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domingo, 31 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25023: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XLII: ten art Ernesto Luiz Lemonde de Macedo (Lisboa, 1892 - Quelimane, Moçambique, 1918)


Ernesto Luiz Lemonde de Macedo (1892 - 1918)


Nome: Ernesto Luiz Lemonde de Macedo

Posto: Tenente de Artilharia

Naturalidade: Lisboa

Data de nascimento: 23 de Maio de 1892

Incorporação: 1914 na Escola de Guerra (nº 39 do Corpo de Alunos)

Unidade: Regimento de Artilharia de Montanha

Condecorações: Promovido a Capitão por distinção, a título póstumo

TO da morte em combate: Moçambique

Data de Embarque: 31 de Março de 1917

Data da morte: 22 de Julho de 1918

Sepultura: Quelimane - Moçambique

Circunstâncias da morte: A força de segurança afastada de Quelimane, posicionada na zona de Nhamacurra, foi atacada pela guerrilha alemã pelas 15 horas de 1 de Julho tendo como primeiro objectivo a posição das bocas de fogo de artilharia comandadas pelo Tenente Lemonde que as defendeu com bravura e destemor até ser gravemente ferido. Evacuado para Quelimane faleceu em 22 de Julho.



António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Fim da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola (n=5), Moçambique (n=6) e França (Flandres) (n=20), num total de 31. Na nossa série, houve de um erro de numeração: saltámos da parte XIX para a parte XXX ( erro esse que ainda não foi corrigido). (*)

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

Agradecemos a este ilustre militar, que nos honra com a sua presença (ativa) na Tabanca Grande, o nos ter faculdade, em formato ebook, o resultado da sua laboriosa e altamente meritória pesquisa. Num blogue como o nosso de antigos combatentes, temos a obrigação (pelo menos moral) de lembrar aqueles que morreram pela Pátria, bem longe de casa. 
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Guiné 61/74 - P25022: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XLI: ten inf Viriato Sertório da Rocha Portugal Correia de Lacerda (Oeiras, 1887 - Serra de Mecula, Moçambique, 1917)



Viriato Sertório da Rocha Portugal Correia de Lacerda (1887-1917)


Nome: Viriato Sertório da Rocha Portugal Correia de Lacerda

Posto: Tenente de Infantaria

Naturalidade: Oeiras

Data de nascimento: 2 de Janeiro de 1887

Incorporação: 1909 na Escola do Exército (nº 38 do Corpo de Alunos)

Unidade: Regimento de Infantaria n.º 21

Condecorações: Promovido a Capitão por distinção (a título póstumo)

TO da morte em combate: Moçambique

Data de Embarque: 7 de Outubro de 1915

Data da morte: 8 de Dezembro de 1917

Sepultura: Alto da serra de Mecula

Circunstâncias da morte: Morreu numa trincheira combatendo bravamente na serra de Mecula ao 5º dia de combate intenso com as tropas alemãs. No assalto final foi atingido por fogo inimigo quando tentava inutilizar a sua metralhadora. Assim morreu o famoso chefe dos sipaios do Niassa.




António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

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quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25006: Casos: a verdade sobre...(36): A morte do Braima Djaló, o irmão do Amadu Djaló e de outros 'comandos' do BCmds, na Caboiana, e do aprisionamento do tenente graduado 'comando' António Jalibá Gomes, cmdt da 3ª CCmds (Joaquim Luís Fernandes, ex-alf mil, CCAÇ 3461, Teixeira Pinto, 1973/74)

  
Guiné > Região de Cacheu > c. 1973 > O  alf mil Joaquim Luís Fernandes "num patrulhamento de carácter ofensivo, em áreas de contacto eminente, nas matas da Península do Balanguerez até Ponta Costa, bem junto à Caboiana".

Foto (e legenda): © Joaquim Luís Fernandes  (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Luís Fernandes, ex-alf mil, 
CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1973/74);
integra a Tabanca Grande desde 21/6/2013: 
empresário, natural de  Leiria onde vive

1. Comentário do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes ao poste P24991 (*)

Esta operação à Caboiana [ em que mnorreu o Braima Djaló, irmão mais novo  do Amadu Djaló, ] terá ocorrido a 24 de Setembro de 1973, data histórica para o PAIGC e que também não esqueço: nesse dia vim de férias, depois de, nos 6 meses anteriores, ter patrulhado as matas da região do Churo, entre o rio Costa (península do Balanguerez) e o rio Caboi, a norte do Burné e próximo Ponta Costa, junto da Caboiana, com o tarrafo a separar as matas.

Esta operação terá sido a primeira e a última, naquela mata e base do PAIGC, ocorrida no ano de 1973. Consta que a esse tempo, a dotação dos efetivos dessa base IN, era de 4 bigrupos de infantaria, 1 bigrupo de fuzileiros e 2 baterias de artilharia.

Bem testemunhei a atividade da guerrilha do lado de lá do tarrafo, quando patrulhava junto a Burné, ouvindo os tiros, que mais me pareciam de instrução em carreira de tiro. Um dia, em que aí estávamos instalados, enquanto do Bachil era disparado o obús para a Caboiana, ouvi de perto uma rajada, talvez para denunciarmos a nossa presença, o que não aconteceu. Saímos dali sem dar um tiro.

Ainda não compreendi, porque o Com-Chefe permitia a existência daquela base IN, naquela mata do interior, rodeada de tarrafo e rios, confrontando a norte com o rio Cacheu.

