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terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12382: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): O café do sr. Teófilo (Parte III): O meu discreto vizinho... que, uma tarde, vira-se para mim e diz-me: ' Sr. alferes, aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral'


 Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1970 > Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70] > Foto s/nº  >  "Uma irmãzinha de Amílcar Cabral", segundo o testemunho do sr. Teófilo com quem ele terá trabalhado, antes da guerra... Amílcar nasceu em 12/9/1924, em Bafatá, filho de pais caboverdianos. Juvenal Cabral, professor primário,  e Iva Pinhel Évora, doméstca. A família regressa a Cabo Verde em 1932.

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné-Bissau > Bafatá > 2001 > Busto do fundador do PAIGC,  Amílcar Cabral (Bafatá, 12/9/1924 - Conacri, 20/1/1973), engenheiro agrónomo, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 1950. Era filho de Juvenal Lopes Cabral, professor primário, caboverdiano, e de Iva Pinhel Évora, doméstica, guineense. Irmão, pelo lado paterno, de Luís Cabral (Bissau, 1931- Torres Vedras, 2009), o primeiro presidente da Guiné-Bissau (1973-1980).

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; é arquiteto, e vive no Porto; foto atual à direita]

Data: 2 de Dezembro de 2013 às 01:38

Assunto: Sr. Teófilo

Luís:  Já várias vezes sugeriste que eu dissesse algo sobre o sr. Teófilo, por ter morado junto da casa dele. Nunca cheguei a dizer nada sobre o controverso senhor porque realmente não tinha muito a contar.

Efectivamente, durante os dois anos de comissão [, 1968/70], quase todos os dias, ao fim da tarde e à noite estava com ele, sentados na esplanada, a ver passar o pessoal, de, e para a tabanca da Rocha. Foi também aí que muitas vezes vi chegar autênticas caravanas de burros, todos engalanados, trazendo a mancarra para o celeiro.

Claro que muito conversamos mas nunca sobre assuntos de "guerra". Como que havia um acordo tácito entre nós no sentido de não entrarmos em mútuas confidências. Talvez tenha sido eu a forçar essa nota,  dadas as minhas funções, de informações, no Comando de Agrupamento [nº 2957]. Não queria de forma alguma fazer transparecer fosse o que fosse referente ao que se passava na "nossa guerra", quer em relação às NT, quer ao IN. Não tendo qualquer desconfiança em relação a ele, nunca lhe contaria nada que pudesse vir a pôr em perigo alguém das NT.

Se eu nunca cometi qualquer inconfidência, considero que ele por duas vezes não se conteve.

Primeira: Estava para se realizar uma grande operação dentro do Senegal, assunto que estava a ser tratado no Agrupamento com a chancela de "secreto". Pois bem,  um ou dois dias antes da operação,  o Sr. Teófilo falou-me, e eu só ouvi, dessa grande operação. Num aparte direi que nunca o considerei nem ligado ao IN nem à PIDE. No meu entender o que se passava é que ele era muito observador e ouvia todas as conversas dos militares que passavam pelo seu restaurante.

Uma outra vez, próximo do fim da minha comissão, princípios de 1970, em determinada altura vira-se para mim e diz: 
– O Sr. Alferes sabe que na noite passada andaram, naquelas tabancas para lá da pista, elementos do IN? 

Mais uma vez não manifestei qualquer reacção. Acrescentarei que a partir dessa data nunca mais fui à caça à noite, como sempre tinha ido. Passei a ir só de dia e acompanhado.

Sobre estas duas situações, claro, que ao chegar ao quartel fiz seguir superiormente as minhas duas únicas informações de toda a minha comissão, penso que classificadas de B-2 (a letra de A a E referente à fonte da notícia e o algarismo de 1 a 5 relativo ao grau de verosimilhança da notícia).

Com o Sr. Teófilo as conversas sempre foram sobre trivialidades. Aprendi a tornar tenras as chocas (perdizes) que caçava e que até aí as achava duríssimas. Era só tirar-lhe a pele. Aprendi com a esposa dele a fazer uma boa cachupa, que ainda agora fazemos regularmente cá em casa. Aprendi com ele a eliminar uma verruga com auxílio de uma crina de cavalo.

Para terminar, uma tarde vira-se para mim e diz-me; 
– Aquela que ali vai é irmãzinha do Amílcar Cabral...

O mesmo Amílcar Cabral, com quem ele  trabalhou na "Agrária" de Fá e por quem tinha, nessa época antes da guerra, muita consideração.

Não deixei de tirar uma foto à Senhora que junto envio.

Um abraço

Fernando Gouveia
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 30 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12369: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (6): O café do sr. Teófilo (Parte II): um homem amargurado que sabia demais? (Manuel Mata)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16960: (Ex)citações (322): não havia "praias de Biombo" para todos, em fim de comissão... Contavam-se pelos dedos os "oásis de paz", os "pequenos paraísos": Ondame, Varela, Contuboel, Cansissé, Bafatá, Bubaque...


Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Foi na fonte de Semba Uala, que os nossos corpos se retemperaram de energias abaladas. Também, com exasperados desejos, se buscavam encontros de encantos.

Foto (e legenda): © Idálio Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > “Sintra de Bafatá”. Caminho que ia de junto do Mercado até à Mãe d’Água e casa do comandante do Esquadrão. Todo o percurso era ensombrado, como os caminhos da mata de Sintra. Na foto, o Fernando Gouveia, à civil.

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Zona da Mãe d’Água, também chamada “Sintra de Bafatá”, onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, a esposa do comandante Esquadrão organizava uns almoços dançantes em que eram convidados além dos alferes, e penso que alguns furriéis (16 B), todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e outras.

