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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23971: "Una rivoluzione...fotogenica" (5): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte IV: escolas no mato para adultos


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 24 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 25 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 26 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 27 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974


Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 29 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974.



Guiné-Bissau > s/l > 1974 > PAIGC > Escola para adultos / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 6 29 - School for adults in Guinea-Bissau - 1974. (Tudo indica que a aluna seja guineense, e que a aula seja de português... Pormenor: tanto quanto se consegue ler: "Sumário, 29-3-74 (,,,) Eu quero ser primeiro (?) professora. Eu quero ser (...)".




Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. O jovem médico Roel Coutinho (*), então com os seus 26/27 anos, passou uma temporada na Guiné-Bissau e no Senegal, ainda antes do 25 de Abril de 1974, altura em que voltou ao seu país natal, os Países Baixos.

No seu livro de memórias, "Crónica da Libertação" (Lisboa, "O Jornal", 1984, 464 pp.), Luís Cabral (Bissau, 1931- Torres Vedras, 2009), o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau (1973-1980), derrubado pelo golpe de Estado do 'Nino' Veira (em 14 de novembro de 1980), cita o nome do "dr. Raul Coutinho" (sic), a propósito do apoio ao PAIGC, ainda na fase da luta pela independência, de diferentes países e organizações no domínio médico-sanitário. Escreveu ele, na página 337:

"O comité da Holanda, como a Fundação Eduardo Mondlane, destacou-se por uma solidariedde contínua com as nossas formações sanitárias também concretizada pelo envio de pessoal médico. Os drs. To, Raul Coutinho  e Yob trabalharam sucessivamente no nosso Lar do Combatente de Ziguinchor".  

Não são referidas datas, maas sabe-se que as fotos do Roel Coutinho tªem dieferentes datas: (i) março-abril de 1973; (ii) 1974;  (iii) março-abril de 1974... Umas foram toradas no Senegal (Ziguinchor), outras na Guiné-Bissau, em "áreas libertadas", junto à fronteira norte ou a sul do Morés (em Sara).  Não parece haver fotos tiradas no sul do território, ou em bases do PAIGC em território da Guiné-Conacri, como Boké (onde também havia um hospital tal como em Ziguinchor, no Senegal).

2. E a propósito da Fundação Eduardo Mondlane (Eduardo Mondlane Stichting)  sabemos que se fundiu mais tarde,  em 1997, com outras duas organizações, o Comitê Holandês sobre a África Austral, antigamente denominado Angola Comité (Komitee Zuidelijk Afrika)  e o Movimento Holandês de Oposição ao Apartheid (Anti-Apartheids Beweging Nederland) , dando origem ao  Nederlands instituut voor Zuidelijk Afrika (NiZA).  

O NiZA (http://www.niza.nl)  focava-se então  nas questões  relativos ao desenvolvimento e aos direitos humanos na África Austral, mantendo os arquivos com os materiais de suas organizações-mãe:

Numa folheto, de duas páginas,  do NiZA, disponível em formato pdf, em português pode ler-se:

 (...) "A colonização inicial holandesa da África do Sul, suas conexões religiosas tradicionais, ligações com o idioma falado pelos afrikaners, e o número relativamente alto de imigrantes holandeses na África do Sul contribuíram para o alto interesse da sociedade holandesa pelos assuntos relativos à África do Sul, inclusive a luta contra o apartheid. 

A experiência dos holandeses durante a ocupação nazi na Segunda Guerra Mundial e a descolonização na Indonésia também contribuíram para o apoio de movimentos de libertação na África Austral. 

Todos esses fatores resultaram na ampla cobertura da imprensa e no surgimento de um forte movimento contra o apartheid e em prol da libertação africana na Holanda. 

Um dos primeiros grupos se concentrou na libertação de Angola e das outras colônias portuguesas, o que ajudou a dar ao movimento uma perspectiva ampla sobre a região da África Austral. 

Em três ocasiões distintas, desentendimentos graves sobre as sanções contra a África do Sul entre a maioria parlamentar e a administração incumbente ameaçaram derrubar o governo. Os sindicatos, as igrejas, os governos locais e as organizações de desenvolvimento agiram ativamente nesse sentido, assim como as organizações cujo enfoque específico era a solidariedade com a luta na África Austral. 

Os grupos holandeses agiam não só ao fazer pressão para transformar as políticas ocidentais e isolar a África do Sul, como também para apoiar diretamente os movimentos de libertação da África Austral. Os grupos normalmente trabalhavam juntos em coligações, apesar de rivalidades e discórdias estratégicas entre si. Juntos, atingiram todos os setores da sociedade holandesa, exercendo forte influência na opinião pública." (...) 

A gente às vezes esquece-se que a Holanda / Países Baixos foi também uma grande potência colonial e que a descolonização desses territórios também não foi pacífica.... (Veja-se, por exemplo, o caso da Indonésia que foi o primeiro país após a Segunda Guerra Mundial a lutar pela independência e a ser reconhecido pelas Nações Unidas, mas só em 1949 pela potência colonizadora... E só agora, ao fim de muitos anos, os Países Baixos pedem desculpa pela violência contra os indonésios e outros povos que estiveram sob o seu domínio.
)
 
3. Chamámos a este série  "Una rivoluzione... fotogenica". Destina-se a divulgar algumas imagens "do outro lado do combate"... Na realidade, o PAIGC e sobretudo o seu líder histórico, Amílcar Cabral (Bafatá. 1924- Conacri, 1973) sempre beneficiou de uma "boa imprensa", a nível internacional, e nomeadamente nalguns países europeus, como a Suécia, a Holanda, a Itália ou até a França.

Alguns excelentes fotojornalistas (como Bruna Amico ou Uliano Lucas) mas também cineastas, médicos e escritores foram às florestas e bolanhas da Guiné para se documentar "in loco" sobre o progresso da "luta de libertação" dos guineenses contra o colonialismo português. Pode-se dizer que criaram ou ajudaram a criar uma "estética da guerra de libertação" (**).


