DE MEMÓRIA MILITAR

ECOS

NA MEDICINA, NA LOGÍSTICA E NA ARTE


No âmbito dos 50 anos da Guerra de África, a ter lugar no dia 31 de Maio de 2011 no Palácio da Independência, Largo de S. Domingos, 11.


(Clicar nas imagens para ampliar e permitir a leitura dos textos)

Do programa destacamos, às 16 horas, o III Painel - Arte, que tem como moderador o Tenente-Coronel Abílio Lousada

- "Guerra Colonial - a literatura e uma geração de escritores" pelo Cor. Matos Gomes

- " A singularidade das nossas literaturas de guerra: os figurantes ainda não disseram a última palavra - Um relance sobre a literatura da Guerra Colonial" pelo Dr. Beja Santos

- "Fazer a guerra é uma coisa; escrever sobre ela é outra coisa" pelo Cor. Paraquedista José Alberto de Moura Calheiros

A entrada é livre, mas os interessados em estar presentes devem contactar a Dra. Clara Dias Marques através do telefone 213 465 120.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8322: Agenda cultural (125): Odivelas, Biblioteca Municipal, 25 de Maio, 18h30: Apresentação do livro Amílcar Cabral (1924-1973): Vida e morte de um revolucionário africano, da autoria do guineense Julião Soares Sousa

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7705: Agenda cultural (104): 50 Anos do Início da Guerra Colonial. ANGOLA61. Guerra Colonial: Causas e Consequências (Beja Santos)


1. O nosso Camarada Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou-nos em 31 de Janeiro de 2011 a seguinte mensagem:
Assunto: Guerra Colonial/Livros: 03 FEV.18h30Lisboa - Livro «ANGOLA 61», de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, é apresentado esta quinta-feira por Fernando Rosas.
50 Anos do Início da Guerra Colonial Guiné 63/74 - P7679: Agenda cultural (103): Programa na SIC com o Cor. Sentieiro - o Capitão da "Ostra Amarga" – 6 Fevereiro 2011 (Virgínio Briote)


ANGOLA61
Guerra Colonial: Causas e Consequências
O 4 de Fevereiro e o 15 de Março

Páginas: 280 PVP: 17,90€
de DALILA CABRITA MATEUS e ÁLVARO MATEUS

Por ocasião dos 50 anos do início da Guerra Colonial (04 de Fevereiro de 1961), realiza-se esta quinta-feira, dia 03 de Fevereiro de 2011, às 18h30, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, a sessão de lançamento do livro ANGOLA 61 - Guerra Colonial: Causas e Consequências.

Da autoria dos investigadores Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, a obra será apresentada por Fernando Rosas.
Confrontados com os novos dados que constam dos arquivos de Salazar e da PIDE depositados na Torre do Tombo, Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus reconstituíram, 50 anos depois, o levantamento de 4 de Fevereiro de 1961 (o primeiro acto de rebelião contra o colonialismo português) e a sublevação de 15 de Março de 1961 (o bárbaro massacre de populações brancas e trabalhadores negros no Norte de Angola), dando a conhecer em ANGOLA 61 os dois acontecimentos que marcaram, em 1961, o início da Guerra Colonial.
A par da análise dos factos ocorridos nesse ano em Angola, documentada com imagens chocantes, relatos da grande barbárie causada pelo terror negro e pelo terror branco, e testemunhos das várias versões dos acontecimentos, os autores de Purga em Angola e Nacionalistas de Moçambique dão a conhecer, nesta nova obra editada pela Texto, os antecedentes, as causas e as consequências da Guerra Colonial, agora que se cumprem os 50 anos do início do conflito.
Partindo de um olhar geral pela África colonial de 1960, passando pela caracterização do colonialismo português e culminando na resposta repressiva dada às tentativas de organização e expressão política dos africanos, Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus retratam em ANGOLA 61 o conflito que ao longo de 13 anos ceifou 9 mil vidas, feriu e estropiou outras 30 mil e se saldou num número indefinido de desaparecidos em combate nos três teatros de guerra – Angola, Guiné e Moçambique.
Apurado o «custo» humano e económico da Guerra Colonial, ANGOLA 61 desafia ainda o leitor a questionar-se sobre como teria sido a descolonização se, em vez da guerra, se tivesse apostado num caminho progressivo para a independência, e como estaria hoje Portugal se se não tivessem delapidado tantos recursos humanos e materiais.
O LIVRO INCLUI:
• Imagens e relatos, na primeira pessoa, da barbárie de 15 de Março de 1961;
• Dados sobre o caso do General Venâncio Deslandes (Governador-Geral e Comandante-Chefe das Forças Armadas de Angola, exonerado por ter defendido a criação da Universidade em Angola e a constituição de uma Federação da Metrópole com Angola e Moçambique);
• Imagens do manifesto do MPLA e da edição n.º 1 do Jornal Anti-Colonial (e.o.);