Com tanta tropa ao redor, parecia-me que seria possível a sua extinção ou impedimento do seu abastecimento de armamento, víveres e deslocações.

Um dia, talvez em finais de agosto ou já em setembro de 1973, num dos patrulhamentos de reconhecimento ofensivo, vim a encontrar junto ao rio Caboi, próximo de Ponta Costa, camuflado debaixo de uma grande e frondosa árvore, o que seria um local de pernoita dos guerrilheiros, equipado com beliches feitos com paus, e esteiras como colchões. Na beira dos rio, existia uma pequena árvore inclinada para o seu leito, que servia de ancoradouro das canoas. Estava bem visível no tronco, as marcas das cordas de ancoragem.

Penso hoje que esse local servia de porto, para o movimento fluvial, entre a Caboiana e o Senegal, via rio pequeno de S. Domingos, travessia do rio Cacheu, e entrada no rio Caboi, até aí.

E o Cacheu ali tão perto e com um Destacamento de Fuzileiros Navais, sem nada verem, sem nada impedirem.

Segundo informação de um irmão de Zacarias Saiegh, também ele Comando na Guiné, a residir em Portugal, nessa operação de 30 de setembro de 1973, terão morrido, além do Braima Djaló, entre outros, o furriel Quintino Rodrigues. vários feridos não mencionados e aprisionados vários elementos dos Comandos, entre eles o comandante da 3ª Companhia, tenente António Jalibá (e não Jaiba) Gomes, os cabos Albino Tuna, Eusébio Fodé Bamba, entre outros.

Não compreendo como foi preparada esta operação, pelas trágicas consequências! O que se esperava em Bissau? Que a base da Caboiana estivesse desativada ou sem capacidade de defesa?


[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]


Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana  e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).


2. Comentário do editor LG:

No seu livro de memórias, o Amadu Djaló lista, no final, os nomes sos seus camaras do BCmds da Guiné mortos em combate, bem como por doença ou acidente. No 25 de setembro de 1973, na mata da Caboiana (ou "Cobiana", como ele escreveu) constam très nomes:
  • Quintino Rodrigues, furriel graduado, 1ª CCmds;
  • Lama Jaló, soldado, 3ª CCmds;
  • Braima Djaló, soldado, 3ª CCmds.

No portal UTW - Ultramar Terraweb pode ler-se sobre o António Jalibá Gomes, tenente graduado 'comando' (com base em "elementos cedidos pelo veterano J C Abreu dos Santos");

(...) "Durante a manhã de 3ª feira, do dia 25 de Setembro de 1973, no decurso da Operação Gema Opalina efectuada pelo Batalhão de Comandos da Guiné (BCmdsG) (....) no noroeste da Guiné, quando em progressão entre a mata da Caboiana e o Bachile, sucessivas emboscadas de toca-e-foge lançadas pelo PAIGC (...)  causam às Nossas Tropas três mortos; e logram capturar cinco 'comandos' - entre eles o comandante da 3.ª Companhia do Batalhão de Comandos da Guiné (3ª/BCmdsG) (...)  -, quatro dos quais, pouco depois torturados, selvaticamente fuzilados, seus corpos abandonados pelo inimigo na mata e nunca recuperados pelas Nossas Tropas (...)

Em 14 de Setembro de 1974 libertado pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) com outros cativos, por troca de prisioneiros das Nossas Tropas.

(...) "Corpos não recuperados, conforme relatório emitido em 21Mai1974 pela 1ª Rep/QG/CTIG:

Todos da 3.ª Companhia do Batalhão de Comandos da Guiné:

Albino Tuma, Soldado ‘Comando’, n.º 82043572

Ali Jamanca, Soldado ‘Comando’, n.º 82001667

Orlando Jamba Sá, Soldado ‘Comando’, n.º 82099472

Vicente Jalá, Soldado ‘Comando’, n.º 82069772" (...)

sábado, 23 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24991: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XL: Morte do irmão Braima Djaló,da 3ª C/BCmds, na Caboiana, em setembro de 1973


Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana  e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não  lhe permitaram ultimar.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor;

(xxiii) vamos vê-lo a dar instrução a futuros 'comandos' no CIM de Mansabá, na região do Oio, no primeiros meses do ano de 1973, e a fazer algumas "saídas" extras (e bem pagas) com o grupo do Marcelino, ao serviço do COE (Comando de Operações Especiais), que era então comandado pelo major Bruno de Almeida; mas não nos diz uma única sobre essas secretas missões; ao fim de 12 anos de tropa, é 2º sargento e confessa que está cansado;

(xxiv) antes de ir para CCAÇ 21, como sede em Bambadinca, como alferes 'graduado" (e sob o comando do tenente graduado Abdulai Jamanca, ainda irá participar na dramática Op Ametista Real, contra a base do PAIGC, Cumbamori, no Senegal, em 19 de maio de 1973;  esta parte do seu  livro de memórias  (pp. 248-260) já aqui foi transcrita no poste P23625;

(xxv) no leste, começa por atuar no subsetor do Xime, em meados de 1973;

(xxvi) em setembro de 1973, quando estava em Piche, já na CCAÇ 21, recebe a terrível notícia da morte do seu querido irmão mais novo, Braima Djaló, da 3ª CCmds.


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XL:

Morreu em combate o Braima Djaló, da 3ª C/BCmds, meu irmão (pp. 263/264) 

O Braima, meu irmão mais novo, frequentou o curso de comandos de 1972, em Fá Mandinga.

