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segunda-feira, 20 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19808: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXX: Viagem, de regresso, do Gabu a Bissau, em 26/2/1968: no 'barco turra', a partir de Bambadinca (I)


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 2



Foto nº 7


Foto nº 6


 Foto nº 5
Foto nº 5A


Foto nº 8

Guiné > Comando e CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 26 de fevereiro de 1968 > Viagem de regresso a Bissau, atravessando as Regiões de Gabu e de Bafatá, em coluna militar, e depois de barco, a partir de Bambadinca. Até ao Xime e foz do rio Corubal ainda era região do Bafatá.  Jabadá já ficava na região de Quínara, na margem esquerda do rio Geba.


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde. (*)


CTIG/Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:


T046 – A VIAGEM DE REGRESSO DO GABÚ A BISSAU

1 - DE COLUNA MILITAR TERRESTRE, DE NOVA LAMEGO A BAMBADINCA

2 - DE COLUNA FLUVIAL, DE BAMBADINCA ATÉ BISSAU, NOS BARCOS TURRAS



REGRESSO DAS TROPAS EM 26FEV68  - O BATALHÃO DE CAÇADORES 1933  NO RIO GEBA (1)


I - Introdução do tema:


Continuação da série de Temas para Postes, relativos à chegada do Batalhão à Guiné, as viagens para Gabu pelo Rio Geba acima, as colunas militares por estrada, as festas de despedida no Gabu com batuques e roncos à mistura, o regresso pelo mesmo caminho, Bambadinca, até Bissau, antes de partir novamente para o novo destino, São Domingos, Rio Cacheu acima, sem fotos.

Após as despedidas no Gabu, chegou o dia do regresso, em colunas militares, por terra, até Bambadinca, e por via fluvial, no Geba, até Bissau.
A viagem correu normal, nada havendo a assinalar, excepto as más condições da viagem, e juntos com a população civil, que precisava também de boleia. 


II - Legendas das fotos: 


F01 – Saída da coluna militar de Nova Lamego, rumo a Bambadinca.  A bordo da viatura, de chapéu de abas, comendo um pouco da ração de combate. Foto captada na saída de Nova Lamego – Gabú – no dia 26 de Fevereiro de 1968. [Não de reproduz, em formato grande, por falta de qualidade... LG]

F02 – No barco turra, já em plena viagem no Rio Geba, alguns militares do meu batalhão.  Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F03 – Passagem da coluna fluvial pelo Mata Cão (?), empoleirado no barco, como se estivesse a fazer um cruzeiro de férias.  Acho que estamos na zona do Rio Geba Estreito, pois as margens estão perto, mas não sei.  Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.  

[Trata-se de Bambadinca, porto fluvial no Rio Geba Estreito, donde saiu a embarcação...No Mato Cão, o rio ainda era mais estreito, e metia mais "respeitinho"... LG]

F04 – Em plena viagem pelo Rio Geba, uma imagem do mastro com a bandeira nacional, e eu posando para mais uma recordação.  Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968. [Deve trata-se de Bambadinca, porto fluvial no Rio Geba Estreito, donde saiu a embarcação...A avaliar pela postura descontraída do Virgílio Teixeira....LG]

F05 – Passagem da ‘coluna fluvial’ por um aquartelamento algures no caminho de Bissau, [, na margem esquerda do rio Geba].  Está escrito no verso da fotografia que se trata de ´Jabadá’. Foi alguém que o disse.  Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F06 – Continuação da viagem Rio Geba a baixo, aproveitando o tempo para ‘tocar viola’.  Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F07 – Na hora da refeição, tomando o petisco, as rações de combate, nada mau.  Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.

F08 – Mais uma foto do aquartelamento de Jabadá, algures no nas margens do Rio Geba.  Foto captada no Rio Geba, no regresso de Gabu para Bissau, no dia 26 de Fevereiro de 1968.


Direitos de Autor:

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM.  Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933 / RI 15, Tomar,  CTIG/Guiné de 21 Set 67 a 04Ago69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos,».

Acabadas de legendar, em  2019-03-19

Virgílio Teixeira

[Continua]

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Nota do editor:

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24617: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (9): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte V: o porto fluvial de Bambadinca, uma das portas de entrada no Leste, a par do porto fluvial do Xime


Foto nº 22 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Bambadinca: porto fluvial... Entardecer. O Jaime Machado, de perfil.

Fotos nº 23 e 23A > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Bambadinca: porto fluvial... Até aqui chegavam os "barcos turras", ou sejam, as embarcações  de cabotagem das casas comerciais (Casa Gouveia, Ultramarina, e outras) que traziam e levavam pessoas, produtos agrícolas, etc., mas també,m material de e para a tropa...(a partir de 1972, muitos deles ao serviço da Companhia Terminal)


Fotos nº 24 e 24A > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Bambadinca: porto fluvial... Cais acostável, na margem esquerda do rio Geba Estreito



Fotos º 25 e 25A > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >. Cais acostável: foto anterior a novembro de 1969, quando a velha autogrua Fuchs foi substituída por uma autogrua Galion, mais potente.

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Continuação da publicação de uma seleção das melhores fotos  do álbum do nosso camarada Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) (*), que vive na Senhora da Hora, Matosinhos [foto atual à direita], e foi contemporâneo de alguns membros da Tabanca Grande,,, I nosso editor LG, por exemplo,  ainda esteve com ele, desde julho de 1969 a fevereiro de 1970... 
 

Estas fotos são já da época do comando e CCS/BCAÇ 2852 (Bambadeinca, 1968/70).

E mais: são fotos anteriores a novembro de 1969... Já aqui recordámos que, a partir de 24 de novembro de 1969, a administração do porto de Bambadinca passou a dispor dum autogrua mais potente, a Galion, que veio substituir a autogrua Fuchs (que se sê nas fotos nº 21 e 25).

Na história do BCAÇ 2852, lê-se que no dia 25/11/1969, o 2º comandante do BENG 447 visitou a sede do batalhão, visita essa que só pode estar relacionada com a entrega da autogrua Galion, permitindo melhorar as operações de carga e descarga no estratégico porto fluvial de Bambadinca.

autogrua Galion veio de LDG de Bissau até ao Xime (agora com um novo cais de acesso, a partir de outubro de 1969, se não erro) e depois foi escoltada pela CCAÇ 12 até a Bambadinca, numa viagem cheia de peripécias que nos obrigou a dormir no mato, devido a um enorme atascanço a meio do troço (ainda não havia estrada alcatroada!)...

Nessa dia, 24 de novembro de 1969, o nosso querido camarada e amigo Tony Levzinho celebrava as suas 22 primaveras com a companhia infernal da mosquitada,

Xime e Bambadinca "alimentavam o ventre do leste"... Por aqui passaram milhares e milhares de homens, e grandes quantidades mantimentos, munições, viaturas, peças de artilharia e outro material de guerra. 


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > novembro de 1973 > A grua móvel hidráulica Galion 125... Podia levantar cerca de 12,5 toneladas. Era construida pela famosa empresa norte-americana Galion Iron Works and Manufacturing Company, fundada em 1907, no Ohio, EUA.

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Notas do editor:

Último poste da série > 2 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24609: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (8): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: a morte à saída da Missão do Sono em Bambadinca, na madrugada do dia 1 de janeiro de 1970

sexta-feira, 3 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24115: Álbum fotográfico de Manuel Seleiro, 1º cabo ref, DFA, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70) - Parte II: Mais imagens de Ingoré... e de pessoal da CCAÇ 1801 (Ingoré, Bissum-Naga, São Domingos)


Foto nº 7 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > Despedida do pessoal da CCAÇ 1801 (1968/69), que estava em Ingoré e no destacamento de Antotinha  O Manuel Seleiro, nesta foto, parece ser o segundo, ao centro, de bigode,


Foto nº 8 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > O quartel de Ingoré


Foto nº 9 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > "Dois batelões" (... no Leste, no rio Geba, eram chamados "barcos turras" que faziam transporte de mercadorias e de pessoal civil...)