OS AUTORES
DALILA CABRITA MATEUS Nasceu em Viana do Castelo. É licenciada em História, Diplomada de Estudos Superiores em Administração Escolar, mestra em História Social Contemporânea e doutora em História Moderna e Contemporânea. Investigadora do Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa (ISCTE), é também consultora do Projecto «ALUKA» (EUA). Tem participado em conferências e colóquios, nacionais e internacionais, sobre a problemática das lutas de libertação nacional. É autora e co-autora de vários livros ligados à temática da Guerra Colonial.

ÁLVARO MATEUS Nasceu em Moçambique. Estudante universitário em Lisboa, foi dirigente da Casa dos Estudantes do Império. Nos primeiros anos de guerra colonial, promoveu e coordenou um jornal clandestino contra o colonialismo e a Guerra Colonial. No início da década de 80, participou na formação de professores na Escola Central da FRELIMO e na formação de quadros na Faculdade de Antigos Combatentes e Trabalhadores de Vanguarda da Universidade Eduardo Mondlane. Ao longo da vida foi quadro político, jornalista, locutor, publicista e tradutor, advogado e professor.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7679: Agenda cultural (103): Programa na SIC com o Cor. Sentieiro - o Capitão da "Ostra Amarga" – 6 Fevereiro 2011 (Virgínio Briote)

domingo, 30 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7696: Notas de leitura (195): A Guerra de África, por José Freire Antunes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2011:
Queridos amigos,
Sem discutir a importância deste livro no que toca ao acervo dos depoimentos, intriga-me ter-se perdido a oportunidade de actualizar uma história que tem mais de 15 anos, quando toda a gente sabe que se dispõe hoje de muito mais informação e rasgaram-se os olhares sobre a génese, o desenvolvimento e o epílogo da guerra de África. Seja como for, este documento é um dos poucos pilares a que nos podemos agarrar para uma visão de conjunto e, no que toca à Guiné, recolheram-se testemunhos de valor inultrapassável.

Um abraço do
Mário


A guerra de África, por José Freire Antunes:
Edição comemorativa do cinquentenário do início da guerra em Angola

Beja Santos

O Círculo de Leitores acaba de reeditar (a primeira edição ocorreu em 1995), no âmbito do cinquentenário do início da guerra em Angola o primeiro de quatro volumes de “A Guerra de África, 1961 – 1974”, considerado o mais exaustivo levantamento de testemunhos fundamentais de personalidades que tiveram uma acção relevante em Portugal e em África. Neste primeiro volume, o leitor encontra uma sinopse dos treze anos da guerra, detalhando por dia e mês eventos de índole nacional e internacional com impacto nos três teatros de operações. Neste âmbito, e de acordo com o calendário, aparecem estratos de depoimentos ou documentos de inúmeras proveniências, e a partir de 1962 a Guiné aparece regularmente: Tite, logo em 1962, o início da guerrilha, em 1963, a chegada de Schultz em 1964, e por aí adiante. Aparecem vários extractos da documentação classificada como secreta do consolado de Spínola, entre outras curiosidades.

Como o autor se revela fascinado pela história oral, nessa altura ainda na moda, deu voz a diferentes protagonistas com Champalimaud, Savimbi, Caçorino Dias e alguns particularmente interessantes para a guerra da Guiné como os de Bettencourt Rodrigues, Costa Gomes e Ricardo Durão. Recorde-se que no conjunto destes depoimentos apareceram em 1995 revelações polémicas como as de Silva Cunha e Rui Patrício a revelar as conversações secretas com o PAIGC, em Março de 1974 ou as de Almeida Bruno criticando a postura das tropas em quadrícula, afirmando que, regra geral, mal saiam do arame farpado.