Estivemos juntos nos Comandos, quase perto de um ano. Uma vez, íamos efetuar um assalto com helicópteros a oeste de Madina do Boé. O assalto era para ser desencadeado depois do bombardeamento da aviação. Quando era assim, tínhamos que sair dos helicópteros com o dedo no gatilho.

Calhou o meu irmão ir no meu grupo e, quando chegámos à BA 12, em Bissalanca  eu só tinha olhos para o meu irmão. Cada vez que levantava a cara só o via a ele. Então, pedi ao capitão Folques para mandar o meu irmão para outro grupo, para que ele fosse numa situação menos perigosa. O capitão aceitou o pedido e trocou-o.

Realizámos o assalto, sem problemas do nosso lado. O bombardeamento causou vítimas ao PAIGC, apoderámo-nos de vários materiais e regressámos a Bissau, de helicóptero também.

Depois, em 5 de junho de 1973, eu e mais oito oficiais fomos transferidos para a CCaç 21. A nossa companhia ficou  com sede em Bambadinca e passámos a atuar na zona leste.

Em setembro estávamos em Piche. A coluna regressava nesse dia, vinha trazer géneros. Eu estava sentado no posto da administração, a conversar com os funcionários, quando chegou um soldado europeu.

- Meu alferes, o nosso tenente-coronel  mandou-o chamar.

No caminho, o militar perguntou-me se eu tinha algum irmão nos Comandos. Sim, tenho, respondi.

- Morreu! Mas o meu alferes não diga nada ao nosso tenente-coronel.

Fiquei sem ter nada para dizer. Quando cheguei, à sala de operações, o tenente-coronel (##) disse-me:

- Djaló, o teu irmão morreu (#). A coluna já partiu para Bambadinca, mas tens aí uma viatura para te levar e depois a viatura regressa com a coluna.

Não esperei mais nada. Tomei o lugar no carro, rumo a Bafatá.

Quando cheguei a minha casa, encontrei lá muita gente. O condutor parou, dei-lhe dinheiro para almoçar no restaurante, e disse-lhe que aguardasse, ao pé da estrada, pela coluna de regresso.

O meu irmão, Braima Djaló, morreu na Caboiana, numa operação da 3ª Companhia de Comandos. Nesse dia perdi o meu irmão mais amigo.

A morte do meu irmão trouxe consequências. A minha mãe já era idosa e estava muito fraca. Toda a minha família se juntou e quiseram fazer uma reunião comigo.

Um tio meu disse-me que eu já tinha mais de onze anos de serviço militar. Que, com a morte do meu irmão, a família achava que eu devia deixar a tropa ou então deixar de ser operacional. Insistiram muito, tanto que eu contactei o major Folques quando me desloquei a Bissau para recolher a bagagem do meu irmão. Coloquei-lhe a questão, ele ouviu-me atentamente e respondeu-me:

- Na próxima 4ª feira vamos encontrar-nos no CAOP do Gabu, CAOP2, e vamos falar com o nosso coronel.

Na 4ª feira seguinte aluguei uma carrinha em Bafatá para transportar a minha mãe e desloquei-me na minha motorizada. Mas o major não apareceu. O coronel ainda me disse para aguardar, mas soubemos que o major Folques estava impossibilitado de sair de Bissau.

O coronel perguntou-me de que assunto se tratava. E eu disse-lhe qual era. Perguntou-me se eu, deixando de ser operacional, concordava em ser desgraduado para 1.º sargento.

Uma proposta injusta,  foi o que lhe respondi. Há onze anos, praticamente seguidos, sempre a percorrer o território e vir agora ser tratado assim numa secretaria do Gabu!

Acabei por lhe dizer, sabe Deus como, que concordava e perguntei-lhe se também podia sair da tropa e passar à disponibilidade.

- E,  se passares à disponibilidade, como é que vais viver?

- Há muita gente que está a viver e nunca foi tropa - foi assim que respondi.

- Onde vais viver?

- Meu coronel, já cumpri serviço durante mais de onze anos! Posso viver em qualquer parte do mundo.

- Mas como? Para onde?

As perguntas não acabavam e as minhas respostas eram sempre as mesmas, tinha cumprido muito mais que a minha obrigação e se quisesse sair podia ir ou ficar no lugar que eu encontrar-se para viver, Bafatá, Senegal, Gâmbia, Guiné-Conacri.

- Está bem, a gente vai tratar disso - rematou.

Quinze dias depois, um soldado de Bambadinca veio à minha procura dizendo que um tenente responsável pelas informações do batalhão de Bambadinca queria falar comigo.

Era meu conhecido e encontrei-o num gabinete do batalhão, com um placard na porta “informações”. Passou-me o meu processo para as mãos e pediu-me para ir para junto da janela, abrir bem os olhos e só depois assinar.

Era um dossiê. Li apenas a primeira página.

- Eu, meu tenente, não assino este documento. Quem vai tratar deste assunto vai ser o major Folques, que é o meu comandante.

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Nota do editor LG:

(#) Tenho indicação que a morte em combate terá ocorrido nesta acção:

Ver. CECA (2015):

Acção - 24 a 27Set73

As 1ªe 3ª/BCmds da Guiné levaram a efeito missões de patrulhamento e montagem de emboscadas na região de Caboiana, 06. Na área de S. Domingos, as NT sofreram 3 mortos, 5 feridos e 6 desaparecidos em vários contactos pelo fogo. O inimigo sofreu 1 morto e outras baixas prováveis. 

Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume:  aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro III,  Lisboa: 2015, pág. 344

(##) Deveria tratar-se do comandante do BART 6523/73 (Nova Lamego, 1973/74).

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
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Nota do editor LG:

Último pposte da série > 2 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24906: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIX: alferes graduado na CCAÇ 21, combatendo no Leste (pp. 261-263)

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24946: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XL: ten inf Miguel António Ponces de Carvalho (Oliveira de Azeméis, 1885 - Negomano, Moçambique, 1917)


Miguel António Ponces de Carvalho  (Oliveira de Azeméis, 1885 - Negomano, Moçambique, 1917)


Nome: Miguel António Ponces de Carvalho

Posto: Tenente de Infantaria

Naturalidade: Oliveira de Azeméis

Data de nascimento: 22 de Outubro de 1885

Incorporação: 1908 na Escola do Exército (nº 239 do Corpo de Alunos)

Unidade: 3º Grupo de Metralhadoras

Condecorações

TO da morte em combate: Moçambique

Data de Embarque

Data da morte: 19 horas de 25 de Novembro de 1917

Sepultura: Negomano - Moçambique

Circunstâncias da morte:  No combate de Negomano (25/26 de Novembro de 1917) quando, a descoberto, procurava desencravar uma das suas metralhadoras pesadas,  foi mortalmente atingidopelos fogos da força alemã atacante.


António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24929: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XXXIX: Maj inf João Teixeira Pinto (Moçâmedes, Angola, 1876 - Negomano, Moçambique, 1917)

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24850: Efemérides (410): Há 56 anos: onze mortos (além de dezenas de feridos), da CART 1661, na estrada Porto Gole-Bissá, em duas minas A/C (uma incendiária), em 5 e 6 de outubro de 1967... Ainda hoje recordo os soldados queimados, alguns com o terço ao pescoço, rezando para os salvarmos! (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Guiné> Região do Oio > Porto Gole > CART 1661 > O estado em que ficou umas das viaturas que acionou uma mina A/C, em 5 ou 6 de outubro de 1967, na estrada Porto Gole-Bissá

Foto (e legenda): © José Manuel Viegas (2023). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José António Viegas, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68), um dos animadores da Tabanca do Algarve:

Data: quinta, 5/10/2023 à(s) 10:47

Assunto: 56 anos passados

Faz hoje 56 anos do pior dia para a Cart 1661 e Pel Caç Nat 54, uma segunda mina na estrada Portogole - Bissá, com vários mortos, a maioria queimados. (*)

Ainda hoje recordo os soldados queimados, alguns com o terço ao pescoço rezando para os salvar. Dia difícil. Paz às suas almas. José Viegas.

2. Excerto do poste P20283, do nosso coeditor Jorge Araújo (**):

(...) A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Arménio Moutinho da Costa, natural de Gondim, Maia, em 7 de Outubro de 1967, sábado, no Hospital Militar 241, em Bissau, ocorreu um dia depois da viatura que conduzia ter accionado uma mina anticarro, incendiária, na estrada entre Porto Gole e Bissá.

Pertencia à CART 1661 (02Fev67-19Nov68) que, no espaço de três semanas, ficara sem dois condutores auto rodas, o primeiro - o soldado Manuel Pinto de Castro, em 16Set67 - caso abordado no poste anterior [P20217, ponto 3.8], e três viaturas, para além de outras baixas, entre feridos e mortos.

Para a descrição deste doloroso acontecimento, recorremos, de novo, à análise de conteúdo do livro (...) do camarada Abel de Jesus Carreira Rei «Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968», edição de autor. Lousa. 2002 (...).

Refere que Setembro e Outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661, onde o primeiro morto da companhia ocorre ao oitavo mês de comissão, em 16Set67, por efeito da explosão de uma mina anticarro, no cruzamento da estrada para Mansoa, quando uma coluna auto, saída de Porto Gole, ia ao encontro de forças de Bissá com o objectivo de lhes fazer a entrega de géneros alimentícios.

Depois, a 5 de Outubro de 1967, 5.ª feira, uma outra viatura, na estrada Porto Gole - Bissá, faz accionar outra mina anticarro, originando mais uma baixa mortal e duas dezenas de feridos.

No dia seguinte, ou seja em 06Out67, 6.ª feira, uma nova mina anticarro, esta incendiária, é accionada perto do local da mina anterior, provocando alguns mortos e feridos, entre eles o soldado Arménio Moutinho da Costa que foi evacuado para o HM 241, juntamente com os seus camaradas com ferimentos graves, em particular queimaduras provocadas pela explosão.

Dos evacuados, seis acabariam por falecer em Bissau nos dias seguintes, enquanto dois pereceram no Hospital Militar Principal, em Lisboa, a 14 e 23 do mesmo mês.

Para que conste na historiografia desta ocorrência, elaborámos um quadro detalhado dos onze mortos provocados pelas duas minas anticarro, accionadas a 5 e 6 de Outubro de 1967, no cruzamento de Mansoa, no itinerário entre Porto Gole e Bissá, de que foram vítimas os seguintes militares da CART 1661. (...
)

____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 1 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24812: Efemérides (409): 1 de novembro, dia de lembrar e homenagear os nossos queridos mortos

(**) Vd. poste de 28 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20283: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte IV

Vd. também poste de 14 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)


 (...) A 5 de Outubro (de 1967), uma viatura saída de Porto Gole em direcção a Bissá fazaccionar outra mina A/C. Balanço: 1 morto e 26 feridos. 