(**) Vd. poste de 4 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23947: "Una rivoluzione... fotogenica" (1): Uma reportagem e um livro decisivos, e que consagram a estética da "guerra de libertação", "Guinea-Bissau: una rivoluzione africana" (Milano, Vangelista, 1970, 200 pp.), dos italianos Bruno Crimi (1940-2006) e Uliano Lucas (n. 1942)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23953: "Una rivoluzione...fotogenica" (3): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte II: Mulheres e crianças




Guiné-Bissau > Região do Oio  > Sara > Março-abril de 1974 > Mulher fumando cachimbo enquanto cozinha / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 27 - Life in Sara, Guinea-Bissau - Women cooking - 1974 (Sara ficava a sudeste do Morés, a nordeste de Mansoa)


Guiné-Bissau > s/l > Março-abril de 1974 > Mulher com  criança / Foto:    ASC Leiden - Coutinho Collection - B 37 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman and child - 1974


Guiné-Bissau > s/l > Março-abril de 1974 > Mulher com  criança / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 29 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman with child - 1974


Guiné-Bissau > s/l > Março-abril de 1974 > Mulheres cozinhando /  Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 38 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman cooking - 1974
 
Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)




 

Senegal > Ziguinchor > 1973 > O dr. Roel Coutinho vacinando em massa / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 07 - Ziguinchor, Senegal - Vaccination - 1973.


O neerlandês Roel Coutinho era de origem portuguesa, sefardita, pelo lado do pai:  os seus ascendentes devem ter-se exilado na Holanda / Países Baixos, em meados do séc. XVII, por razões religiosas, numa época em que se intensificou a perseguição aos "cristãos-novos" em Portugal, talvez ainda no tempo dos Filipes, mas abrindo a outros portugues "marranos",  como  o nosso grande médico Ribeiro Sanches (Penamacor, 1699 - Paris, 1783), que foi continuar os seus estuods  em Leiden, em 1730).

Coutinho é autor de uma notável documentação fotográfica (mais de 700 imagens)  sobre a antiga Guiné portuguesa, onde esteve como médico cooperante ao lado do PAIGC, cerca de um anos (até abril de 1974).

Roeland Arnold (Roel) Coutinho nasceu em Laren, município da província da Holanda do Norte, Países Baixos, em 4 de abril de 1946). É um médico neerlandês, microbiologista, foi o  primeiro diretor do Centro de Controlo de Doenças Infeciosas, como parte do Instituto Nacional da Saúde Pública e do Ambiente.  Foi professor da Universidade de Amsterdão e da Universidade de Utrecht.  

Tem origem judaica portuguesa, do lado paterno (Coutinho). A mãe era de origem alemã. Casaram no início da II Guerra Mundial. Contraíram febre tifoide. Com uma declaração do serviço de saúde municipal, conseguiram o adiamento da sua deportação para a Polónia.  

Aproveitaram, entretano, para se esconder com a filha em casa de conhecidos em Laren. Depois do nascimento do Roel, já depois da guerra, a família mudou-se para Blaricum. Coutinho fez o ensino secundário em Hilversum (a 25 km a sudeste de Amsterdão e 14 km ao norte de Utrecht). Licenciou-se em medicina em Amsterdão e fez estágio no Centro de Controlo de Doenças (CCD) de Atlanta, EUA.

Em seguida, trabalhou, em 1973/74, como jovem médico de medicina tropical na Guiné-Bissau e no Senegal, ao tempo da luta do PAIGC. De volta à Holanda (1974), especializou-se em microbiologia médica. Em 1975 contribuiu para a erradicação da varíola em Bangladesh. 

Em 1977 tornou-se chefe do Departamento de Saúde Pública do Serviço de Saúde Comunitária (GGD) em Amesterdão. Empenhou-se  no combate às doenças sexualmente transmissíveis, após o vírus da imunodeficiência humana (VIH) e a síndrome da imunodeficiência (SIDA) adquirida terem sido  

Em 1984, Coutinho doutorou-se pela Universidade de Amsterdão com uma tese de dissertação sobre doenças sexualmente transmissíveis entre homens homossexuais: estudos sobre epidemiologia e prevenção,  com o professor Jan van der Noordaa (1934-2015)
 
Em 1989 tornou-se professor de epidemiologia e provenção de doenças infeciosas do Centro Médico Académico da Universidade de Amsterdão. Em 2000 foi nomeado diretor geral do GGD em Amesterdão. A 1 de fevereiro de 2005 juntou-se ao Instituto Nacional da Saúde Pública e do Ambiente como diretor de sector do Centro de Controlo das Doenças Infeciosas.

Roel Coutinho também foi responsável pela Equipa de Gestão de Surtos Epidémicos, órgão consultivo das autoridades de saúde do seu país, orientada para a prevenção e o combate de epidemias. Ele aconselhou, entre outras coisas, sobre a pandemia de gripe A (H1N1) que eclodiu em março de 2009. Coutinho foi visto e ouvido nos órgãos de comunicação social várias vezes após o surto epidémico.

Em 15 de agosto de 2013, ele foi sucedido por Jaap van Dissel, chefe do Departamento de Doenças Infecciosas do Centro Médico da Universidade de Leiden.

Entre 2011 a 2018, Roel Coutinho foi professor de Ciências da Vida na Universidade de Utrecht. Em 2018 aposentou-se. Mas continuiy a trabalha para a Fundação PharmAccess para melhorar a saúde na África. 

Nos anos 1997-2015, enquanto professor da Universidade de Amesterdão, Coutinho orientou cerca de 49 alunos de doutoramento no Academic Medical Center Amsterdam.  As teses investigaram várias doenças infecciosas, incluindo doença do legionário, hepatite A e hepatite C, e doenças venéreas, como gonorréia, mas especialmente HIV. 

Na Universidade de Utrecht, mais quatro invstigadores de Coutinho obtiveram o grau de doutoramento em infecção por transfusão de sangue, febre Q, doença de Lyme e gastroenterite,  em 2016-2019. 

Durante a crise pandémica  nos Países Baixos,  Cuntinho apareceu regularmente como especialista em programas televisivos, como o "talk show" OP1 da NPO1.  