[O Fernando Gouveia não quis identificar o Esquadrão, mas o último do seu tempo, foi o Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga; reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro].

Foto  (e legendas) © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Zona Leste > Contuboel > A dolce vita dos dois primeiros meses de comissão... Luís Graça (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11), em passeio pelo Rio Geba, em junho ou julho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba... Nunca soube quem nos tirou esta foto... fabulosa. Levei 40 anos a tentar recordar-me do nome do barqueiro...

Foto  (e legendas) © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Do José Nascimento, ex-fur mil da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) publicámos há dias um poste com fotos do destacamento de Ondame e praia de Biombo, a que ele chamou "um pequeno paraíso, um oásis de paz" (*)... Aqui passou os últimos meses da sua comissão, tendo escrito o seguinte sobre este lugar:

"Adeus, meu pequeno quartel do Biombo, adeus a este pequeno paraíso por onde a guerra não passou, adeus aos mais belos tempos desta parte da minha juventude, parto para a Metrópole, mas deixo aqui o meu coração".

Era um "pequeno paraíso", um "oásis de paz", para quem, como ele,  tinha vindo do "inferno do Xime"... Foi uma bela prenda de fim de comissão... Só que não havia "praias de Biombo" para todos...

(i) Contuboel

Falando de "oásis de paz", eu só conheci um, em junho/julho de 1969, quando fomos (a CCAÇ 2590, meia centena de "tugas") dar a instrução de especialidade e a IAO aos nossos soldados do recrutamento local (uma centena), formando mais tarde a CCAÇ 12... Esse sítio chamava-se Contuboel (região de Bafatá). E havia um corredor Bafatá - Contuboel - Sonaco, "livre da guerra", nessa altura...

Em Contuboel funcionava nessa época um Centro de Instrução Militar... E num raio de 15 km eu achava que se podia ainda andar desarmado... Fizemos a IAO com cartuchos... de pólvora!

2. Será que havia outros pequenos paraísos e oásis de paz no TO da Guiné, ao longo dos anos de guerra em que lá estivemos? Parece que sim, alguns já aqui foram referidos (e documentados) no nosso blogue:

(ii) Susana / Varela / Praia de Varela (no Cacheu)

Ainda há dias encontrei o antigo comandante da CCAÇ 1791, que hoje deve ser coronel reformado, o então cap inf António Maia Correia, pai de uma amiga e colega minha. Só temos uma referência sobre esta companhia, que também fez a Op Lança Afiada, em março de 1969, no setor L1 (Bambadinca). Acabou a comissão (abril / agosto de 1969) em Susana, e o antigo comandante disse-me que, como prémio, cada pelotão passou um mês em Varela, que era "a Sintra da Guiné"...

Antes de Susana, a CCAÇ 1791 / BCAÇ 1933 passou por Encheia, Contuboel, Geba, Empada, Biambe, Bula, Bambadinca...

(iii) Cansissé

Outro oásis de paz terá sido Cansissé, pelo menos para quem vinha do "inferno de Gandembel", como foi o caso da CCAÇ 2317:

Ver aqui os postes do Idálio Reis:

2 de agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

(iv) Bafatá

Tirando os Bijagós (onde não havia sinais de guerra), com destaque para Bubaque..., não haveria muitos mais "oásis de paz" na Guiné, durante a guerra... Talvez Bafatá, no tempo do Fernando Gouveia (1968/70):

Vd.poste de de 12 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12434: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (10): A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras

Mas os nossos camaradas, nossos leitores,  talvez saibam de outros "secretos paraísos", "oásis de paz", perdidos pela pequena e bela Guiné do nosso tempo... Vamos lá desenterrar essas memórias (**)..
.  

domingo, 1 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12375: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (7): By air... (Vídeo de Jorge Félix / Pierre Fargeas)


Vídeo (2' 44'') > Bafatá >  c. 1969 > Alojado no You Tube (Cortesia de Jorge Félix).

© Jorge Félix 2009). Direitos reservados. (Música de fundo: Te Espero, Charles Aznavour, reproduzida com a devida vénia...Vd. página oficial aqui)


1. Vídeo que o Jorge Félix fez com imagens que lhe foram enviadas pelo francês Pierre Fargeas, o técnico da fábrica dos Allouettes III, que fazia a sua manutenção em Bissalanca, no período entre  1969 e 1974.

Escreveu o Jorge:

"Fiz uma pequena montagem das imagens, onde estou a guiar o heli, segue ao meu lado esquerdo a esposa do Pierre, Ivette Fargeas, e depois uns senhores que não me recordo o nome. O Coronel é o meu comandante Diogo Neto."

Sinopse:

O heli parte de Bissalanca e faz uma viagem até Bafatá, sobrevoando o Rio Geba, as bolanhas, as tabancas, a avenida principal da bela vila colonial (ainda não tinha o estatuto de cidade em 1969, só em março de 1970), a casa Gouveia, a catedral, o mercado... 

No heliporto são recebidos por militares que, muito provavelmente, o nosso camarada Fernando Gouveia  deverá reconhcer, pelo menos os oficiais superiores. Um deles, de camuflado, parece-me o cor Hélio Felgas, comandante do Cmd Agrupamentop nº 2957, a que pertencia o Fernando Gouveia.