A 6, uma nova mina (desta vez incendiária!) com emboscada (por um grupo calculado em 80 elementos), junto ao local do rebentamento da mina anterior, faz 10 mortos e mais de duas dezenas de feridos, “com queimaduras, todos evacuados para a Metrópole”…

Diz-nos o Abel, em nota de rodapé, que “para estas evacuações, foi preciso um avião especial de emergência que, ao chegar a Lisboa, fez correr a notícia de que Bissau tinha sido bombardeada, simultaneamente ‘boatado’ pelo inimigo)” (p. 114).

Nesse dia, Abel estava em Bissá, fazendo contas à vida de ‘cabo vagomestre’, sem comer para dar ao pessoal… mas no dia 8/10/67 fez o balanço desta “série negra” que fez de Bissá “o pior aquartelamento” (p. 166) da Guiné, nessa época.

“Tanto na mina como na emboscada, foi precisa imediata colaboração da aviação, que desta vez chegou de pronto, vindo dois bombardeiros que ajudaram os helicópteros a localizar o acidente” (8/10/67, Bissá, p. 115). (...)

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24812: Efemérides (409): 1 de novembro, dia de lembrar e homenagear os nossos queridos mortos


Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério > Talhão da Liga dos Combatentes > 1 de novembro de 2017 > "Conforme convite da nossa Embaixada, estive presente na homenagem aos nossos mortos.  As campas estavam pintadas e arranjadas. Foram benzidas por um padre. Estavam os nossos militares da cooperação militar, adido militar e funcionários da nossa Embaixada, o representante da Liga dos Antigos Combatentes, assim como alguns empresários portugueses que cá exercem a sua actividade." (*)

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No dia em que, na nossa cultura cristã e ocidental, lembramos os nossos queridos mortos e visitamos as suas campas nos cemitérios, não podemos deixar de evocar aqui os membros da Tabanca Grande, amigos e camaradas da Guiné que este ano "da lei da morte já se foram libertando": foram 14 de um total que já vai em 141 (16% dos 881 membros registados). De aguns, só tardiamente tivemos a notícia do seu falecimento (vão assinalados com #).
  • António Branquinho (1947-2023)
  • António Cunha (Tony) (c.1950-c. 2022) (#)
  • António Eduardo Ferreira (1950-2023)
  • Armando Tavares da Silva (1939-2023)
  • Carlos Alberto Cruz (1941-2023)
  • Carronda Rodrigues (1948-2023)
  • Cunha Ribeiro (1936-2023)
  • Celestino Bandeira (1946-2021)
  • Fernando Costa (1951-2018)(#)
  • Fernando Magro (1936-2023)
  • José António Paradela (1937-2023)
  • José Carlos Suleimane Baldé (c.1951-2022)(#)
  • José Marcelino Sousa (1949-2023)
  • Manuel Gonçalves (Nela (1946-2019 (#)
 (#) Só soubemos da sua morte este ano.


2. É dia de lembrar, mais uma vez, e em especial neste dia (**), que há ainda centenas de antigos combatentes, inumados em vários dos antigos teatros de operações da guerra de África, como é o caso do cemitério de Bissau, Talhão Militar Português. Eram cerca de 350 até 2008  (***). 

Ver aqui aqui o vídeo do antigo sargento comando Julde Jaquité, do Batalhão de Comandos da Guiné, reproduzido na página do Facebook de Raul Folques (17 de Outubro às 16:34). 

Acrescenta o antigo comandante do BCmds da Guiné:

 (...) "Este talhão é tratado, graciosamente, pela Associação dos Antigos Combatentes da Guiné que é presidida por Amadu Dhjau. Bem hajam." (...) 

Muitos outros antigos camaradas nossos, falecidos em combate, ou por doença ou acidente,   ficaram inumados em condições indignas )e que ferem a nossa sensibilidade), em cemitérios "ad hoc" que já foram invadidos pelo mato e pelo crescimento urbano, desde Bambadinca a Catió.
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segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24739: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVI: Tocou tambor para Bubacar, em Porto Gole, Op Esmeralda Negra, 13-16 fev 1973



Guiné > Região do Oio > Mansoa > Porto Gole > Pel Caç Nat 52 (1966/68) >  Ao centro, é visível o cavalo-de frisa; à esqueda e à direita, os 4 edifícios do aquartelament esquerda o Posto Administrativo que estava desactivado e ao fundo a cozinha, messe e dormitório de graduados; â direita , a camarata dos soldados e ao fundo o edificio onde funcionava a enfermaria e o posto de rádio

Foto (e legenda)  © Henrique Matos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Carta geral da antiga Província da Guiné Portuguesa (1961)  (Escala 1/500 mil) > Posições relativas de Mansoa, Porto Gole, Malafo, Changalana, Mantem e Sára (base do PAIGC a sudoeste do Morés)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra).


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVI:

Tocou tambor para Bubacar, em Porto Gole (pp. 236-239)

Antes de sairmos, fizemos uma pequena reunião em Brá como era costume. Nesta reunião foram-nos comunicados os novos códigos para contacto rádio. Para as evacuações, “marabuta tocou tambor” significava que tinha morrido um oficial nosso. Se fosse um dos nossos sargentos seria “marabuta tocou guitarra” e “marabuta tocou viola” se se tratasse de uma praça.

Já no fim da reunião, com o pessoal a levantar-se, um dos supervisores perguntou ao alferes Bubacar Jaló, da 2ª Companhia, se estava tudo compreendido. Que sim, que não tinha dúvidas. Então, como é, perguntou-lhe o supervisor.