Fonte: adapt. de  Wikipedia > Roel Coutinho (em neerlandês)
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23949: "Una rivoluzione...fotogenica" (2): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte I: aspetos da vida quotidiana

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23880: Historiografia da presença portuguesa em África (347): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2022:


Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné:
Uma fonte documental que não se deve ignorar (1)


Mário Beja Santos

Pode julgar-se à partida que estas reuniões em que se discutiam requerimentos, taxas e emolumentos, em que funcionários da administração se pronunciavam sobre salários e infraestruturas, num órgão consultivo em que compareciam chefes de serviços, comerciantes, profissionais liberais, em reuniões presididas pelo Governador, ou pelo Governador Interino, ou pelo Encarregado do Governo, eram suficientemente enfadonhas para não acicatar quem anda à procura de outros ângulos do prisma que nos ajudam a formar uma visão mais abrangente da História da Guiné. Muitas vezes sem interesse para o historiador/investigador, atrevo-me a dizer, mas há ali casos de posturas ou declarações que nos ajudam a melhor entender a mentalidade, as iniciativas seguramente generosas que ali se formularam e que não tiveram seguimento, ou mesmo o aproveitamento daquele palco para que um Governador tecesse, em forma de sumário, o que tinha sido o seu mandato, antes de regressar a Lisboa. É o que aqui se pretende fazer, começando por se sintetizar o que se passou na sessão do Conselho de Governo em 10 de julho de 1917 e na sessão especial que teve lugar em 3 de fevereiro de 1945. O leitor decidirá se estas considerações podem ter algum peso específico para o estudo da História da Guiné.

Na sessão de 1917, que tinha como ordem de trabalhos a discussão de um requerimento da Empresa Agrícola Comercial Bijagós Limitada, para deter o exclusivo do fabrico de telha; a discussão de um telegrama do Administrador da Circunscrição de Cacine quanto aumento das taxas de licença comerciais e por fim a discussão de um requerimento em que habitantes da Guiné pediam a criação de mais escolas de ensino primário, é bom ouvir a natureza desta última proposta. Ali se sugeria três categorias de escolas: elementares, complementares e escola central; na primeira, seria para ministrarem a instrução rudimentar, que seria obrigatória para as crianças de ambos os sexos, aprendia-se a língua portuguesa falada, dando às crianças lição das coisas por quadros representando objetos de uso; o ensino elementar consistiria na leitura, escrita e nas quatro operações aritméticas sobre números inteiros, funcionaria uma escola em cada posto, e avança-se com o ensino para os dois sexos, as escolas do sexo feminino teriam um ensino relativo a costura e bordados, noções de culinária e economia doméstica, funcionando em Bolama, Bissau, Bafatá, Farim e Cacheu. O documento está cheio de detalhe, define o perfil dos professores, o material indispensável para o funcionamento das escolas, os prémios para os melhores alunos, os exames, etc. Não nos podemos esquecer de que a ética republicana, que cuidava do mesmo sentido da ação civilizadora no Império como a Monarquia Constitucional, privilegiava a educação, só que este documento apresentado no Conselho de Governo em 1917 é impressionante pelo seu sentido progressista, por ultrapassar aquelas barreiras de civilizados e gentio, que será a bitola que o Ato Colonial irá impor.

Estamos agora em 1945, Ricardo Vaz Monteiro, Major de Artilharia e Governador da Guiné, despede-se, terminara a sua comissão, agradece ao Conselho a colaboração prestimosa que lhe fora dispensada. Agradece sobretudo a prova de dedicação quando foi vítima de um acidente de aviação em 11 de setembro do ano anterior. E falando da ação civilizadora diz que é de todos sabido que o sistema colonizador português tem por primeiro fundamento o primeiro mandamento da nossa religião – o amor ao próximo – e, portanto, nós, portugueses, consideramos em primeiro lugar como seres humanos os indivíduos qualquer que seja a sua raça. Tece considerações sobre o papel dos missionários, a importância da língua portuguesa, dizendo que manteve 80 escolas sustentadas pela dedicação das Administrações de Circunscrição e de Concelho, sempre entendeu que devia ser contrariado o uso do crioulo no sistema escolar, sentia a obrigação de que todos tinham que trabalhar para aportuguesar os indígenas da Guiné, havia que contraria o preconceito de quem ridicularizava o preto quando este se exprimia em português: “Para estes que assim procedem, faltos de toda a centelha nacionalista, vai a nossa piedade porque não sabem o que fazem. Não sabem que o uso da nossa língua é um dos melhores meios para introduzir no meio indígena, as ideias, os sentimentos, os costumes e as tradições dos portugueses”.

Mudando a direção do seu discurso, passou em revista o que acontecera no desenvolvimento da agricultura e da veterinária, específica as medidas tomadas, releva a importância da distribuição gratuita de sementes selecionadas pelos serviços técnicos nos postos experimentais, durante o seu mandato procurara imprimir dinâmicas às granjas administrativas com caráter de empresas agrícolas de tamanho médio, vê-as como poderosas alavancas para o desenvolvimento socioeconómico e cultural da Guiné, e que não lhe parecia difícil obter bons resultados pela disponibilidade de terreno, já que a densidade populacional na Guiné era de cerca de 10 habitantes por quilómetro quadrado, havia igualmente que aproveitar esta disponibilidade para intensificar o revestimento florestal. “Este revestimento compreende essências que dão madeira rija ou dura para a construção civil e marcenaria como o bissilão, pau-ferro, pau-incenso, alfarroba de lala; e outras essências como o poilão-forro, tagarra, caboupa e macete que dão madeira mole aproveitada para pasta de papel, contraplacados e caixotaria. Para se cuida do revestimento florestal da colónia estava naturalmente indicado que haveria primeiramente a distinguir, por cada região da Guiné, a parte destinada às culturas e a parte destinada à floresta. Atendendo ao modo como os indígenas realizam as suas culturas, teriam de ser extensos os terrenos destinados a este fim. Seria, pois, necessário conhecer as necessidades dos aglomerados populacionais indígenas, quanto a terrenos de cultura para depois se fazer a demarcação das zonas florestais que de futuro conviria proteger, defendendo-as das queimadas e realizando o repovoamento”. O Governador disserta largamente sobre a vegetação arbórea e considera ser indispensável tomar medida enérgicas para evitar a destruição feita pelos madeireiros.

