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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13427: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (19): Onde adquirir um exemplar (ou uma cópia) do Caderno de Poesias Poilão, editado em 1974, em Bissau


Guiné > Bissau > 1974 > Capa do documento policopiado do Caderno de Poesia Poilão", editada pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino. Cortesia do nosso camarada Albano Mendes de Matos, ten cor art ref, que vive no Fundão [, ex-ten art, GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74],

Foto: © Albano Mendes de Matos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Mensagem de uma nossa leitora, doutoranda no Reino Unido:

Data: 20 de Julho de 2014 às 19:01
Assunto: Caderno de poesia poilão

Caros senhores Luís Graça e Carlos Vinhal,

Cadernos da poesia "poilão".

Vi o vosso blog na internet com referência ao caderno (*), daí o contacto. Os senhores, por acaso, têm alguma cópia extra que queiram vender? Caso não tenham, teriam a amabilidade de me dizer como é que posso obter uma cópia desse livro o mais rapidamente possível, por favor?

Agradecendo antecipadamente a vossa atenção, apresento os meus cumprimentos.

2. Resposta de L.G.:

Cara leitora: Obrigado pelo seu contacto. A referência ao "Caderno de poesia poilão" vem num poste de 13/4/2014, assinado por Albano Mendes de Matos (*), membro deste blogue coletivo, que vive no Fundão, Portugal. Só ele pode arranjar-lhe um exemplar do livro de poesia em questão.
Vou dar-lhe conhecimento deste mail e do seu pedido.Fique com o contacto dele (...) (**).
 
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12975: Memórias dos últimos soldados do império (2): A aventura do "Caderno de Poesia Poilão", de que se fizeram 700 exemplares, a stencil, em fevereiro de 1974, em edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU (Albano Mendes de Matos)

(**) Último poste da série > 29 de janeiro de  2014 >  Guiné 63/74 - P12652: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (18): "A caça no império português", de Henrique Galvão e outros (1943) (Miguel Alves P. Joaquim / Mário Beja Santos)

terça-feira, 1 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13354: Agenda cultural (330): Atenção, Viriatos, ao lançamento, no dia 9, às 17h30, no Salão Nobre da CM Lisboa, do livro inédito, "As Viríadas", a epopeia portuguesa setecentista escrita pelo médico Isaac Samuda (Lisboa,1681 - Londres, 1729)









1. Por mail de Manuel Curado, professor de filosofia da Universidade do Minho,  Braga,  chegou-nos este convite da Câmara Municipal de Lisboa, da Rede de Judiarias de Portugal e da Imprensa da Universidade de Coiimbra, para o lançamento do livro "As Viríadas do Doutor Samuda", edição crítica,  a cargo do prof dr Manuel Curado,  da epopeia setecentista,  inédita,  dos médicos judeo-portugueses Isaac Samuda  (Lisboa, 1681- Londres, 1729) e Jacob de Castro Sarmento (Bragança, 1691-Londres, 1762),

A sessão realizar-se-á  no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa, dia 9 (3ª feira), às 17h30.

2. Sobre a obra (que vem enriquecer a língua e a cultura portuguesas), ver  a seguir uma sinopse, transcrita, com a devida vénia, da página da Imprensa da Universidade de Coimbra [, negritos nossos]:



As Viríadas do Doutor Samuda
Autor: Manuel Curado
Língua: Portuguesa
ISBN: 978-989-26-0659-0
Editora: Imprensa da Universidade de Coimbra
Edição: 1.ª
Data: Maio 2014
Preço: 25 euros
Dimensões: 240 mm x 170 mm
N.º Páginas: 688

Uma epopeia portuguesa setecentista inédita, mas não ignorada, em décimas bem ritmadas, cujo autor, Isaac Samuda, é um dos judeus de talento que o fantasma da Inquisição chegou a aprisionar por um tempo e ameaçava persegui-lo de novo, pelo que teve de emigrar, é o livro que temos o gosto de aqui apresentar.

A obra era inédita, conforme dissemos, mas não se desconhecia a sua existência, porquanto várias publicações, entre as quais o Dicionário de Inocêncio, haviam falado dela. Tão-pouco o era a figura do seu herói, tantas vezes enaltecida ao longo dos séculos, nomeadamente na célebre epopeia de Brás Garcia Mascarenhas, Viriato Trágico, que é anterior a esta.

Do autor das Viríadas, Isaac Samuda, também se conheciam dados significativos, para além dos já mencionados: bacharel em Artes, estuda Medicina na Universidade de Coimbra, e, devido à sua origem judaica, é forçado a exilar-se; chega a Londres nos primeiros anos do século XVIII; aí efectua a mudança de nome, como era de rigor, e começa a exercer a sua profissão junto da colónia portuguesa. Dentro de poucos anos é admitido em duas instituições britânicas de grande prestígio: O Real Colégio de Médicos e a Real Sociedade de Londres (na qual foi o primeiro judeu a ser recebido).

Estes e muitos outros dados, incluindo a multiplicidade dos interesses científicos de Samuda, são cuidadosamente analisados pelo autor desta edição, Manuel Curado, professor de Filosofia da Universidade do Minho - Braga. Assim, não deixa de pôr em relevo a presença dos ecos das epopeias clássicas, como a intervenção dos deuses, a paixão de Viriato por Ormia, que Tântalo, um dos guerreiros lusitanos, também pretende.

Mas não esqueçamos que o poema está cheio da descrição de combates, da alegria dos banquetes, das exortações de Viriato aos seus companheiros de armas. Ao lado destes temas, surge a descrição de paisagens e monumentos (designadamente os de Évora), que põe em destaque a sensibilidade artística do poeta. 

Não menos evidente é o seu interesse pela Botânica, ao descrever com minúcia e saber as plantas e os seus frutos. São igualmente significativos os seus conhecimentos na área da Física. Para o provar basta ler a estrofe 40 do canto VI, onde se descrevem as alterações do rosto de Ormia, ao ouvir a declaração de amor de Tântalo. Manuel Curado observa: "Ao descrever a alteração da cor do rosto de Ormia" ele a comparava "a um prisma newtoniano que decompõe a luz". E, em nota, acrescenta ainda que Samuda fez mais duas alusões "ao prisma de Newton que decompõem a luz branca". Do saber filosófico que premeia toda a obra nem se torna necessário fazer menção.

Samuda não viveu o suficiente para completar a sua longa epopeia. Na estância 58 do canto XIII, Viriato acaba de celebrar mais uma vitória e de se coroar com ramos de azinheira. As estrofes seguintes (58-108) são já da autoria do seu grande amigo Jacob de Castro Sarmento, porquanto o tema se transformou na apologia de um Deus único e Verdadeiro. É um velho sírio que dá essa longa explicação, que Viriato agradece na estância com que finda o poema.

O destino do texto das Viríadas passou por muitos acidentes até se recuperarem duas cópias - as únicas que se conhecem até à data - que surpreendentemente estão guardadas em bibliotecas da América do Norte: uma na Thomas Fisher Library, na Universidade de Toronto, outra no Jewish Theological Seminary, em Nova Iorque.

É nesses dois exemplares, portanto, que se baseia a presente edição crítica. A riqueza e profundidade do trabalho executado por Manuel Curado, além de acrescentar mais uma epopeia à nossa Literatura, é um estudo profundo e seguro das Viríadas. Nele se evidencia o rigor e experiência que caracterizam os estudos deste investigador e professor.
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 28 de junho de 2014 > ao Nober da CM LisboGuiné 63/74 - P13342: Agenda cultural (329): Lançamento do livro "Capitão de Abril", de Fernando Salgueiro Maia, apresentado pelo Cor Vasco Lourenço, dia 1 de Julho de 2014, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, Lisboa

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12941: Notas de leitura (579): "A Literatura na Guiné-Bissau", de Aldónio Gomes e Fernanda Cavaca (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Houve por bem, ao tempo das comemorações dos Descobrimentos Portugueses (íamos a caminho da Expo 98), do Ministério da Educação se ter afoitado a um levantamento da literatura da Guiné-Bissau, uma síntese de grande honestidade, um ensaio que assegura uma visão global nos termos literários que vingaram desde a era dos Descobrimentos à atualidade.
Trata-se de um ensaio muito útil que bem merecia ser atualizado à luz dos conhecimentos atuais, entre 1997 e hoje pode dizer-se que se clarificou a literatura luso-guineense e que aquilo a que os autores chamam “a literatura dos combatentes” no contexto da literatura colonial ganhou autonomia e como tal deve ser apreciada e estudada.