−  Marabuta tocou tambor − respondeu Bubacar.

−  E isso o que quer dizer, Bubacar?

− Que morreu um oficial!

Uma gargalhada terminou a reunião e preparámo-nos para arrancar.

A saída[1] era para Porto Gole, a  sudeste de Mansoa,  e eu ia no grupo do alferes Tomás Camará. O comandante da 2ª Companhia, o tenente Adriano Sisseco foi lançado com o grupo do alferes Bubacar Djaló.

Deslocámo-nos em viaturas até Porto Gole, onde havia população, milícias e um destacamento militar[2]. Depois do almoço, os helis apanharam-nos na pista e largaram-nos entre Malafo e a mata que vai até Mantém.

O nosso grupo, cerca de vinte e poucos homens, dirigiu-se para leste até à linha de água, que separava as matas de Malafo e de Mantem. A intenção era reunirmos ao grupo do Sisseco e do Bubacar, para depois montarmos uma emboscada no vale de Mantem. Logo que fomos lançados junto à mata de Malafo, afastámo-nos depressa do local e caminhámos cerca de uma hora, com a ideia de comermos qualquer coisa, porque não íamos comer na emboscada.

Começámos a ouvir barulhos e fumo. A mata estava a arder, tinham lançado fogo a toda a volta e não havia meio de voltar para trás. O fogo, puxado por algum vento, aproximava-se de nós e já não estávamos longe do local onde íamos montar a emboscada.

Estávamos a sair da zona do incêndio quando fomos surpreendidos com tiros e rebentamentos de morteiros e roquetes, que não nos eram dirigidos, mas estavam a cair bem à nossa frente, muito perto de nós, tão perto que cheirávamos a pólvora.

Era o grupo de Bubacar, onde ia o Sisseco, que estava a ser atacado. Tentámos o contacto rádio com o grupo, não responderam, mas ouvimo-lo pedir uma evacuação para um ferido[3]. 

Soubemos depois que o alferes Bubacar Djaló tinha sido atingido com um tiro na cabeça. Depois da evacuação, avançámos para o local donde tinha sido feito fogo e que era o nosso objectivo. Não encontrámos lá ninguém.

O sol estava a pôr-se, tínhamos sido detectados, e abandonámos a zona, em marcha forçada, para procurarmos um local para passarmos a noite. Estávamos dentro da mata, do lado oposto à linha de água, que estava seca. Aqui, o pessoal do PAIGC não ia contar com a nossa presença, pensámos nós. Era terra de ninguém, o local onde se tinha travado o combate.

Depois do confronto, nessa tarde, com o grupo do Bubacar, a guerrilha colocou os canhões a pouco mais de 100 metros do local onde o meu grupo passou a noite. Bateu a zona durante toda a noite. Mas o grupo, agora sob o comando do Sisseco, mudou três vezes de local durante a noite.

O nosso grupo estava próximo deles e combinámos que, ao acordar do dia nos íamos deslocar para onde o PAIGC tinha colocado os canhões. Quando nos estávamos a movimentar para esse objectivo, vimos um pequeno grupo da guerrilha e entrámos em confronto directo. Foi mais de meia hora seguida, a trocar tiros e roquetes. Tivemos um ferido, o soldado Assimo Djaló, que foi atingido numa perna com alguma gravidade[4].

A 3.ª Companhia, comandada pelo tenente Djalibá Gomes, que estava também a operar na zona, paralelamente a nós, tinha sofrido no dia anterior também dois feridos muito graves[5]. Um dos soldados mortos era de Bafatá, chamava-se Tcherno Baldé. O corpo foi de barco para Bafatá e eu, de avião, de Bissau para a minha cidade, para participar no funeral.

(Continua)
_________

Notas do autor e do editor literário, VB:

[1] Nota do editor: operação “Esmeralda Negra”,  na região de Changalana-Sará,  entre 13/16 fevereiro 1973 

[2] Nota do editor: do BCaç 4612.

[3] Nota do editor: Foxtrot Delta (ferido deitado). Evacuado para Bissau, morreu no HM 241 em 16 fevereiro de1973.

[4] Nota do editor: Assimo Djaló, DFA, residente em Lisboa.

[5] Nota do editor: evacuados para o HM241 onde morreram nesse mesmo dia: Cherno Baldé, natural de Bafatá e o soldado da 3ª CCmds, Domingos Quiassé Antunes, natural de Bissau.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24726 Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (10): I want you, dead or alive!



O célebre Tio Sam, desenho por J.M. Flagg... Cartaz norte-americano, de 1917, inspirado no original britânico, de 1914. Foi usado pelo exército norte-americano para recrutar soldados tanto para a Primeira como para a Segunda Guerra Mundial. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikipedia.