É curioso como nenhum dos investigadores da guerra colonial da Guiné desenvolveu ou explicou a estratégia que Costa Gomes pretendia ver aplicada na Guiné, com Bettencourt Rodrigues. Depois de explicar como é que a situação na Guiné era muito má, no final de 1973, não havendo reservas para fazer face a duas acções de grande envergadura, depois de revelar que o PAIGC tinha 40 indivíduos a serem treinados para pilotos na União Soviética, ele declara: “Na minha opinião, todas as forças que lutavam contra a guerrilha tinham uma desvantagem moral e militar extraordinária e deviam recuar da fronteira, pelo menos para uma distância em que não fossem atingidas pelos morteiros. Eu preconizava esta alteração do dispositivo que nos permitiria reunir e ter à disposição do comando forças que pudessem ser empregues em caso de ataque e de uma forma que as tropas preferem: combater não para a sua retaguarda mas para a sua frente”. Um general prestigiado, ainda por cima Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas profere uma declaração destas e passados estes anos todos continuamos sem saber em que consistia a retracção desse dispositivo e nem se especula sobre as suas incidências.

O depoimento de Ricardo Durão tem momentos de grande emotividade, não esconde as suas admirações. Ele termina assim o seu depoimento: “O caso mais heróico que vivi durante a guerra foi na minha segunda comissão. Passou-se com um alferes miliciano e um furriel miliciano, os dois brancos, que comandavam um pelotão de artilharia de negros em Guilege, uma zona ocupada por nós junto à fronteira com a República da Guiné. Era uma zona altamente flagelada, de dia e de noite, pelas forças do PAIGC, e era a capacidade de fogo que se opunha ou que confortava de certo modo o homem da espingarda porque, quando eles atacavam Guilege, muitas vezes atacavam do lado de lá da fronteira e nós também atirávamos para o lado de lá. O alferes era, portanto, uma peça importante ali. Uma noite houve um ataque muito forte e começaram a cair morteiros de grande calibre. Os homens das espingardas estavam metidos em fossos, mas a artilharia estava a descoberto. O furriel verificou que a situação era insustentável e deu ordem ao pelotão para se abrigar. Os soldados largaram as peças e foram abrigar-se. Mas o furriel, quando estava no abrigo, verificou que havia uma peça que continuava a fazer fogo e ficou surpreendido quando viu o alferes sozinho a disparar.

O furriel, por uma questão de camaradagem, saiu do seu buraco e foi ajudar o alferes. Ficaram os dois a manter o fogo com a boca-de-fogo. É evidente que esta foi atingida e morreram os dois. Isto é um exemplo de tudo o que se pode contar em combate. Primeiro, a obrigação perante os seus homens, pois o alferes viu que a missão era impossível e protege-os. Mas depois havia uma missão a cumprir e o sacrificado devia ser ele, porque era o comandante. E ficou. O furriel teve um acto de camaradagem enorme e foi ajudar o seu alferes. Morreram os dois em perfeita consciência do perigo no cumprimento da sua missão”.

Ao sabor da publicação de novos volumes, dar-se-á notícia de outros depoimentos relacionados com a Guiné.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7689: Notas de leitura (194): Ordem Para Matar, de Queba Sambu (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7262: Estranha Noiva de Guerra, romance de Armor Pires Mota (1): Apresentação em Lisboa, 10/11/2010, na A25A (Parte I)


Lisboa > Sede nacional da Associação 25 de Abril (A25A) > 10 de Novembro de 2010 >  Apresentação do romance Estranha Noiva de Guerra (1ª ed, 1995), agora em 2ª edição, na Âncora Editora (2010, 151 pp.). Neste vídeo, Beja Santos lê excertos do romance (pp. 93/94), obra que ele considera uma obra-prima da literatura da guerra colonial e que,  inexplicavelmente, terá passado despercebida da crítica em 1995.  Num gesto nobre de Armor Pires Mota, os  direitos de autor desta edição revertem a favor dos Centros de Apoio à Inclusão Social, da Liga dos Combatentes. O preço de capa é 16 €.

'Estranha Noiva de Guerra' é a história de Bravo Elias, "um furriel que combate na Região do Morés.  Com ele segue Júlio Perdiz, um morto em combate que não será abandonado em campo de batalha (...). É nisto que surge nesta terra de ninguém uma rapariga dizendo: 'Mim ajuda branco, mim vai ajuda branco'. Chama-se Mariama e promete levá-los até Mansabá (...). Aqueles dois seres humanos levam a padiola do Perdiz, seguem esgotdaos, correndo todos os riscos, atravessando bolanhas fétidas, sujeitos a todas as inclemências da natureza (...).  A paixão entre Mariama e Elias desperta. Passa-se  pela região de Lala Samba, os jagudis voltam a atacar o finado, arrancam-lhe  os olhos, metade de uma orelha, o nariz. Aos tombos chegam a Cumbijã Sare, lavam o que resta do Perdiz. (...). A trama ganha novos contornos com a chegada de dois guerrilheiros (...) Segue-se um ataque a Mansabá, uma descrição como nunca encontrei na literatura da guerra colonial: o vigor da encenação, os sons, as imagens de sofrimento, as águas fores das correrias e dos rodopios. Duarnte o ataque os dois jovens guerrilherios do Morés matam Mariama. O apocalipse prossegue (...).  (Do prefácio de Beja Santos, pp. 11/12).


Vídeo (3' 12''): © Luís Graça (2010).Alojado em You Tube > Nhabijoes



O Rotary Clube de Oliveira do Bairro prestou o ano passado, em 9 de Maio, uma justa  homenagem ao escritor e jornalista Armor Pires Mota, que completou 50 anos de actividade literária.  Do jornal Soberania do Povo, de 6 de Maio de 2009 (completado por outras fontes na Net), seleccionamos algumas notas biobliográficas deste nosso camarada:


(i) Armor Pires Mota nasceu a 4 de Setembro de 1939, em Águas Boas, Freguesia de Oiã, concelho de Oliveira do Bairro;

(ii)  Estudou teologia, no Seminário de Aveiro, curso que abandonou em 1961;

(iii) Em 1960 editou o seu primeiro livro, Cidade Perdida;  

(iv) Ainda no seminário, dirigiu a Revista Semente;  publica igualmente poesias em jornais da região  (Jornal da Bairrada, Correio do Vouga e Soberania do Povo);



(v) Foi alferes miliciano, na Guiné (CCAV 488, 1965/67), com actividdae operacional na Ilha do Como e na  Região do Oio;

(vi) Durante a asua comissão foi publicando um diário de guerra no Jornal da Bairrada;

(vii) Essas crónicas foram depois, em 1965,  editadas em livro,  O Tarrafo;

(viii) Pouco tempo, a ex-PIDE proibiu o livro que tinha cruas descrições de guerra (napalm, bombardeamentos, combates, mutilações...);

(ix) Foi editor de Soberania do Povo em 1970 (num período de rejuvenescimento editorial, na época marcelista), saindo em 1973 e regressando em 1988;

(x) Publicou uma série de crónicas sobre as arbitrariedades dos Serviços Florestais, que deu origem ao livro O Préstimo a Caminho de Lisboa (1971);

(xi) Em 1974, tornou-se pequeno empresário, com a criação de um  empresa na Palhaça (Alferpa); em 1980, com o mesmo sócio e o encarregado geral, fundou a Trougal;

(xii) Continuou sempre a escrever... Dos seus livros do Ciclo de Guerra, cite-se:  Baga-Baga (poesia, Prémio Camilo Pessanha, em 1968), Guiné Sol e Sangue (1968, contos e narrativas), Tarrafo (crónicas vivas da guerra) (2ª ed., 1970),  O tempo em que se mata, o mesmo em que se morre (1974, poesia),  Cabo Donato Pastor de Raparigas (1991, contos), Estranha Noiva de Guerra (1ª ed., 1995;  2ª ed., 2010) e A Cubana que dançava flamenco (2008) (estes dois últimos romances);

(xiii) Foi chefe de redacção da revista Itinerário (Coimbra) e colaborou na Observador e na Panorama. Tem ainda colaboração no Jornal de Notícias, O Primeiro de Janeiro e outros.

(xiv) Dedicou-se à também investigação histórica e à escrita de monografias (a que ele chama o Ciclo da Terra); escreveu livros de poesia e de vivências bairradinas; tem vários inéditos para publicar e figura em quatro antologias: Contos Portugueses do Ultramar, Corpo da Pátria , Vestiram-se os poetas de soldadosEscritas e Escritores da Bairrada;

(xv) Está também no Dicionário dos Escritores e Poetas Luso-Galaicos e no VI Volume do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, organizado pelo IPLB; o número de livros publicados,  repartidos enter o Ciclod a Guerra e o Ciclo da Terra, ultrapassam já as 3 dezenas;

(xv) É sócio da Associação Portuguesa de Escritores e sócio-fundador da Associação de Jornalistas e Escritores da Bairrada (AJEB). A Câmara Municipal de Oliveira do Bairro atribuiu-lhe, em 2001, a Medalha de Mérito Cultural.

(xvi) É um homem simples e solidário, que ama e ajuda a sua terra e os seus conterrâneos: Foi fundador do Grupo Desportivo e da Associação de Melhoramentos de Águas Boas, exerceu cargos na Comissão de Melhoramentos e Centro Social de Oiã, fez parte da Comissão Fabriqueira de Oiã e da Comissão de Obras da Capela de Águas Boas.




O Beja Santos (à esquerda) prefaciou e apresentou a obra...


Aspecto da mesa, presidida pelo dono da casa, Ten Cor Ref Vasco Lourenço...

Lisboa > Rua da Misericórdia nº 95 > Sede nacional da Associação 25 de Abril (A25A)  > 10 de Novembro de 2010 >18h30: Apresentação do romance de Armor Pires Mota, Estranha Noiva de Guerra, 2ª ed. (Âncora Editora, 2010, 151 pp.; Col  Guerra Colonial. Preço de capa: c. 15 €. A primeira edição é de 1995, Editorial Notícias)

Na mesa, presidida por Vasco Lourenço, pode ver-se da esquerda para a direita: (i) Beja Santos (apresentador da obra,  escritor, membro da nossa Tabanca Grande, em véspera de partir para a Guiné,  em "romagem de saudade"); (ii) Armor Pires Mota, o autor, ex-Alf Mil da CCAV 488, Mansabá, ilha do Como, Bissorã e Jumbembem, 1963/65 (*); (iii) Vasco Lourenço, presidente da A25A; (iv) Baptista Lopes, o editor (Âncora); e (v) Serafim Lobato, antigo fuzileiro, jornalista e agora responsável pela Colecção Guerra Colonial, da Âncora Editora .

Assistiram à sessão mais de 4 dezenas de pessoas, quase todos eles antigos combatentes, mas também amigos e familiares do Amor Pires Mota, "gente da Bairrada" que vive em Lisboa... Reconheci, entre outros, o Manuel Barão Cunha, coronel na reforma, DFA, escritor, autor de Tempo Africano (4ª ed., 2010); José Talhadas, antigo fuzileiro, autor de Memórias de um Guerreiro Colonial; os membros do nosso blogue Humberto Reis, José Martins, Belarmino Sardinha, Belmiro Tavares e Carlos Silva (além de eu próprio e o Beja Santos)...

Tive o prazer de conhecer pessoalmente o autor de Tarrafo, Armor Pires Mota, a quem voltei a endereçar o meu convite para integrar a Tabanca Grande, bem como o Serafim Lobato, com quem já em tempos havia trocado e-mails, e de quem já publicámos um ou dois postes.

(Continua)

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Nota de L.G.:

(*)  CCAV 488: Mobilizada pelo RC 3, partiu para a Guíné em 17/7/1963 e regressou a 12/8/1965. Esteve em Bissau, Ilha do Como, Jumbembém e Bissau. Comandantes: Cap Cav Fernando Manuel Lopes Ferreira; Cap Cav Manuel Correia Arrabaça; Ten Cav Lourenço de Carvalho Fernandes Tomás. Pertencia ao BCAV 490 ( (Bissau, Ilha do Como e Farim, 1963/65), comandado pelo Ten Cor Cav  Fernando José Pereira Marques Cavaleiro. Restantes companhias:  CCAV 487 (Bissau, Ilha do Como, Farim, Bissau); CCAV 489 (Bissau, Mansabá, Ilha do Como, Cuntima, Bissau).