Um abraço do
Mário


A Literatura na Guiné-Bissau: Os olhares de Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas

Beja Santos

No âmbito do Grupo de Trabalho do Ministério de Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, foi dado à estampa, em 1997, “A Literatura na Guiné-Bissau”, da autoria de Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas. Esforço coroado de sucesso, os autores abalançaram-se num esforço de enquadramento da literatura da Guiné independente, nunca perdendo a bússola de que houve um saber colonial e uma expressão acabada do mesmo, chamando a atenção para as complexidades do nascimento de uma literatura escrita num contexto muito próprio de África onde a oratura é a expressão natural da comunicação de agentes.

É uma obra de caráter expositivo e antológico, uma escrita viva, ágil, tocando os pontos principais, como se passa a enumerar.

Primeiro, o nascimento difícil da literatura escrita: uma Guiné que deixou a dependência administrativa de Cabo-Verde nos anos 70 dos século XIX, Bolama passou a ter tipografia em 1879; a administração portuguesa só avançou para o interior da Guiné no fim do primeiro quartel do século XX, a despeito de confrontos e lutas que se prolongaram até à década de trinta do século XX; a despeito de todos estes condicionalismos houve literatura colonial mas não houve literatura escrita em língua portuguesa verdadeiramente de origem local.

Segundo, a oratura é a expressão de uma sociedade não alfabetizada, a literatura oral espalha a convivência e o fascínio da palavra dita, reforça o gregarismo da vida comunitária, na tabanca. Como escrevem os autores: “Conta-se e canta-se, ouve-se, comenta-se vibra-se ou adormece-se. É-se alternamente ouvinte e narrador e toda a gente tem assegurado a sua participação”. É uma literatura tão vibrante que investigadores do século XIX como Marcelino Marques de Barros ou Manuel Belchior, já no século XX, se deliciaram a coligir narrativas históricas e épicas, contos e lendas, provérbios e advinhas que dão conta da riqueza cultural do mosaico étnico guineense. Povos como o Mandinga fazem acompanhar esta literatura oral da música, os djidius eram trovadores errantes, possuidores do dom da palavra, bons manipuladores do código poético e bons músicos (corá, nhanhero, viola de três cordas…). Os autores indicam um conjunto de obras de grande importância sobre as manifestações de oratura do século XIX e lembram outros autores do século XX como Viriato Augusto Tadeu, João Eleutério Conduto, Alexandre Barbosa, Maria Cecília de Castro para além do já citado Manuel Belchior.

Terceiro, não se pode esquecer a literatura do encontro de saberes, as crónicas, as descrições geográficas, os documentos políticos como o indispensável “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa”, de Honório Pereira Barreto, para além de um conjunto de obras de pendor etnográfico e divulgador, aqui tiveram um papel importante administradores coloniais e investigadores, como Rogado Quintino, António Carreira, Teixeira da Mota e Artur Augusto Silva, entre muitos outros. Com a independência, emergiram estudos de diferentes proveniências, como os trabalhos dos guineenses Carlos Lopes e Carlos Cardoso, a História da Guiné de René Pélissier, O Crioulo na Guiné-Bissau, de Benjamim Pinto Bull, e O Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau, de Peter Karibe Mendy. Isto são referências meteóricas aos muitos títulos entretanto surgidos, há que pensar na revista Soronda e também na Tcholona, Revista de Letras, Artes e Cultura, nas edições do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa.

Quarto, a literatura colonial guineense, como Leopoldo Amado tão bem estudou, foi uma realidade inquestionável, nela tiveram protagonismo maior ou menor Fernanda de Castro, Fausto Duarte, João Augusto Silva, entre outros. Os autores incluíram aqui a literatura dos combatentes, uma visão que me parece descabida, é um setor autónomo da literatura colonial, esta exprimiu uma realidade que não é consentânea com a dos combatentes, estes centraram-se na vivência da guerra e no conhecimento do Outro em termos tais que não é possível incluir qualquer destas manifestações literárias como experiência colonial.

Quinto, e depois veio a literatura do saber nacional onde pontifica a dimensão poética, hoje bem identificada, e onde se enfileiram nomes como o de Vasco Cabral, Pascoal d’Artagnan, Tony Tcheka, Agnelo Regalla, Hélder Proença, Manuel da Costa, Odete Semedo e Félix Sigá. Mas para além da poética há a prosa onde Abdulai Silá é porventura o nome mais saliente.

Segue-se uma antologia mínima que inclui provérbios, adivinhas, canções, histórias e contos tradicionais, cronistas dos descobrimentos, figuras de destaque da literatura colonial guineense, escritores combatentes como Armor Pires Mota e Barão da Cunha e muitos, muitos poetas e prosadores como Domingas Samy e Abdulai Silá.

Enfim, um pequeno ensaio muito bem-sucedido pela amplitude da informação, uma visão global de quanto em termos literários, ou com alguma vivência estética, se foi produzindo, através dos tempos, na Guiné, não se acantonando nem à poesia nem à ficção, espraiando-se pelo antropológico e pelo etnográfico e até pelo documento político. Um livro que merecia ser atualizado, reformulado e até aumentado, dado o crescimento que nos deve envaidecer a todos da investigação e também graças a essa nova realidade que é a literatura luso-guineense.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12932: Notas de leitura (578): "Viagem à África Ocidental", por Vasco Callixto (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12848: Notas de leitura (573): "Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa", por Pires Laranjeira e "Jornal Português" e a notícia do assassinato de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
A Universidade Aberta editou em 1995 um conjunto de ensaios sobre as literaturas africanas de expressão portuguesa. Aqui se faz o registo do que ao tempo era o balanço da literatura da Guiné-Bissau onde pontificava (como pontifica) a lírica.
Igualmente se junta uma referência a um jornal da extrema-esquerda publicado em Paris, tendo como público mais interessado os desertores e refratários, estamos em 1973, noticia-se o assassinato de Cabral e deixa-se claro que a morte do líder não irá desmotivar a luta armada em curso, fala-se também de atos de destruição perpetrados pelas Brigadas Revolucionárias.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, por Pires Laranjeira
*
Jornal Português noticia o assassinato de Amílcar Cabral

Beja Santos

A Universidade Aberta editou em 1995 “Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa”, com coordenação de Pires Laranjeira cujo capítulo dedicado à Guiné-Bissau foi redigido por Inocência Mata. Vale a pena um olhar em relance o que nos propõe a investigadora.

A literatura guineense é tardia e escassa. Entre as principais razões que se pode encontrar há que ter em conta a débil implantação das estruturas educacionais, mesmo na última fase do período colonial. Recorde-se que só nos anos de 1960 é que foi implantado decisivamente o ensino secundário no país.

Com a separação da Guiné de Cabo Verde em 1879, instalada a capital em Bolama, foi aqui que surgiram as primeiras manifestações literárias. Logo, em 1920, à volta do jornal Ecos da Guiné. O primeiro jornal editado por um guineense, de nome Armando António Pereira, foi O Comércio da Guiné, que teve curta vida (1930-1931) e onde colaboraram, entre outros, Juvenal Cabral, Fausto Duarte e João Augusto da Silva. A propósito, escreveu Leopoldo Amado na análise que efetuou à literatura colonial guineense: “Antes da chegada em massa de cabo-verdianos, a bifurcação entre a sociedade guineense e a colonial era bastante acentuada, foi o elemento étnico cabo-verdiano que aproximou as duas componentes”. O que importa realçar é que os filhos da Guiné pugnavam por uma crioulização social como modo de inserção dos autóctones na sociedade colonial. Digamos que o balanço desta intervenção foi bastante exíguo. Seja como for há uma especificidade literária que não se pode iludir e onde pontificaram os nomes de Fernanda de Castro e Fausto Duarte.

Por último, merece menção 1963, foi neste ano que se publicou em São Paulo o livro “Poetas e Contistas Africanos”, de João Alves das Neves e o representante guineense foi António Baticã Ferreira. No termo do período colonial, em 1973, foi publicado um caderno de poesia de onze autores, intitulado Poilão, edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino.

Aquilo que é hoje a literatura guineense teve como seu percursor Vasco Cabral, cujos poemas datam de 1955. Os investigadores recusam considerar que Vasco Cabral tenha sido o criador desta literatura, um sistema literário pressupõe uma tradição, Cabral era um poeta muito formal, claramente marcado pela cultura portuguesa, a despeito das suas mensagens anticolonialistas.

A seguir à independência surgiram antologias poéticas: “Mantenhas para quem luta!”, “Antologia dos Jovens Poetas” e “Os Continuadores da Revolução”. Aparecem todos estes poetas irmanados pela carga panfletária, pelo orgulho africano, pelo sentimento da pátria emergente e pelos sonhos de progresso e justiça. Avulta neste período, pela sua inegável qualidade, Hélder Proença. O crioulo aparece claramente como língua de criação literária. Já nos anos 1990, foram publicadas outras duas antologias: “Antologia Poética da Guiné-Bissau” e “O eco do pranto”. Desvela-se uma poesia de grande tristeza pelos sonhos falhados, esses sonhos parecem canalisados na criança. Dois nomes desta geração apareceram como promessas, Jorge Cabral e Domingas Samy.