À memória:

do Umaru Baldé,, menino de sua mãe,  que morreu de sida e tuberculose, no terminal da morte que dava pelo nome de Hospital do Barro, em Torres Vedras; membro da nossa Tabanca Grande a título póstumo);

do Abibo Jau (o gigante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12, fuzilado em Madina Colhido, logo a seguir à independència da Guiné.Bissau);

do Joaquim de Araújo Cunha (1948-1970), que o Abibo Jau trouxe às costas, da antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, até Madina Colhido, o primeiro de seis mortos e nove feridos graves da Op Abencerragem Candente, em 26/11/1970, trágica lista onde se incluem os nomes do Ribeiro, do Soares, do Monteiro, do Oliveira, todos da CART 2715, e ainda o nosso guia e picador Seco Camará;

do cap art Victor Manuel Amaro dos Santos (1944- 2014),  primeiro cmdt da CART 2715, que começou a morrer nesse fatídico dia de 26/11/1970;

do Abdulai Jamanca (cmdt da CCAÇ 21, fuzilado também em Madina Colhido que eu conheci em Fá Mandonga, por ocasião da formação da 1ª CCmds Africanos);

do Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015). membro da nossa Tabanca Grande, e o único comando africano, ao que se saiba, que escreveu e publicou em vida as suas memórias;

do Iero Jaló (o 1º morto em combate, da CCAÇ 12, em 8/9/1969);

do Manuel da Costa Soares (sold cond auto, da CCAÇ 12, morto em Nhabijões, em 13/1/1971, por uma mina A/C, sem nunca ter chegado a conhecer a sua filha);

do Luciano Severo de Almeida (furriel mil, da CCAÇ 12,  que "morreu de morte matada", já como paisano, após o regresso da guerra, em data que ninguém sabe precisar);

do José Carlos Suleimane Baldé (c. 1951-2022), que chegou a estar encostado ao poilão de Bambadinca para ser fuzilado. tendo sido salvo 'in extremis' pelos homens grandes de regulado Badora; membro da Tabanca Grande;

do António da Silva Baptista (1950-2016), o "morto-vivo" do Quirafo, membro da nossa Tabanca Grande;

 de todos os demais camaradas  de armas, brancos e pretos, mortos em combate no TO da Guiné, ou feitos prisioneiros, ou abandonados à sua sorte, depois do regresso a casa ou da independência da Guiné-Bissau;

de todos os soldados desconhecidos de todas as guerras;

enfim, dos mortos da minha terra que lutaram pela pátria na batalha do Vimeiro,  em 21 de agosto de 1808.
 

I want you, dead or alive!


F_d_r_m-te, meu irmão! Enganaram-te, meu irmãozinho! Traíram-te, amigo! Deixaram-te para trás, camarada!

Não, não era este país milenário que vinha no cartaz de promoção turística, com montes, vales,  montados, e charnecas, com rios, praias e enseadas, com fama de gente patriótica, clima ameno e aprazivel, riqueza gastronómica, brandos costumes e forte sentido identitário. 

Não, não era esta a terra prometida onde corria o leite e mel... 

“I want you”, disseram-te eles, e tu respondeste sem hesitar: “Pronto!”. 

Meu tonto, disseste "presente!", mesmo sem poderes avaliar todas as consequências presentes e futuras da tua decisão, em termos de custo/benefício.

Decidiste com o coração, não com a razão, deste um passo em frente, abnegado e generoso, mesmo sem saberes onde era o distrito de recrutamento, e sem sequer conheceres o teatro de operações, o estandarte, o fardamento, a ciência e a arte da guerra, o comandante-chefe ou até mesmo a cara do inimigo. Nem sequer o RDM, o regulamento de disciplina militar nas principais línguas do mundo.

Um homem não vai para a guerra sem fixar a cara do inimigo, sem reconhecer a voz do inimigo, pode ser que seja teu pai, mãe, irmão, irmã, vizinho, amigo, ou até mesmo um estrangeiro, um pobre e inofensivo estrangeiro, apanhado à hora errada no sítio errado, num dos setes caminhos de Santiago ou na peregrinação a Meca. 

Camarada, um homem não mata outro homem só porque é estrangeiro, ou é branco, ou é preto, ou tem os olhos em bico. Ou só porque não pensa ou não sente como tu. Ou não come carne de porco como tu. Um homem não puxa o gatilho ou saca da espada, sem perguntar quem vem lá!

Enfim, não se mata um homem, de ânimo leve, gratuitamente, só porque alguém o elegeu como teu inimigo. Malhado ou corcunda, tuga ou turra, rojo ou blanco, cristão ou mouro, comunista ou fascista, bárbaro ou romano.

Não, meu irmãozinho, não eram estes outdoors e muros grafitados, ao longo da picada, não, não era este trilho, que era pressuposto levar-te do cais do inferno do Xime às portas do paraíso em Bagdá..

Sim, porque no final, meu irmão, há sempre alguém a prometer-te o paraíso, o olimpo, o panteão nacional ou a cruz de guerra com palma, um coro de anjos e querubins, ou a prenda nupcial das 72 virgens  para os mártires.... em troca da dádiva suprema da tua vida, do teu corpo, da tua alma ou da tua liberdade (no caso de teres o azar de ser apanhado à unha pelo inimigo que te espreita por detrás do bagabaga).

Todos te querem, todos te queremos. "I want you”, sim, quero-te, mas por inteiro, quanto mais não seja para tirar uma fotografia contigo, beber um copo contigo, não vales nada cortado às postas, decepado, decapitado, dinamitado, ou, pior ainda, perdido, errático, com stress pós-traumático,  sem bússola nem mapa, levado para o campo de prisioneiros do Boé ou fuzilado no poilão de Bambadinca ou de Madina Colhido. Ou para forca de Ariz dos anos sombrios das nossas guerras fratricidas de 1828-1834.

Fuzilado, és um cadáver incómodo, apanhado, és um embaraço diplomático, pior do que tudo isso, doente psiquiátrico, apátrida, refugiado... Deixas de ter valor de troca, muito menos valor de uso, diz o comissário político da base central do Morés, de Kalashnikov em punho. 

