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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19199: Notas de leitura (1121): "Tatuagens da guerra da Guiné", de Capitão Luís Riquito [, cmdt, CCAÇ 818, Bissorã, Olossato e Mansoa, 1965/66) ("Elo", jornal da ADFA, novembro de 2018)


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Recorte que nos acaba de ser enviado pelo nosso camarada A. Marques Lopes , lisboeta que vive em Matosinhos [, cor DFA, na reforma, ex-alf mil,  CART 1690,  Geba, e  CCAÇ 3, Barro (1967/68)], e  que reproduzimos, para divulgação, com a devida vénia ao jornal ELO, órgão de informação, de periodicidade mensal, da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas.


Nota do portal Wook sobre o autor, Luís F. G. Riquito:

 (i) nasceu em Parada de Gonta, no concelho de Tondela;

(ii) fez o curso liceal em Braga, Évora, Coimbra e Viseu; (iii)

(iii) ingressou em 1957 na Escola do Exército, onde se formou no Curso de Infantaria;

(iv) mobilizado para o Ultramar, cumpriu comissões em Timor, Guiné e Moçambique, onde montou e comandou a segurança da construção da barragem de Cabora Bassa;

(v) em 1975, foi considerado Deficiente das Forças Armadas (DFA), por abate do helicóptero onde seguia quando apoiava as populações a realojar pelo enchimento da albufeira da barragem de CB;

(vi) é condecorado com a Ordem Militar de Avis – Grau de Cavaleiro, com a Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, com três Medalhas de Prata de Serviços Distintos com Palma e a Medalha de Mutilados e de Inválidos de Guerra;

(vii) licenciou-se no ISCTE em OGE (Organização e Gestão de Empresas);

(viii) em 1980, assessorou o Serviço Nacional de Protecção Civil no apoio a Angra do Heroísmo, atingida pelo sismo;

(ix) continuou nos fogos florestais de 1981 e na seca de 1982- -1983;

(x) dirigiu o CCDPC (Centro de Coordenação Distrital de Protecção Civil) de Viseu, intervindo na seca, nos fogos florestais e nos acidentes rodoviários;

(xi) regressou em 1992 ao Serviço Nacional como Vice-Presidente com o pelouro dos estudos dos Riscos Naturais que promoveu;

(xii) de 1985 a 1992, foi Presidente da Câmara e da Assembleia Municipal de Tondela, onde organizou e implementou a actividade autárquica; definiu o plano de desenvolvimento para o Concelho, assente em projectos de candidatura a apoios do Governo e da CEE, que elaborou; empenhou as Juntas de Freguesia na resolução dos problemas locais, para quem transferiu meios económicos, técnicos e humanos
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19187: Notas de leitura (1120): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17626: Notas de leitura (981): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (2) (Mário Beja Santos)

Tagme Na Waie e Nino Vieira


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,

Deve-se à Liga Guineense dos Direitos Humanos um labor sem precedentes na análise e no protesto às violações dos direitos humanos no país, e no seu mais vasto ecrã.

Reservámos para esta resenha as suas chamadas de atenção para devastadores crimes ambientais, como sejam os turvos negócios que permitiram um grupo de chineses desflorestar no Sul do país com total impunidade e a criação de um corredor aberto ilegalmente na zona que liga o futuro porto de Buba à estrada Buba-Fulacunda, outra violação miserável. Mais adiante, o relatório da Liga referente a este período chama atenção para o papel quase ditatorial das forças de Defesa e de Segurança que, conforme escreve a Liga, constituiu o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.

Um abraço do
Mário


Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, 
Lema: a força sem discernimento colapsa sobre o seu próprio peso (2)

Beja Santos

Trata-se de um importantíssimo relatório onde se analisa o largo espectro dos direitos humanos, incluindo aqueles que se prendem com a inclusão social, tipo educação, saúde e emprego. Referimos no texto anterior os domínios que têm a ver com a antidemocracia decorrente do poder das Forças Armadas que subvertem a vida das instituições democráticas. No período em análise ocorreram o assassinato de um Presidente da República, um Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, houve prisões arbitrárias, torturas, uma completa deriva dos poderes regionais, como é o caso da região do Oio onde os N’Kumans detiveram ilegitimamente o poder, perpetrando toda a casta de furtos, espancamentos e intimidações.

Os crimes ambientais são uma outra vertente que o relatório contempla. No ano 2009 assistiu-se a um escândalo de corte ilegal e desenfreado de madeiras provocado por um grupo de chineses, na zona sul do país, com o único propósito de exportar a madeira para a China, facto que mereceu uma reação dos populares e de alguns deputados eleitos naquela zona; contudo, apurou-se que os chineses atuavam naquela zona a coberto de uma ordem superior em troca de interesses fictícios e de duvidosa legalidade.

Caso de extrema gravidade é o da demarcação de cerca de 25 hectares de terreno pela empresa Bauxite Angola, no Sul do país, com o único propósito de abrir uma estrada em direção ao local onde supostamente irá ser construído o futuro porto de Buba. A abertura desta via de acesso não teve estudo prévio e decorre à revelia dos departamentos do Estado. O mais grave de tudo é que esta zona é reconhecida internacionalmente como uma área protegida denominada RAMSAR, zona protegida das lagoas de Cufada. A empresa angolana procedeu a derrubes desenfreados de milhares de árvores nesta zona protegida. Esta mesma empresa contratou uma sua congénere brasileira para fazer o estudo do impacte ambiental sem ter havido um contrato definitivo com o Estado guineense que espelhasse de forma clara as modalidades e a forma como devia ser conduzida o estudo. Aqui se pode avaliar como o Estado é frágil, não se consultaram previamente as entidades estatais competentes, caso do IBAD, encarregado de gerir o Parque Natural das Lagoas de Cufada, dentro do qual se pretende construir o futuro porto.

 Parque Natural das Lagoas de Cufada

Passando para outro domínio, o funcionamento das instituições democráticas, escreve-se que o desempenho dos órgãos de soberania ao longo deste período ficou caraterizado pela desconfiança, falta de coabitação e primazia de interesses pessoais sobre os interesses institucionais. O princípio da complementaridade institucional, fundado na interdependência dos referidos órgãos não foi observado. O Presidente da República tentou controlar o governo e impor controlo político na administração do aparelho de Estado – esta pretensão esteve na origem do derrube do primeiro governo de Carlos Gomes Júnior, em 2005. Com o termo do mandato do governo em Abril de 2008, o presidente da República foi obrigado a anunciar ao parlamento a necessidade da adoção de medidas para evitar o vazio institucional. A Assembleia Nacional Popular aprovou a Lei Constitucional Excecional e Transitória, em 16 de Abril de 2008, com o objetivo de prorrogar a legislatura e o funcionamento regular e pleno da Assembleia e continuidade do governo do Pacto de Estabilidade liderado pelo Engenheiro Martinho N’Dafa Kabi. Um grupo de deputados submeteu ao Supremo Tribunal de Justiça uma ação de pedido de inconstitucionalidade, e o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a prorrogação da legislatura não era razoável, fazendo ocorrer o perigo de uma transição constitucional sem eleições legislativas. Com base nesta decisão, o Presidente da República dissolveu a Assembleia, demitiu o governo de Martinho N’Dafa Kabi e nomeou Carlos Correia como novo primeiro-ministro, que liderou o governo de gestão até às eleições legislativas de 2008, ganhas pelo PAIGC. Esta queda de governo inaugurou o corte de relações entre Nino Vieira e Tagme Na Waie. Os dois tinham estado em concertação permanente depois do conflito político-militar de 1998-1999, mesmo estando Nino Vieira com o estatuto de exilado político em Portugal. A perda de Tagme Na Waie como aliado foi um rude golpe para o Presidente. A desconfiança foi de tal ordem que Nino Vieira preferiu recrutar os elementos das milícias, que ficaram conhecidos pelo nome de “aguentas” para lhe servirem de segurança pessoal.