Resta acrescentar que nos anos 1980 Vasco Cabral viu publicado “A luta é a minha Primavera”, que Inocência Mata observa: “À primeira vista, uma escrita em desfasamento com o tempo. Mas é preciso não esquecer que o mais antigo poema data de 1951, o que explica o compromisso ideológico, a intensão de transformação social, tão cara à ideologia marxista”. A poética guineense iria mudar de rumo mas já não cabe no âmbito da recensão deste livro.

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O “Jornal Português” e a notícia do assassinato de Amílcar Cabral

Vasco de Castro é nome cimeiro do desenho de humor na segunda metade do século XX. Foi em Paris que conheceu o triunfo a trabalhar para a imprensa mais influente. Como escreveu o historiador de arte António Valdemar, a propósito de Vasco: “Conheceu, através do Paris Match, o Siné, o Bosc e o Chaval, nos seus desenhos agressivos. De 1961 a Abril de 1974, quase sempre em Montparnasse, lado a lado com os maiores cartoonistas, colaborou em Le Monde, Figaro, Cannard Enchainé, Harakiri, etc. Viver a vida foi, certamente, mais importante do que isso. Vasco entrou em seis ou sete filmes, esteve nos movimentos underground, nas barricadas do Maio de 68, no ativismo da extrema-esquerda”. É exatamente deste ativismo que Vasco meteu as mãos na massa na produção de jornais que lhe mereceu recentemente um claro elogio de José Pacheco Pereira a propósito da imprensa revolucionária. Em Abril de 1973, surgia Jornal Português, todo o grafismo lhe pertence, era o primeiro jornal de mensagem revolucionária publicado na imprensa parisiense. Logo nesse número, deu-se destaque à notícia do assassinato de Amílcar Cabral, morto em 20 de Janeiro. A notícia classifica o seu desaparecimento como dolorosa perda, não obstante não iria impedir o povo da Guiné-Bissau de prosseguir tenazmente a sua luta contra o domínio colonial.

Basil Davidson, um incondicional amigo de Cabral é citado a propósito de um artigo que escrevera em Le Monde Diplomatique, em Fevereiro anterior, onde dá expressão às preocupações do líder do PAIGC: “Em 1972, decidimos promover um grande número de jovens (homens e mulheres) apostos de responsabilidade, estávamos a ficar rotineiros. Descobrimos que tínhamos demasiados dirigentes reconhecidos, com uma tendência à formação de frações. Por isso, alargamos a direção”.

Jornal Português dá ainda notícia de aeronaves abatidas em Moçambique, ao assalto a instalações do Ministério do Exército pelas brigadas revolucionárias, às explosões nas instalações do Distrito de Recrutamento e Mobilização nº 1, na Avenida de Berna.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12837: Notas de leitura (572): "Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné", de Gomes Eanes de Azurara (Mário Beja Santos)

sábado, 14 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12447: O que é que a malta lia, nas horas vagas (16): A correspondência que me era enviada, e os autores Ramiro da Fonseca, José Régio, Vergílio Ferreira, etc. (António Eduardo Ferreira)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 12 de Dezembro de 2013:

Amigo Carlos
Antes de mais votos de boa saúde, para ti e restante pessoal, como dizem os mais sensatos, há coisas que só depois de as perdermos sabemos o seu valor, talvez por isso eu agora a valorize tanto.

Falando de momentos de leitura, pela parte que me toca foram poucos, a não ser a muita correspondência que recebia e, como era importante essa leitura… ainda que não raramente chegasse bastante atrasada.

Algumas vezes, recebia também um jornal ligado à igreja que me era enviado por familiares, chamado a Voz do Domingo, de Leiria.

A certa altura, não sei precisar a data, na nossa companhia todos recebemos alguns livros, creio ter sido oferta do Movimento Nacional Feminino, desses apenas recordo o título de três; o Médico em Casa, do Dr. Ramiro da Fonseca, O Vestido Cor de Fogo, de José Régio e, a Aparição, de Vergílio Ferreira, este que comecei a ler num dia à tarde, apenas fiz uma pausa para o jantar, depois continuei noite fora até chegar ao fim. Ainda hoje continua a ser um dos livros que mais gostei de ler.

Estas leituras aconteceram em Mansambo, pois em Cobumba apesar de ter muito tempo disponível, apenas lia a muita correspondência que sempre recebia, no abrigo não havia luz e, todas as noites fazíamos reforço.

Durante o dia a vontade de ler era pouca, mesmo não estando de serviço a maior parte do tempo era passado no mesmo sítio, junto ao abrigo, de preferência de ouvido à escuta. Na zona todos os dias havia “festa” quando o foguetório começava nos primeiros instantes não sabíamos quem eram os contemplados, talvez também por isso, a disponibilidade mental para a leitura não fosse a melhor.

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Notas do editor

Capa do livro Aparição do site da WOOK, com a devida vénia

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12430: O que é que a malta lia, nas horas vagas (15): Livros oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino e os meus livros pessoais, tais como: Seleta Literária, História Universal, Inglês e os Lusíadas (Joaquim Cardoso)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12319: Manuscrito(s) (Luís Graça) (13): Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana... E onde se fala da atualidade dos Baratas, dos Cavetos e dos Heróis

1. Da Ilha de Luanda, com um Alfa Bravo fraterno para os nossos amigos e camaradas da Guiné que nos leem...

Como aqui  não há muito tempo para escrever para o blogue e a rede sem fios nem sempre é muito fiável, deixo-vos um texto que vou utilizar hoje, de manhã,  nas minhas aulas, sobre psicossociologia do trabalho e das organizações, no âmbito no 1º Curso de Especialização em Medicina do Trabalho, a decorrer em Angola (2013/15), na Clínica da Sagrada Esperança, Ilha de Luanda, Luanda, Angola...(E, a  propósito, sinal de como este país mexe é a quantidade de formadores, tugas e de formandos, angolanos, que estão aqui, esta semana... Gente da clínica e  fora da clínica, que pertence à Endiama, que estão aqui a receber formação nas mais diversas áreas, chegaram, na 4ª feira passada, aos 130, desde  médicos a bombeiros, dissseram-me no gabinete de formação).

Volto a penates, sábado, no avião da TAP que, por enquanto ainda é nosso, português... Não sei se terei coragem de voltar a viajar na TAP quando mais esta "joia da coroa" for alienada, como de há muito o acionista Estada promete ou ameaça... Já nos restam poucos consolos, a nós, tugas, quando vemos, nos tempos que correm, a delapidação do nosso património e a destruição de símbolos fortes da nossa identidade colectiva como é ainda a TAP, a  nossa companhia de bandeira...

E a propósito, gostei de ver a felicidade estampada no rosto  dos tugas de Luanda (e de muitos amigos angolanos), na sequência do apuramento da nossa seleção para o campeonato mundial de futebol, em 2014, no Brasil... Não embandeiro em arco com estas coisas das  proezas futebolísticas, nem sequer vi o jogo contra a Suécia, em direto, transmitido aqui num canal português da África do Sul... Ou melhor, vi no meu quarto o final... Mas vamos abrir hoje, ao almoço uma garrada de tinto Ermelinda,  reserva,  que trouxe do "free-shop" de Lisboa... Há pequenas coisas que têm um sabor especial, fora de casa, longe da Pátria, como por exemplo comer uns jaquinzinhos tugas com arroz malandro, a par de um saladinha de lagosta angolana,  e beber um copo de vinho branco tuga,  na ilha de Luanda, numa marisqueira tuga, muito conhecida, em cima da praia, mesmo em frente da clínica, numa roda de amigos, tugas e angolanos, ou de tugas e de angolanos tugas...

Não sei se estou a ficar velho e sentimental ou se isto não serão já pré-sintomnas da maldita doença do alemão que nos está a matar... Não imagino como outros corações se podem comportar, aqui ou no hemisfério norte... Estou-me a lembrar, por exemplo, do único lusolapão que conheço, o Zé Belo,casaod com uma sueco e com filhos nada tugas,  e para quem vai um xicoração apertado, onde quer que ele esteja, em Kiruna, Estocolmo ou Keywest (Florida). Estendo esse xicoração, comprido como o Rio Corubal  do nosso tempo (que era misterioso, selvagem e belo),  aos demais camaradas da Guiné, tugas e guineenses, espalhados pelas mais diversas diásporas e exílios...