Foto nº 10 > Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > Pôr do sol

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Cacheu > Carta de Sedengal  (1953) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Sedengal, Ingoré, Antotinha e rio Cacheu.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do Manuel Seleiro (*), membro da Tabanca Grande nº 870 (**). Trata-se de mais algumas imagens de Ingoré, editadas pelo nosso blogue, com a devida vénia e a autorização do autor. Numa destas fotos vê-se pessoal da CCAÇ 1801, que estve destacado em Antotinha. A CCÇ 1801 passou por Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré) (1968/69).  Sobre Ingoré temos mais de 80 referências. INgoré fica na carta de Sedengal (1953) (escala 1/50 mil),

Recordamos que o Manuel Seleiro era o sapador do seu Pel Caç Nat 60. Tirou um curso de minas e armadilhas, de 10 dias, em Bissau. Quando lhe faltavam dois meses para terminar a comissão, foi vítima, em combate, da explosão de uma mina A/P. 

Mesmo totalmente cego, e apenas com dois dedos na mão esquerda, o nosso camarada edita dois blogues (Pel Caç Nat 60 e Luar da Meia Noite). Só reconhece as suas fotos pelas legendas (que procuramos manter). Segue (e comenta) o nosso blogue há muito. O seu exemplo de tenacidade, resistência, camaradagem, e amor à vida e à sua terra natal, Serpa, Baixo Alentejo,  é digno da nossa admiração e do nosso maior apreço. Podemos apontá-lo como um grande exemplo de capacidade de luta contra a adversidade.

Estas fotos, que constam, da  página pessoal do Manuel Seleiro, Luar da Meia Noite, também podem ser, algumas, da autoria do Nelson Gonçalves, que foi o segundo comandante do Pel Caç Nat 60 (criado em São Somingos, em 1968), e também ele vítima de uma mina (neste caso A/C), e DFA.

Julgo que o Nelson Gonçalves vive nas Caldas da Rainha, é viúvo da nossa amiga Manuela Gonçalves, a Nela, falecida em 2019; não temos, infelizmente, o contacto do nosso camarada Nelson Gonçalves que gostaríamos ainda dever sentado à sombra do nosso poilão.
Da CCAÇ 1801, só temos infelizmente quatro referências: o  Carlos Sousa, o Carlos Fernando da Conceição Sousa [ex-alf mil op esp /ranger, CCAÇ 1801, Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré) 1968/69] é membro da nossa Tabanca Grande. E é o único representante da CCAÇ 1801.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13922: Manuscrito(s) (Luís Graça) (50): O tempo que faz em Imbecilburgo




Guiné > Zona leste >Região de Bafatá >  Setor L1 > Bambadinca > 1969 >  CCAÇ 12 (1969/71) > O fur mil arm pes inf Henriques junto ao cais fluvial de Bambadinca, na margem esquerda do Rio Geba Estreito (ou Xaianga)... Atracado ao cais, um dos típicos "barcos turras" que demandavam aquelas paragens, transportando pessoas e mercadorias, de e para Bissau... Não me parece que seja o "Bubaque", a antiga Lancha de Patrulha, LP4, que esteve ao serviço da Marinha, entre meados de 1963 e o 1º trimestre de 1964, antes de virem as Lanchas de Desembarque (LM)... Soube ontem, através do Manuel Lema Santos, que essas embarcações, antigas traineiras de pesca (!), eram conhecidas como as "enviadas"...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.

[Agradeço ao Jorge Canhão ter-me limpo" a foto, que estava com uma cor esquisita: "Luís, esta foto tua no blogue está com uma cor um bocado esquisita, com o tempo elas vão ficando avermelhadas, mas passando por um programa de edição de imagens fica com uma cor mais natural, Abraços".]


O Tempo que Faz em Imbecilburgo


Senhores e senhoras, 

respeitável público
do Circo de Imbecilburgo:
este homem não é um homem,
é um palhaço, 
é um soldado, fardado, 
de camuflado,
verde oliva, desbotado,
um número mecanográfico,
uma peça da engrenagem,
que na sua essência cumpre ordens,
às vezes com coragem, 
outras com lúcido medo,
é isso que lhe dói, 
neste cenário.
que não é cinematográfico,
mas também pouco conforme 

com o Regulamento de Disciplinar Militar:
não é um mercenário,
nem um caso psiquiátrico,
não é o homem-aranha
nem o super-homem,
não é nenhum deus do Olimpo,
nem nenhum herói da resistência,
nem muito menos do 10 de junho:
saiu, de noite, (mal) armado,
com os pés descalços dos seus 'nharros',
para a impossível Missão do Sono,
em Bambadincazinha,
guardar as costas dos senhores de Bambadinca,
que dormem na cama, 
em lençóis lavados,
fazendo p’la sua vidinha
.

Voaste há dias, ai!,
sob uma mina anticarro,
à saída do reordenamento de Nhabijões,
mas estás vivo, ó 'tuga',
graças talvez à 'mezinha'
que te deu um 'mauro', um 'marabu',
em Sinchã Mamadjai...
E que melhor prenda de anos,
meu grande safado,

poderias desejar
do que estar vivo, 
aos vinte meses de Guiné ? 

Ah! como o tempo (não) passa
enquanto um gajo ajusta contas
com o tempo que já passou,
vinte e quatro,
contados em anos
do calendário gregoriano,
no ano da graça
de mil novecentos setenta e um.
Mas é o presente que importa
ou que importava
porque já não é mais presente
mas passado
o tempo transcorrido,
por estas terras e águas do Geba,
como reles miliciano.


Insistes no presente do indicativo
porque é o presente minuto
que 'import-export'
para a gente ainda ter tempo
de ganhar um lugar (cativo)
no futuro próximo 
(se o houver).

Tu até podias acreditar numa 'Guiné Melhor',
no 'Her' Spínola,
nos teus 'nharros',
esses patriotas guinéus que lutam a teu lado,

ou, do outro lado, 
no Cabral, 
que já foi teu herói, revolucionário,
romântico 'ma non troppo',
ou no 'Nino', teu 'turra' de estimação,
vestido à 'cow-boy'  
e armado de RPG
no delirante imaginário dos 'tugas'.
Podias mesmo acreditar na transmigração
das almas mortas em combate,
para o Panteão Nacional,
se não fora essa ideia (fixa)
do passado, glorioso, perdido,
sabendo-se que o dinheiro 

e as armas compram tudo
exceto o direito à eternidade,
e muito menos à liberdade.


Se te portares bem,
meu velho,
aos vinte e um meses de Guiné,
na reta final da tua comissão,
enquanto esperas a tua rendição individual,
ainda corres o risco de apanhar um louvor
do comandante do batalhão,

- ah!, que ironia! - 
sob proposta do teu capitão,
à beira de ser promovido a major,
não por façanhas e valentia,
mas por seres o escriba-mor
da história... da tua companhia.


Bambadinca, 29/1/1971

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13919: Manuscrito(s) (Luís Graça) (49): Homenagem à Magnífica Tabanca da Linha

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4861: Cartas (Carlos Geraldes) (3): 1.ª Fase - Agosto e Setembro de 1964

1. Terceiro e último poste da 1.ª Fase - Bissau da série "Cartas" de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.