O Pierre Fargeas faz depois, a pé, com a esposa,  um visita ao encantador mercado de Bafatá, de arquitectura revivalista. O heli regressa a Bissalanca, à BA 12, ao longo do Rio Geba...O  Pierre Fargeas, de óculos graduados sem armação, aparece, no vídeo, no regresso a Bissalanca. A sua esposa, Ivette, ia ao lado do piloto, Jorge Félix. Não sei em que circunstâncias o casal viajou até Bafatá, um dos poucos sítios da Guiné, de então, para além de Bubaque nos Bijagós, que se podia visitar (e valia a pena visitar), "by air", em segurança...  No nosso tempo, meu e do Fernando Gouveia, Bafatá nunca sofreu qualquer ataque ou flagelação por parte do PAIGC. Haverá um ataque, mais tarde, em 28/8/1972, com foguetões 122 mm, mas sem consequências.

2. Comentário de L.G.:

Pedi ao Fernando Gouveia para comentar:

"Tem cenas sobre Bafatá (*)... (e tem a Ivette Fargeas, que é de uma beleza perturbadora...). Quero inclui-lo na tua/nossa série Roteiro de Bafatá... Um abraço. Luis"

São imagens relativamente raras. Temos fotos aéreas, naquela época já havia boas máquinas fotográficas, mas não gravadores de vídeo. Este pequeno filme terá sido feito com câmara de filmar de 8 mm, sendo depois o filme convertido para vídeo.

Escrevi no nosso Facebook, em resposta ao Jorge Félix:

"É um vídeo que eu vejo e revejo...Por muitas razões: por ti, amigo e camarada do meu tempo; pelo regresso ao passado;  pelas saudades da doce, tranquila e bela Bafatá; pelos nossos 20 anos. tão generosos quanto verdes;  pela beleza (pertubadora) da Ivete Fargeas; pela "canción desesperada" do Ch. Aznavour... Uma combinação perfeita!... Um Alfa Bravo".

Já tinha comentado, há 4 anos (**):

(i) Que nostalgia, que saudade, que doçura triste! ... 

(ii) Perfeita a escolha da música do Charles Aznavour, a sua canção Te espero, em espanhol, com seu sotaque meio francês e meio arménio... Um rapaz do mundo, com idade de ser nosso pai (n. 1924...), pai da nossa geração dos baby boomers...

(iii) Pasa el tiempo y sin ti no sé vivir / la razón es para mí siempre sufrir / y ahora el viento al pasar me da a entender / que en la vida sólo a ti esperaré (***). 

(iv) Uma canción desesperada, uma canção, eterna, 
para um amor talvez impossível, 
um amor sofrido,
uma canção que fica aqui tão bem quando olhamos para o passado, 
quando tínhamos vinte anos e estávamos na guerra...

(v) Jorge: Gosto muito do plano em que estás tu, aparentemente concentrado na tua missão, mas de repente viras-te para trás... e pedes um cigarro!... (Aí temi pela segurança do heli e da tua preciosa carga...).

(vi) Como éramos todos tão apaixonados pelas vida 
(e pelas lindas mulheres....), 
como éramos todos tão conscientemente irresponsáveis, 
como éramos todos tão sem jeito, 
como éramos todos tão inconscientemente loucos, 
como éramos todos tão optimistas e generosos, 
como éramos todos já tão maduros e tão sofridos, 
como éramos todos... 
(Porra, Jorge, que me fazes chorar! )...

___________


(***)Notas de L.G.:

(*) Letra de Charles Aznavour, canção Te espero (1967).reproduzida com a devida vénia:

Pasa el tiempo y sin ti no sé vivir,
la razón es para mí siempre sufrir,
y ahora el viento al pasar me da a entender
que en la vida sólo a ti esperaré.

Yo recuerdo tu mirar y tu besar,
tu sonrisa bajo el sol primaveral,
estoy solo sin saber lo que tú harás,
en mi alma hay dolor al esperar.

Ven... a mí ven no tardes más,
ven por favor te ruego yo,
no podré esperar ven a mí,
yo quiero saber si has de venir,
por fin así dímelo amor.

Es la herida que envejece sin piedad,
más mi amor siempre será eternidad,
en mis blancas noches tú revivirás
el recuerdo de mi amor al despertar.

En mi mente siempre como un altar
y tu rostro grabo en mí para soñar
el momento ha de llegar muy pronto ya
y veré la realidadal despertar.

Ven... ven a mí ven, ven no tardes más,
ven por favor te ruego yo no podré esperar,
ven... oh ven a mí yo... yo quiero saber
si has de venir por fin así dímelo amor.....


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13034: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (88): O senhor Camilo da Bafatá

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2014:

Carlos:
Além de constituir “paparoca para o blogue” mas sobretudo com vista a esclarecer determinados mal entendidos relacionados com um tal Sr. Camilo de Bafata, agradecia, se assim o entenderes, a publicação do que se segue na ainda série “A GUERRA VISTA DE BAFATA”

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

88 - O Sr. Camilo de Bafata

Caros camaradas, principalmente os que fizeram comentários sobre esse Senhor, o tal que costumava dar uns lautos jantares à oficialidade lá do sítio.

Porque ando a rever tudo quanto escrevi no blogue e à semelhança daquele comentário que tardou anos, sobre um dos três majores que “não teria sido morto e até estava vivinho da silva”, também só agora, passados três anos é que tomei conhecimento de um comentário ao meu Poste 6185 de 19MAR10 pela razão de só ter sido feito passados três meses da sua publicação.

Como “sói” dizer-se: Camilo há só um, o de Bafata e mais nenhum. Não era o de Nova Lamego e sobretudo não era o impostor de Bambadinca, que na minha cara me disse que, sim senhor, era ele e que, sim senhor, era ele que dava os tais jantares em Bafata.

Lendo o tal comentário, anónimo, (que para mim não o é mas respeito essa atitude) fica-se a saber que o tal Sr. Camilo, como aliás sempre fui dizendo, era natural de Mirandela e exercia as funções de gerente da “Casa Esteves” situada em frente à sede do Batalhão e da sua própria casa.