Desculpem lá qualquer coisinha, como diz o tuga, sentimental, quando anda fora de casa... E espero que gostem destas três histórias, da tradição oral dos ganguelas...Como as nossas fábulas e contos populares, também estas histórias ganguelas têm uma moral... Para mim, o  que é mais espantoso, é a sua atualidade, tanto aqui, em Angola,  como na nossa santa terrinha ou na Guiné-Bissau, três sítios onde não é preciso andar com uma lupa para encontrar Baratas e Cavetos... Enfim, apreciaria muito que, um vez lidas as histórias, acrescentassem uma linha, da vossa lavra,  aos ensinamentos morais que se podem tirar delas... Até por que "a" moral e "o" moral são duas coisas muito importantes para gente sair da manhã de nevoeiro (ou cacimbo)  em que estamos mergulhados, dizem que há séculos, desde que el-rei nosso senhor Dom Sebastião partiu para Alcácer Quibir e nunca mais voltou....LG.


Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana 

(i) O azar do soba Barata

O soba Barata foi ter com o soba Cágado, dizendo:
– Sei tudo sobre a vida, mas nunca tive a sorte de ver um Azar! Amigo Cágado, faz-me o grande favor de me dizeres o que sabes sobre o Azar e como ele é.
– Ah! Ah!... Então o teu problema é esse ? Eu vou-te mostrar. Amanhã às 8 horas apareces com os teus amigos e parentes no terreiro da aldeia e eu mostro-te o Azar.

O soba Cágado pegou em todas as galinhas da sua casa e fechou-as numa gaiola. De manhã, muito cedo levou-as ao terreiro da aldeia e sentou-se em cima da gaiola. Passado algum tempo começaram a chegar as baratas. Perguntou o soba Cágado ao soba Barata:
– Chegaram todas ?
– Sim, chegámos – responderam elas, em coro.

Foi então que o soba Cágado abriu a giola… As galinhas saíram e, num ápice, comeram todas as baratas, aterrorizadas. Um dos galos correu com o soba Barata até à sua casa. O pobre do soba estava desfeito: tinha perdido todos os seus súbditos numa batalha campal e agora estava sozinho. Era o cúmulo do Azar. Depois de tantos sucessos na vida, sabia agora, por dolorosa experiência própria, o que era isso do Azar.

Moral da história: Não é fácil ser soba. É necessário ser inteligente. E mais: ter inteligência emocional… Um chefe que é mau líder faz um mau grupo. Tal chefe, tal grupo. 

(ii) O capataz Caveto

Havia um homem que era excelente na caça. Era conhecido pela alcunha de Caçador Certo dia matou um elefante. Era preciso transportar a carne da floresta para casa. E para isso era preciso arranjar muita gente. Foi falar com os vizinhos e aliciou-os para a tarefa, com a promessa de uma pequena recompensa.

Um dos vizinhos que engrossou a coluna dos carregadores, chamava-se Caveto. Era um tipo esperto. Fez questão logo de assumir o papel de capataz, sem ninguém lhe encomendar o sermão. Com os ramos de uma árvore, fez uma espécie de bastão, para mostrar quem mandava, e começou logo a comandar a operação. Dividiu as tarefas, dando a cada um dos carregadores a quantidade de carne que podia transportar às costas. Passadas algumas horas, a carne do elefante estava toda em casa do Caçador.

Um homem de confiança do Caçador preparou-se para fazer o pagamento do serviço, que não era em espécie, era em géneros. Ordenou as todos os carregadores que ficassem junto à peça que cada um tinha carregado. De cada peça cortou um bom bocado e deu-a ao respectivo carregador como forma de pagamento. Todos voltaram felizes para suas casas, não só por terem ajudado um vizinho mas também por que nesse dia havia carne para o almoço. Foi então que o tal Caveto se dirigiu com maus modos ao pagador e interpelou-o:
– Ouve lá, e então a minha parte ?

Respondeu o pagador:
– Tu não tens nada a receber. Como não carregaste nenhuma peça, não tens donde tirar o teu pagamento!
– Como assim ? Então eu estive orientar as pessoas e a despachar o serviço!

Retorquiu o pagador:
–Pode ser até que fales verdade, mas eu não tenho com que te pagar, uma vez que não transportaste nenhuma peça de carne.

O Caveto, de cabeça baixa, lá voltou para casa e foi comer o seu fungi sem conduto.

Moral da história: Nunca penses que és mais esperto que os outros. E não escolhas o caminho do oportunismo, gerador de makas e conflitos. Não basta, por outro lado, quereres ser líder, é preciso que os outros te reconheçam como tal e que tu saibas assumir e desempenhar esse papel fundamental numa equipa de trabalho.



"Ganguela (ou Nganguela) é o nome de uma pequena etnia que vive dispersa a Leste e Sudeste do Planalto Central de Angola. O seu nome é desde os tempos coloniais usado para designar, não apenas esta etnia, mas um conjunto de povos que vivem no Leste de Angola"... 

Infografia: "Mapa étnico de Angola em 1970 (Área dos povos designados como Ganguela marcada a verde)".


(iii) Por favor, nunca apagues as peugadas do leão…

Um dia um rapaz e uma rapariga fizeram uma viagem através da floresta, onde tinham que passar por um sítio muito perigoso, cheio de animais ferozes.

No mais recôndito da floresta, o rapaz, armado em valentão, tomou a dianteira, pensando com isso proteger a rapariga. No trilho arenoso, o rapaz viu as peugadas, frescas, de um leão. Com medo que a rapariga se assustasse, o rapaz apagou de imediato as peugadas.

Quando o leão viu o casal, emboscou-se atrás de uma árvore. O rapaz ia muito tenso, olhando para um lado e para o outro. O leão viu que ele estava em alerta, pelo que deixou-o passar, até ele atravessar a clareira. A rapariga, mais atrás, vinha muito descontraída, não se apercebendo do perigo. Fez até uma paragem para .fazer xixi (, sim, por que as rapariugas não mixam, fazem xixi,,,). Foi nesse preciso momento que o leão se lançou sobre ela, devorando-a a seguir. Alertado pelos gritos lancinantes da vítima, e temendo pela sua vida, o nosso herói pôs-se em fuga.

Moral da história: ignorar ou escamotear a verdade, acaba por ter consequências negativas. As makas (, problemas, em angolês) e os conflitos resolvem-se, enfrentando-os e encontrando soluções inteligentes e  construtivas. Não adianta fugir de (ou negar , ignorar, escamotear) a realidade.

Fonte: Adaptação  livre de L.G.

Menongue, Diocese. Secretariado da Pastoral (ed. lit) – O mundo cultural dos Ganguelas. Menongue: Diocese, [ D.L. 2000] (Porto: Humbertipo)], 642 pp



2. Comentário de L.G.:

É interessante a explicação dada pelo editor  literário desta obra, o Secretariado da Pastoral da Diocese de Menongue, lá na martirizada província do sudeste angolano, o Kuando Kubango, sobre o seu propósito didáctico (em 2000, data da sua edição, quando ainda a paz era uma miragem)... Vale a pena transcrever essa explicação que vem no livro, à laia de preâmbulo. Passo a citar:

"Durante uma conferência sobre o conflito angolano, 'Causas e consequências', um participante comparou a complexa situação vivida no país a um conto, 'A cobra sobre os ovos':
"Um fazendeiro encontra na capoeira uma cobra sobre os ovos. Como matá-la ? Se for à paulada ele quebra os ovos, e a cobra, esperta que é, foge. Se não a mata, ela devora todos os ovos.

"Que solução ?

"O conto foi partilhado por todos os participantes e, de forma inteligente, serviu de exemplo para refelectir sobre possíveis soluções para o conflito angolano e outros conflitos no mundo".
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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12279: Manuscrito(s) (Luís Graça) (12): Servir duas pátrias, Portugal e Angola... O caso do sr. C..., furriel mil em 1974/75, no exército colonial português, tenente das FAPLA em 1975/89

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12279: Manuscrito(s) (Luís Graça) (12): Servir duas pátrias, Portugal e Angola... O caso do sr. C..., furriel mil em 1974/75, no exército colonial português, tenente das FAPLA em 1975/89

Servir duas vezes a pátria, ontem Portugal, hoje Angola... 

por Luís Graça

Ilha de Luanda, 23/7/2013.

1. Levantei-me às cinco e meia da manhã. É dia ou quase dia. Às seis em ponto, o sr. C... , motorista de ambulâncias da clínica, já estava pronto para me levar ao aeroporto. É o meu motorista habitual, quando aqui venho, à Ilha de Luanda em serviço... É o meu motorista da madrugada.

 Já o conheço há uns anos... E espero voltar a encontrá-lo para a próxima semana. Sábado, vou de novo a Luanda, e desta vez vou no mesmo avião que o António Duarte, meu "neto" na CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1969/74)... Eu sou de 1969/71, ele é de 1973/74... Eu vou dar formação a médicos do trabalho e ele a bancários...Só que ele já lá vai há mais tempo (1999) do que eu (2003) ...(Mais uma vez se constata que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!).

O meu amigo C... estava de férias, mas levantou-se para me conduzir, a tempo e horas, até ao aeroporto. Há outro motorista, o C2..., mas mora longe. Sair de casa a essa hora é arriscado, devido à insegurança nos musseques.  Mesmo assim, na clínica,  há gente que sai de casa às 4h da manhã para vir trabalhar!...A vida é dura para os luandenses que precisam de trabalhar.