Inflete agora o seu discurso para a política de saúde, a luta contra a doença, alude às melhorias introduzidas na assistência médica e sanitária, releva o trabalho das irmãs hospitaleiras franciscanas e enuncia o que se fez para travar a epidemia da febre amarela.

Prestes a terminar, deixa recados para o futuro não só quanto à política de saúde como ao funcionamento de toda a administração colonial. Não esconde a satisfação por na Administração Financeira se terem registado saldos que permitiram fazer face aos enormes encargos contraídos com despesas extraordinárias. E é premonitório: “O que me não foi possível realizar por falta de tempo, ou carência de méritos, virá ser realizado por quem me substituir certamente com mais competência. Ao terminar a minha comissão posso afirmar, sem receio algum de ser desmentido, que durante a minha permanência na colónia dirigi a minha atuação administrativa no sentido de promover o aumento da produção e valorizar materialmente a Guiné, tendo sempre presente que sobre a valorização material tem prioridade indiscutível o emprego de meios destinados a nacionalizar, assimilar, enfim, aportuguesar os indígenas.”

(continua)
Major Ricardo Vaz Monteiro, o Governador da Guiné que antecedeu Sarmento Rodrigues
Selo de Farim português, 1910
Ruínas de Igreja em Bolama
Costureiro guineense
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23853: Historiografia da presença portuguesa em África (346): Aquele que terá sido o primeiro exercício etnográfico para toda a Guiné (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22960: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (31): "Iscas com elas..."


Lourinhã > Atalaia >  Restaurante Adega do Careca > 23 de janeiro de 2022 >  As icas com elas, da dona Fátima.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Há dias deu-nos para a saudade, lá na Tabanca do Atira-te ao Mar, a ver o pôr do sol e a beber um Confraria Branco Leve Moscatel,  da Adega do Cadaval ((passe a publicidade)... 

"Há quanto anos é que vocês não comem iscas com elas ?", perguntou a Maria do Céu Pintéus aos habituais tabanqueiros. "O meu pai, no Cadaval, adorava o petisco!... E eu aprendi com ele a gostar das iscas com elas ou sem elas"... Ou sejas, as iscas de fígado (de bovino ou de porco), cortadas fininhas, marinhas e depois fritas, podiam ser servidas com "elas" (batatas no prato) ou  "sem elas" (no pão, como "sandocha").

Olhando para trás, descobrimos que não comíamos essas "miudezas" deste a crise das vacas loucas nos primeiros anos de 1990, no século passado. Muita tinta correu então sobre a doença de Creutzfeldt-Jakob, e milhares de vacas foram abatidas  em Portugal. Houve até um ministro da agricultura que comeu mioleiro para transmitir confiança aos consumidores e salvar a pecuária nacional...

A doença tinha um raio de nome de que já ninguém se lembra: encefalopatia espongiforme bovina   ou BSE (do acrônimo inglês,  bovine spongiform encephalopathy)

A verdade é que, na nossa casa, eu e a Alice deixámos de comer estes "petiscos", a começar pelas "iscas com elas" que, de resto, são apreciadas também no Norte e na nossa Tabanca de Candoz.  As criancinhas também deixaram de comer "mioleira", que era receita pelos pediatras... Mas continuamos a  apreciar as "tripas" (à moda do Porto) ou a "dobrada" (à moda "chef" Alice)...  Há, porém outras "miudezas", de que tenho saudades como, por exemplo, os "tomates" (túbaro) de carneiro com ovos mexidos; ou a "língua de vitela", estufada, com puré, que a minha mãe fazia, a par das "iscas com elas"...

A Maria do Céu pegou nas suas tamanquinhas e deu um pulo à vizinha, a dona Fátima, a "chef" do Restaurante Adega do Careca, fundado em 1977 por ela e seu marido, já falecido, que foi sargento da Força Aérea em Angola (, creio que passou pelo BCAÇ 21, em 1970/72, ao tempo do nosso amigo e camarada, também lourinhanense, o ex-alf mil paraquedista Jaime Bonifácio Marques da Silva. 

Somos clientes do restaurante (passe a publicidade), mas nunca tínhamos lá ido comer as "iscas com elas", que de resto não fazem parte do cardápio, mais especilaizado em peixe e marisco. Mas a dona Fátima preparou-as só para nós, os quatro, eu, a Alice e os "duques do Cadaval", régulos da Tabanca do Atira.te ao Mar (que não precisa de publicidade)... O Jaime, andarilho, em romagem pelo Norte,  não estava, não sabe o que perdeu...E foi um sucesso. Só vos digo: foi de comer e chorar por mais. na esplanada do Careca, com vista de mar...

Apenas um reparo: podiam ter uma corzinha de salsa, fica sempre bonito no prato. E tanto quanto me lembro, a minha mãe adicionava, à marinada, um pouco de baço raspado, para engrossar o molho. Vou pergntar ao "chef" Tony (Levezinho) qual é a sua receita secreta... Aposto que ele também adora iscas (ou, como dizia, o alfacinha do tempo do seu avô, os "bifes de cabeça chata")...

Na Guiné, não tenho ideia de as comer... Nem sei se as magricelas das vacas guineenses tinham fígado... As iscas de fígado deviam ser um petisco só para o vagomestre e o pessoal "menor" da cozinha, no tempo em que o cozinheiro da tropa ainda não era "chef"... Se fosse agora, outro galo cantaria, com os cozinheiros a atingirem o estrelato... No nosso tempo,  mandavam-se os soldados básicos para a cozinha...  Hoje cozinheiro da tropa tem que ser "general" de uma ou mais estrelas...


2. Este prato, muito popular, mas tascas de Lisboa, desde o séc. XIX, era comidinha das classes populares que não podiam chegar ao bife de vaca ou de novilho... E até já deu, em 2012,  origem a uma dissertação de mestrado em antropologia. Para um antropólogi não temas menores ou maiores...

O autor é  o Pedro Manuel Pereira da Silva. E o trabalho está aqui disponíbel, em formato pdf, no repositório deo ISCTE - IUL.