Segue-se a transcrição do atrasado comentário:

Anónimo disse…
Sr. Fernando:
Obrigada por “revisitar” e gostar tanto da terra que me viu nascer e de onde tenho tantas recordações muito felizes… Não valerá a pena identificar-me, porquanto sou filha de um dos comerciantes portugueses que lá residiram, portugueses estes que me parece não serem muito da vossa simpatia… Adiante, e para quem realmente conheceu Bafatá, o Sr. Camilo era transmontano, de Mirandela, (infelizmente já falecido) e não o Senhor Cabo-Verdiano da fotografia, e era o gerente da casa “Esteves”, edifício que se situava em frente do quartel, e que, de facto oferecia alguns jantares, para os quais eram também convidados alguns militares. O que não significa que praticasse o tal jogo de dominó, como insinuaram… Foi uma óptima pessoa, e um grande amigo do meu pai, e da minha família, pelo que me parece conveniente, fazer alguma justiça à sua memória. De qualquer modo Sr. Fernando, adoro as suas histórias sobre Bafatá e como esta terra o deixou apaixonado… Muito obrigada por gostar de Bafatá. Uma sua leitora que espera sempre ansiosamente pelo capítulo seguinte.
Domingo, Junho 13, 2010 12:15:00 da manhã

O impostor.

À esquerda o edifício do Batalhão e mais abaixo a casa do Sr. Camilo. À direita em frente à sua casa ficava a casa comercial Esteves. (Fotos com 40 anos de diferença).

Fernando Gouveia
_____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12996: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (87): Diário da ida à Guiné - 18/03/2010 - O dia seguinte

domingo, 1 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5190: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (14): O Comando de Agrupamento (II Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 28 de Outubro de 2009:

Caro Carlos:
Noutra altura e não por aqui, te mandarei um escrito, que te devo aliás. Por aqui, aproveito para referir que acusei com agrado as palavras do Hélder Valério.

Desta vez aí vai a estória O Comando de Agrupamento – 2.ª parte a integrar, se assim o entenderes, na série A Guerra Vista de Bafatá.

Um abraço para cada um.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
14 – O Comando de Agrupamento – 2.ª parte
Por Fernando Gouveia

Na 1.ª parte desta estória falei de todo o pessoal do Comando de Agrupamento, à excepção dos Majores. Esta 2.ª parte é-lhes dedicada, como prometido.

Ainda a propósito da caça recordo que ao chegar ao Agrupamento, encontrei apenas um Major, o Major Lameiras, óptima pessoa com quem se podia conversar. Devo a ele ter-me emprestado uma Flaubert de 9mm, de cartuchos, com que fui caçando até vir de férias e levar uma caçadeira a sério.

Fins de 1968. Local junto ao nosso Bar onde tive muitas conversas com o Major Lameiras. Ainda não tinha chegado o Major que mandava pintar tudo de cor-de- rosa velho. Todos os edifícios eram brancos.

Outro Major bastante normal esteve na Secção de Operações muitos meses, a trabalhar na minha sala. Reorganizar todos os arquivos foi a única coisa que fez e bem. O Coronel Felgas não lhe dava espaço.

Por lá, a cumprir 15 dias de prisão, passou um Major que estava a comandar um Destacamento na zona de Nova Lamego, onde era costume o pessoal sair para a tabanca próxima, não pela Porta de Armas, mas por um buraco na rede de arame farpado. Tendo avisado várias vezes, sem sucesso, que não queria tal procedimento, mandou, sem aviso prévio, armadilhar a tal passagem. Resultado: um furriel ficou sem uma perna. Só quinze dias?

O Major Curado não era má pessoa mas talvez por estar muito apanhado pelo clima não podia ver ninguém ao pé dele maltratar um animal nem que fosse um verme rastejante. Ficava muito triste e apelidava o verme de pequeno pagãozito. Outra coisa que o definia era ir a despacho com o Comandante levando numa mão os processos e noutra um macaquinho, mascote do quartel. Considero que era um acto de alguma coragem face ao austero Coronel Felgas

1969. O macaquinho que o Major Curado levava quando ia a despacho com o Coronel Felgas. Note-se que o Major do cor-de-rosa velho já tinha chegado

Passou por lá, durante alguns meses, um Major que, sóbrio, era óptima companhia para conversar, dado que era bastante culto. Porém, todas as semanas apanhava uma bebedeira de caixão à cova. Já se sabia, a coisa repetia-se sempre da mesma maneira. Quando não dormia no quartel, no dia seguinte, pela manhã, lá aparecia uma carrinha civil de caixa aberta, a levar, na dita caixa, o Senhor Major que tinha sido encontrado inconsciente na berma da estrada de Bambadinca, para os lados do Bataclã.

O mais exótico de todos foi um da Secção de Pessoal e Material. Além de outras manias que a seguir enumero, uma prevalecia: Mandava pintar tudo de cor-de-rosa velho. Só escapava o material militar, jeeps, etc.

04-10-1969, dia da despedida do Coronel Hélio Felgas. Um tocador de corá. O cor-de-rosa velho já tinha passado por aqui

Quando lá chegou, na sua Secção havia um calendário com uma figura feminina com um decote um pouco pronunciado (nada demais). De imediato, mandou o Furriel da Secção colar um papel cor-de-rosa velho, de forma a reduzir o decote.
Todas as semanas queria as viaturas (só havia jeeps) na pequena parada, impecavelmente limpas, incluindo os motores a brilhar. Então aparecia para inspeccionar e à sua ordem “abrir capôs” cada condutor abria o da sua viatura, tal como à ordem “fechar capôs” cada condutor o fechava com estrondo. Mas o mais caricato disto tudo é que todas as semanas era empurrado para a parada um jeep avariado, sem conserto, mas com os restos do motor sempre a brilhar

Fins de 1968 . Na pequena parada onde mais tarde o Major do cor-de-rosa velho fazia a inspecção aos jeeps. As paredes ainda eram brancas, note-se.