O sr. C... é um homem afável, de 59 anos, Mestiço, do Kuanza Sul (, salvo erro),  província a sul, a  cerca de 300 km de Luanda...É preeiso atravessar Luanda, de uma ponta á outra, até chegar ao aeroporto... Nas horas de ponta, pode ser um inferno. Daí ter que me levantar às 6 da manhã...para estar com uma certa margem de segurança, a tempo e horas, no aeroporto.

O sr. C... mora na ilha de Luanda, perto da clínica aonde fui dar formação e onde ele trabalha, como motorista de ambulâncias... Trabalho que, diga-se de passagem, não é pera doce: há uns largos anos atrás,  talvez em finais da década de 1990,  a sua ambulância foi metralhada num musseque, quando um "grupo de bandidos" (sic)  tentava assaltar a casa de um "fulano ricaço" (sic)... Os bandidos, que não sabem ler, confundiram o ti-no-ni da ambulãncia com o carro da polícia... Houve feridos graves, baleados dentro da ambulância; mas, mesmo com os pneus todos furados, o meu amigo C...  lá conseguiu safar-se, com o assento todo crivado de balas... Revelou grande sangre frio e coragem,

Esse sangue frio e coragem vêm-lhe do tempo da guerra. É um ex-combatente. Tem muitas histórias para (e por) contar. Rapidamente criei com ele um laço de cumplicidade. Nada como dois ex-combatentes.... Fez a guerra colonial, do lado português, com "muita honra" (sic), creio que por volta de 1973/74, ou mesmo 1974/75. Era furriel miliciano.  Serviu "a sua pátria de então" (sic). Quando os sul-africanos invadem Angola, sua terra, as FAPLA convocam-no para as suas fileiras. Foi então 1º tenente de infantaria, comandando cerca de 70 homens. Participou em várias batalhas. E lá ficou na tropa e na guerra até à desmobilização, em finais de 1980, se não erro... Também se queixa de o estado angolano ter esquecido os antigos combatentes...

Pelo que perecebio, esteve no Kuando Kubango (e, possivelmente, na batalha de Kuito  Kuanavale, de trágica memória para todos os contendores de um lado e  do outro, angolanos, cubanos, soviéticos, sul-africanos)...

Mas a  cena mais dramática da guerra para o meu amigo C... não foram os bombardeamentos massiços da artilharia e aviação dos sul-africanos, foi sim uma emboscada às portas de Luanda (c. 100 km, se bem percebi), a um coluna de várias viaturas guarnecidas por um grupo de combate... Tenho dúvidas se foi na batalha de Kifangondo, iniciada em 10/11/1975, às portas de Luanda (e cujo desfecho foi fundamental para reforçar a posição do MPLA), ou se foi mais tarde... (Sobre esta batalha, vd. aqui o depoimento do general António França 'Ndalu'). Não tive oportunidade, no trajeto até ao aeroporto, de esclarecer alguns pormenores... Possivelmete foi quando as forças sul-africanas, a seguir à independência,  chegaram até ao sul do Ebo, província do Kwanza Sul, ameaçando Luanda.

Nessa emboscada, as viaturas foram todas destruídas, as FAPLA tiveram cerca de 2/3 de baixas mortais, incluindo 7 cubanos e 12 angolanos... O sr. C... , na altura tenente e comandante da força (cerca de 30 homens), nunca mais se esqueceu desse "dia pavoroso" (sic)...

Começou a trabalhar na clínica quando esta reabriu em 1990/91. Ele já pertencia ao quadro de pessoal da Endiama. Conversa puxa conversa, diz-me que "já não há bandidos na ilha de Luanda e no centro de Luanda" (sic). A polícia "limpou-os" (sic). A esta hora, 6 da manhã, há grupos de 3 e 4 brancos (presumivelmente estrangeiros a trabalhar em Luanda) que andam a fazer "jogging" na marginal. As praias estão limpas, contrariamente ao que se via há uns anos atrás... A zona agora é "turística" (sic), as barracas desapareceram...  Enfim, a cidade mudou, "para melhor"... "Bandido é no musseque onde a polícia não vai" (sic). Tinha-lhe prometido trazer uma garrafa de vinho de Lisboa. Deixei-lhe kwanzas para beber um copo à nossa saúde e à nossa condição de antigos combatentes.

2. Percebo agora melhor porque é que os nossos amigos e irmãos angolanos, são pessoas que vivem com intensidade o dia que passa e manifestam publicamente a sua felicidade. "Para ser feliz tem que ser aqui em Angola", diz um kudurista dos musseques de Luanda no filme angolano "I Love Kuduro", do realizador português Mário Patrocínio, a cuja estreia, em Portugal, eu assisti há dias, no Cinema  São Jorge, no âmbito do doclisboa'13...

Confesso, por outro lado,  a minha relativa ignorância em relação à história e á geografia de Angola, apesar de lá ir já desde 2003... Tenho que me socorrer da Net e dos mapas, como muletas...

Por exemplo, Kuando Kubango... É uma província situada no sudeste do país. Verifico que é limitada a norte pelas províncias do Bié e Moxico, a leste pela República da Zâmbia, a sul pela República da Namíbia e a oeste pelas províncias do Kunene (onde a guerrilha da SWAPO tinha bases e campos de refugiados) e Huíla. A capital da província é a cidade de Menongue e dista de Luanda mais de mil km e de Kuito menos de 350 km. Tem cerca de 140.000 habitantes e ocupa uma superfície duas vezes superior a Portugal...

É constituída pelos municípios de Kalai, Kuangar, Kuchi, Kuito Kuanavale, Dirico, Mavinga, Menongue, Nancova e Rivungo. O clima é tropical no norte da província e semi-árido no sul. Esta região  de Angola é conhecida atualmente como "Terras do Progresso», devido ao seu grande potencial económico, praticalmente por explorar.

Mas voltemos à guerra, à chamada segunda guerra da independência. Durante muito tempo alguns municípios (como Mavinga, Dirico, Cuchi e Kuito Kuanavale) serviram como bases de apoio à guerrilha da UNITA,  liderada por Jonas Savimbi, que só abandonou completamente estes territórios (a "Jamba") em finais de 2001,  aquando da ofensiva das forças armadas angolanas. É sabido que o Movimento do Galo Negro recebeu  apoio dos EUA, na luta contra contra o MPLA,  que por sua vez era apoiado pela União Soviética e Cuba. Estávamos em plena guerra fria. Angola era uma peça importante no tabuleiro do xadrez da geopolítica mundial,..

 A Batalha de Kuito Kuanavale foi o maior confronto militar da Guerra Civil Angolana. Foi um batalha sangrenta e prolongada entre 15 de Novembro de 1987 e 23 de Março de 1988.  Foi aqui , na província de Kuito Kuanavale, e mais concretamente no munícipio de Kuando Kubango, que as FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola), apoiadas pelos soviéticos e pelos cubanos, se confrontaram com a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), apoiada pelo  exército sul-africano.

É considerada a batalha mais longa travada no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial.

Nesta batalha de Kuito Kuanavale, foi posto em cheque o mito, aos olhos dos angolanos,  da invencibilidade do exército da África do Sul. Independetemente das duas partes terem clamado vitória, a África do Sul terá sido obrigada a reconhecer tacitamente a superioridade demonstrada pelas FAPLA (e seus aliados) no campo de batalha. Isso explicará a posterior assinatura dos Acordos de Nova Iorque, ponto de partida para o fim de um conflito que afinal não era apenas uma guerra civil, nem um simples conflito regional ...  A implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU vai levar  à independência da Namíbia e apressar o fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul.

3. Levei para Luanda e acabei de ler, de um fôlego, o romance de Ondjaki, Os transparentes, 3ª ed.  (Lisboa: Caminho, 2013, 451 pp). Um marco da literatura lusófona. Este puto (n. 1977, e que fez sociologia, como eu, no ISCTE) vai longe. Será em breve elegível para o Prémio Camões, disso não tenho dúvidas.   Ele não precisa de comparações, mas para mim é o Mia Couto angolano.  Conheci-o pessoalmente, há uns anos atrás, na Feira do Livro de Lisboa. Uma pessoa adorável, de uma grande sinplicidade e simpatia, Luanda passa a ter, depois de Luuanda, do Luandino Veira, mais um livro de referência. Ganha Angola mas também todo a comunidade lusófona com este grande escritor e com o seu primeiro grande romance. É também um hino à língua portuguesa que nos une a todos.

Vd. aqui um resumo do romance.

PS - Sem surpresas para mim, acabou de arrecadar mais um prestigiado prémio, o Prémio Literário José Saramago 2013. Entre os membros do júri, conta-se a poet(is)a Ana Paula Tavares (n. 1952, Lubango), outro nome grande da literatura angolana.

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12060: Manuscrito(s) (Luís Graça) (11): No melhor pano cai a nódoa... (Luís Graça)

terça-feira, 26 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10074: Em bom português nos entendemos (8): O angolês, termos angolanos que podem dar jeito integrar no nosso léxico (Luís Graça, com bué de jindandu para o Raul Feio e os demais kambas kalus)



Página da AAAPFFEUL - Associação dos Antigos Alunos, Professores e Funcionários da Faculdade de Economia da Universidade de Luanda, alojada no Sapo, donde constava um pequeno Dicionário de Dialectos Angolanos [.infelizmente desaparecido porque entretanto o Serviço de Alojamento Gratuito de Páginas Pessoais do SAPO foi descontinuado, em dezembro de 2015] (LG).


Nessa página podia ler-se:


"Esta é uma página para todos recordarmos, partilharmos e aprendermos. Aqui divulgaremos os termos dos linguajares da terra angolana, apelando à participação de todos os associados e amigos, residentes em Portugal, em Angola ou em qualquer outro lugar do planeta Terra. Enviem as 'mukandas' com os vossos contributos para aaapffeul@gmail.com ".



A página tinha, em rodapé, o seguinte convite:


"Colabora connosco na recolha, registo, partilha e ensino de termos dos vários dialectos falados em Angola. Manda-nos a tua mukanda e diz-nos como se falava com os nossos cambas e com os nossos candengues, sem armar maka!"...







Angola > Luanda > 20 de junho de 2012 > A cidade, vista da Ilha de Luanda... cada vez mais cosmopolita, internacional, igual a tantas outras grandes cidades, cosmopolitas, internacionais, da nossa aldeia global... Foto de L.G.



1. Infelizmente desta vez fiz poucas fotos no exterior. Tirei mais fotos em sala de aula, na Clínica da Sagrada Esperança. Também não tive oportunidade de passear. Trabalhou-se de sol a sol... A única excepção foi uma visita, muita rápida (de 2 horas), à baixa de Luanda, de jipe e a pé... A partir das 16h, o trânsito complica-se.

Os kaluandas (ou "caluandas", ,julgo que o termo, da época colonial, está em desuso,) gastam muito tempo e energia em transportes... Por outro lado, em véspera de eleições gerais, legislativas (a 31 de agosto), Luanda e as capitais provinciais são um imenso estaleiro... Pela televisão e os jornais, percebe-se que o governo e a oposição já estão em pré-campanha eleitoral.


Do lado do regime, dá-se início a um vasto programa de inaugurações: hospitais, escolas, estradas... Aqui não é diferente dos outros Estados. Todo o poder gosta de mostrar obra feita, ao "povão"... 

Por outro lado, em 2004, ainda apanhei um pouco, por tabela, a paranóia securitária da polícia local... e andei fugido de jipe, com um polícia atrás de nós, armado de kalash... Só porque eu estava com um máquina fotográfica digital (ingenuidade a minha!), na mão, no "lugar do morto", ao lado do condutor, num jipe do ministério da saúde, na confusão do trânsito, a caminho do Futungo de Belas... Desobedecemos à ordem de parar, o jipe não levou nenhuma rajada, mas apanhámos um susto... Claro que o diligente "pobre polícia" queria apenmas ganhar uns trocos para o "mata-bicho"...

Julgo que as coisas melhoraram, pelo menos a esse nível... Mas não andei mais, confesso, armado em turista, tanto em Luanda com na ilha de Luanda... Pelo menos nessa sermana... Fintei os tiros de kalash na Guiné, em 1969/71, não tinha piada nenhuma ir apanhá-los em Luanda, em 2012, para mais em missão de paz e cooperação...



2. Para os muitos portugueses (tugas, pulas, em angolês) que hoje vivem e trabalham em Angola (ninguém sabe ao certo quantos, 100 mil ?, 200 mil ?, os aviões da TAP e da TAAG andam sempre cheios, para cá e para lá...), mas também para aqueles como eu que lá têm amigos (kambas) entre os kaluandas, e que lá vão de tempos a tempos em missões públicas ou de interesse público (cooperação, formação, investigação, etc.), é útil a consulta desta página, inserida no sítio da AAAPFFEUL.


A língua portuguesa não é mais do que o fruto (delicioso, gostoso, viçoso, saboroso, multicolorido, riquíssimo...) do linguajar das mais desvairadas mas boas gentes que a têm como língua materna ou língua oficial...  

A(s) influência(s) é (são) mútua(s), desde há muitos anos, o tempo em que convivemos. Falamos aqui de saudáveis interdependências, simbólicas, linguísticas, culturais, afetivas: o português de Portugal é também ele devedor do angolês, o português de Angola... (Claro que os mais "radicais", os indefectíveis antitudo... anticolonialistas, anti-imperiaçlistas, anticapitalistas, antissumpramacistas..., o portuguès é a língua do !"poder",l do "colon", do "tuga"...).

Estive recentemente na Ilha de Luanda, com uma curta passagem por Luanda (uma tarde). É a minha terceira ida a Angola, desde 2003. Sempre breve (uma semana, quinze dias). E todas as vezes que lá vou fico fascinado pelo português, doce, musical, pausado, bem soletrado, que se fala naquela terra. Para mim, são eles, os angolanos, que falam o melhor português da "lusofonia"... Não consigo entender como é que Angola esteve envolvida em 40 anos (!) de guerra, desde 1961 a 2002. Por que é um povo pacífico e intrinsecamente bom, hospitaleiro, amante da paz, que gosta de música, poesia, boa vida...


Em Angola não há o crioulo. A língua oficial é o português. O quimbundu (eles gistam de escrever kimbundo, com o tal K que aidna não faz parte do alfabeto português, não sei porquê...) é o maior grupo etnolinguístico de Angola (c. 25% da população na costa oeste e no norte), a seguir ao ovimbundu (c. 37%, a sul), mas à frente do bacongo (13%). Estes são os três principais grupos etnolinguísticos de Angola, todas eles pertencentes ao povo bantu.


quatro línguas nacionais: o côkwe (leia-se, tchocué), o kikongo (ou quicongo), o kimbundu (ou quimbundu) e o umbundu, a língua do grupo ovimbundu, a mais falada a seguir ao português (sem esquecer outras línguas africanas e inúmeros "dialetos")... O terreno é minado e as questões etnolinguísticas desencadeiam paixões...


À lista de vocábulos do angolês que encontrei neste sítio, da AAAPFFEUL - Associação dos Antigos Alunos, Professores e Funcionários da Faculdade de Economia da Universidade de Luanda, acrescentei uma série de outros vocábulos (e expressões) que aparecem no livro do meu colega sociólogo angolano, Paulo de Carvalho (n. Luanda, 1960), doutorado pelo ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, a minha escola-mãe, bem como no livro do Ondjaki, Os da minha rua: estórias.




Angola > Luanda < Ilha de Luanda > 20 de junho de 2012 > Luís Graça e Raul Feio (à direita), juntos numa acção de formação para pessoal de gestão de uma clínica local, a Clínica da Sagrada Esperança, do Grupo Endiama. uma unidade de saúde de referência não só em Angola como em África... Foto de L.G.


3. Esta pequena recolha, feita em cima do joelho, dedico-a ao mô kamba Raul Feio, Raul Jorge Lopes Feio, de seu nome completo, angolano do Huambo, filho de pais angolanos (com ADN português do lado do pai ou avô...), médico desde janeiro de 1974, (inscrito na Ordem dos Médicos com o nº 19,) e que pagou, com a liberdade, o amor que tem à sua terra. 

Enquanto estudante de medicina da Faculdade de Medicina de Lisboa, foi preso e condenado, em tribunal plenário, por motivos políticos, tendo passado 18 meses em Caxias (1971/72). Diplomou-se, também em Portugal, em saúde pública e medicina tropical, antes de regressar ao seu país natal na véspera da independência.  Como todos os médicos angolanos dessa época, foi militar e conheceu os horrores da guerra ("a guerra da segunda independência" ou "dipanda").

Foi ele, o Raul Feio, quem me levou pelo circuito, pedestre, das livarias da baixa luandense (Chá de Caxinde, Lello, ABC) no passado dia 21 do corrente. Comparativamente a setembro/outubro de 2004 (data da minha última visita), há hoje mais produção literária angolana, nos escaparates das livrarias angolanas, incluindo não apenas ficção mas também livros científicos e técnicos nas mais diversas áreas (da saúde à antropologia, do direito à gestão, da história à política, da arquitectura à literatura de viagens). 

Obrigado, Raul, pelo passeio e pelos livros. Para o melhor e para o pior, Luanda está irreconhecível.

Um afetuoso kandandu, daqui de Lisboa, ainda cheia do azul dos jacarandás e do cheiro dos manjericos dos santos populares... Até ao próximo outubro ou novembro. LG.



Termos do angolês: dialetos, gíria e calão


[Foto à esquerda: N'bondo ou imbondeiro, trabalho artístico em arame, s/d, s/n,  Angola, Ilha de Luanda, Condomínio da Clínica da Sagrada Esperança, 22 de junho de 2012. Foto de L.G.]

A / B


Abuamada. Espantada, atordoada pelo pasmo.


Aká (**). AK47, a espingarda automática russa.


Alembamento. Quimbundo. Pagamento feito aos pais da noiva.


Ambi (*). Diminuitivo de ambicioso. Pessoa gananciosa ou que só se preocupa consigo própria.

Antílope. Animal africano, espécie de veado.

Arimo. Umbundo. Lavra, terra de lavoura.

Avilo, avila (*). Amigo, amiga.


Bagre (*). Peixe de água doce.


Banga (**). Estilo, vaidade.


Bassula. Rasteira, derrubar outro usando sobretudo as pernas.

Batuque. Quimbundo. Tambor.

Bazar (*). Fugir, ir embora.

Bigue (**). Grande. Corruptela do inglês big.


Bina (*). Bicicleta.

Bitacaia. Também chamada bicho-do-pé ou pulga penetrante; pequeno insecto que se fixava na zona das unhas dos pés, por baixo da pele; era removido, por norma, com um alfinete, abrindo a pele e retirando-o sem rebentar o seu minúsculo saco de pus.

Boelo. Ridículo, fora de moda, ultrapassado.

Bôer, bure ou africânder. Comunidade de origem holandesa que ocupou vastas regiões da África do Sul, donde foi expulsa pelos ingleses, acabando por se fixar e definir novos territórios, como os estados do Orange e do Transval, bem como no sul de Angola.

Bombo. Mandioca.

Bondar (**). Matar, atingir (alguém).

Bué (*). Muito, em grande quantidade.

Braga. Homem branco (pejorativo); o mesmo que pula.

Bumbar. Trabalhar.


C (e/ou K)


Ca-barriga (*). Barriga pequena. 

Ca-dinheiro (*). Dinheirinho.


Ca-sorte (*). Um pouco de sorte. (O prefixo ka-, diminuitivo em quimbundu, agrega-se à palavra portuguesa para dar o sentido de "pequena sorte").


Cabra do mato. Espécie de bambi africano.

Cabiri. Rafeiro.

Cachico (*). Criado (Pejorativo).

Cacimba. Ifiote, Quimbundo. Poço de água, pequena lagoa.

Cacimbo. Ifiote, Quimbundo. Época das chuvas, nevoeiro.

Caíngas. Polícias de turno.

Caluanda ou kaluanda. Quimbundo. Habitante de Luanda. Vulgarmente, usa-se o termo kalú, diminuitivo.

Calulú. Prato típico da costa, com peixe seco, íresco, quiabos, folhas de batata doce ou outras ramas e cozinhado com óleo de palma. Acompanha o funje ou pirão.

Camanga ou kamanga. Tráfico ilícito de diamantes.

Camanguista ou kamanguista. Indivíduo que se dedica à camanga.

Camba ou kamba (**). Quimbundo. Amigo, camarada.


Cambaia (**). De pernas arqueadas.

Cambulador(es), Calão luandense. Vem de cambular, enganar. ludibriar, aldrabar

Candengue ou kandengue (**). Quimbundu. Criança, miúdo.

Cangulo. Carro de mão para transportar mercadorias.

Cangando. Homem branco (pejorativo).

Canhangulo. Espingarda.

Capim. Erva alta, colmo.

Capota. Nhaneca. Espécie de galinha selvagem.

Cassule, cassula (*). Mais novo, mais nova.

Cassumbular. Quimbundu. Tirar violentamente o que outrem leva nas mãos.

Cará. Nhaneca. Espécie de babata-doce da região sul.

Catanhó. Homem cabo-verdiano (pejorativo).

Catinga (**). Mau cheiro do suor.


Catorzinha (*). Adolescente luandense (em geral, tem sentido pejorativo:  prostituta muito jovem).

Caxexe. Às escondidas, disfarçadamente.

Caxico. Lacaio (depreciativo).

Caxinde. Folhas de que se faz uma infusão muito aromática. (Chá de Caxinde é o nome de uma conhecida associação e livraria de Luanda; foi fundada em 1989).

Cazucuta. Uma dança, originalmente; acabou por ganhar o sentido de contusão, ban­dalheira.

Cazumbi. Espírito, fantasma.

Chana. Planície típica do Leste de Angola, de capim pouco alto.

Chefe (*). Tratamento dado a pessoa de status social mais elevado.

Chimba. Tribo do sul de angola.

Chuinga (**). Pastilha elástica; corruptela do inglês chewing gum.

Cochito. Um pouco, um pedacito.

Comba ou Komba. Velório na casa do morto, em que se come, bebe e dança.

Cota ou Kota (**). Pessoa mais velha.

Cotótó. Pessoa avarenta.

Cuamato. Tribo do sul de angola.

Cuancala. Tribo do sul de angola.

Cuanhama. Tribo do sul de angola.

Cubar. Dormir.

Cubico (*). Quarto de dormir, casa, cubículo.

Cuduro (ou Kuduro). Dança popular dos bairros pobres de Luanda, surgida após a independência.

Cumbú (ou Kumbú) (*). Dinheiro.

Curibota (ou Kuribota/Kuributice). Mexericos (calão urbano).


D/ E / F / G


Dibinga (**). Fezes.


Ditumbate (*). Erva usada para prevenir e curar o paludismo (ou malária).


Esculú (**). Muito bom.


Esquebra (**). Excedente.


Esquindivar. Evitar, esquivar.


Esquindiva (**). Fuga.


Estigar (**). Ridicularizar o outro através de jocoso jogo de palavras.


Fantasma (*). Falso, que não existe (Falsos nomes que figuram em listas administrativas - combatentes, professores...).


Fezada (*). Sorte.

Fuba ou fubá. Farinha de milho.

Fugar (**). Faltar às aulas.

Funje ou funji (*). Quimbundo. Massa de fuba de mandioca, de batata ou de milho, dissolvida em água a ferver; o mesmo que pirão no sul.

Ganguela. Quimbundo. Tribo que habita a região do Bié.

Ganza. Estado em que se fica quando se usa drogas.

Garina. Moça ou mulher.

Gasosa. Dinheiro dado para corromper uma autoridade; hoje pode significar também gorjeta.

Gindungo (ou Jindungo) (**). Fruto picante, usado em tempêros, na alimentação.

Ginguba. Amendoím, mancarra (na Guiné-Bissau).

Goiaba. Fruta tropical.

Gombelador. Violador, tradicionalmente; hoje significa homem exageradamente assediador.

Grogue. Aguardente de Cabo Verde.




Angola >  Luanda > Ilha de Luanda > Condomínio da Clínica da Sagrada Esperança > 22 de junho de 2012 > A baía de Luanda > Luís Graça e Raul Feio (à direita),  em contraluz...  Foto de L.G. 


H / I / J / K / L


Haka. Umbundo. Reclamação de admiração.

Humbe. Tribo do sul de angola.

Ilha das Cabras. Antiga designação da ilha de Luanda.

Imbambas. Haveres pessoais.

Imbumbável. Pessoa que se recusa terminantemente a trabalhar.

Jiboiar (**). Estar ocioso, sonolento.

Jindungo. Quimbundo jin+dungo. [Dungo significa baga; jin é prefixo do plural]

Kabuenbas (*). Peixe pequeno; em sentido figurado, coisa pouca, negócio pequeno.

Kaluanda. Quimbundu. Antigo habitante de Luanda; diminuitivo: Kalu.

Kandandu. Quimbundu. Abraço (Plural: Jindandu).

Kandonga (*). Negócio, comércio informal.

Kandongueiro (*). Motorista de táxi ou de carrinha de transporte de passageiros.

Kafeluka (*). Copos ('Vou beber os meus kafeluka').

Kapurroto (diminuitivo Kapuka) (*). Aguardente caseira, feita a partir de cana de açucar, açúcar ou milho.

Kimbombo (*). Bebida fermentada, feita a partir de cereais.

Kissangua (*). Refresco feito a partir de cereais ou frutas.

Kitaba (**). Espécie de pasta feita com amendoim torrado.

Liamba (*). Cannabis.

M

Maboque. Fruta tropical.

Maca (ou maka). Quimbundo. Conversa, conflito, discussão, problema, cena.

Machimbombo. Quimbundo. Autocarro urbano.

Macuta. Antiga moeda colonial feita de cobre.

Maianga. Bairro de Luanda onde se situa o Hospital Josina Machel / Maria Pia

Malaico (ou malaiko) (**). Ordinário, grosseiro, que não é bom

Malaiko (*). À toa, abandalhado

Malembe. Ifiote. Devagar, calma.