Silva, P. M. P. (2012). As iscas com elas ou Iscas à portuguesa: património, gastronomia e turismo em Lisboa [Dissertação de mestrado, Iscte - Instituto Universitário de Lisboa]. Repositório do Iscte. http://hdl.handle.net/10071/4983 .

Aqui o resumo do trabalho:

(...) "Nesta dissertação, apresentamos um estudo de caso sobre o prato tradicional Iscas de Fígado com/sem Elas. A partir de uma abordagem antropológica, analisamos o modo como este prato se tornou num símbolo e o seu papel como oferta gastronómica da cidade de Lisboa, num âmbito temporal que vem desde o século XIX até à actualidade, bem como a sua relação com o turismo. O ponto de vista dos anfitriões, em particular no que respeita aos restaurantes do centro da cidade, foi um dos aspectos analisados neste trabalho. 

Os resultados da pesquisa documental, dos levantamentos e das entrevistas efectuadas permitiu-nos identificar as características deste prato no âmbito da gastronomia portuguesa. Consequentemente, possibilitou-nos estabelecer uma perspectiva histórica e social da sua forma de consumo no espaço da cidade, reconhecer o seu papel no âmbito dos processos de patrimonialização que subsequentemente enformam as estratégicas de divulgação turística; e, finalmente, examinar a presença deste prato na oferta gastronómica da cidade de Lisboa. 

A legitimação antropológica da patrimonialização deste prato, em virtude da sua relevância gastronómica no contexto dos hábitos e vivências alimentares específicos da cidade de Lisboa, convive com a inexistência de divulgação institucional deste património no âmbito do turismo, o que tem fomentado o desconhecimento desta realidade gastronómica por parte de muitos anfitriões e profissionais de restauração. Simultaneamente, e de forma paradoxal, verifica-se a presença das Iscas de Fígado com/sem Elas numa vasta percentagem de restaurantes e casas de comida no centro histórico de Lisboa. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de 2021 >
Guiné 61/74 - P22495: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (30): Bacalhau com couves no forno, à moda da minha avó Maria, que era do Minho (Valdemar Queiroz)

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22424: Passatempos de Verão (25): Uma fábula diferente: o gato Olossato e o cão Maquezão em tempo de cólera (Paulo Salgado, ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)


Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > Poilão, árvore sagrada, habitada pelos irãs... Mais uma chapa do famoso poilão de Maqué. Tirada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-Fur Mil da CCAÇ 13 (Os Leões Negros), na sua viagem de 2006 à Guiné-Bissau e à região do Óio.

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Maqué > 2006 > " O mais belo poilão que conheço da Guiné" (Paulo Salgado) [. na foto, o Paulo Salgado, sentado, e Moura Marques, de pé, ambos antigos militares da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72].

Foto (e legenda): © Paulo Salgado (2006). Todos os direitos  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (1970/72) > 1970 > O Alf Mil Cav Salgado, dando uma mãozinha ao pessoal dos serviços de saúde. Mais tarde, tornar-se-ia administrador hospital e gestor de saúde (em Portugal, Guiné-Bissau e Angola).

Foto (e legenda): © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Paulo Salgado (ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72); é natural de Moncorvo, e membro da nossa Tabanca Grande, desde 18 de setembro de 2005; manteve, no nosso blogue, uma colaboração regular, com pelo menos duas séries, em 2005/2006, quando esteve em Bissau à frente do Hospital Nacional Simão Mendes: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) e Bombolom II (ver aqui através do marcador Bombolom); tem mais de cerca de 110 referências no nosso blogue; é autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier",


 
Date: domingo, 1/08/2021 à(s) 21:38
Subject: Uma fábula diferente
 

Meu Caro Luís e meus caros camaradas editores, todos desta Tabanca, afinal, 

Junto uma fábula antecedida de uma introdução.
Uma saudação amiga. De camarada.

Paulo Salgado

O 'Maquezão' e o 'Olossato'

por Paulo Salgado



Não vou contar uma fábula tradicional. As fábulas que escrevi para o meu neto – 4 Fábulas para o Pedro – levaram-me até a Esopo e, certamente, a La Fontaine. Sempre a ideia da moralidade daqueles autores, carregada de ideias utilitárias... 

Aquela de a raposa estar à conversa com o corvo, ou de a lebre apostar com a tartaruga, ou da formiga trabalhadora a dar um raspanete à cigarra, apenas lembraria a fabulistas mais castigadores do que solidários – penso eu. Quis dar uma outra versão ao meu neto. Aos meus netos. (*)

Aliás, é na esteira de Alçada Baptista que se deve entender que as fábulas, mais do que premiar ou castigar, poderão servir para provocar solidariedades…O Zeca (1929-1987), que faria anos neste dia 2 de Agosto, dizia que "a formiga no carreiro ia em sentido contrário"…

O que se passou no Olossato por volta de Setembro de 1970 foi o seguinte: grassou a cólera. Foi preciso andar a proceder a higienizações menos espaçadas, e alargar à tabanca a necessidade de limpeza e de cuidados de remoção de lixos (algo que equipas mistas de militares e população faziam diariamente). E mais: era preciso 'acabar' com alguns cães e gatos escanzelados e cheios de doenças. Uma matança era exigida.  O alferes encarregado do feito teve o cuidado de ser ético na 'limpeza' de animais doentes. (Hoje, o PAN revoltar-se-ia…). (**)

Entra aqui uma conversa entre o cão 'Maquezão' e o gato 'Olossato' – duas criaturas que não se davam muito bem, mas que encontraram um forte motivo para se aliarem num momento de visível e tormentosa aflição.

O 'Olossato', gato finório, que frequentava a casa do comerciante abastado, foi procurar o 'Maquezão':

 Sabes, andam a dar cabo de cães e gatos. É hora de nos entendermos. Proponho que nos acoitemos em Cansonco onde está uma tabanca que não ardeu totalmente. E se fugíssemos à mortandade, nós que estamos sadios? É que um humano anda com um instrumento e pode não distinguir os animais doentes dos animais sadios.

 Claro, 'Olossato'. Vamos até perto da floresta. Os dois havemos de arranjar maneira de sobreviver, até que nem precisamos de muito conforto…é claro que tenho um humano que me faz festas e vou sentir a falta dele, paciência – aquiesceu o 'Maquezão'.