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


Em determinada altura deram ao Comandante um bode. Como tal situação tinha que passar previamente por ele, antes de o entregar ao Coronel Felgas, mandou comprar, na cidade, uma fita cor-de-rosa velho para fazer um laço que foi colocado nos cornos do bicho… Podem crer que foi autêntico, como autêntica foi a situação que segue.

Numa outra vez, um qualquer Chefe de Tabanca, ofereceu ao Comandante uma galinha. O nosso Major mandou providenciar um galinheiro para a ave, e quando ela começou a pôr ovos, mandou o furriel constituir um livro para registo (à carga) dos ovos que iam sendo postos. No livro podia ler-se: Dia (data hora) - um ovo; Dia (…) - um ovo; Dia (…) - um ovo (partido)…

Finalmente, pairou por lá outro Major que já referi noutra estória, de tão baixo carácter, que não merece qualquer outra referência.

A próxima estória será, como já referi, sobre os amores entre um furriel e a Rosinha, filha de um comerciante metropolitano.

Até para a semana camaradas
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5159: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (13): O Comando de Agrupamento (I Parte)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5327: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (17): Apanhado pelo clima

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 21 de Novembro de 2009:

Caro Carlos:
Mais uma estória, desta vez pequena e de pouco interesse, mas foi o que se pôde arranjar de momento.

Aproveito para dizer que acompanhei as sessões, no Clube Literário do Porto, (anúncio postado no Blog), de que gostei muito.
Aprendi mais umas coisas sobre a Guiné, através de alguns estudantes guineenses lá presentes.
Já tinha ouvido tocar cora várias vezes na Guiné mas num ambiente fechado e sem ruidos é simplesmente divinal.
Ontem assisti à projecção do filme Nha Fala, que achei de nível internacional, comparável a muitos outros filmes que tenho visto nas salas de cinema. Achei-o com certos ares do filme Gato Preto Gato Branco do Kusturica.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

17 – Apanhado pelo clima



À saída de Bafatá em direcção a Geba ficava a tabanca da Ponte Nova, onde tirei esta foto. (dois segundos depois só fotografaria a janela!)

Foto e legenda: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.



Nasci ainda durante a 2.ª Guerra Mundial e comovo-me ainda hoje ao saber, por mo terem contado pois tinha dois ou três anos de idade, que o meu pai ia propositadamente ao bar da esquina, tomar um café sem açúcar, para o poder trazer ao filho, dado que nessa altura tudo estava racionado.

Quando fui estudar para o liceu em Coimbra, tinham passado uns escassos oito anos do fim da dita guerra. Lembro-me de ver em algumas janelas de edifícios públicos cruzes de papel colado, para os vidros não estilhaçarem muito no caso de um ataque aéreo, isto apesar de o nosso país ser neutral.

Tudo isto para dizer que quando fui mobilizado para a Guiné, só ainda tinham passado também uns escassos vinte e poucos anos do fim daquela guerra. Se ainda agora, passados quarenta anos, discutimos a nossa guerra, nessa altura, pelo menos em mim, ainda estava muito presente a guerra de 39/45.

Em Bafatá cedo fiquei a saber que na tabanca de Geba havia um comerciante alemão. Haveria por toda a Guiné muitos comerciantes metropolitanos e talvez muitos mais libaneses, mas existir um alemão metido em semelhante buraco logo me cheirou a esturro. Seria que era um fugitivo nazi?

Durante toda a comissão fui pensando no assunto, principalmente quando regularmente Geba era atacada e o nosso senhor Landorf aguentava firme no seu posto.

Como já várias vezes referi, muita sorte tive na Guiné. Em matéria de ataques fui um privilegiado. Em Bafatá era o que se sabia, paz. Em Bambadinca dormi lá uma noite mas o ataque foi no dia seguinte. Madina Xaquili, onde estive quinze dias, só começou a ser atacada passado um mês de ter saído de lá. Quando muito, de Bafatá via muito bem os ataques a Geba que, como era costume, eram sempre ao princípio da noite.

Estando eu a um mês ou dois do fim da comissão, apanhado pelo clima quanto bastasse, resolvi, no dia seguinte a um desses ataques, ir com a coluna de reabastecimento a Geba. Dois propósitos se impunham: Um era ver como tinha ficado a tabanca depois daquele fogachal todo, o outro era ver o Sr. Landorf e perscrutar, se possível, se realmente tinha ar de nazi ou de um simples civil alemão que teria vindo para aquele buraco refazer a sua vida.

A coluna de reabastecimento, feita pelo Esq. Fox. aquartelado à nossa beira, partiu só ao fim da tarde contando regressar no mesmo dia. Eram pouco mais de 10 Km e a picada era muito boa.

Pedi autorização aos meus superiores e lá salto para cima de um Unimog com a farda que trazia vestida e completamente desarmado. Um autêntico turista. O que aquele clima provocava! É certo que sabia que além dos ataques nunca tinha havido problemas no itinerário Bafatá/Geba, nem emboscadas nem minas.