Mamão. Fruta tropical, semelhante à papaia.

Mambos (*). Assuntos, casos, problemas, cenas.

Manauto. Amante.

Manga. Fruta tropical.

Maqueiro. Quimbundo. Indivíduo conflituoso, que arma macas.

Maruvu (ou maluvu) (*). Bebida fermentada, feita a partir da seiva da palmeira

Massambala. Sorgo; cereal de grão redondo e redondo, que também servia para fazer uma cerveja local. 

Matabicho (*). Pequeno almoço.

Mato (*). Interior, meio rural.

Matumbo. Pessoa do mato, considerada pelos citadinos como ignorante.

Micate. Doce frito, espécie de sonho.

Milongo ou bilombo. Remédio; substância, normalmente de origem vegetal, a que se atribui poder curativo.

Mirangolo. Fruta tropical, do tamanho duma cereja.

Missanga. Contas coloridas, em plástico, usadas para fabrico de adornos (colares, pulseiras).

Mô (**). Meu

Mona. Filho; usa-se carinhosamente para rapaz.

Monangamba. Termo depreciativo para trabalhadores forçados no tempo colonial. 

Muadiê (**). Senhor ou patrão, na terminologia colonial; pessoa, tipo/a.

Muata. Chefe tradicional, hoje usa-se para qualquer responsável.

Mucanda ou mukanda. Quimbundo. Carta, bilhete. Fig. Recado.

Múcua. Quimbundo. Fruto do Imbondeiro.

Mucubal. Tribo que habita a parte sul da região entre Moçâmedes e a serra da Chela.

Muíla. Membro da tribo nhaneca.

Mujimbeiro (**). Fofoqueiro.

Mujimbo (**). Tchokue. Notícia; ultimamente ganhou a conotação de boato, fofoca.

Mulemba. Quimbundo. Figueira africana.

Mundombe. Tribo que habita a parte norte da região entre Moçâmedes e a serra da Chela.

Mungué. Quimbundo. Até à amanhã.

Musseque. Quimbundo. Originalmente a areia vermelha; mais tarde, os bairros periféricos (e pobres) de Luanda, com construções precárias feitas de chapa, adobe e colmo.

Mutamba (*). Parte central da baixa de Luanda.


Mutiati. Nhaneka. Espécie de árvore muito comum no sul de Angola.

Muxima. Quimbundo. Coração. Plural, Mixima.


N


N´bondo. Imbondeiro.

Naite (*). Cigarro.


Naka. Umbundo. Horta à beira de um rio.


Ndengue. Quimbundu. Miúdo.


Ngonguenha (**). Mistura de água com farinha de pau (farinha fina feita a partir da mandioca) + açúcar.

Nhaneca. Tribo que habita a região da Huíla, no sul de Angola.

Njango. Umbundu. Construção circular, aberta, onde se realizam reuniões.

Nocha. Fruta tropical.

Nona. Fruta tropical.

Nunca ningi (*). Nunca mais.


Nunce. Umbundu. Espécie de antílope com 50 kg e 75 cm de altura em média; também chamado sembo no sul.





Angola >  Luanda > Ilha de Luanda > Condomínio da Clínica da Sagrada Esperança (CSE) > 19 de junho de 2012 > A hora da bica... numa dos sítios mais bonitos e tranquilos da ilha, com vista para o porto de Luanda > Da esquerda para a direita: José Vasconcelos (ENSP/UNL), Jorge Lima (CSE e FMUAN - Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto), Conceição Araújo (a nossa anfitriã, CSE) e Luís Graça (ENSP/UNL)...  Foto de L.G. 


O / P / Q


Ocipama. Umbundu. Aula, lição.

Onkhako. Nhaneca. Sandálias

Olongo (**). Umbundu. Espécie de antílope com 300 kg e 1,5m de altura em média. Também chamado ungiri no sul.

Pacaça. Animal africano; espécie de búfalo vermelho africano.

Pai (*). Tratamento de deferência ou de respeito, dado a pessoa mais velha ou de status social mais elevado.

Palanca. Animal africano; espécie de veado.

Papaia. Fruta tropical, semelhante ao mamão, mas mais doce.

Paracuca (**). Amendoím torrado, envolto em açúcar,  vendido na rua em canudos de papel.


Parar (*). Morrer.

Pato. Gíria. Pessoa que entra numa festa sem ser convidada.

Pirão. Umbundo. Farinha de mandioca ou de milho cozida; o mesmo que funje (ou funji) no norte.

Pitanga. Fruta tropical.

Pitar (*). Comer.

Pito. Pessoa bonita, desejável.

Porrinho. Moca.

Poster (**). Estilo.


Pré-cabunga (**). Última classe do ensino pré-escolar.


Primo como irmão (*). Filho da tia (nos sistemas de parentesco matrilineares), ou filho do tio (nos sistemas patrilineares).


Protecção (*). Protecção física, guarda, segurança.

Pula. Pessoa branca (pejorativo). O mesmo que braga, cangando, tuga.

Quedes (**). Sapato desportivo, em lona e borracha


Quijila ou kijila. Interdito, proibição de usar ou comer alguma coisa por razões religiosas.

Quilapi ou kilapi. Dívida, calote.

Quimbanda ou kimbanda. Quimbundo. Curandeiro, adivinho.

Quimbo ou kimbo. Quimbundo. Aldeia, pequeno povoado.

Quimbundo ou kimbundu. Língua das tribos do centro-norte de Angola, nomeadamente da região de Luanda.

Quinguila ou kinguila. Mulher que troca divisas (dólares por kwanzas) na rua.

Quinhunga ou kinhunga. Pénis.

Quionga ou quionga. Cadeia, prisão.

Quisaka ou kisaka. Esparregado de folhas de mandioca cozidas em óleo de palma.

Quissama. Nome do parque nacional situado a 75 km de Luanda, e delimitada pelo Oceano Atlântico e os rios Cuanza e Longa, uma da área de grande variedade de fauna e flora protegida desde 1957.

Quissange. Instrumento musical.

Quitata ou kitata. Prostituta.

Quiteta (**). Espécie de molusco, comestível.

Quitute. Doce, presumidamente de origem brasileira.


R / S / T / U / V / X / Z


Roboteiro. Pessoa que faz transporte de cargas, ou com cangulo ou às costas.

Ruça. Carro.

Rusga (*). Alistamento compulsivo de jovens em idade militar; por extensão, recolha de pessoas, em casa, na rua, na escola, no local de trabalho,  que tenham cometido uma infracção ás leis do país.

Saio. Trabalho.

Salalé. Formiga branca e carnívora, da família das térmitas.

Sembo. O mesmo que Nunce.

Soba. Chefe tradicional, autoridade máxima numa tribo ou aldeia.

Sobeta. Chefe tradicional, adjunto de um soba.

Sukuama. Exclamação de admiração ou raiva.

Tciriquata. Umbundo. Pequeno pássaro comum no planalto central.

Tipóia ou machila. Umbundo. Rede usada no transporte de pessoas ou bens.

Tissagem. Acréscimos de cabelo, muitas vezes de cores diferentes do próprio.

Tremunos. Jogos de futebol, na rua ou em terrenos vagos.

Tuga (*). Português do tempo colonial.


Tunda, tunda! (*). Desaparece, vai-te embora.

Umbundo. Língua falada no centro-sul de Angola.

Ungiri. O mesmo que Olongo.

Xambeta. Coxo.

Ximbeco. Habitação mal feita, de materiais precários.

Zongola. Bisbilhoteiro.

Zunga (*). Venda de comida ou bebida nas ruas.


Zungueira (*). Mulher que pratica a zunga.

Fonte: Adapt. de AAAPFFEUL. "Muitos dos termos e definições deste dicionário foram recolhidas em obras do escritor Pepetela [ n. Benguela, 1941], cujo contributo aqui agradecemos e rendemos a nossa homenagem". 


Vd. também vocábulos e expressões recolhidos por nós, em 2004, em Luanda (re)visitada



(*) Referido ou também referido por Paulo de Carvalho [, foto à esquerda, cortesia da Wikipédia]- 'Até você já não és nada!...' Luanda: Kilombelombe. 2007.342 pp. (Colecção Ciências Humanas e Sociais, Série Sociologia e Antropologia, 4).

(**) Referido ou também referido por Ondjaki [, pseudónimo do escritor angolano Ndalu de Almeida, n. Luanda, 1977 ] - Os da minha rua: estórias. Lisboa: Caminho. 2007, 125 pp.  (Colecção Outras Margens, autores estrangeiros de língua portuguesa,63).

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6015: Em bom português nos entendemos (7): O kapuxinho vermelho, contado aos nosso netos, de Lisboa a Dili, de Bissau a S. Paulo (Nelson Herbert / Luís Graça)