E lá foram os dois. De vez em quando, espreitavam ao povoado para ver como paravam as modas. Apesar de terem coelhos e ratos e passarada com fartura, que caçavam com êxito, aliando-se na tarefa de sobrevivência, sentiam a falta de outro convívio…

Um dia, entraram pela entrada que vem de Farim, cortada por causa das minas…o cavalo de pau estava desviado. Bem nutridos, limpos. E os humanos reconheceram-nos…

 Vês, 'Maquezão'?! – segredou o 'Olossato'.

E sorriram…

Nota: 'Maquezão' vem de Maqué – um posto avançado (?) do aquartelamento; 'Olossato', o nome da bela tabanca/aquartelamento Olossato.

_________


(**) Vd. poste de 10 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3044: Estórias avulsas (3): Os cães de Bambadinca (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)

(...) Comentário de L.G.:

Alberto: É uma história fabulosa!!!... Manda mais, temos tão poucas referências aos primeiros tempos da guerra... Dá-me mais elementos sobre a tua companhia. E fala-nos da Bambadinca desse tempo. Como sabes, eu estive lá em 1969/71, seis anos depois de ti... No meu tempo tanbém havia muitos cães, famélicos e vadios... Não nos deixavam dormir... Um dia, às tantas da noite, pegámos num jipe, nas pistolas Walther, e matámo-los todos... Ainda hoje essa cena me incomoda... Evoquei-a ou tentei exorcizá-la num dos meus poemas, Esquecer a Guiné (...).

(...) Nessa noite nem o pobre do Chichas, que era a nossa mascote, escapou da morte anunciada.

Segundo esclarecimento posterior do Humberto Reis [vd. poste de 17 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - P62 Op Noite das Facas Longas ], meu camarada da CCAÇ 12 e meu companheiro de quarto em Bambadinca, "o cão, que dormia à porta do nosso quarto, era o Chichas, alcunha vinda do 2º sargento corneteiro do BCAÇ 2852, que também era o Chichas. O condutor do jipe nessa Noite das Facas Longas era o major de operações do BART 2917 (o tal que mandou ir para lá a mulher quando se casou) e o assassino... fui eu".

Acrescento eu: esse tal major era conhecido como o B.B. [hoje cor art ref Jorge Vieira Barros  e Bastos],

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22371: Historiografia da presença portuguesa em África (271): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (8) (Mário Beja Santos)

Sociedade de Geografia de Lisboa > Pormenor da Sala Portugal no decurso de uma exposição


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
O que é bom nem sempre dura, estas atas das sessões, redigidas numa tonalidade bem distinta dos artigos publicados no boletim espelham um pensamento, conclamam interesses de diferente ordem, não esquecer que a primeira ideia que presidiu à fundação foi conhecer melhor o país e repentinamente inseriu-se um outro objetivo maior, o III Império, e daí, conforme podemos ler no texto de hoje assistirmos ao culto dos heróis em simultâneo com a agonia lenta da Monarquia Constitucional, tudo isto entremeado de alocuções científicas que podiam ir desde a hidrologia ao Meridiano de Greenwich, mas achou-se interessante aqui fazer larga referência a uma comunicação do Dr. Sousa Martins sobre os perigos da peste que ele descreve com os conhecimentos da época, claro está, não fala do vírus chinês mas verbera os ingleses, alguém tinha que ser culpado por aquele surto pestífero que desassossegava o mundo inteiro.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (8)

Mário Beja Santos

A cerimónia de arromba no Real Teatro São Carlos, de enaltecimento aos heróis das campanhas de Moçambique parece que trouxe um novo alento à vida da Sociedade de Geografia. As atas das sessões empolam tudo quanto se passou na sessão solene no Real Teatro de São Carlos, a 24 de abril de 1896, o Coronel Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo, comandante da expedição a Moçambique procurou detalhar os acontecimentos, e momentos há da sua prosa em que demonstra ser um observador atento no meio, veja-se como ele descreve a chegada dos expedicionários a Lourenço Marques:

“O aspeto da cidade é lindíssimo; as suas amplas praças e largas ruas ladeadas de construções ligeiras, em que predomina a madeira, o zinco e o ferro, tornam-na alegre e dão-lhe uma aparência diversa das nossas povoações de além-mar, em geral muito parecidas com a da metrópole.

As bandeiras das diversas nacionalidades, coroando os edifícios onde se acham estabelecidos os negociantes estrangeiros, dão-lhe um ar de festa permanente.

Apesar do que deixo dito, muitas construções de alvenaria existem na cidade, tornando-se notáveis pela posição, e vistas do porto a igreja e um edifício de forma quadrangular com portas, janelas e ameias rendilhadas, que eu soube depois ser… o paiol!”
.

Falar-se-á largamente de Marracuene, os rebeldes Mahazul e Gungunhana, do rio Incomati. O Coronel Galhardo apresenta assim Paiva Couceiro: 

“Do Sr. Capitão Paiva Couceiro, tudo o que eu pudesse dizer estaria ainda abaixo do que ele merece. Só direi que, à sua extrema coragem e sangue-frio se deve o ter-se evitado um desastre, talvez possível, pois se os pretos têm atacado os auxiliares, estes, cujo comportamento foi de uma indizível cobardia, seriam vergonhosamente derrotados, e a força branca, por não ter pernas que se comparem com as dos negros, não os poderia salvar”.

O Conselheiro Ferreira do Amaral também teceu elogios de Mouzinho de Albuquerque e deu-lhe para recapitular a saga dos Descobrimentos, e sentiu-se em posição de discorrer sobre a situação presente, ou quase:

“A bancarrota nas finanças havia sido precedida da bancarrota dos nossos direitos coloniais; as nossas dificuldades internacionais, a pressão das grandes nações, onde a necessidade de expansão dos trabalhadores via a necessidade da expansão colonial, tudo concorria para fazer lá fora pensar, mesmo nos mais antigos, que Portugal era uma nação que se extinguia, era uma nacionalidade que já não podia levantar-se; as suas colónias o bolo a distribuir como compensação de pactos secretos entre as grandes nações do mundo”.