Em determinada altura do percurso, a uns 2 ou 3 Km de Geba, o Furriel que comandava a coluna mandou-a parar, ao que foi dito, por alguém se sentir indisposto ou coisa parecida. Quase todo o pessoal desceu das viaturas, tendo eu ficado em cima do Unimog. Já estava a anoitecer mas ainda deu para ver, a uns 200 ou 300 metros da cabeça da coluna, um elemento africano atravessar a correr a picada de um lado para o outro. De imediato dei conhecimento disso ao Furriel mas ele não valorizou o ocorrido. Poderia muito bem ser o abortar da primeira emboscada IN no percurso Bafatá/Geba à coluna de reabastecimento. Eu estava no fim da comissão mas os camaradas do Esquadrão, que ainda ficaram por lá muito tempo, é que podem confirmar se passou, ou não, a haver aí emboscadas ou minas a partir Junho de 1970.

Termino referindo que, pelo atraso provocado pela paragem da coluna, chegamos já noite a Geba e foi só descarregar os géneros e as munições regressando de imediato a Bafatá. Não tive pois oportunidade de ver os estragos e tão pouco o Senhor Landorf. Foi uma tremenda desilusão mas ainda hoje penso que, já no fim da comissão, não devia ter feito o que fiz. Muitos camaradas tiveram o azar só nos últimos dias.

Na próxima estória, e de regresso a Bafatá, vou falar de algumas figuras típicas da cidade.

Até para a semana camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2009> Guiné 63/74 - P5262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (16): O baptismo de fogo da Regina, ou um Capitão não é um Capitão

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 Km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos do IN.







Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 >Nas proximidades da antiga tabanca de Padada >  Como refere o Fernando na sua série A Guerra Vista de Bafatá, na sequência do agravamento da situação no Cossé, em mados de Junho de 1969 fora destacado para Madina Xaquili, onde viveu "uma experiência verdadeiramente inesquecível". Madina Xaquili ficou-lhe para sempre no coração. Disse-me, há dias, em Monte Real, que teve imensa pena de não ter podido, por razões de transporte, voltar à antiga tabanca onde esteve destacado entre 12 e 24 de Junho de 1969, para uma visita de saudade...





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > Nas prioximidades da antiga tabanca de Padada




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Uma pausa para retemperar as forças, entre Madina Xaquili e Padada. O Fernando está ao centro, tendo à sua esquerda o João Vieira, o comandante de milícias de Madina Xaquili (Pel Mil 147).





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Restos da  antiga tabanca de Padada.




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  Um dos abrigos da tabanca que era guarnecdia pelo Pelotão de Milícias 147... O Fernando dispunha  de 10 miliatres metropolitanos e 38 milícias, sem treino e mal armados... Madina Xaquili estava na iminência de ser atacada por um bigrupo do PAIGC, o que viria acontecer um mês depois. A 19 de Junho, recebe a visita do Cor Hélio Felgas, Comandante do Agrupamento de Bafatá (COP 7, a partir de Agosto de 1969), que lhe diz:  "Gouveia, só sai daqui quando a população civil tiver abrigos"...O Gouveia comenta, com condescendência: "Como já o conhecia muito bem, sabia que não iria ser bem assim, como mais tarde se verificou"...




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  A morança que foi destinada ao Fernando Gouveia.


Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Agrupamento de Bafatá, Bafatá, 1968/70) 
explica o porquê da sua ida intempestiva para aquela aldeia no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...).

Aproveitei para republicar, em formato extralargo,  algumas das belíssimas fotos tiradas pelo Fernando em Madina Xaquili e Padada. Com a devida vénia, e a recomendação  aos nossos leitores para voltarem a ler os postes do Fernando sobre a sua "inesquecível experiência" em Madina Xaquili, à frente de uma tropa fandanga... (LG)Fotos:  © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados
 
 
1. Continuação das mimhas notas sobre a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 onde, noutra encarnação (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) fui pião de nicas, pau para toda a obra, na ausência de posto de trabalho para um Furriel Miliciano, com a especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, a belíssima especialidade que me coube em sorte na tropa ...Na vida civil tinha sido jornalista... (LG)
 
 
A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590, composta por cerca de 50 quadros metropolitanos - oficiais, sargentos e praças especialistas - e por 100 soldados do recrutamento local, oriundos do chão fula) foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5).

Durante a sua primeira comissão (1969/71), irá actuar  sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulados do Enxalé e do  Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...) (*).

Ainda nem sequer haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590)  fez a sua primeira saída para o mato. A 21 de Julho, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiram, de Bambadinca,  em farda nº 3,  para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o subsector de Galomaro, a sul de Bafatá. (**)

Entretanto, o 1º Gr Comb (comandado pelo Alf Mil Op Esp Moreira)  efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, no chamado Rio Geba Estreito, tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15 desse mês).

Este afluente do Rio Geba, o Gambana,  estava referenciado como um ponto de cambança ou de travessia do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 6 de Fevereiro último, no decurso da Op Mabecos Bravios] e visando especialmente as tabancas dos regulados de Cossé, Cabomba e Binafa.

Dias antes, o  IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé, donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas,  e reagido a uma emboscada das NT.



Pormenor do mapa geral (1/250000) da Província da Guiné (1961) com a posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde, Pel Mil 147), em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte estrada Bafatá-Gabu.  Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50000). Com a retirada de Béli, Madina do Boé e Cheche, passou a haver um corredor por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal.

Apesar do reforço temporário de tropas pára-quedistas ao subsector de Galomaro (a partir de Agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT em Outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura).  O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, donde eram originários os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em  finais de Setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1),  da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em Agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam  no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado  a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).