1.ª Fase: Bissau

Bissau, 06 Ago. 1964
Nos últimos três dias não estivemos em Bissau. Fomos para mais uma perigosa operação.
O perigo é a minha profissão, como dizia o outro, mas acho que por aqui o perigo é ainda um bocado difícil de encontrar. Por enquanto corre tudo relativamente bem, sem sobressaltos. Esperemos que assim continue.

Nesta carta, como noutras anteriores, é evidente a preocupação de aligeirar a imagem da guerra, de mascarar a realidade, para não atormentar a família que lá longe na Metrópole, seguia angustiada as notícias que chegavam dos vários teatros da guerra colonial

Desta vez fomos para os lados de Catió e Bedanda, perto da fronteira Sul. Fomos e viemos a bordo de um contratorpedeiro, o “Vouga”. Ficámos assim a conhecer uma série de oficiais da Marinha, extraordinariamente simpáticos. Ficámos todos entusiasmados com o nível de educação, camaradagem e cultura destes indivíduos. Trataram-nos muitíssimo bem, principalmente quando no regresso do mato aparecemos todos sujos e esfarrapados. Não se pouparam a esforços, arranjando-nos banho, roupas lavadas e comidas quentes, apesar de já passarem das duas horas da madrugada.

A operação tinha o nome de código, “Broca”. Participaram, além de nós, várias Companhias de Infantaria, dois Destacamentos de Fuzileiros, dois Pelotões de Pára-quedistas, comandados por um amigo dos tempos da Universidade, o Mascarenhas. E ainda a Aviação, peças de Artilharia e, é claro, também a Marinha, com os barcos para o transporte de todo aquele pessoal.

A zona era território dominado pelo inimigo e há mais de um ano que ninguém se atrevia a ir lá. Os turras, segundo se constava, tinham até campos de treino. A missão da nossa Companhia era bater a mata a noroeste da estrada que vai para Catió e depois limpar essa estrada. Não encontrámos resistência armada limitando-nos a destruir todas as tabancas que por ali existiam e que davam o sustento necessário ao inimigo, matando todo o gado, estragando as plantações de bananeiras e fazendo prisioneiros aqueles que não fugiam e se entregavam pois, caso contrário, eram mortos pelos nossos soldados que, desta vez, se comportaram com um sangue frio extraordinário e não dispararam um único tiro a mais.

Quem na realidade defrontou propriamente o inimigo foram os fuzileiros que tiveram cinco feridos e um morto. Como resposta mataram uma quantidade de turras, apreenderam muito material e creio que por uns tempos aquela zona ficará controlada pelas nossas tropas. A estrada que tínhamos de percorrer estava toda semeada de enormes árvores abatidas e, de não passar lá ninguém, tinha capim com quase 3 metros de altura. Agora ficou totalmente desimpedida.

Estivemos naquela zona dois dias (segunda e terça) e nunca vi mato tão cerrado como aquele. Autêntica floresta virgem. De segunda para terça-feira, dormimos metidos em buracos, à chuva, comidos pelos mosquitos. Quando chegámos, às 6 horas da tarde de terça-feira, a Catió, demos um enorme suspiro de alívio. Ao tirar a mochila de cima dos ombros até me senti flutuar. Regressámos depois ao “Vouga” em lanchas de desembarque e ia enjoando pois o mar estava picado e continuava a chover. O transbordo foi uma coisa de loucos. As ondas tanto levantavam a LDM acima do convés do “Vouga” como nos precipitavam num abismo profundo quase até à quilha. Tínhamos que calcular o momento certo para saltar para bordo, arremessando primeiro as armas e as bagagens, para depois saltarmos nós próprios de qualquer maneira fechando os olhos ao perigo, numa confusão indescritível.

Chegados a Bissau às 13H30 da tarde do dia seguinte e, depois de lavados e vestidos de novo, corremos até à Baixa, para comer frangos de churrasco e beber muita cerveja. E à hora do jantar regressámos à Messe dos Oficiais para de novo encher o estômago, tal era a fome que sentíamos depois de dois dias alimentados apenas a rações de combate.

No dia seguinte convidámos os oficiais do “Vouga” para uma jantarada, numa modesta retribuição pela forma magnífica como sempre nos têm tratado. No final acabámos todos a ouvir fados. Sim, porque aqui também se ouvem fados e dos mais castiços.
Juntou-se um grupo de sargentos e alferes, mais ou menos todos de Lisboa e foi uma noite de fados em cheio, até às cinco da madrugada a beber vinho e a comer anchovas (à falta de melhor) com queijo e pão. Garanto que ninguém ficou bêbado, mas fiquei um pouco farto de fados…

Os da Marinha gostaram tanto do convívio que agora são eles que nos querem convidar para bordo do “Vouga” para outra confraternização.
Se entrássemos nesse ritmo o resto da comissão até que nem seria nada desagradável. Mas em Dezembro já se vão embora, deixando estes mares.


Bissau, 22 de Ago.1964
A operação “Crato” demorou dois dias, 18 e 19 de Agosto. Choveu forte e sem parar.
Embarcámos na madrugada de terça-feira, às 04H00 num barquito de guerra que atravessou o rio Geba para sul e nos foi colocar na outra margem junto à região de Tite (acima de Bolama), zona de forte implantação dos turras, apesar de estar assim tão perto de Bissau. Às 06H00 e às 07H00 desembarcaram primeiro os fuzileiros enquanto do navio metralhavam a margem com balas tracejantes (era bonito, parecia fogo de artifício). Por volta das 08H00 desembarcámos nós na praia, tal como os aliados fizeram no dia D, na Normandia, com água pela cintura e com os pés a enterrarem-se no lodo. Mal chegávamos a terra firme, dispersávamos e corríamos a abrigarmo-nos atrás das árvores e nas depressões do terreno mais propícias. Mas não houve novidade alguma, pois também lá não havia os terroristas que, segundo as Informações, era costume estarem sempre por ali alvejando qualquer embarcação que se aproximasse. O local chama-se Jabadá (Mafra no código da operação) e forma nessa zona uma espécie de promontório conhecido precisamente por Ponta de Jabadá.

Começamos então a penetrar para o interior, em manobra conjunta com mais quatro Companhias que vinham de sul e, com dois destacamentos de fuzileiros (o equivalente a duas Companhias de Infantaria) que progrediam paralelamente a nós. Por volta das 04H00 da tarde chegámos à tabanca que era o nosso primeiro objectivo, pois era lá que supostamente se refugiava um antigo grupo de turras. Fizemos o envolvimento (a mim calhou-me o lado esquerdo) e, depois de termos disparado dois ou três tiros de bazooka como medida dissuasora, avançámos em pequenos grupos isolados. Mas não havia ninguém em toda a aldeia, tudo deserto, apenas porcos e galinhas que esvoaçavam assustadas. Cabras presas a estacas berravam desalmadamente. Os soldados atravessaram rapidamente as leiras à volta das palhotas, derrubando as cercas para mais facilmente poderem passar. Houve ainda quem chegasse a ser atacado por um enxame de abelhas, deixado ali, talvez de propósito, mas conseguiram evitá-las a tempo.

Não se tocou em nada e atravessando a aldeia chegámos a um descampado mesmo na margem da bolanha onde resolvemos acampar para passar a noite que se aproximava rapidamente (às 18 horas já é escuro). Formámos um círculo, aí com cem ou cento e cinquenta metros de diâmetro, e preparámo-nos para ali nos acomodarmos o melhor possível. Eu, o capitão e quase todo o grupo de comando reunimo-nos no centro, junto de uma árvore bem grossa. Escusado será dizer que estávamos ainda todos encharcados e não podíamos alimentar esperanças de secar a roupa durante a noite, pois a chuva continuava a cair.

Foi a maior noite da minha vida.

Cansados e cheios de frio, mesmo assim, quando já cabeceávamos de sono, os malditos mosquitos não nos deixavam dormir atacando-nos como loucos furiosos, entrando pelos ouvidos, nariz e boca! Nessa noite ninguém dormiu. E quase ia havendo uma desgraça, pois uma manada de vacas que por ali andava à solta, resolveu passar por cima de nós, procurando certamente o habitual local onde se recolhia à noite nas cercanias da aldeia. Inacreditavelmente ninguém entrou em pânico e eu lá andei a fazer de cow-boy à força (sem cavalo) a assobiar baixinho para encaminhar as vacas o melhor que podia para fora do nosso acampamento. Houve ainda quem não resistisse a efectuar alguns tiros à toa, pretendendo ver alguns vultos suspeitos a rondar as palhotas. Provavelmente alguém que, a coberto da noite se arriscava a regressar à aldeia para recolher algumas coisas que não tinha podido levar na precipitação da fuga que, com certeza, antecedera a nossa chegada.

De manhã foi a destruição total da tabanca, deitando-se fogo a tudo, cortando as bananeiras e abatendo as perto de cem vacas, a tiro de G-3. As cabras e os porcos eram mortos mesmo à cacetada.

O resto do dia foi preenchido com o percurso de regresso ao ponto de partida. Encontrámos as Companhias que vieram do Sul e fez-se então uma grande batida a toda aquela zona. Soubemos depois que os nativos daquela região tinham ido entregar-se à protecção da guarnição de Tite, prometendo não auxiliar mais os bandidos, como eles chamam aos turras, tal o medo que esta concentração de tropas lhes causou.

O reembarque nas LDM’s é que foi demoradamente trágico, com toda a gente impaciente por regressar, mas sem encontrar maneira de sair dali. A maré tinha subido de tal modo, que só podíamos alcançar as lanchas com água pelo pescoço, pois as margens cobertas pela densa vegetação do mangal não permitiam a suficiente aproximação. Alguns de nós tiveram mesmo de ir a nado.
E chovia sempre sem parar.

Regressámos a Bissau às 18H30 de quarta-feira, cansadíssimos (mais do que da outra vez), apesar de a operação ter durado menos tempo e ter tido menos perigos que as anteriores.
Tomei banho e o sabão até custava a fazer espuma. Jantei mesmo sem fazer a barba e caí na cama como um pedregulho de meia tonelada.


Bissau, 27 Ago. 1964
São nove horas da noite e vou ainda aproveitar para vos escrever, pois amanhã de manhã fecham as malas do Correio.
Já passaram quase quatro meses.
Sei que dentro em pouco direi que já passaram seis, depois dez… e, finalmente começarei a contar os meses que faltarão.

A guerra continua na mesma, fria e tensa. Não acredito que tenha alguma coisa de comum comigo. Apenas sei que a experiência que estou a viver será útil talvez para quando for velho ter muitas histórias de aventuras e guerreiros antigos para contar aos meus netos se os chegar a ter.
Ando um bocado falho de memória. Talvez seja da humidade que fez criar bolor no meu cérebro. Sabiam que aqui a percentagem de humidade do ar ronda os 96%?
As chuvas caem agora com mais intensidade e sempre que saio para o mato é rara a vez que não regresso todo encharcado, da cabeça aos pés. Mas mesmo assim, ainda não me constipei.


Bissau, 08 Set. 1964
Na tarde de quarta-feira partimos para mais uma operação. Esta chamava-se operação "Dedal" e dela só regressámos no domingo seguinte no final do dia. Vim todo picado pelos mosquitos e tive de tomar dois comprimidos para a comichão que me fizeram muito sono.

A operação realizou-se de novo na outra margem do rio Gêba, mas agora mais para o interior, numa península defronte de Porto Gole. Como de costume, foram connosco várias Companhias. A missão consistia em fazer uma batida a mais completa possível naquela zona, destruir todas as povoações e tentar capturar o maior número de elementos inimigos e material que encontrássemos. Tínhamos uma lista com mais de cinquenta nomes que, caso fossem feitos prisioneiros, nem era preciso interrogar, podiam ser logo abatidos ali mesmo no local.

Desta vez a minha Companhia dividiu-se e cada Pelotão (ou Grupo de Combate, como lhe chamam agora, por ter mais uma Secção de armas pesadas, com um morteiro de 60 mm e uma bazooka do tempo da Maria-Caxuxa) progredia sozinho por sua conta e risco. A mim calhou-me a ala direita e tive mais sorte que os outros, pois desloquei-me muito menos e passei quase dois dias inteiros estacionado num local perto da margem do rio para impedir a fuga daqueles que, querendo escapar às nossas tropas, procurariam refúgio mais a Sul. A noite de quarta para quinta-feira foi dormida a bordo do navio que nos transportou. Desembarcámos às 09H00 da manhã de quinta-feira e logo depois cada qual foi para seu lado.

A primeira povoação que encontrámos estava abandonada, pois já nos tinham pressentido na noite anterior e tinham fugido. Queimámos tudo e matámos todo o gado que havia. Mais adiante encontrámos duas cabanas escondidas numa zona de mato mais cerrado e com indícios de servir para ponto de reunião ou para aquartelamento de algum pequeno grupo armado. Numa delas estava uma granada de mão colocada tão à vista que deu logo para desconfiar. Mandei que todos se afastassem e disse ao furriel especialista em minas e armadilhas que fosse investigar. Era de facto uma armadilha um pouco tosca mas para a qual teríamos de tomar muita atenção, pois a cavilha de segurança da granada estava presa a um fio que no outro extremo ia prender-se a um tronco espetado no chão da cabana. Assim se qualquer um de nós descuidadamente a agarrasse e levantasse do chão ela rebentaria imediatamente causando-nos graves danos certamente. Com o credo na boca rebuscámos tudo, o mais cuidadosamente possível e encontrámos, nas redondezas, uma caixa de madeira com mais de duzentas munições variadas e ainda três granadas de tipo desconhecido. Na caixa estavam pintadas várias palavras e indicações que pareciam ser russas ou checas.
Com a febril sensação de quem está na pista da arca do tesouro dali para a frente esquadrinhámos palmo a palmo toda a mata à medida que progredíamos. Mas com muito pouco proveito com grande pena nossa. Só mais à frente, noutra povoação abandonada, é que se encontrou uma velha carabina de carregar pela boca, o vulgar canhangulo deitado fora por alguém que não se queria comprometer, pela certa.

Quando chegou a noite (de quinta para sexta-feira) preparámo-nos para dormir uma noite mais descansada, na orla da mata que limitava a imensa bolanha que tínhamos vindo a rodear. No meio da escuridão tentando não dar a perceber a nossa presença, improvisámos o melhor que podíamos os locais para passar a noite. Mas um dos soldados, inadvertidamente, encostou-se a um pequeno montículo julgando ter achado ali um óptimo travesseiro mas que mais não era do que um morro de bagabaga, formigueiro repleto de furiosos insectos que, perante o perigo iminente de uma invasão por um ser estranho, atacaram inesperadamente o intruso com todas as forças das suas mandíbulas. Quando todos nós já deslizávamos nas asas de Morfeu, acordámos de repente com uma barafunda e uma gritaria tais que mais parecia que o acampamento tinha sido atacado por inimigos sanguinários que a coberto da escuridão nos queriam degolar.

Quando consegui vislumbrar com a pouca luz que o reflexo da bolanha deixava chegar até nós, o corpo do soldado que desesperadamente se esfregava no chão arrancando toda a roupa para se poder ver livre daqueles furiosos insectos, não sabia se havia de rir ou ter um ataque de fúria perante aquela cena caricata que deitava abaixo todas as medidas de segurança que procurámos ter para não denunciarmos a nossa presença. Com vontade de lhe partir a cabeça à coronhada para o fazer calar, mesmo assim lá consegui acalmar os ânimos e aos poucos restabeleceu-se o silêncio. Dali para a frente a sorte estava lançada, só poderíamos beneficiar dela se o inimigo assim o permitisse.
Mais ninguém conseguiu voltar a dormir naquela noite, esquadrinhando as sombras reflectidas nas águas da bolanha, com medo de tudo e de nada.

Na manhã seguinte continuámos a progressão conforme estava planeado e no meio de um caminho largo e com aspecto de ser muito movimentado deparámos com uma pistola de fabrico checo ainda com quatro balas no carregador. Certamente mais uma que foi abandonada na precipitação da fuga. Foi talvez o nosso mais valioso achado, a que o capitão chamou logo seu…
Continuando sempre em ligação rádio com o comando da Companhia, acabei por me instalar num sítio à margem do rio Corubal (um afluente do Gêba), local onde aguardei até ao reembarque no domingo de manhã. Fiquei ali, portanto, também a proteger a retirada. Como não dormia há duas noites já adormecia de pé, encostado às árvores. Mas nessa noite dormi bem, pois até tivemos tempo para fazer camas com troncos cruzados, cobertos de capim e, com as capas impermeáveis (que desta vez não nos esquecêramos de levar) improvisar uns toldos para nos abrigar da chuva. Fizemos fogueiras e assámos galinhas que, temperadas com os caldos das sopas instantâneas das rações de combate, ficaram uma delícia. Os mosquitos, miraculosamente, resolveram não aparecer nessa noite e dormimos regaladamente, sem nos lembrarmos do inimigo, como se estivéssemos no Paraíso.

O sábado passou-se ali, parados sempre no mesmo sítio, enquanto aqueles que tinham ido pelo lado esquerdo, faziam batidas ao Norte para empurrarem os turras, se os houvesse, para o nosso lado. Felizmente não demos pela presença de ninguém. Eu, também, tinha sempre o cuidado de mandar acender fogueiras para lhes assinalar a nossa presença e lhes dizer que era escusado virem por este lado…
Parece que me perceberam e não tive qualquer problema.

Os restantes pelotões foram chegando nos dias seguintes mais ou menos estafados e com mil histórias para contar, mas também de mãos a abanar. Apenas o último, encontrou uma Mauser e algumas munições diversas. E como também tinham encontrado, num acampamento abandonado, um grande barracão coberto de folhas de zinco, aproveitaram e carregaram esse material que ainda estava em bom estado, depois de destruírem todo o resto. Foi uma sensação curiosa e ao mesmo tempo hilariante, vê-los chegar, em fila indiana, carregando, cada soldado, uma folha de zinco à cabeça, como laboriosas formiguinhas a acartar mantimentos para o ninho.

Este último dia foi porém o mais movimentado e atrapalhado de todos.
Como de costume, pela manhã chegou a LDM dos fuzileiros que trazia de Bissau os abastecimentos. O oficial que a comandava, o Tenente Silva, meu conhecido de anteriores passeios náuticos, veio logo ter comigo todo entusiasmado com uma ideia que tinha tido. Pouco antes de atracar avistara umas vacas a vaguear junto à margem, bem perto dali.
E a ideia era a seguinte: se pudesse meter algumas daquelas vacas dentro da LDM, podia levá-las para Bissau, onde, vendidas para a Messe, dariam de certeza bom lucro. Só que precisava que eu lhe emprestasse alguns homens, dois no mínimo, para o ajudar a metê-las dentro da LDM.

Embora eu estivesse alertado para não me movimentar fora das áreas que me estavam estipuladas no plano de acção, ingenuamente acreditei que nada de mal poderia acontecer e cedi dois homens que se ofereceram como voluntários, o José Figueiredo, de alcunha o Braga-1 e o Alberto Carlos, o Braga-2.
Só que, como sempre acontece, o que pode correr mal, acaba sempre por correr mal.

Quando a LDM encostou no local onde tinham sido vistas as vacas, em vez de vacas, do meio do capim, levantaram-se de súbito dois supostos turras que desataram a fugir. Os nossos bravos soldadinhos vão logo a correr atrás deles, como loucos. Acontece que por acaso, estava mesmo a passar por ali um avião T6 que patrulhava a zona e detectou um movimento no solo que lhe pareceu suspeito. Tendo rapidamente entrado em contacto com a base, certificou-se que naquela zona não era previsto estar a nossa tropa, portanto só poderia ser o inimigo e, sem hesitar dispara dois rockets sobre o alvo.

Resultado: o inimigo desapareceu como fumo, deixando os meus dois soldados deitados no capim a gemer, feridos com estilhaços nas pernas.

Guardei sempre em meu poder uma cópia do relatório oficial desta operação que se tornou de bastante utilidade quando, muitos anos mais tarde, um desses soldados se lembrou de requerer do Exército uma pensão por ferimentos em combate. O que só conseguiu graças à existência daquele documento, única prova que restou para comprovar o acontecido. Nem no hospital de Bissau havia qualquer registo. Bom e, no relatório também não apareciam as vacas, felizmente

Depois foi a grande confusão. O capitão da nossa Companhia, alertado pela rádio, não sabia de nada e não compreendia como é que poderiam estar soldados dele naquela zona. Todos berravam, pedindo socorro para os feridos, os altos comandos exigiam relatórios e toda a gente julgava estar a ser submetida a uma grande ofensiva inimiga, indignada também pela incompetência da aviação que não sabia distinguir as nossas tropas, do IN.
Mas só eu e o oficial da Marinha sabíamos o que de facto se tinha passado por causa de duas vacas.

Quando as coisas se acalmaram e os feridos foram levados finalmente para o hospital de Bissau, ainda conseguimos esboçar um sorriso de alívio depois de tamanho susto. Os feridos não tinham sido atingidos com gravidade e o pior foi-se esvanecendo.
Mas o capitão preveniu-me logo: os altos comandos nunca poderiam vir a saber a verdade senão a confusão iria ser muito pior.

Desde aí, entre mim e o Tenente Silva, estabeleceu-se uma longa amizade, nascida de uma cumplicidade num delito, embora fortuito, do qual nos sentíamos igualmente culpados, sem no entanto sabermos quem era o mais culpado dos dois.

Apesar de pertencermos a ramos diferentes das Forças Armadas e, na Guiné nunca mais nos termos encontrado, mantivemos contacto por escrito durante largos anos, até que lhe perdi o rasto depois dele ter emigrado para França

Falta ainda referir que, na noite anterior, os fuzileiros tinham feito uma emboscada na outra margem do rio Corubal e tinham apanhado uma metralhadora pesada, duas metralhadoras ligeiras, várias espingardas e pistolas. Parece que um grupo terrorista, pressentindo que havia barcos no rio, passou de Uána Porto para a outra margem para os flagelar de mais perto. Mas foram cair direitinhos na armadilha que os fuzileiros tinham armado.

Chegados a Bissau, no domingo à tarde, talvez até por isso, estava o cais cheio de gente para nos ver chegar. Foi um espectáculo inédito (quase surrealista) apreciar o nosso desfile que mais parecia uma parada de vagabundos sujos e famintos, sem qualquer ponta de brio militar. Mas até o Brigadeiro, Comandante Militar, apareceu para nos cumprimentar! Tudo fogo-de-vista, claro, para encher os olhos do Zé Pagode, pois no dia seguinte, surgiram no nosso aquartelamento uns capitães de outras unidades dizendo que tinham ordens para levar as tais chapas de zinco. Refilámos de tal maneira que foram constrangidos a retirar ordeiramente.
Existem sempre os eternos figurões que aproveitam todas as oportunidades para tentar enfiar o barrete ao próximo. Então aqui na tropa é demais. É ver quem mais se pode aproveitar.

O tempo continua de chuva, embora sejam só aguaceiros espaçados.
É a altura dos tornados que provocam quase sempre estragos no porto de mar, afundando umas lanchas e avariando outras.

Comprei um rádio a pilhas. É um Sony com ondas médias e curtas que, por 1.450$00, me vai ajudar a passar o tempo entre as guerras.


Bissau, 15 Set.1964
Não tenho saído para o mato pois o Cardoso é que o tem feito, com o meu Pelotão. Coisas do nosso Capitão que, é para o Cardoso se ir treinando…
Só no outro dia é que saí para ir prender, por ordem do Administrador do Concelho de Bissau, um sujeito que seria um agente terrorista, escondido aqui numa tabanca perto. Creio que a tarefa dele era angariar adeptos e depois enviá-los para o mato.

Meteu-me pena, pois ele não nos esperava, quando entrámos rapidamente pela aldeia dentro. Ficou a tremer e só teve tempo de gaguejar qualquer coisa que, creio ter sido uma despedida para os outros.
Como vêem até isto nos obrigam a fazer, papéis de Pide! Não tive dificuldade nenhuma com ele, pois nem reagiu. E fui eu lá, com um jeep e uma camioneta carregada com 14 homens armados para trazermos mais um borrego para a matança! Geralmente são raros que sobrevivem aos interrogatórios. É sempre a teoria do mais um, menos um…
Só queria ver isto acabado!


Bissau, 23 Set. 1964
Chegámos no “Vouga”, ontem à noite. Tudo ainda me parece um pesadelo que desejaria não ter vivido. A operação “Tornado”, como se chamava, foi terrível. A região era a pior que já vi, toda semeada de bolhanhas, completamente alagada pela chuva que tem caído incessantemente. Não era terra nem água mas sim uma enorme região mergulhada em lama líquida. Uma lama viscosa que, nos prendia como tenazes. Quando algum de nós mergulhava até à cintura, eram precisos três a puxá-lo para ao fim de muitos esforços o arrancarem de lá sem botas e com as calças em farrapos.

Localização: zona Sul, entre Cacine e a fronteira com a República da Guiné.
Saímos daqui no nosso habitual contratorpedeiro “Vouga”. É o único navio grande que está cá, tendo chegado agora um outro que, o vem substituir, a fragata “Diogo Gomes”.

Chegámos diante da famigerada Ilha de Como, ao fim da tarde. Pelas nove da noite passámos para lanchas de desembarque. O Carvalho na mais pequena, a LDP 101 e eu e o Castro, o capitão e o grupo de comando da Companhia, na maior a LDM 202.
Subimos o rio Cumbijã e desembarcámos finalmente em terra, pelas seis da manhã do dia seguinte. Se é que aquilo se podia chamar terra. Era só água, lodo e o entrelaçado dos ramos do mangal que delimitava as margens. Atravessada essa primeira barreira, estendia-se à nossa frente um enorme arrozal, tendo como pano de fundo um formidável maciço de palmeiras e mato cerrado. Dispersámo-nos o mais possível e fomos avançando com todas as cautelas.

Desta vez foram alguns grupos pequenos que nos atacaram com tiros inofensivos, fugindo sempre quando tentávamos apanhá-los.
Já a uns 200 metros da mata ouvimos as primeiras rajadas de pistola-metralhadora, de um grupo de cinco ou seis que deviam estar empoleirados no cimo das palmeiras. Sempre o mais abaixados possível e fazendo fogo de vez em quando, para nos protegermos, lá nos fomos aproximando cada vez mais. Mandámos duas ou três granadas de morteiro e uma rebentou mesmo na orla das árvores. Após meia hora de tiroteio e vendo talvez que a nossa manobra de envolvimento os pudesse vir a dominar, fugiram e nunca mais ouvimos as famosas rajadas de pistola-metralhadora, a tão característica PPSH, a costureira, pois faz um matraquear que lembra uma máquina de costura.

Depois deste primeiro incidente, continuámos a progressão atravessando a mata até encontrarmos uma estrada. Uns metros mais à frente fomos novamente alvejados por vários tiros que nem soubemos de onde vieram. Ninguém ficou ferido mas como não respondemos, tornaram a fugir, deixando-nos o caminho livre. A táctica deles foi sempre a de utilizar grupos pequenos de 5 ou 7 que, rapidamente se deslocam para qualquer lado, flagelando e fazendo parar Companhias inteiras. Como não os conseguimos ver, fogem sempre que lhes apetece. São extraordinariamente ágeis, pois por duas vezes, dois grupos deles (alguns até já usam farda camuflada) iam tropeçando nas nossas posições, mas logo que davam por isso, desapareciam com tal rapidez que pareciam eclipsar-se. Mesmo assim creio que matámos alguns.

Esta operação durou três dias, sábado, domingo e segunda-feira. O último dia foi o pior, pois choveu sempre, ininterruptamente. Actuaram mais de 900 homens e a missão que nos coube consistia em formar uma linha de cerco à volta de uma mata onde se acoitava o inimigo. Ali parados, enrolados nas capas impermeáveis que nos abrigavam da chuva que não parava de cair, por volta do meio-dia já tiritávamos de frio. Mas o pior, o que mais custou, foi o lodo e os pântanos intermináveis que tivemos de atravessar, sem qualquer esperança de amparo, sem qualquer protecção, receando a morte que nunca se faz anunciar.
Como consolo valeu-nos a habitual e sempre simpática recepção que tivemos no regresso, quando embarcámos no “Vouga”, por parte dos nossos já conhecidos companheiros destas lutas, os oficiais, os sargentos e os marinheiros daquele barco de guerra.

Tendo regressado na terça-feira à noite, bastante cansado, isso não me impediu no entanto de, após um rápido banho, fazer a barba e vestir a roupa civil, ir com os outros a um restaurante da cidade, o “Tropical”, comer a tradicional omeleta de camarão, o bife com batatas fritas e um ovo estrelado, tudo regado com a bela cerveja Sagres com que todos, Exército e Marinha, nos habituámos a confraternizar, cimentando amizades, tentando esquecer os horrores e os malefícios desta guerra.
Desta vez, quando caí na cama, parecia o rochedo de Gibraltar desabando no mar.
Descansámos dois dias, de licença e, só hoje é que fui ao Quartel ver como é que paravam as modas…

Comprei uns chinelos para a mãe e já os mandei pelo Correio. Oxalá goste! Ultimamente tem havido muita falta de aviões, de maneira que não sei quando é que receberão a encomenda.
__________

Nota de CV:

Vd. postes da série Cartas de:

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4821: Cartas (Carlos Geraldes) (1): Apresentação e Prólogo
e
21 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4848: Cartas (Carlos Geraldes) (2): 1.ª Fase - Maio a Julho de 1964

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22784: O meu sapatinho de Natal (4): o que é feito de ti, camarada Dinis Giblot Dalot (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), o melhor condutor de GMC do mundo ? (Luís Graça)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca)  > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole > Ponte do Rio Jagarajá > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)> "Eu, o então Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf Henriques, pau para toda a obra, pião de nicas, e o soldado condutor autorrodas Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou, pelo menos, o melhor que eu alguma vez conheci...  


Foto (e legenda): Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que a malta de Bambadinca (1968/71), camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades, como o Pel Caç Nat 52,  adidas ao comando do BCAÇ 2852, se encontrou depois do regresso a casa... Este primeiro encontro foi organizado pelo António Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018)  

Mostra-se aqui um pormenor da foto de grupo. Na primeira fila, da esquerda para a direita:

(i) fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, da CCAÇ 12  [, vivia no Porto, na altura ];

(ii) sold cond auto Dinis Giblot Dalot [, empresário, vivia em Aljubarrota, Prazeres].

Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita:

(iii) Fernando [Carvalho Taco] Calado, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 2852 [, vive em Lisboa];

(iv) ex-alf mil manutenção material,  Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852 
 [, vive em Lisboa];

(v) ex-fur mil  at inf António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive  em Martingal, Sagres, Vila do Bispo];

(vi) ex-capitão inf Carlos Alberto Machado Brito, cmdt da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 [, cor inf ref, vivia em Braga, tendo passado pela GNR];

(vii) Pinto dos Santos, ex-furriel mil de Operações e Informações, CCS / BCAÇ 2852,
 [, vivia em Resende].


Foto (e legenda): © Fernando Calado (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Estou a rever-te, há 52 anos atrás, na Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole. Eu e tu, o Dalot, o Dinis G. Dalot, ou melhor, o Dinis Giglot Dalot. Sguramente tu foste o melhor condutor de GMC que eu alguma vez conheci (!). Berliet e GMC nas tuas mãos,  carregadas de sacos de arroz ("bianda"), não ficavam atoladas na famigerada estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. E mesmo assim, era preciso que os cabos de aço ou os troncos das árvores não aguentassem... 
 
Reguila, setubalense, franzino, seco de carnes, condutor de pesados na vida civil, com boas manápulas para segurar um daqueles volantes de GMC ou Berliet, apanhaste logo no princípio da comissão, em julho de 1969, cinco dias de detenção. Quem foi o s.... que te deu cinco dias de detenção ?....Certo, por seres reguila, setubalense, condutor de pesados, descendente de franceses, e se calhar por seres o melhor condutor de GMC que eu alguma vez vi na vida... 

Gostava de te rever, Dalot. Sinceramente, gostava de te rever. Tenho um numero de telemovel, teu, mas se calhar antigo
 Ligo, vai para o "voice mail". Tu fazes parte da mítica galeria dos meus heróis, tu e todos os bravos soldados condutores autorrodas que passaram pela Guiné, a começar pela nossa CCAÇ 2590/CCAÇ 12.

Eu dizia-te que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Tu ofendias-te: eras o mais profissional dos nossos condutores auto. Não sei porque não chegaste a 1º cabo: eras  profissional de pesados já na vida civil. E continuaste  depois, na peluda, com uma empresa tua, se não erro. Mas eu sentia que a  porrada te magoara muito, mexera como teu brio, a tua autoestima. 

Reencontei-te em 1994, em Fão, Esposende, quando a malta de Bambadinca (CCS/BCAÇ 2852, 1968/70) e CCAÇ 12 (1969/71) se juntou pela primeira vez. Inicialmnete, vivias em Porto Alto, Samora Correia, Benavente. Depois mudaste a empresa para Aljubarrota, Batalha. Bate certo ? Perguntei ao Adélio Monteiro, mas também não sabe do teu atual paradeiro.

Mas voltando aos dias 17 e 18 de setembro de 1969... Há dias de sorte, escrevi eu: na vida, na guerra, no jogo, no amor… Recordo-me bem desta operação logística, Op Belo Dias II, em que perdemos uma heróica GMC do tempo da guerra da Coreia (daquelas que gastavam 100 aos 100, lembras-te ?).

Não sei se era lenda. As GMC andavam a gasolina, E tinham um depósito de 150 litros, com alcance operacional de c. 480 km e velocidade máxina de 72 km/hora. Em teoria, gastava pouco mais de 30 aos 100.  Mas picadas da Guiné, com carga e com guincho, é possível que gastasse o dobro ou até o triplo....O modelo era GMC 6x6 , caixa aberta, de 2 1/2 t, m/1952, do tempo da guerra da Coreia e herdeiro do célebre camião GMC CCKW , também conhecido como "Jimmy", o camião de transporte de carga do Exército Norte Americano  de que se produziram, entre 1941 e 1945,  572,5 mil unidades.

A CCAÇ  2590 / CCAÇ 12 tinha duas, foram vitimas de minas A/C. Tu, Dalot,  adoravas conduzi-las. Ninguém melhor do que tu para livrar uma GMC de cair na cratera de uma mina coberta de água da chuva ou de atolar-se na berma da estrada… Berma ? Estrada ? Qual berma, qual estrada!... Picadas cheias de minas e armadilhas!...

Ninguém melhor do que tu para conduzir este mamute de ferro, de 4 t, mais duas toneladas e meia, senão três,  de sacos de arroz… Ninguém melhor do que tu, enfim, para desatascar outras viaturas, civis ou militares,  à força de guincho. 

Só não tinhas faro era para as minas, que isso era tarefa dos picadores. Aliás, na galeria dos heróis desta guerra (há sempre heróis em todas as guerras), eu poria também as GMC, os condutores das GMC e os picadores…

O que aconteceu exactamente nesse já longíquo dia 18 de Setembro de 1969 ? Tínhamos saído, na véspera, de Bambadinca, de manhã muito cedo, como de costume, para fugir ao inferno do calor e da humidade do dia. E da poeira, embora se  estivesse em plena época das chuvas. Era um enorme coluna de viaturas militares carregadas de abastecimentos  para três companhias, unidades de quadrícula, em Mansambo (CART 2339), Xitole (CART 2413) e Saltinho (CAÇ 2406).

Ao todo viviam nestas unidades e seus destacamentos mais de  meio milhar de homens, fora a população local e as milícias que dependiam  inteiramente (caso de Mansambo, aquartelamento que fora construído de raíz e não tinha tabanca nem campos de cultivo...) dos abastecimentos feitos pela tropa. 

Nós levávamos-lhes praticamente tudo, até o correio.... Ou seja: o gasóleo (para as viaturas e o gerador eléctrico), o petróleo (para os frigoríficos), o arroz, a massa, o feijão, a carne, o bacalhau, o azeite, o vinho, as latas de conserva, as bolachas, as batatas, as bebidas em garrafa e em lata, os artigos de cantiga, e os demais mantimentos para um mês ou um mês e meio. Além dos cunhetes de munições, as granadas de morteiro, bazuca e obus, os materiais de construção, os sacos de cimento, etc.

Um dia seria interessante publicar a lista completa dos artigos e as respectivas quantidades que faziam parte dos nossos comboios de reabastecimento. Na galeria dos heróis desta guerra também estão os que alimentavam o nosso ventre insaciável , os homens da manutenção militar e os que faziam chegar os mantimentos, desde Bissau em LDG até ao Xime (no caso da Zona Leste) e depois daí em colunas até às sedes de sector ou comando operacional (Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego…). Ou através dos "barcos turras" que chegavam a Bambadinca. 

Era um comboio com várias dezenas de viaturas, incluimdo viaturas civis, de comerciantes de Bambadinca, Bafatá, Galomaro, Xitole, o Rendeiro, o Regala, o Jamil, as casas comerciais de Bafatá. como a Gouveia. As Berliet e as GMC (e, mais tarde,  as camionetas civis, já no decurso da Op Belo Dia III, em novembro de 1969) transportavam a carga, mas o condutor levava sempre escolta (menos de uma secção).

Para se chegar a qualquer uma das unidades acima referidas não havia mais nenhuma alternativa (terrestre). A estrada de Galomaro-Saltinho estava interdita, pelo que as NT ali colocadas dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca. No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 (*). 

O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita (*),  destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do sector L1 com as suas subunidades de quadrícula a sul. Um mês e tal depois fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento, a Op Belo Dia II.

2. São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui. Mas ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier, a DO-27.

No meu tempo o sargento piloto Honório, cabo-verdiano, era uma figura muito popular entre as NT, porque nos trazia o correio e alguns frescos. A sua fama era lendária, pela sua coragem e destreza, para não dizer "maluqueira" (, tolerada, mas não apreciada pelos outros pilotos da BA 12, em Bissalanca)... Era capaz de aterrar numa nesga de terra, dizia-se.  Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas.

De qualquer modo, o helicóptero, o AL III, só era usado para fins estritamente militares: apoio de helicanhão, transporte de tropas especiais e heliassaltos, evacuações Y para o hospital militar de Bissau. Argumentava-se que o helicóptero era um luxo, custando 15 contos por hora (mais do o ordenado mensal de dois alferes)…

Em contrapartida, as colunas de abastecimento da guerrilha e das suas populações eram feitas por carregadores, a pé, descalços, em bicha de pirilau, incluindo mulheres e até crianças e muitas vezes sem escolta militar, correndo o risco de serem interceptados pelas NT, como acontecia com alguma frequência na região de Missirá, a norte do Rio Geba (como em Chicri, a 12 de Setembro de 1969: muitas vezes as NT não faziam a distinção entre combatentes, armados, e elementos civis da população controlada pelo PAIGC que servia de carregadores; neste caso, levavam artigos comprados nas nossas barbas, em Bambadinca, onde só havia duas lojas, nas mãos de tugas, a loja do Rendeiro e a loja do Zé Maria)…

Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, a tua vitura,a tua GMC,  Dalot. E ia justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… Em suma, ia no "lugar do morto"... 

A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (na Op Pato Real, a 7 de Setembro, na região do Xime, Ponta do Inglês)  considerava-me já quase um "veterano"…

Recordo-me da viatura em que eu ía: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, a proteger os flancos, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog (, já não me lembro o nome: o Adélio Monteiro não  era, vinha mais atrás ) que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… Tu, Dalot, que  atrás de mim,  levavas um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, e sete toneladas de ferro e arroz...

Daquela vez vez foste tu, Dalot,  e a tua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão, em 13 de janeiro de 1971, em Nhabijões... Também numa GMC!... Era a minha sina!...

A estrada (se é que se podia chamar estrada aquilo!), invadida pela floresta (, apesar da  desmatação recente, em abril/maio de 1969, Op Cabeça Rapada), as bolanhas, os curso de água, os charcos, etc. era mais estreita que as viaturas em certos pontos… Uma delícia para os sapadores do PAIGC, um quebra-cabeça para os nossos picadores, um stresse desgraçado para aqueles de nós que faziam guarda de flancos ou que iam em cima das viatura, ou os que conduiam as viaturas…

Em suma, gastávamos uma boa parte da nossa energia mensal a abastecer-nos uns aos outros em vez de fazer a guerra ao IN…

Estamos a falar da segunda quinzena de setembro de 1969, em que realizámos  mais outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II). Uma operação com 2 destacamentos (A e B) (*)

Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A,  cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA-Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].

A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 de Setembro, proveniente de Bambadinca, donde saira de manhã (longas horas inteiro para se fazer 18 km), prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar. Passámos a noite nos "bunckers" de Mansambo.

Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da GMC do Dalot (MG-17-21) que vinha imediatamente a seguir àquela, e que pertencia à CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3 mil kg de arroz. Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um 1º cabo do Pel Caç Nat 53. O condutor da GMC, o soldado Dalot, saiu ileso.

A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores, seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.

Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas (A/P) que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.

Pelas 13h do dia 18 de Setembro deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest, tendo-se procedido ao transbordo da carga.

No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de Fiat G-91 cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h do dia 18, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião.

Inconsolável, tu, Dalot, lá deixaste  a tua querida GMC, de matrícula MG-17-21... A Guiné era um  cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.

Onde quer que estejas, camarada Dalot (e eu espero bem que estejas vivo e de boa saúde), desejo-te as maiores felicidades possíveis e, já  agora um Natal quentinho, livre da Covid-19. Telefona-me para o 931 415 277. Teu camarada, Henriques.  (**)

As minhas felicitações natalícias são extensivas aos demais condutores autorrodas, todas eles gente brava,  da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 que viajaram comigo no T/T Niassa, de 24 a 29 de maio de 1969, de Lisboa com destino a Bissau. Alguns infelizmente já não estão vivos. A lista é antiga (e tem de ser revista). Acrescento também os mecânicos auto:

1º Cabo Cond Auto Luís Jorge M.S. Monteiro [, vivia em Vila do Conde ou Porto ?];

Sold Condutor Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel J. P. Bastos [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares [, morto em, mina A/C,em Nhabijões, em 13/1/1971];

Sold Cond Auto Alcino Carvalho Braga [, vive em Lisboa];

Sold Cond Auto Adélio Gonçalves Monteiro [, comerciante, Castro Daire; é membro da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto João Dias Vieira [ vive em Vila de Souto, Viseu];

Sold Cond Auto Tibério Gomes da Rocha [, vivia em Viseu, faleceu em 6/12/2007;

Sold Cond Auto António S. Fernandes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Francisco A. M. Patronilho [, vive em Brejos de Azeitão];

Sold Cond Auto Manuel S. Almeida [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto António C. Gomes [, morada actual desconhecida];

Sold Cond Auto Fernando S. Curto [, vive em Vagos];

Sold Cond Auto Aniceto Rodrigues da Silva [,falecido em 3/1/2021;  membro a título póstumo da nossa Tabanca Grande];

Sold Cond Auto Manuel G. Reis [, morada actual desconhecida];

Fur Mil MAR Joaquim Moreira Gomes [, vive em Esposende ou Maia ?];

1º Cabo Mec Auto Renato B. Semedeiros  [, vivia na Reboleira, Amadora];

1º Cabo Mec Auto António Alves Mexia [, morada actual desconhecida];

Sold Mec Auto Gaudêncio Machado Pinto [, morada actual desconhecida].




Guiné > Região de Bafatá  > Algures > 1973 > Uma Daimler, avariada, é levada em cima de uma GMC... Sítio ? Talvez Bambadinca, talvez Bafatá, junto ao Rio Geba... quando o João Carvalho veio de férias à metrópole, vindo de Canjadude, Gabu, onde estava aquartelaad a sua CCAÇ 5.  (Em 1971, no CTIG havia pouco mais de duas centenas e meia de GMC, das quais praticamente metade estavam inoperacionais... E das 108 Daimlers existentes, 75% estavam inoperacionais.

Foto (e legenda): © João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné> Região de Bafyá > Sector L1 (Bambadinca) > Carta do Xime (1961) > Escala: 1/50 mil > Troço da Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho> Assinalada, com um círculo a azul, a ponte do Rio Jago onde a GMC MG-17-21, conduzida pelo Dalpot,  com 3 toneladas de arroz, accionou uma mina anticarro, no dia 18 de Setembro de 1969. O quartel de Mansambo vem sinalizado com um retângulo.

A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros. As colunas logísticas, de reabastecimento, podiam levar um dia ou até mais (na época das chuvas) a fazer este percurso perigoso, npomeadamete o troço Mansambo-Xitole   (interdito entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969 ). A CCAÇ 12 participou em diversas colunas logísticas a Mansambo, Xitole e Saltinho (junto ao Corubal) e mesmo Gondomar. (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)

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Notas do editor: L.G.

Vd. também poste de 20 de maio de  2005 > Guiné 63/74 - P22: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)

(...) Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A. (...)