Estamos agora em 1896, a Sociedade de Geografia teve papel na transladação dos ossos de Afonso de Albuquerque para os Jerónimos. No ano seguinte, o Dr. Sousa Martins profere uma comunicação acerca da Peste, estamos a falar do mesmo Dr. Sousa Martins que em 1881 andou na Serra da Estrela com Hermenegildo Capelo em expedição científica, disto falaremos adiante, agora temos a Peste, veja-se o que rezam as atas:

“Definiu o preletor o que seja a peste levantina, inguinal ou bubónica, levantina porque é originária do Levante, inguinal ou bubónica porque geralmente a carateriza um enfartamento dos gânglios linfáticos das virilhas.

Comparou-a com a cólera-mórbus e com a febre-amarela, indicando como região de origem ou habitat de cada qual destas moléstias um grande rio, o Ganges para a cólera, o Mississípi para a febre-amarela e o Nilo para a peste, e fez ver como todos eles se encontram sob o Trópico de Câncer, deduzindo desse facto geográfico e climatológico certas analogias entre as três doenças.

De todas elas a mais terrível é a peste, não só pelos estragos enormes que diretamente causa, mas pelo terror que infunde nas populações, pela dor que causa nos que a ela escapam, mas que presenceiam o aniquilamento dos atacados, e pelo desalento, pela depressão moral que origina nos espíritos e que também produz milhares de vítimas durante as epidemias da peste.

Se a Europa quiser, a Europa não terá peste. Hoje a ciência está armada de recursos variadíssimos e absolutamente eficazes para impedir a invasão do flagelo, ou, quando a invasão se dê, para sufocar rapidamente a epidemia”
.

Prosseguiu fazendo a história das epidemias da peste e depois falou sobre os meios de que a Ciência hoje dispõe para obstar os desastres. 

“Na terapêutica, temos o soro antipestoso, extraído de cavalos previamente injetados com o princípio maligno, e que é uma vacina cuja eficácia está oficialmente comprovada. Temos depois os grandes meios que a higiene moderna faculta, e temos sobretudo a profilaxia, que é a grande conquista científica do século que vai expirar”

E imprevistamente, o Dr. Sousa Martins faz um comentário que nos surpreende:

“Atribui ao egoísmo comercial de Inglaterra a grande extensão que a atual epidemia tem tomado na Ásia. Baixando dos planaltos do centro da China, o micróbio da peste foi ter a Cantão, e daí a Hong Kong; mas só muitos meses depois de grassar nesta última cidade, e quando já era de todo impossível negar oficialmente a sua existência é que as autoridades britânicas se resolveram a fazer a declaração oficial da epidemia (…) Também disse que o micróbio da peste procura de preferência a gente pobre e miserável, como aliás sucede com os micróbios de outras doenças análogas. Atribui isto ao facto de se alimentarem esses indivíduos mais especialmente de vegetais, o que lhes torna o sangue mais alcalino, e ser nos líquidos alcalinos que melhor se mantêm e desenvolvem os micróbios”

O orador foi saudado com uma salva de palmas.

No início de 1897 é eleito como Presidente da Sociedade o Conselheiro Joaquim Ferreira do Amaral, haverá lugar para uma sessão solene e auto da inauguração da nova sede da Sociedade já nas instalações do Coliseu dos Recreios e procede-se à celebração nacional do IV Centenário do Descobrimento da Índia. Em novembro é feito o elogio do falecimento do Dr. Sousa Martins.

No final desse ano, o rei D. Carlos volta a presidir a uma grande homenagem, desta vez ao herói de Chaimite, Mouzinho de Albuquerque. E assim chegamos a 1898, há um voto de sentimento pela morte de Roberto Ivens, no final de janeiro e em maio temos nova sessão solene, estamos em plena comemoração do IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia, tudo com fausto, pompa e circunstância, vêm numerosas representações internacionais, o rei agradece e lembra aqueles que pela pátria verteram o seu sangue generoso, saúda os soldados e marinheiros de hoje que andam em ásperas campanhas em África e na Ásia, sustentando gloriosamente a honra da nossa bandeira.

Agora vamos voltar um pouco atrás só para falar da expedição científica à Serra da Estrela e avançamos depois, já não falta muito para o final destas atas das sessões dos sócios, parece que é um mundo que acaba com a morte de Luciano Cordeiro, a partir de agora fica à disposição dos associados e dos leitores em geral o boletim, que ainda hoje vigora.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22347: Historiografia da presença portuguesa em África (270): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (7) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21820: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis"(5): Contra a Covid-19 e a pérfida caixinha de Pandora que vem sempre associada às pandemias, a palavra de ordem é: Confinemo-nos, sim, camaradas!... Mas não nos (con)finemos, ámen! (Luís Graça)



Um livro que ando a ler e recomendo...


Focha técnica:

Título: Epidemias e Socieade: da Peste Negra ao presnete.
Autor: Frank M. Snowden
Editora: Edições 70 [Grupo Almedina]
Coleção: História Narrativa
Ano: 2020
Nº páginas: 689 
ISBN: 9789724423692
Preco de capa: c.35 € / 30 e
Número de páginas: 700
Capa: Brochado
 

Sinopse_ (...)  O livro recomendado pelo The World Economic Forum no contexto do surto de coronavírus .

Uma análise ambiciosa ao impacto das epidemias que mostra como os surtos infecciosos de grande escala moldaram a sociedade desde a Peste Negra até ao presente. Num estilo claro e acessível, Frank M. Snowden argumenta que as doenças não se limitaram a influenciar as ciências médias e a saúde pública, mas também transformaram as artes, a religião, a história intelectual e a guerra.

Esta investigação comparativa e multidisciplinar da história da medicina e da história social aborda temas como a evolução das terapêuticas, a literatura sobre a peste, a pobreza, o ambiente e a histeria coletiva. 

Além de fornecer uma perspetiva histórica sobre doenças como a varíola, a cólera e a tuberculose, Snowden analisa ainda a repercussões de epidemias recentes como o VIH/SIDA, o Ebola ou a SARS-COVID, ao mesmo tempo que se questiona sobre se o mundo estará preparado para a nova geração de doenças infecciosas. (...)