Imagem: Luís Graça (2010)


(i) Sori Jau, a primeira vítima em combate

Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

O ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. Em consequência, esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos. [Mobilizada pelo BII 19, partiu para a Guiné em 11/11/1968 e regressou em 1/10/1970. Passou pelo Cacheu, Mansabá, Bafatá, Galomaro, Cancolim e Brá. Era comandada pelo Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho].

No primeiro ataque a Madina Xaquila, o IN utilizou Mort 60, Lança-rockets e Armas ligeiras, tendo danificado uma viatura GMC e causado vários feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º Gr Comb, evacuado no dia seguinte para o Hospital Militar 241, em Bissau.

A 25, os três Gr Comb da CCAÇ 12 regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Já não me lembro da reacção dos que tinham ficado... Por mim, senti que essa situação marcou muitos dos meus camaradas que lá foram (o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o António Marques, o Joaquim Fernandes, o José Luís de Sousa, etc.).

Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no subsector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, este aquartelamento seria flagelado com Canhão s/r e Mort 82 durante 10 minutos.

A 26, o 4º Gr Comb seguiu para Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba, a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf  Mil Beja Santos, uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do Rio Passa (limite a partir do qual começava a ZI - Zona de Intervenção do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas. Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada em Sinchã Mamajã, na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca.

(ii) Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono, em Outubro, de) Madina Xaquili

Por outro lado, o 1º (Alf Moreira) e o 2º Gr Comb (Alf Carlão) seguiam para o subsector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

A 28  de Julho, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 e meia hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos (bigrupo reforçado), tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de Mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (que ficará inoperacional, com incapacidade permanente) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP, em Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

Na reacção ao ataque, o apontador de Mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

O ataque foi efectuado da diercção SW, e o retirou na direcção de Padada. A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7, sediado em Bafatá, e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população.

O nosso camarada, meu amigo e meu vizinho Humberto Reis, já aqui referiu as dramáticas circunstâncias em que conheceu o Jorge Félix, Alf Pil Heli Al III (1968/70)... em Madina Xaquili:

"O meu 1º encontro desesperado com o Jorge Félix foi em 29 Julho 69 (...) . Estava o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 em Madina Xaquili com feridos graves resultantes da flagelação da noite anterior e sem meios rádio para pedir ajuda.



"Um héli voava à vertical de Madina e começámos a esvoaçar os camuflados na tentativa de chamar a atenção da tripulação, o que conseguimos. Ele aterrou e não podia fazer mais nada, pois levava alguns pára-quedistas a bordo, mas via rádio pediu as evacuações de que tanto estávamos necessitados, bem como de munições, pois o stock durante a noite anterior tinha atingido o limiar da pobreza. Pouco tempo depois apareceram 2 hélis, um para levar os feridos e outro com munições para repor o stock" (...)

Uns dias antes, a 23, pelas 10h, em Dulombi, um grupo IN reagiu com armas automáticas a uma patrulha do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 (Alf Moreira) que havia saído em virtude do accionamento duma mina antipessoal por parte dum elemento civil, a escassa distância do arame farpado, tendo simultaneamente flagelado o destacamento durante 10 minutos.

Neste mês de Julho de 1969, a actividade do IN no Sector L1 foi intensíssima com ataques ou flagelações a diversas subunidades, ou emboscadas nas imediações  (indicam-se a seguir as localidades e entre parênteses o dia): Dulombi  (1), Paia Numba (10), Padada 2E4 (14), Missirá (15), Cansamba (15), Madina Alage (15), Cansamba (20),  Dulombi (24), Mansambbo (24), Xime (24),  Madina Xaquili (24),  Quirafo (25), Xime (26), Mansambo (27), Madina Xaquili (28), Dulombi (29),  Mansambo (30) e Candamã (30)...

(iii) Ataque de duas horas a Candamã

E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [, a subunidade de quadrícula de Mansambo, a que pertenciam alguns camaradas do blogue como o Torcato Mendonça e o Carlos Marques dos Santos] (Op Guita).

Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer. Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [2 bigrupos], armados de 2 Canhões  s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora pesada 12.7, Granadas de Mão e Armas ligeiras automáticas, numa imnpressionante manifestação de força. valeu a coragem e a valentia do Pelotão da CART 2339 que guarnecia na altura Candamã...

Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN terá sofrido   várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de Canhão s/r e de RPG-2.

Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de consideráveis danos materiais (moranças queimadas, etc.).

O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará. Participei nesta operação. Ainda hoje tenho bem presente, na memória, o espectáculo desolador de Candamã, com as moranças a fumegar e os canos das espingaradas ainda quentes... naquela madrugada do dia 30 de Julho de1969...

Por outro lado, pergunto-me: o que é feito de ti, Sori Jau ? E de ti, Braima Bá ? E ainda de ti, Uri Baldé ? O que vos deu a Pátria Portuguesa em troca do vosso sangue, suor e lágrimas ?  Estarão ainda vivos ? Seguarmente abandonados e esquecidos... Alguns dirão, mais valera tal morte do que tal sorte... Nem sequer o vosso rosto consigo agora recordar... Apetece-me, por isso,  acabar este texto com uma citação do Mário Cláudio, no início do seu romance " Peregrinação de Barnabé das Índias" (Lisboa, D. Quixote, 1998, p. 11):

 "De ti se servem, ó morte, inimiga nossa, para alcançar a alegria, tu, que és a mãe do infortúnio; adversária da glória, ao serviço da glória é que te colocam; de ti se servem, porta do Inferno, para entrar no Reino; de ti, abismo da perda, para atingir a salvação" (De um documento cistercense do século XIII).