Carlos Gomes Junior


Martinho N'Dafa Kabi

A vitória das legislativas de 2008 pelo PAIGC abriu uma nova luta desenfreada sobre o controlo do poder entre Nino, Carlos Gomes Júnior e Tagme Na Waie, tornaram-se em antagonismos pessoais, a coabitação desequilibrou-se profundamente. Segundo o relatório, o combate ao narcotráfico agudizava a referida relação triangular na medida em que a determinação e predisposição dos três não eram convergentes. A sociedade civil ia reclamando que se adotassem mecanismos eficazes com vista a assegurar a neutralidade das Forças Armadas na vida política.

No que respeita à Assembleia Nacional Popular, este órgão não foi além de empreender esforços para viabilizar diplomas e resoluções em benefício da classe parlamentar e político-partidária. No entender da Liga, o funcionamento da ANP reflete a imagem real da classe política, caraterizada pela falta de ideologias. Os partidos políticos carecem de democracia interna, marcada pelo não funcionamento dos órgãos dirigentes dos partidos, não realização de congressos, partidos unipessoais que se resumem apenas à figura do líder, partidos sem sede e estruturas nacionais. Quanto às iniciativas orientadas para uma verdadeira reconciliação nacional, observa a Liga que esta precisa de um processo preparatório bem pensado e consistente para construir a confiança entre os atores envolvidos, abertura ao diálogo, respeito pela minoria, compromisso com a verdade e determinação contra a impunidade.

E o que se escreve sobre as forças de Defesa e Segurança é também de uma grande importância. Lembra-se neste relatório que estas forças surgiram muito antes da proclamação da independência, são património da luta de libertação nacional, foram concebidas como braço armado de uma luta política e militar de libertação nacional. Pois bem, esta politização perdurou formalmente até 1991, data em que através de revisão constitucional se pôs fim ao regime de partido único. Mas como diz a Liga, a matriz formal destas forças de Defesa e Segurança sobrevive sustentada pelos argumentos de que foram os promotores de independência e conseguintemente têm a responsabilidade histórica de imprimir um determinado rumo ao país. É esta visão que justifica as várias interferências de tais forças na vida política e constitui o principal óbice à sua conversão em forças republicanas.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17614: Notas de leitura (980): Relatório sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, 2008/2009, Lema: a força sem discernimento colapsa sob o seu próprio peso (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13711: Memória dos lugares (274): As estradas (cortadas) de Bissorã-Biambe e Bissorã-Encheia, em plena região do Oio (Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, 1969/71, e presidente da direção da Ajuda Amiga)


Guiné> Mapa da província (1961) > Escala 1/500 mil > Pormenor: posição relativa de Bissorã, Biambe e Encheia, entre Mansoa, Binar e Bula, em plena região do Oio... A  vermelho, está sinalizada Queré, uma base do PAIGC, ativa em 15/3/1970. As estradas Biambe-Bissorã e Encheia-Bissorã estavam na altura cortadas.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


1. Recentemente,  na Guiné-Bissau, a 26 de setembro último, à noite, no troço da estrada que liga as povoaçoes Bissorã-Encheia [, v d. mapa, a tracejado, a vermelho], um miniautocarro (vulgo, "toca-toca") pisou um engenho explosivo abandonado, provocando a morte de 23 pessoas e diversos feridos.

Especulou-se de imediato se o referido engenho, descrito  como uma "mina antitanque" (, possivelmente uma mina A/C,  reforçada, ) remontaria ao tempo da "luta de libertação/guerra colonial", se à guerra civil iniciada a 7 de junho de 1998 (*)...

De qualquer modo, e para além do trágico balanço em mortos e feridos, para nós, antigos combatentes,  este brutal acidente veio-nos trazer logo, à memória, mais uma vez, o pesadelo das minas, e suscitar a inevitável pergunta: Encheia, Bissorã, onde é que isso fica no mapa ?

Com a devida vénia, fomos à página do nosso querido amigo e camarada, grã-tabanqueiro da primeira hora,  Carlos Fortunato (ex-fur mil trms,  CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71), e presidente da direção da ONGD Ajuda Amiga), "desenterrar" esta pequena crónica, já velhinha, sobre "a estrada do Biambe - 15/03/1970".  Estamos-lhe gratos e mandamos-lhe, daqui, uma alfabravo fraterno,

Reparo, entretanto, que a CCAÇ 2531 não está representada por ninguém na Tabanca Grande,  o que é uma pena...