Não, não foi este destino que compraste, com o patacão do teu sangue, suor e lágrimas, enganaram-te, os safados, os profetas, os iluminados, os gurus, os estrategas, os generais e os seus ajudantes de campo, os burocratas da secretaria, os recrutadores, a junta médica, os psicotécnicos, os instrutores e até os historiadores que escrevem direito  por linhas tortas.   Ou a corte que fugiu para o Brasil para que o Napoleão não pudesse apanhar a rainha louca e o seu filho primogénito, João.

“Guinea-Bissau, far from the Vietnam”, alguém escreveu no poilão de Brá ou na estrada de Bandim, a caminho do aeroporto, tanto faz, "Tuga, estás a 4 mil quilómetros de casa”. 

Ou então foi imaginação tua, pesadelo teu, deves ter sonhado com essa placa toponímica, algures, numa noite de delírio palúdico, deves tê-la visto a sul do deserto do Sará no avião da TAP de regresso a casa. Um pesadelo climatizado. Carregaste no botão errado. Ou então foi um erro de casting. Ou um sonho de menino esse de ires para os rangers, os páraa, oa comandos ou os fuzos.

Alguém sabia lá onde ficava a Guiné, longe do Vietname, alguém se importava lá com o teu prémio da lotaria da história, mesmo que em campanha te tenhas coberto de honra e glória!

Acabaram por te meter num avião “low cost” ou num barco de lata, ferrujento, deram-te um pontapé no cu ou cravaram-te a tampa do caixão de chumbo. "Bye, bye, my friend. Fuck you, man”. Nem sequer te desejaram "Oxalá, inshallah, enxalé, que a terra te seja leve!"

“País de merda!"... Tinha razão o polícia, racista, que te quis barrar a entrada no aeroporto de Saigão (ou era Lisboa ? ou era Amsterdão?). 

Quem disse que os polícias de todo o mundo são estúpidos ? Até o polícia racista entende o sofisma do país de merda: “Pensando bem, soletrando melhor, país de merda, país de merda, só pode ser o meu”.  Por que todos os outros fazem parte da rede turística do paraíso. 

Os gajos estavam fartos de ti, meu irmão, meu camarada, meu amigo. Os gajos pagavam-te, se preciso fosse, para se verem livres de ti, vivo ou morto, devolvido à procedência, usado e abusado.

“I want you, alive or dead”, porque na contabilidade nacional tudo tem de bater certo, diz o cabo RM, readmitido. Todo o que entra, sai, é o deve e o haver do escriturário, encartado, mesmo que seja merda: “Garbage in, garbage out”, se entra merda, sai merda, diz o gajo dos serviços mecanográficos do exército.

Procuraram-te por toda a parte, os fotocines, do Minho ao Algarve, do Cacheu ao Cacine, só te queriam fotogénico, bem comportado, escanhoado, ataviado, de botas engraxadas, se possível herói de capa e espada, medalhado, condecorado, de cruz de guerra ao peito, mesmo que viesses amortalhado, as persianas dos olhos fechadas,  as mãos sobre o peito em derradeira oração, o enorme buraco atrás das costas, feito por um bálizio de 12.7, cozido e recozido pelo cangalheiro da tropa.

E tu ? Sabias lá tu o que era a pátria, onde ficava a tabanca da pátria, onde começava e acabava o chão da pátria ?!...

 Muito menos sabias a geografia da guerra, as nossas geografias emocionais,  Aljubarrota, Alcácer Quibir, Vimeiro, Waterloo, Nambuangongo, lha do Como, Gandembel,  Guidaje, Guileje, Gadamael,  Madina do Boé, Ponta do Inglês, Madina/Belel, Morés, Caboiana, Fiofioli... Ah!, e La Lyz!... Ah, e  o desembarque da Normandia!... Ah!, e Dien-Bien-Phu onde combateste pela Legião Estrangeira!...

Conhecias lá tu, da pátria,  a anatomia e a fisiologia , o intestino grosso e delgado, o que é que a pátria comia, o que é que a pátria defecava, ou até mesmo o que é que a pátria sentia e pensava, se é que a pátria deveras sentia e pensava.

Queriam-te sedado, anestesiado, amnésico, de preferência, sobretudo amnésico, alienado, aculturado, desformatado, paisano, só assim eles te queriam de volta ao teu anódino quotidiano, à tua origem obscura, à tua Sintchã qualquer-coisa, ao teu Montijo, â tua Ventosa do Mar...

Meu irmão, meu pobre camarada, fizeste por eles o trabalho sujo que compete a qualquer bom soldado em qualquer guerra. Mas nem como soldado eles te trataram, nem sequer como mercenário te pagaram, em espécie ou em géneros.

Afinal a guerra acabou, como todas as guerras acabam, até mesmo a guerra dos cem anos teve um fim com o seu rol de mortos, feridos e desaparecidos, a sua nave de loucos, a sua vala comum dos esquecidos...

 “Para quê mexer agora na merda, ó nosso cabo ?!”, interpela o sorja da companhia. “Boa pergunta, meu primeiro, mas há muito já que eu não cheiro, a guerra embotou-me os sentidos”.

Luís Graça
Lourinhã, Vimeiro, 18/7/2015.

Reconstituição histórica da batalha do Vimeiro (21/8/1808).

Revisto em 1/9/2023, 84 anos depois do início da II Guerra Mundial.
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de setembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24626: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (9): Requiem para um paisano