 
Portuguezes pocos, y eses locos... 

1. Terão razão os nossos vizinhos espanhóis quando se dignam olhar para nós, confinados no "jardim à beira mar plantado", lá do alto dos Picos da Europa  com o olhar altivo do Dom Quixote de la Mancha,  e nos mimoseiam com este secular apodo ?!

Que são poucos, são... e que às vezes parecem loucos, parecem!...  

Vejam (mas não ouçam, ou só o q.b....) os virologistas, geneticistas, infecciologistas, pneumologistas, intensivistas, epidemiologistas, sanitaristas,  economicistas, futurologistas, moralistas, jornalistas, analistas, bloguistas, catrastrofistas e outros especialistas da Covid-19 (de que Deus nos livre!)...  

Se não todos/as, pelo menos bastantes,  parece adorarem pôr-se em bicos de pés, para terem o seu minuto de fama & glória à hora do telejornal, ao predizerem quantos vão ser infectados e quantos vão morrer, para a semana, daqui a um mês, daqui a um ano, dos tais portugueses, poucos e loucos... 

Estar informado, sim, e saber mais,  também... Mas a "overdose" diária de (des)informação sobre a pandemia, não faz bem à saúde mental... nem à nossa democracia.

2. Em 1918/19, de "gripe espanhola" (!), morreram 120 mil dos tais portugueses poucos e loucos (, estimam os cronistas do reino...). Dois por cento da população (que na altura era de 6 milhões)... 

Já eram poucos, os portugueses, ficaram desde então muito mais loucos... De tal maneira que já ninguém se lembra da mortandade que atingiu famílias inteiras, agravada pela cólera e a tuberculose!... 

A loucura tem a vantagem da amnésia... E, ao que parece, também a pobreza.... Já ninguém se lembra: é como a guerra colonial (, embora mais recente, há 60 anos,,,), Como já ninguém se lembra do populista Sidónio Pais, o presidente-rei, como o entronizou  e aclamou o poeta Fernando Pessoa... Nem muito menos das "sopas do Sidónio"...

Agora, com a pandemia do Covid-19, o Sidónio  (, senhor professor de Coimbra, de Cálculo Diferencial e Integral, ) e as suas sopas têm outros nomes... 

Contra a Covid-19 e a pérfida caixinha de Pandora que vem sempre associada às pandemias,  a palavra de ordem é: 

Confinemo-nos, sim, camaradas !... Mas não nos (con)finemos, ámen!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21656: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (13): Faz hoje 50 ans que regressei do CTIG...Abrecelos natalícios para toda a Tabanca Grande (Valdemar Queiroz, ex-fur mil at art, CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Sinchã Sajori > CART 11 > 1970 > Vacinação da população local. com o  fur.mil.enf Edmond




Foto nº 2 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  > Ninho da metralhador HK21



Foto nº 3 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  > Intalações do pessoal



Foto nº 4 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  >  O fur mil Valdemar Queiroz aperaltado para o regresso



Foto nº 5 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  > Filha de um dos nossos soldados



Foto nº 6 > Guiné > Bissau >  16 de dezembro de 1970 > A última compar do Valdemar Queiroz, na Loja do Taufik Saad, um relógio Longines, no valor de 2950$00 [, a preços de hoje, o equivalente a 868,65 €].



Foto nº 7 > Guiné > Bissau > 16 de dezembro de 1970 > O bilhete de avião, na TAP; no valor de 4340$00 [equivalente, a preços de hoje, a 1.277,95 €]

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem cerca de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador]:

Data - quinta, 10/12, 16:13 
Assunto . Faz agora 50 anos 



É verdade. Faz este mês 50 anos que regressei da guerra na Guiné.

Depois de se ter feito a vacinação contra a cólera nas tabancas de Cadeu, Sibitó e Sinchã Sajori começamos a preparar o regresso à metrópole. Para nós estava próximo chegar a casa. Mas a guerra continuou por mais três anos e uns meses até ao 25 de Abril de 1974, e não acabou para os nossos soldados fulas renitentes em "abraçar" os guerrilheiros do PAIGC. Coitados de muitos deles... é assim a merda da guerra.

Em Guiro Iero Bocari e outras pequenas tabancas da região de Paunca, com a chegada da nossa CART 11, completa, deixou de haver problemas com ataques do IN. Pese embora ser uma região de fronteira, havia um rio como que de fronteira natural com o Senegal e com nossa acção, sempre em operações diurnas e nocturnas,  era mais difícil ao IN deslocar-se,

Nas últimas palavras escritas da HU da Companhia consta:

'O 1º. Grupo embosca na estrada de BOCARI.

Chegam a Paunca parte dos quadros que vêm render os Quadros Metropolitanos que terminarem a sua comissão. 

A partir de hoje, efectuam-se as sobreposições necessárias a fim de integrar os novos elementos no contacto com o pessoal nos diversos cargos e actividades, após o que seguem para Bissau os elementos rendidos individualmente, ficando a aguardar embarque para a Metrópole.'

Eu, o Abílio Duarte, o Manuel Macias e o Pais de Sousa regressamos de avião em 18 de Dezembro de 1970 e ainda passamos o Natal em casa, pagando a diferença para o "custo" da viagem de barco por esta só se verificar 20 dias depois.

As fotografias que junto, são de:

(i) uma acção de vacinação,contra a cólera,  na tabanca de Sinchã Sajori, com o nosso fur mil enf  Edmond (foto nº 1);

(ii) , do ninho da HK21 (foto nº2);

 (iii) instalação da minha posição na tabanca (foto nº 3);

(iv)  eu todo aperaltado para seguir pra Bissau  (foto nº 4);

(v) e a fotografia da filha de um dos nossos soldados fulas que estimo tenha sobrevivido e agora também ter feito 50 anos de vida (foto nº 5).

Desejo a todos os camaradas e suas famílias BOAS FESTAS
Abracelos

Valdemar Queiroz

PS - Anexo Recibo da última compra em Bissau  (foto nº 6) e o Bilhete da TAP do regresso (foto nº 7)

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