Sempre solidários, e lutando contra ventos e marés, o Carlos Fortunato e demais amigos da ONGD Ajuda Amiga (de que fazem parte vários membros da nossa Tabanca Grande) prepararam já o próximo Contentor de Ajuda 2015, como se pode ler aqui, em notícia de 16 de julho último:

(...) A ONGD Ajuda Amiga,  depois de ter enviado e distribuído 2 contentores em 2014, prepara agora o envio do próximo contentor em 2015, o qual está planeado para ocorrer em Janeiro de 2015, 2/3 dos bens estão já em caixas etiquetadas e prontos a seguir. (...)

Está também em marcha a campanha contra o ébola:

(...) A Ajuda Amiga juntou-se aos que combatem o ébola e iniciou este mês [outubro de 2014]  a campanha de recolha de apoios e preparação para o combate preventivo contra o ébola, com o objectivo de evitar a sua disseminação à Guiné-Bissau, o que a acontecer será uma catástrofe para a Guiné-Bissau face ao pobre sistema de saúde existente, e será também uma porta que se abre para facilitar a sua entrada em Portugal. (...)

Contactos da Ajuda Amiga: telemóvel >  937 149 143;  Email: jcfortunato@yahoo.com

(LG)

2. Memória dos lugares > A estrada do Biambe - 15/03/1970 (**)
por Carlos Fortunato  [, foto atual à esquerda]

Numa das confraternizações realizadas no bar do aquartelamento do Biambe, entre a recém chegada CCAÇ 13, e a CCAÇ 2531, o capitão Goulão ofereceu um whisky ao alferes Pimenta, e este aceitou pedindo um whisky com gelo, mas o Goulão disse-lhe que gelo era coisa que não havia.
–  Não há aqui gelo, mas em Bissorã há. –  retorquiu o Pimenta.
–  Mas não há estrada, pois esta foi cortada, quando as pontes foram destruídas. –  explicou o Goulão.
–  Abre-se uma estrada. –  insistiu o Pimenta.

A estrada de Biambe para Bissorã estava efectivamente cortada, pois tinha sido destruída a ponte que fazia essa ligação; de igual modo estava cortada a ligação de Encheia para Bissorã, pois tinha sido também destruída essa ponte; assim apenas a estrada do Biambe para Encheia estava operacional.

A CCAÇ 2531 tinha feito recentemente um reconhecimento da zona e havia ficado com uma ideia por onde esta poderia passar, que era seguir pela estrada do Biambe para Bissorã, atravessar uma pequena zona de mato, abrindo uma ligação para a estrada Bissorã-Encheia, pois a partir desse ponto, não existiam pontes e poderia chegar a Bissorã facilmente.

As boas regras mandavam que a estrada fosse picada previamente, pois poderia estar minada, e que existissem grupos a fazer segurança ao longo da mesma, dada a sua proximidade da base do Queré, mas o alferes Pimenta era um homem dos rangers, e trazia consigo uma certa dose de loucura, e o capitão Goulão, era conhecido como o "maluco do Biambe", ou seja,  foi o mesmo que juntar gasolina com fogo, e lá se partiu para Bissorã para ir buscar gelo, com uma GMC à frente a servir de rebenta minas.

Loucuras que se cometem quando se é jovem...

A guerrilha alertada esperou o regresso da coluna, e flagelou a mesma, mas foi rapidamente colocada em fuga face à resposta dada.

Esta estrada serviria mais tarde para a CCAÇ 13 regressar a Bissorã.

A história da CCAÇ 2531 narra assim esta acção, a 15 de Março de 1970:

"Acção 'Borla'

Coluna auto Biambe-Bissorã com a finalidade de abrir o itinerário entre as duas localidades.

Forças empenhada - 03 G. Comb.

A acção teve início às 14h00, durou 04 horas.

Às 17h40 quando as NT regressavam ao Biambe, 01 grupo In com cerca de 40 elementos emboscou-as, utilizando morteiro 60 e armas automáticas, durante 15 minutos na região de Mansoa 2A8 (estrada) causando 02 feridos ligeiros (01 oficial e 01 sargento)."



Publicado em 29/02/2003, por Carlos Fortunato

[Portal CCAÇ 13 - Leões Negros]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13705: (In)citações (69): Quando a rotina é traiçoeira ou o flagelo das minas que continuam a vitimar civis na Guiné-Bissau (Nelson Herbert)

(**) Último poste da série > 17 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13620: Memória dos lugares (273): Ganjola, destacamento de Catió, na margem direita do Rio Ganjola, vista pelo saudoso Victor Condeço (1943-2010), ex-fur mil mec armamento, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69)...Foi também lá que tombou, em combate, em 23/1/1965, o lourinhanense José António Canoa Nogueira (sold, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/66)

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13387: Blogoterapia (254): Nos encontros da malta, no meu tempo, no CTIG, ouvi milhentas histórias, onde tudo era possível, não havia limites para a imaginação (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421, Mansabá, 1965/67)

1. Mensagem de Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, poeta, algarvio]

Data: 3 de Julho de 2014 às 23:59

Assunto: Execuções

Boa noite, Luís:


Execuções sumárias!,,, Não me fez dar um salto, mas fez-me mexer !

Até 1967 a comunicação entre militares na Guiné era feita de duas maneiras:

(i) o bate estradas, atrasados na própria unidade quando eram enviados para SPM da Guiné;

(ii) encontro de militares

Esses encontros davam-se:

(i) quando faziam operações em conjunto;

(ii) quando faziam limpezas a estradas até se encontrarem;

(iii) e os que iam a Bissau.

Nestes encontros ouvi milhentas histórias, onde tudo era possível, não havia limites para a imaginação.

Eu sempre fui um tipo de tabanca! Sempre falei muito com gentes da tabanca, gentes antes da guerra. Incluindo o Mamadu Seidi.

Eles falavam, mas falavam com medo, notava-se, o medo imperava, era muito difícil conseguir a plena confiança de alguém, até por uma razão, muitos eram refugiados naquela tabanca, a tabanca deles era outra. E diziam que, quando as tabancas se revoltaram, e apareceu a tropa e policias, que se derramou muito sangue !

Mais tarde oiço aos Águias Negras [, CART 1525, Bissorã, 1965/67] que tinham feito o caminho que eu voltei a fazer mais do que uma vez, que tinha havido muito sangue.

Saíamos em operação a uma determinada área que estava, estavam todas cheias de população, havia uns tiros, a metralha disparava, quantos inocentes ficavam naquelas tabancas ? Execuções sumárias ? Não, não, eram execuções sumárias, no sentido exato da palavra, mas...

Eu ter pleno conhecimento de alguém, pura e simplesmente, abater uma pessoa, com convicção,,, não, não tenho, nem sei bem como foi. Mas sei que foram abatidos guias prisioneiros, por comandos que foram heróis nacionais, antes e depois, e que já morreram o que para mim ainda é mais penoso falar.

Havia aqui na minha região uns fulanos de 61, 62 e 63, mas não os encontrei, melhor encontrei uns fuzileiros de 62, mas sabem muito pouco ou não querem falar.

Claro que eu não lhe falei nas execuções, mas tentei que eles me falassem da época deles, época antes da minha !
Luís, não respondi, como pedias, mas eu não podia deixar de dizer duas palavras sobre o assunto, sem falar nos milhares e milhares de tiros que foram dados naquele OIO, com tanta população no meio.

E aqui ponho em duvida se o próprio IN estava organizado para não apanhar os seus, eu penso que não !

Só quem entrou numa dessas tabancas com tiros de todos os lados e morteiradas caindo, caindo, gente fugindo em todas as direções com animais à mistura!...

São cenas loucas de uma tragédia sem limites, só comparada a outra igual e que infelizmente continuam a realizarem-se por esse mundo fora, nos dias de hoje, com a mesma tragédia dantesca, imaginável !

Um grande abraço

Ernesto Duarte
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Nota do editor:

´Último poste da série > 1 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13353: Blogoterapia (253): Não é pessimismo, muito menos um lamento, quando muito um recado... (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, poeta, algarvio)