[Fonte consultada: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 6-8. Documento policopiado. Documento classificado, que foi escrito por mim, na altura Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf, Henriques.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior 25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)

(**) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia, um mês antes, em Junho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três  oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(...) Escrevi no Poste P4305, o seguinte comentário, em 8 de Maio de 2009:

Meu caro Fernando: Não estive em Madina Xaquili. Nunca lá fui,  mas alguns dos meus camaradas (dois ou três Gr Comb), incluindo o Humberto Reis,  tiveram lá o seu baptismo de fogo!... Como já referi, os nossos soldados (africanos) acabavam de fazer a sua instrução de especialidade e a IAO, em Contuboel. Tivemos lá os primeiros feridos, dois ou três graves. 

Agora, sei do que falas (e do que experimentaste), quando fostes reforçar a tabanca em autodefesa de Madina Xaquili (vd. carta de Cansissé). Também passei várias temporadas (geralmente quinze dias), em tabancas do Corubal, de Badora, de Joladu (a norte do Geba)... E sei o que era o pesadelo dos dias e das noites, das dificuldades de transmissões, dos problemas logísticos, da disciplina das tropas, dos conflitos com os milícias, dos Comes & Bebes, do suplício da falta de bebibas frescas, etc...

Sei o que era o tédio, a tensão, a espera, a ameaça de ataque do PAIGC, a solidão, a claustrofobia, as minas e armadilhas, a miséria das populações (fulas), confinadas ao arame farpado, a promiscuidade sexual (dos meus soldados com as mulheres dos milícias), a condição das mulheres e das crianças, ...

Para nim, sobretudo era o pesadelo da noite, o calor de estufa das moranças, o odor execrável, os malditos mosquitos, a falta de luz para poder e escrever, o breu da noite africana, o inferno da noite africana, as chuvas torrenciais, as míriades de insectos, a falta de água potável, a falta de latrinas, os banhos à fula, etc. Durante o dia, ao menos, conversava com os habitantes, observava as suas actividades, procurava entender e perceber a sua cultura...

O facto de ter soldados africanos, fulas, tinha as suas vantagens e desvantagens... Mas, em geral, ir reforçar uma tabanca em autodefesa era visto como um prémio: durante esses quinze dias, pelo menos livravas-te da actividade operacional: eramos uma companhia de intervenção, ao serviço do comando do Sector L1... Tanto o BCAÇ 2852 (1968/70) como o BART 2917 (1970/72) exploraram-nos até ao tutano...

Um abração. Estou a seguir-te com muito interesse. Luís (...)

domingo, 29 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24805: As nossas geografias emocionais (12): A fonte pública de Bafatá, construída em 1918, na zona conhecida como a "Mãe de Água" ou "Sintra de Bafatá", local aprazível e romântico onde chegou a haver almoços dançantes ao tempo do Esq Rec Fox 2640 (1969/71)

Foto nº 1 > Guiné > Região de Bafatá > Bafatá : A zona da "Mãe de Água" ou "Sintra de Bafatá" > c. 1969/70 > Um piquenique


Foto nº 2 > Guiné > Região de Bafatá > Bafatá : A zona da "Mãe deÁgua" ou "Sintra de Bafatá" > c. 1968/70 > Na foto, o Fernando Gouveia [ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; arquiteto, transmomntano, residente no Porto]

Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legednagem complementar: Blogue Luís Graça & Caamaradas da Guiné]



Fotos nº 3 e 4A : Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > "Fonte Pública de Bafatá, 1918" (e não 1948, como por lapso indicámos no poste P24803). Na foto, o Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 do Esq Rec Fox 2640.



Fotos nºs 4 e 4A : Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > 1959 > "A fonte pública de Bafatá, 1918"  (e não 1948, como por lapso legendámos inicialmente no poste P24803 (*),

Esta belíssima fonte (Fotos nºs 3 e 4) , na zona da "Mãe de Água",  também conhecida na época colonial como "Sintra de Bafatá", é portanto do início do desenvolvimento urbano de Batafá, ainda no tempo da República. 

Segundo a entrada na Wikipedia, em "1906, o território guineense foi dividido num concelho (Bolama) e seis residências: Bissau, Cacheu, Farim, Geba, Cacine e Buba. (...) Cacheu continuava como capital do distrito de Cacheu, porém perdeu mais da metade de suas terras para a formação dos distritos de Farim (actual Oio) e Geba (actual Bafatá). Geba torna-se capital do distrito de mesmo nome.

"Em 4 de agosto de 1913 'Bafatá'  (primeiro registro com este nome) recebe o título de vila." (...). Foi elevada a cidade 67 anos depois  (em cerimónia que decorreu a 12 e 13 de março de 1970, com a presença do Ministro do Ultramar) (**), segundo o Manuel Mata.
  
Outro guia e especialista de Bafatá dos anos1968/70, o arquiteto Fernando Gouveia, que lá viveu em como alferes miliciano, com a sua esposa,  Regina, descreve esta zona num dos seus postes do roteiro de Bafatá (***), como  sendo a "Mãe d'Água" ou a "Sintra de Bafatá", local aprazível e romântico onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, "a esposa do comandante do Esquadrão organizava uns almoços dançantes em que eram convidados, além dos alferes, e alguns furriéis, "todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e não só"... 

 O Fernando Gouveia não quis identificar o Esquadrão, mas o último do seu tempo, foi o Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga; reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro.
 
A foto nº 4 foi-nos disponibilizada pelo nosso camarada Leopoldo Correia (ex-fur mil da CART 564, Nhacra, Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65); esta e outras fotos otos de Bafatá, de 1959, foram tiradas por um familiar do nosso camarada. "ligado ao comércio local (Casa Marques Silva), casado com uma senhora libanesa, filha do senhor Faraha Heneni".
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(***) Vd. poste de 12 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12434: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (10): A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras