segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2578: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (22): Uma iniciativa que remonta a 2006 (Luís Graça / AD)

Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 3 de Fevereiro de 2008 > O Professor, belga, Hubert Lelotte "continua, com a sua competência e entusiasmo, a formar os primeiros guias ecoturisticos de Cantanhez, após vários anos de colaboração na criação das Escolas de Verificação Ambiental no país"... Na foto, um grupo de jovens "guias prepara-se para identificar um itinerário turístico, recolhendo todas as informações de carácter ambiental, fluvial e logístico, que irão permitir aos nacionais e estrangeiros que demandam esta zona sul, poder escolher o que pretendem conhecer e visitar".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)


1. Excertos do Relatório de Actividade da AD - Ano de 2006, de 37 pp.

Caros Amigos,


O elevado espírito de equipa e dinâmica de trabalho dos seus quadros e técnicos e, fundamentalmente, dos nossos parceiros comunitários, permitiu à AD demonstrar ao longo dos últimos 14 anos que é possível combater a pobreza, preservar a natureza e criar dinâmicas de progresso e desenvolvimento.

Estamos igualmente muito reconhecidos aos nossos parceiros do Norte e numerosas pessoas singulares anónimas que se solidarizam e apoiam iniciativas das comunidades rurais e urbanas da Guiné-Bissau e que, graças à sua dedicação e interesse tornaram possível a implementação de diversas acções de desenvolvimento com resultados muito positivos.

Se é verdade que muita coisa foi feita, porém, ainda muito mais está por fazer...Caros Amigos, a nossa ONG olha para futuro com optimismo. Como a “amizade é o único combustível que aumenta à medida que é utilizado”, aceitem o nosso abraço amigo.


Roberto Quessangue, Presidente da Assembleia-Geral


Sítio da AD - Acção para o Desenvolvimento > Boas vindas

O Simpósio Internacional de Guiledje no Plano de Actividades da AD - 2006 (pp. 11-12) (*)

Fixação do texto, subtítulos e negritos de L.G.


(1) A organização do Simpósio, em colaboração com o INEP e a UCB, mobiliza, em 2006, os sócios e os colaboradores da AD


Em 2006, a AD abalançou-se à realização do Simpósio Internacional de Guiledje, acontecimento de vulto e que irá exigir a mobilização de todos os sócios da nossa ONG. Decidido no início de 2006 para ser realizado de 1 a 7 de Março de 2008, a AD convidou a Universidade Colinas de Boé (UCB) e o INEP [- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa] para se associarem à sua organização.

Tendo em conta as características deste evento, considerou-se que o INEP enquanto instituição vocacionada para a pesquisa histórica e a UCB enquanto instituição académica dinâmica, associadas à AD que vem trabalhando na zona de Guiledje há mais de 15 anos, fariam o pleno para uma abordagem diversificada e multi-facetada do que representou e representará Guiledje na História e Desenvolvimento da Guiné-Bissau.

(ii) A abordagem histórica na perspectiva do desenvolvimento integrado e sustentável

O Simpósio apresenta-se como um dos pontos importantes da chamada Iniciativa de Guiledje, enquanto abordagem histórica na perspectiva de um desenvolvimento sustentável, salientando a importância de Guiledje no processo da luta de libertação nacional e uma vez que a rica herança histórica interpela constantemente a vida das populações da área, apontando para a necessidade de melhor conhecer o passado que comunica com o presente, mas também com o qual o presente dialoga, numa relação ambivalente de sentidos e significados que importa clarificar pela via do conhecimento da História reconciliada ou em vias de reconciliação consigo própria.

A AD deve assumir sem ambiguidades a sua responsabilidade perante um dos maiores desafios que se depara à Guiné-Bissau e que é o de preservar e reforçar a sua identidade enquanto Nação, consciente de que o conhecimento e a compreensão da sua História e, em especial, a da gesta de libertação nacional, é determinante para uma maior identificação colectiva à volta de valores comuns e para a procura e construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem.

(iii) Os quatro principais objectivos do Simpósio Internacional de Guiledje

O Simpósio Internacional sobre Guiledje persegue como objectivos:

(i) Associar à metodologia de participação comunitária uma nova perspectiva de abordagem baseada no estudo e promoção do ensino da história, por forma a que, nos esforços de desenvolvimento, sejam devidamente enquadradas e capitalizadas as heranças e valências culturais portadoras de dinâmicas de coesão que, por isso, se afiguram necessários conhecer, compreender e promover, tanto mais que é absolutamente indispensável um maior esforço na procura e identificação colectiva dos valores comuns tendentes à construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem;

(ii) A transmissão da História, atendendo sobretudo ao facto de as testemunhas vivas estarem já a desaparecer, promovendo a necessidade de levar as pessoas a compreender o que se passou antes por intermédio do registo e da preservação do património cultural, de molde a que a sua apropriação, sobretudo por parte da geração que a não viveu, se processe num contexto que facilite a passagem do testemunho a outro que se torna uma nova testemunha e seu porta-voz;

(iii) A salvaguarda e preservação do património histórico de Guiledje, procedendo à recolha, classificação e preservação de vestígios históricos, bem como do registo magnético ou iconográfico (fotos, filmes, etc.) dos protagonistas ainda vivos da História, com vista à constituição de um acervo documental em permanente actualização;

(iv) No contexto dos estudos das guerras de libertação, promover acções de parceria susceptíveis de propiciar oportunidades de pesquisa histórica sobre Guiledje, mormente, junto de investigadores nacionais e estrangeiros, visando uma maior divulgação da História de Guiledje e colocar a zona de Guiledje na agenda dos decisores em matéria de desenvolvimento económico e social.

(iv) A preparação do Simpósio em 2006

Em 2006 foi elaborado um plano detalhado de actividades de preparação do Simpósio, compreendendo acções a serem realizadas antes (recolha, tratamento e arquivo de material histórico, novas fontes de informação, produção de um logótipo, definição dos temas, identificação dos oradores e 12 participantes, elaboração do programa detalhado, identificação de presidentes de sessões, comité de redacção, canais de comunicação, responsáveis pela logística e procura de financiamento), durante (encontros com as populações, visitas a Guiledje, Gandembel, Gadamael e Iemberem, exposição de livros, fotografias, mapas, realização de espectáculos teatrais e musicais) e depois (Publicação das Actas do Simpósio, desenvolvimento do museu de Guiledje, acções de desenvolvimento económico e social na zona de Guiledje e implementação das recomendações do Simpósio).

Realizou-se a recolha de testemunhos em DVD de grande número de combatentes que participaram no Assalto Final, especialmente guineenses, tendo-se iniciado os contactos para a mesma recolha junto dos combatentes caboverdianos.

Prosseguiu-se a recolha junto de instituições portuguesas militares de fotografias e de importantes documentos, alguns deles ainda classificados, mas de grande importância para o conhecimento da verdade histórica, dispondo a AD de um grande espólio escrito e visual. Refira-se a título de exemplo a obtenção de um pequeno filme com a actuação do Duo Ouro Negro em Guiledje.

(v) Impacto interno e externo desta iniciativa~

Esta iniciativa despertou um grande interesse a nível de muitos intelectuais guineenses, caboverdianos e portugueses, bem como de antigos guerrilheiros, tropas portuguesas e académicos europeus.

Iniciou-se igualmente a sensibilização junto da Embaixada de Cuba, uma vez que a solidariedade combativa do povo cubano em termos de médicos, sapadores e conselheiros militares para a luta de libertação nacional foi importante, em particular para a batalha de Guiledje.

O aspecto mais atrasado do programa prende-se com a reabilitação dos escombros em que se encontra actualmente o Quartel de Guiledje, fruto da não remoção dos UXOS (lixo balístico) que ainda por lá existem, uma vez que as organizações especializadas não a consideram prioritária.

O maior sucesso foi o da construção de um furo de água, mesmo se com um débito fraco (500 litros por hora), e a instalação de um depósito elevado de água com capacidade para 4.000 litros, funcionando em regime de energia solar. (...)


Programa Integrado de Cubucaré (PIC) (pp. 20-27)


As acções mais importantes neste ano foram as seguintes:

a) Início do Programa de Ecoturismo

As potencialidades turísticas da zona de Cubucaré representam para a AD um dos produtos estratégicos em que se deve apostar para a dinamização do desenvolvimento da região.

A existência do futuro Parque Nacional de Cantanhez, com toda a sua diversidade faunística e florística, a riqueza cultural assente numa diversidade populacional com várias etnias minoritárias, com concepções diferentes do mundo, de manifestações diversas de canções, danças, folclore e rituais e a existência de vestígios de um passado histórico recente que faz desta zona o berço da nacionalidade, transforma-a num local de grande interesse para o turismo ecológico, científico, cultural e histórico.

Isto leva-nos a orientar a estratégia de implantação para um modelo de turismo que, não sendo naturalmente de massas, se baseie numa primeira fase nos cooperantes e funcionários de organismos internacionais sedeados na Guiné-Bissau e quadros técnicos nacionais desejosos de conhecer o “interior”, para se ir alargando gradualmente a um público europeu muito específico:

(i) portugueses que fizeram a guerra colonial nesta zona e que estão interessados em voltar a ver os locais onde passaram uma parte importante da sua juventude, trazendo consigo a família e colegas. O facto de nesta região se situarem quartéis míticos como Guiledje, Gandembel, Gadamael, Bedanda, Cacine, Cafine, Cadique e Cabedú, reforça a “oferta turística”

(ii) cidadãos com uma cultura ambientalista que vêm com a sua família porque gostam de fazer turismo em zonas calmas, bonitas, com pessoas acolhedoras, com uma diversidade de animais selvagens e de grandes árvores localizadas em matas fechadas e densas, que possam ter acesso directo a produtos ecológicos como o mel e medicamentos naturais, comprar artesanato
(esculturas nalús, cestaria e panos tradicionais) directamente àqueles que os produzem e passear calmamente sem que ninguém os incomode.

(iii) pessoas que vêm à procura de coisas novas e diferentes e que, estando dispostas a visitar Cantanhez , não conseguem estar uma semana inteira nesta zona, gostando de alternar o campo com a praia, exigindo por isso um programa que associe as ilhas dos Bijagós.

(iv) finalmente, pesquisadores e cientistas que poderão eventualmente vir a Cantanhez com a família, para associarem a parte lúdica e recreativa da estadia com a profissional de investigação e descoberta.

Uma das questões fundamentais, decididas desde o início, é a de que este programa de implementação do ecoturismo só tem razão de existência se for desenvolvido em cooperação com as comunidades locais, desenvolvendo as suas capacidades organizativas, valorizando os seus recursos humanos e traduzir-se na criação de novos postos de auto-emprego com a consequente
melhoria das suas condições financeiras, de vida e de acesso ao conhecimento e saúde.

Daí que a montagem deste programa comporte:

(i) a criação de um núcleo de 12 guias ecoturísticos constituído por jovens das diferentes matas do Cantanhez, os quais já tiveram a sua primeira formação em 2006, onde durante um mês aprenderam a conhecer melhor o meio ambiente, a saberem o que representa um guia em termos éticos, de comportamento com os turistas, de cuidados ambientais e de valorização e
respeito pela cultura e tradições locais.

(ii) o apoio ao ressurgimento de escultores de madeira que produzam peças de artesanato da etnia nalú, a qual está em vias de desaparecimento, como forma de promover uma arte de valor reconhecido e permitir aos jovens terem uma profissão e emprego, sendo que para isso 10 deles já receberam uma formação em dois módulos, totalizando dois meses e meio.



(iii) a identificação de percursos ecoturísticos, em função dos interesses dos diferentes grupos de turistas, tendo em 2006 sido registados dois itinerários, detalhados o tempo de duração, as situações a observar e os motivos de cada um deles. O estudo e identificação de 10 a 15 percursos, será uma aposta a breve prazo, pois dela dependerá a motivação dos turistas em
visitar Cantanhez.

(iv) a montagem de locais de acolhimento e alojamento, estrategicamente dispersos por pontos de interesse: Iemberem, sede do Parque, e ponto central; Guiledje para cobrir os corredores transfronteiriços e os quartéis da zona (Balana, Medjo e Gadamael); Cambeque, com vista para o rio Cacine. É um dos elementos mais delicados do programa pois requer logo à partida um elevado grau de gestão competente, de elevado nível e de garantia irrepreensível de higiene. O envolvimento da comunidade local far-se-á de forma lenta e gradual.

(v) apoio à criação de iniciativas de restauração, em locais de passagem, onde os turistas possam degustar-se com pratos de sabores tradicionais, confeccionados por mulheres especialistas. Em 2006 foram construídos 2 casas redondas para esse efeito, uma em Faro Sadjuma, com o prato chamariz à base de palha de batata-doce e mandioca e outro no porto de Canamine, à base de peixe. Sendo de exploração privada, este processo vai incentivar o aumento da produção de frutas, legumes, raízes e tubérculos e a captura de peixe por parte dos agricultores, jovens, mulheres e pescadores, todos beneficiando com o ecoturismo.

(vi) a identificação de outros locais de turismo nas zonas circunvizinhas, cuja inclusão nos percursos possa atrair mais turistas para Cantanhez. Estão neste caso incluídas visitas à Guiné-Conakry (Candjafra e Boké), à ilha de Melo na foz do rio Cumbidjan e à reserva da biosfera (Parques de João Vieira e Poilão). A maior distância, mas nem por isso menos importante, está o Parque de Dulombi, os rápidos do Saltinho e o macaréu em Xitole.

Todas estas acções que estão em curso, implicam a existência de outras medidas que ultrapassam a própria AD mas que são determinantes para o sucesso deste programa: a existência de uma estrutura privada de turismo através da qual os turistas possam fazer as suas marcações e reservas; um sistema de rent-car para o aluguer de veículos; a cobertura da zona por um operador de telemóvel.

A AD tem a plena consciência que a implantação de estruturas de apoio ao ecoturismo exclusivamente em Cantanhez, não irá assegurar por si só a viabilidade desta iniciativa. O ecoturismo tem de fazer parte de um plano nacional de turismo que ainda não existe, pelo que temos a convicção que esta é a contribuição da nossa ONG para o referido plano


b) Criação do Parque Nacional de Cantanhez

Não sendo ainda legalmente um Parque Nacional, Cantanhez tem beneficiado da acção conjunta da AD com a UICN e o IBAP, na procura de uma forma de gestão que tenha em conta os 15 anos de actuação da nossa ONG nesta zona e das estruturas e mecanismos de decisão que já existem e funcionam.

A AD considera que o ambiente e uma boa prática de gestão dos recursos florestais e marinhos são elementos naturais na procura do desenvolvimento social e económico das comunidades locais, não devendo nem ser penalizado, nem sobrevalorizado a ponto de castigar aqueles que lá vivem.

Daí que tenha apoiado a criação de 4 Comités de Gestão do Território do Regulado , um para cada regulado (Cabedú, Medjo, Iemberem e Cadique) representando um espaço de concertação, troca de informações e tomada de decisões sobre a conservação, preservação, valorização, gestão e desenvolvimento sustentável da zona.

Cada Comité é composto pelos representantes activos das instituições tradicionais, da sociedade civil e estatal que fazem parte do território concernente, nomeadamente, o Régulo e seus conselheiros, os notáveis dessa zona, chefes de tabanca, guardas florestais comunitários, guias ecoturísticos, representantes das associações de base mais activas e dinâmicas, das ONG
intervindo na zona, do Administrador do sector, dos representantes dos serviços técnicos das Florestas e do IBAP.

Compete-lhes promover o desenvolvimento integrado do território do regulado, nas suas vertentes económica, social e cultural, identificar os principais estrangulamentos, as prioridades programáticas, os produtos estratégicos e as acções a incrementar, tomar medidas de preservação, conservação, valorização e de gestão, apoiar o trabalho dos guardas florestais comunitários, guias ecoturísticos e guardas florestais, definir medidas de controlo e punição contra os infractores, promover acções de sensibilização e vigilância ambiental, zelar pela boa utilização e ocupação dos solos, criar em conjunto com os outros Comités de Regulado o Fundo de Desenvolvimento de Cantanhez e participar na sua gestão.

Foi criado um núcleo de Guardas Florestais Comunitários que trabalham em nregime de voluntariado, sob a tutela de poderes tradicionais (régulo e chefes de tabanca) com o objectivo de assegurar a implementação de todas as medidas de preservação, conservação, valorização e gestão sustentável do território. Compete-lhes fiscalizar o cumprimento de todas as medidas tomadas nas reuniões do Comité de Gestão do Território do Regulado, levantar autos das infracções, adoptar medidas cautelares e de polícia para assegurar os meios de prova, informar o régulo e o Guarda Florestal da DGFC e exercer funções de sensibilização e vigilância no território comunitário.

Em relação aos Guias Ecoturísticos é da sua atribuição relatar experiências vividas em relação à fauna selvagem e plantas medicinais; cooperar com as autoridades informando acerca das actividades ilegais que testemunhe; assegurar-se que os turistas estão conscientes de todas as regras e regulamentos estipulados; fazer o monitoramento do impacte da erosão do solo, diminuição da natalidade de uma espécie particular de pássaros, etc.; melhorar a comunicação entre a administração local e a população para evitar mal-entendidos.

A criação destas estruturas e orgãos é o resultado de um longo processo de procura das melhores soluções para as dinâmicas em curso, recusando sempre conceber uma estrutura para depois encaixar a realidade lá dentro. É um processo lento, cheio de contradições entre os diferentes actores (régulos, guardas, guias, ONG, estruturas estatais), de negociações através de aproximações sucessivas. Todos os regulamentos produzidos resultam de uma procura de resposta aos problemas encontrados no terreno e não de propostas aparentemente muito correctas mas que, de tão generalistas, tanto servirem para Cantanhez como para o Suriname.

Por isso todos os actores envolvidos (IBAP, UICN e AD) devem procurar avançar lentamente, procurando a pouco e pouco uma solução original, evitando que a criação do Parque de Cantanhez se torne um pesadelo e destrua tantos anos de trabalho e dedicação.

A maior ameaça neste momento advém, por um lado da instalação incontrolada de agricultores de países vizinhos que se estão a instalar em grande número junto à linha da fronteira, em plenos corredores de animais selvagens, desmatando completamente zonas que ficam irreconhecíveis; por outro, o papel de certos guardas florestais da DGFC promotores e actores directos de autênticos saques de cibes, muitos deles em plenos corredores de
elefantes.

Trata-se de uma situação demasiadamente grave para não se tomarem medidas urgentes e definitivas, punindo os prevaricadores, instalando um grupo de guardas florestais sérios e competentes com meios apropriados e regulamentando de forma rigorosa o funcionamento dos corredores de animais selvagens.

Outro aspecto que merece uma reflexão profunda é o da realização de estudos de carácter científico, tanto os relacionados com a flora como com a fauna, ocorrendo por vezes situações em que o rigor científico parece dar lugar à procura, a todo o transe, da demonstração de teses predefinidas à partida, traduzidas em perigosas generalizações quando, a partir de amostras de 14% se tiram conclusões apressadas.

Há bons exemplos como os da equipa Catarino-Cassamá que poderão servir de referência para a futura definição dos termos de trabalho das missões de carácter científico.


c) Diversificação Frutícola


Depois de anos a fio a apostar na diversificação frutícola, os resultados parecem demonstrar a pertinência de a considerar como um produto estratégico para o desenvolvimento desta zona sul do país.« Inicialmente dominada em regime de quase exclusividade pela banana, plantada frequentemente em solos ferruginosos com fraca capacidade de retenção da água e com rendimentos muito baixos e atacada por doenças resultantes do stress hídrico, esta espécie foi gradualmente dando lugar à produção da manga melhorada sem fibra, à citricultura assente nas laranjas e limas, para mais recentemente se assistir a um incremento do ananás, abacate
e toranja
.

Num levantamento efectuado em 2006, registaram-se 73 fruticultores em 10 tabancas. Assiste-se agora à emergência de um pequeno grupo de fruticultores modernos que se dedica em regime de quase exclusividade à fruticultura, contrariamente à maioria que durante a época das chuvas cultiva produtos alimentares, para na época seca se dedicar mais à produção de fruta. Este grupo de vanguarda, distingue-se dos restantes pequenos agricultores pelas técnicas culturais que pratica, como um melhor ordenamento do pomar (espaçamento e alinhamento), uma escolha mais criteriosa dos solos para cada espécie (mangueiras no cimo das encostas e citrinos nas zonas em que o lençol freático não se encontra profundo), a utilização de cultivares melhoradas a partir de viveiros sanitariamente sãos e maiores superfícies dos pomares.

O sucesso financeiro que este grupo está a obter tem encorajado mais pequenos fruticultores a seguir-lhes o exemplo, o que é assinalável se tivermos em conta que todos estes avanços e modernização se faz sem recurso a grandes investimentos financeiros e sem a utilização de mecanização.

Um dos grandes estrangulamentos que surgiu há cerca de dois anos e se tem vindo a acentuar de forma grave, é o aparecimento de uma nova praga dos mangueiros, a mosca da fruta (Bactrocera invadens), que está a provocar prejuízos preocupantes. Trata-se de um díptero originário do Sri Lanka e assinalado pela primeira vez em 2004 no Benin, que está a comprometer as exportações africanas de mango para a Europa e para o qual ainda não se encontrou antídoto eficaz.

Em 2006 apoiou-se um fruticultor de referência com crédito para a aquisição de um meio de transporte para a evacuação da sua fruta e da dos outros fruticultores da zona, para os mercados consumidores. É uma iniciativa que pretende contribuir para resolver o problema da debilidade dos circuitos comerciais de fruta encontrando uma alternativa assente num produtor da zona. Os resultados parecem ser encorajadores, tanto em termos de aumento da fruta comercializada, como na taxa de reembolso entretanto realizada.

d) Outras actividades


Desenvolveram-se igualmente outras actividades no quadro do PIC:

(i) criaram-se 3 viveiros florestais (Iemberem, Guiledje e Cadedú) em colaboração com associações de jovens, apostando em 13 espécies, algumas delas em extinção e outras que servem de alimento para os animais selvagens (Búfalos, Chimpanzés, Gazelas e Cabras de mato). Produziram-se cerca de 15.000, registando-se a difusão da Leucaena em Cabedú pela dificuldade da população encontrar lenha de cozinha.

(ii) foram concluídas e entregues à comunidade 6 Escolas Firkidja (futuras EVA) em Darsalam, Madina Cantanhez, Cabante, Lautchandé, Bendugo e Iem.

(iii) No Centro Materno Infantil de Iemberém, de Novembro de 2004 (início do seu funcionamento) até Novembro de 2006, nasceram 116 crianças, das quais 86 são do sexo feminino e 30 do masculino. De assinalar que nenhuma mulher ou criança morreu durante o parto, fruto das consultas pré-natais e vacinações das mulheres. A média mensal de consultas é de 600 doentes, sendo os casos mais frequentes o paludismo, a diarreia infantil, a conjuntivite e ferimentos ligeiros. De 2004 ao final de 2006 registaram-se 5 óbitos (3 crianças e 2 adultos) de pessoas vindas de fora e internadas em estado muito crítico.

(iv) Apoiaram-se 8 tabancas (Catesse, Iem, Lautchande, Catchamba, Canamina, Calaque, Kura e Caboxanque) na recuperação de bolanhas, abertura de canais, reabilitação de diques de cintura e de diques secundários.
´
(v) apoiaram-se 345 mulheres horticultoras de 19 tabancas com sementes de cebola, tomate, alface, repolho, pimentão e beringela. As mais vendidas foram a cebola (60%) e o tomate (20%).

(vi) à UAC (União das Associações de Cubucaré), que compreende 42 associações, foi concedido um crédito de 4.615.000 Cfa para a compra de 42 toneladas de arroz, que foram distribuídas pelas tabancas mais atingidas pela má campanha do ano anterior e onde se verificavam situações de carência nutricional. (...).

2. Comentário de L.G.:

Amigos e camaradas da Guiné:

(i) Este blogue quer-se um espaço de liberdade e de pluralismo. Mas também de partilha de memórias e de amizade entre ex-combatentes, de um lado e de outro. Um espaço onde cabe, além disso, a solicitude, a solidariedade, a simpatia, a (com)paixão e a amizade para com a Guiné e o seu povo...

Temos aqui falado, desde há dois anos e meio, da ONG guineense AD - Acção para o Desenvolvimento, e do seu papel em prol da democracia, da cidadania, da participação comunitária, da protecção da natureza, do desenvolvimento sustentado e integrado da Guiné bem como da preservação da sua identidade histórica e cultural, nos mais diversos sectores e domínios.

A organização do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau (que vai arrancar no próximo sábado, dia de 1 de Maro de 2008) não é um acto isolado nem uma acção de show-off. Insere-se numa perspectiva estratégica e num processo de desenvolvimento integrado e participado.

A AD, que foi fundada há quinze anos, é uma ONG [organização não-governamental] que tem vindo a consolidar a sua imagem de liderança, seriedade, competência, qualidade e eficácia pelo trabalho realizado na Guiné-Bissau. E isso só pode constituir um motivo de orgulho para a sua direcção e os seus colaboradores. Mas é também um desafio e uma responsabilidade acrescida. Muita gente, a começar pela região de Tombali, tem os seus olhos postos na AD e conta com o apoio da AD, nos mais diversos domínios, da formação profissional à saúde.

O trabalho da AD (substituindo-se muitas vezes a uma administração pública que não existe, ou que não funciona) tem vindo a merecer o nosso respeito e admiração, à medida que o vamos conhecendo melhor. É nessa perspectiva que divulgamos aqui alguns excertos do seu relatório de actividades de 2006 (o de 2007 ainda não está disponível), com destaque para as iniciativas mais relacionadas com o projecto Guiledje.

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série:

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2554: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (21): Chegou o Nuno Rubim, em Mejo o Capitão Fula (Pepito)

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2577: Inquérito online: Uma guerra violenta mas humana (?) (2): A guerra dos pára-quedistas (Manuel Rebocho)

Guiné > Bissau > Pós-25 de Abril de 1974 > Manifestações populares de regozijo mas também de contestação: nesta foto, um manifestante guineense empunha um cartaz onde se lê: "Abaixo a D.G.S." [a PIDE/DGS, a polícia política portuguesa]...

Temos aqui falado muito pouco ou quase nada sobre o o papel da nossa polícia política durante a guerra colonial, na Guiné... Por um lado percebe-se: eles eram aliados dos militares, mas não se misturavam; por outro, a PIDE (mais tarde, DGS, com Marcelo Caetano) existia e até dizem que foi protegida por Spínola, a seguir ao 25 de Abril, em paga dos seus bons serviços na Guiné... Não sei, não estou suficientemente documentado sobre este lado mais sombrio da nossa presença na Guiné... De qualquer modo, os seus métodos mudaram, quando comparamos o consulado de Spínola (1968/73) com o dos seus antecessores... Tal como Deus, a PIDE/DGC era descrita como omnipotente, ominisciente e omnipresente... O que era um mito: o falhanço da Operação Mar Verde é hoje imputado, em grande parte, à incompetência da nossa intelligence que estava, em grande parte, concentrada na PIDE/DGS...

De qualquer modo, o mito funcionava internamente. Eu nunca escrevi um aerograma porque estava intimamenet convencido que a PIDE/DGS os lia todos... Que santa ingenuidade a minha! De qualquer modo, só vi uma única vez agentes da PIDE/DGS... Foi em Bafatá. Fui então testemunha, involuntário, à mesa de café, da estupefacção de um dos agentes perante a nova política de Spínola em relação aos nacionalistas do PAIGC e ao tratamento dos prisioneiros em combate (1).

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

Guiné > Região Leste > Bafatá > Soldado ferido em operações... Nenhum combatente nosso, ferido ou morto, ficava para trás...

Foto do João Varanda (ex-Fur Mil, CCAÇ 2636, Có/Pelundo e Teixeira Pinto; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1969/71).

Foto: © João Varanda (2005). Direitos reservados.


Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 3 > Barro > 1968> Um prisioneiro do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

"Sempre foi minha preocupação não matar população civil (...). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles [ os meus soldados balantas da CCAÇ 3, ] era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.
- Mata! - foi a reacção.
- Não, disse eu - Mas foi complicado.

"Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:
- Alfero, deixa estar, vem jagudi e come ele...
- Não!

"Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:
-Alfero, a gente pega.

"Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira pára-quedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.

"Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política". (A. Marques Lopes)


1. Mensagem, de 21 do corrente, do Manuel Rebocho:

Camaradas

Entendeu o camarada Luís Graça individualizar, de um texto meu, a expressão “a guerra em que eu participei foi violenta, mas humana”. Deixei a frase “à solta”, sem a explicar, o que parece que se impõe agora, face às opiniões, entretanto surgidas (2).

A questão “Guerra Humana” é fracturante, sem dúvida alguma. Contudo, este assunto não fica limitado aos combatentes da Guiné, é extensivo a todo o mundo e a todos os tempos. Sobre ele já foram escritos inúmeros tratados e se debruçaram pensadores, como Chris Argyris, Raymond Aron, T. B. Bottomore, Carl Von Clausewitz, Lewis Coser, Gaston Courtois, Ortega Y Gasset (autor da célebre frase “eu sou eu e as minhas circunstâncias"), Samuel Huntington, Adriano Moreira, Sun Tsu e tantos outros, sem que chegassem a uma posição unânime. Estes ilustres pensadores não conseguiram uma definição que a todos satisfizesse ou enquadrasse todas as situações que uma guerra provoca. Também não vamos nós consegui-lo, seguramente.

Não me querendo, tão-pouco, assemelhar com qualquer destes pensadores, tenho a minha própria definição sobre a matéria.

Guerra violenta:

Corresponde ao que acontece durante os combates, que podem ser mais ou menos frequentes; ter uma maior ou menor duração; as baixas podem ser maiores ou menores; cada combate de per si pode conter uma maior ou menor perigosidade, consoante o número de homens envolvidos, armamento utilizado e distância entre os combatentes, entre outros aspectos (não pretendo escrever nenhum tratado). No que às minas se refere, dou-lhe total equivalência a um combate.

Neste sentido há duas considerações a seguir: uma diz respeito à guerra que cada um de nós enfrentou, que corresponde à componente individual (e eu falei da minha); outra consideração diz respeito à resultante de todas as componentes individuais, a qual define a guerra que travamos.

Guerra humana:

Por guerra humana entendo a maneira como são tratados, pelos vencedores, os inimigos feridos ou aprisionados (3) e a própria população das zonas ocupadas militarmente por forças alheias aos territórios, onde as guerras se desenvolvem.

Um pouco para demonstrar que o meu pensamento não é de hoje, nem foi escrito levianamente, transcrevo, na íntegra, a página 346 da minha tese de doutoramento:

“A 1 de Maio desse ano de 1973, no decurso da operação Tabica Texuga [relembro que tenho os relatórios das operações em meu poder], em Caboxanque, empenhando o 2.º e 3.º Pelotões (da CCP 123), Sousa Bernardes revelou mais uma vez a sua capacidade criativa, quando detectou, atravessando uma bolanha, um grupo de 10 Guerrilheiros e, numa inteligente manobra táctica, surpreendeu-os no seu aquartelamento. Do contacto resultou a morte de três dos Guerrilheiros, vários feridos e a captura de diverso material e armamento.

"Mulheres e crianças que estavam misturadas com os Guerrilheiros fugiram dos combates para a bolanha. Os Pára-Quedistas, em mais uma manobra de rigor, preferiram deixar fugir alguns Guerrilheiros a matar inocentes e nenhuma mulher ou criança foi atingida. Uma idosa doente, que não conseguiu fugir, foi tratada pelo Enfermeiro Aguiar e foi deixada no seu tabancal. As nossas tropas não sofreram qualquer consequência.

"Se entre o grupo dos Sargentos havia um que já se distinguira e diferenciava dos restantes, Sousa Bernardes, com mais esta atitude, mostrava que os Oficiais também se diferenciavam pela sua criatividade. Neste ponto, não se pode deixar de fazer uma referência. Houve, durante a Guerra, quem conseguisse grandes êxitos militares, mas à custa de consideráveis baixas para as nossas tropas, a esses não os apelido de criativos, mas de aventureiros que arriscam a vida dos seus homens, mas sem consciência do que estão fazendo. Sousa Bernardes não foi assim, arriscou com prudência, cautela e autoridade, concebendo criativamente as manobras, pelo que pode afirmar que as estrelas que usa são «suas», ninguém lhas deu.

"No relatório do Comando sobre esta operação consta a seguinte passagem: 'por informações dadas pela população a identificação de 2 dos mortos é a seguinte: Ancanha, Comandante de bigrupo, natural de Fabrate, e Bunhé, natural de Flaque Injã', ambos reputados combatentes nas hostes inimigas. Sousa Bernardes não se tinha enfrentado com milícia vulgar, o que deixa evidente que a qualificação do combatente depende do valor humano e da experiência. Os conhecimentos adquiridos na Academia Militar eram iguais aos de todos os outros Oficiais de carreira e nenhum, dos que me comandaram e fui comandado por 6 Capitães, 4 na Guiné e 2 em Angola, era como ele.

"Esta mesma opinião teve o Comandante do Batalhão, quando escreveu no seu relatório acerca de Sousa Bernardes: '...A sua posição na primeira linha incutiu confiança e galvanizou os seus subordinados... É aqui que os combatentes se diferenciam: no fazer, porque no mandar são todos iguais. Recorrendo a uma afirmação que circula nos meios militares de uma frase atribuída a Napoleão - Os exércitos ou se puxam ou se empurram - , julgo que se puxam pela competência, pelo exemplo e pela liderança, e se empurram pela autoridade repressiva".

Nesta 346.ª página, que foi escrita há anos e pode ser consultada na dezena de locais onde as teses são disponibilizadas, observam-se as duas situações: a guerra violenta reflectida no combate que se travou entre um bigrupo de Pára-Quedistas e um bigrupo de forças do PAIGC; e a guerra humana reflectida no risco que se correu, ao deixar-se fugir guerrilheiros para não atingir nem mulheres nem crianças e, mesmo depois, ao tratar-se a idosa doente.

Diferentemente seria se o ataque tivesse sido indiscriminado e se tivessem matado as mulheres, as crianças e a idosa. Neste caso estaríamos perante uma guerra desumana.

Admito que nem todos vejamos as diferenças, e que haja quem considere que guerra é guerra, mas também penso que tenho o direito de pensar e descrever a guerra em que eu participei. Que foi esta. No campo do individual, cada um de nós fala da guerra em que participou.

A este propósito recebi uma carta do Padre Pinho, Capelão dos Pára-Quedistas, durante o tempo da Guerra, na qual me manifesta a sua concordância pela abordagem que eu faço à guerra humana, referindo-me que os Pára-Quedistas tinham efectivamente esta doutrina.

Um abraço

Manuel Rebocho [ ex-sargento pára-quedista da CCP 123 / BCP 12 (Guiné, Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975")]
______________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 29 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLVIII: Comerciantes de Bafatá: turras ou pides ? (Manuel Mata)


"(...) Comentário de L.G.:

"Manuel Mata: Estes elementos são preciosos... Eu nunca insinuei que o Teófilo fosse da PIDE/DGS... Pelo contrário, ele deveria ser contra a situação (o regime político então vigente desde 1926), só assim se explica que ele tivesse sido deportado para a Guiné no princípio dos anos 30... Nalguns sítios (como Bambadinca, que eu conheci melhor) havia a suspeita de os comerciantes locais serem também informadores da PIDE ou jogarem com um pau de dois bicos... Eu penso que, aos olhos da tropa, isso devia acontecer em todos os os postos administrativos e localidades de menor importância onde houvesse comerciantes (portugueses, caboverdianos ou libaneses)...

Essa estória do PIDE que levou porrada numa tabanca (iam-lhe cortando o nariz, à dentada) ouvia-a eu ao próprio, em Bafatá, creio que na Transmontana... Hei-de contá-la aqui, um dia destes. Lembro-me que de ouvir a conversa dele (eu, incomodado, com a presença deles, numa mesa de alferes e furriéis milicianos de Bambadinca)...O fulano - que, se bem me lembro, falava alemão, por ter sido emigrante, com os pais, na Alemanha - estava lixado com o Spínola, por que na época (c. 1970) já não se podia fazer justiça pelas mãos próprias como nos bons velhos tempos do colonialismo...

"Uma última pergunta: alguma vez vistes os pides locais frequentarem o café do Teófilo ? Pelo que me contas, ele não gostava mesmo deles, o que vem confirmar a minha teoria de ser o Teófilo um velho antifascista... (ou do reviralho, como diriam os pides). Infelizmente não tive com ele a mesma intimidade que tu tiveste!" (...).


Já publicámos, na 1ª Série do nosso blogue, alguns postes sobre a colaboração da PIDE/DGS com as Forças Armadas e vice-versa, no TO da Guiné, mas ficámos mais pela opinião do que pela apresentção e discussão de factos, de situações concretas, vividas ou testemunhadas, o que se enquadra bem no espírito do nosso blogue:

30 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Guerra limpa, guerra suja (1)

"O João Tunes acaba de publicar, no seu blogue, um post com o título Guerra limpa, guerra suja, em relação ao qual pede o feedback da nossa tertúlia. Com a devida vénia, passo a transcrever aqui o seu conteúdo, aguardando que este suscite os comentários dos nossos tertulianos. O assunto é delicado mas não podemos ignorá-lo ou escamoteá-lo. Um dia teríamos que falar disto, mesmo que fosse incómodo ou doloroso... L.G" (...).

30 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVII: Guerra limpa, guerra suja (2)

"Resposta do Marques Lopes ao João Tunes:

" (...) É verdade que a PIDE tinha esse principal papel, e eu assisti, em Bafatá, ao início da tortura de um prisioneiro por essa polícia e por um capitão de informações. Revoltei-me e fui-me embora, quando vi meter o homem num bidão de água até ele gorgolejar.

"Em Geba, os alferes que estávamos tivemos que nos afastar um dia (o Maçarico viu e que conte, o Luís Graça conhece-o) quando o capitão (que até morreu lá) e o primeiro-sargento deram tal enxerto de porrada a outro prisioneiro que este se borrou todo e se mijou.

"Em Barro, sei de um alferes que, duma só vez, matou dez elementos da população civil controlada pelo PAIGC" (...).

(2) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2563: Sondagem: Uma guerra violenta mas humana ? (1): Nem santa nem suja (Francisco Palma / Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

(2) Vd. postes de:

10 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau (Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

"(...) Já nem sequer se pode tocar no cabelo de um preto (Capitão P.)

A propósito, como os tempos mudam, meu caro!.. Em conversa com um sargento de cavalaria que teve o Velho como comandante de batalhão no Norte de Angola – conversa a que ocasionalmente assisti -, o Capitão P. (que eu não sei, nem me interessa saber, se é miliciano, ou se é do quadro, ça c'est m´égale!), mostrava-se vexado (o termo é dele) pelo facto do então tenente coronel [Spínola] ameaçar executar, in loco, sumariamente os guias nativos que mostrassem a mais pequena hesitação na escolha dos trilhos ou os carregadores que deliberadamente deitassem fora a água dos jericãs...

- E agora, como Com-Chefe na Guiné, não permitir sequer que se toque no cabelo de um preto!

"Bissau, enfim, porto de fuga e salvação!... Embora não se possa exactamente prever até onde tudo isto irá parar, com a actual escalada da guerra, de parte a parte, aqui tu tens ao menos a reconfortante sensação de teres as malas sempre feitas, pronto a partir em qualquer altura… Mas nada te garante que embarques a tempo: é que estamos todos metidos num atoleiro e em vias de perder o último avião!...Make love, not war. Um abraço. Até mais logo. Talvez apanhe o barco da Gouveia, amanhã. Já estou farto desta merda" (...).


(3) Sobre prisioneiros feitos pelas NT, vd. postes de:

20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2564: Prisioneiros: Havia um tratamento decente, no meu tempo (António Santos, Nova Lamego, Pel Mort 4574, 1972/74)

20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2560: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (10) - Parte IX: A prisioneira é violada...

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2396: Estórias (secretas) dos nossos criptos (1): Braimadicô, o prisioneiro (Albano Gomes)

30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)

10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça)

25 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P906: CART 2339 e Malan Mané, duas estórias para duas fotos (Torcato Mendonça)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1011: A galeria dos meus heróis (4): o infortunado 'turra' Malan Mané (Luís Graça)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2576: Ser solidário (7): Vinte e tal amigos e camaradas, do Porto e de Coimbra, a caminho de Bissau (Luís Graça / A. Marques Lopes)


O percurso da expedição Coimbra-Bissau, segundo uma infografia do Diário de Notícias, de 16 de Fevereiro de 2008 (que nos foi enviada pelo nosso camarada de Coimbra, o Carlos Marques dos Santos, e que reproduzimos com a devida vénia....).


O António Pimentel, o Álvaro Basto e o Xico Allen foram notícia de caixa alta no Jornal de Notícias, 21 de Fevereiro de 2008 (1). Eles e outros camaradas do Porto integraram-se na A Expedição Humanitária à Guiné-Bissau, promovida pela Associação Humanitária Memória e Gentes, com sede em Coimbra, que partiu no dia 21 de Fevereiro de 2008, pelas 9h00, a caminho de Bissau.

Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > A caravana larga, às 9h da amanhã, a caminho de Bissau, aonde espera chegar a 29, depois de fazer quase 5 mil quilómetros... Esta expedição humanitária irá entregar a diversas escolas e instituições materiais didácticos e desportivos, livros, vestuário, calçado, e bens de primeira necessidade para unidades de saúde (soro, desinfectantes, ligaduras, compressas e certo tipo de medicamentos), que foram recolhidos até 8 de Fevereiro. O volume mais importante deste material já tinha seguido por via marítima, num contentor de 20 toneladas. Ao todo são cerca de dois mil caixotes recolhidos.

Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > O Álvaro Basto, membro da nossa Tabanca Grande, é o segundo a contar da esquerda. Em princípio, o grupo com cerca de 26 elementos, eram constituído por 12 pessoas de Coimbra e 14 do Porto (grupo onde haverá um maior número de ex-combatentes, e entre eles pelo menos uma meia dúzia de elementos da nossa Tabanca Grande).

Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2007 > O António Pimentel, à esquerda, é outro dos membros do nosso blogue e da tertúlia de Matosinhos/Porto que partiu na expedição. Não tenho a lista completa do pessoal que partiu, pertencente à nossa Tabanca Grande. Espero que o A. Marques Lopes a faça chegar ao nosso blogue.

Sei que vários camaradas do Norte estão inscritos no Simpósio Internacional de Guiledje, entre eles, o Álvaro Basto (CART 3492), o António Pimentel (CCS/BCAÇ 2851), o António M. Almeida e Silva (CART 3492), o Armindo Ferreira Pereira (CCAC 1565), o Francisco Allen (CCAC 3566), o João Rocha,(CCS/BCAÇ 2852), o José Estêvão Pires (BCAC 2851), o José Teixeira (CCAC 2381), entre outros... Do Centro, vai o Paulo Santiago (Pel Caç Nat 53)...

Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > O Paulo Santiago (Águeda) e o Álvaro Basto (Matosinhos), ambos membros activos do nosso blogue.

Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > Reconheço dois elementos da nossa Tabanca Grande, o Zé Teixeira (o primeiro da esquerda) e o Álvaro Basto (o terceiro).

Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > O nosso querido Zé Teixeira (Matosinhos)


Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > Mais expedicionários, que não consigo identificar.

Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > A caravana está quase pronta a partir. De Coimbra a Bissau, são "oito ou nove dias" de viagem, num trajecto com cerca de 4.725 quilómetros, "numa média de 800 a 900 quilómetros por dia", disse aos jornalistas Fernando Ferreira, um dos responsáveis pela organização (2).

Fotos: © A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.


1. No dia 21 de Fevereiro de 2008, às 13h, o A. Marques Lopes mandou-me a seguinte mensagem, telegráfica, acompanha de uma série de fotos, algumas das quais reproduzimos aqui:

Os expedicionários para a Guiné partiram hoje, às 9 da manhã, de perto do Estádio Sérgio Conceição, em Taveiro.

2. No dia seguinte, por volta das 18h, acrescentava o seguinte:


Falei com o Álvaro Bastos agora. Dormiram ontem no hotel Ibis, em Tânger. Saíram de Marraqueche há pouco e vão a caminho de Agadir, onde vão dormir.
A. Marques Lopes

3. O Paulo Santiago acaba de mandar uma mensagem ao editor do blogue, por telemóvel (23 de Fevereiro de 2008, 18h00):

Saímos hoje de Agadir. Vamos dormir a Leghoun. Prevista entrada na Mauritânia na segunda-feira. Abraço.


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Notas de L.G.

(1) Vd. poste de 21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2567: Ser solidário (6): Pimentel, Álvaro Basto e Xico Allen: Juntos a caminho de Bissau, na rota do Porto-Dakar (A. Marques Lopes)

(2) Vd. postes de:
13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau
17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2548: Ser Solidário (5): Ainda a Expedição à Guiné-Bissau (Carlos M. Santos)

(3) Esta aventura solidária começou quando José Moreira, principal precursor da iniciativa, e ex-combatente na Guiné em 1966/67 , em Jumbembem, durante a Guerra Colonial, como furriel miliciano, e regressou ao país. O que viu na Guiné-Bissau ainda hoje o magoa e o choca: "Foi uma desilusão ver tamanha destruição", recordou.
O contentor que foi carregado no sábado vai seguir por via marítima. "Sai no dia 19, numa viagem de 12 dias por mar", referiu Fernando Ferreira. Quando chegar à Guiné-Bissau, no dia 5 de Março, vai ser descarregado na cooperação portuguesa. Por terra, seguem três carrinhas e cinco jipes. Durante a viagem, os aventureiros passam por Portugal, Espanha, Marrocos, Sahara Ocidental, Mauritânia, Senegal e Guiné-Bissau. Em Tânger, entrarão no continente africano.

José Moreira enalteceu o apoio de várias entidades, nomeadamente "a Câmara Municipal de Coimbra, o Governo Civil, a Junta de Freguesia de Taveiro, a Associação de Deficientes das Forças Armadas de Coimbra ou a Embaixada de Portugal em Guiné-Bissau", como de outras instituições, como "a Saúde em Português, a Ambar, a Babou, a Portline ou a empresa Águas do Luso".

É a primeira vez que a expedição é organizada pela "Memórias e Gentes", uma associação humanitária criada em Novembro do ano passado.
Este ano, além de muita solidariedade e esperança, levam roupa, brinquedos, material escolar, bens e equipamentos de saúde... Tudo para um país onde falta (quase) tudo. "Os hospitais estão em ruptura total. Vamos levar , lençóis, ligaduras, medicamentos...", disse Fernando Ferreira.

As escolas são outras das prioridades. Por isso, vão entregar em mão, nas escolas do interior, livros em português. Aliás, a grande maioria dos bens vão ser entregues em mão.

Esperam receber em troca... "um sorriso"... "E um toque de pele. Muitas crianças nunca viram um branco e encostam a pele à nossa"...

Fonte: Adapt. de Diário das Beiras, 11 de Fevereiro de 2008 >Patrícia Cruz Almeida:
Solidariedade - Expedição humanitária vai ligar Coimbra a Bissau: Distribuir esperança para receber sorrisos.

Guiné 63/74 - P2575: Estórias do Juvenal Amado (4): A pequena e adorável Mariama que eu conheci no reordenamento de Bengacia (Juvenal Amado)

Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74

1. MARIAMA

Abriu os olhos de espanto e de medo ao ver a minha Berliet, que entrava pela aldeia levantando nuvens de pó. Virou costas e correu no sentido contrário, abrigando-se nas pernas da mãe que, com alguma curiosidade, nos observava junto da sua cabana destruída.

Mariama era uma bajuda de palmo e meio. Tinha um tom de pele café com leite escuro, os olhos grandes e castanhos. O cabelo todo entrançado com amuletos nas pontas. Vestia uma blusa sem mangas e um pano fula enrolado à cintura. Um ronco, num dos tornozelos dos seus pés descalços, completava a vestimenta.


Foto 1> Juvenal Amado junto a um monte de tijolos já fabricados para utilizar na reconstrução de Bangacia

Parei a viatura, saltei dela com a minha arma e disse-lhe adeus, ao que ela respondeu escondendo-se, ainda mais, na roupa da mãe.

Íamos começar a reconstrução de Bangacia, que tinha sido destruída pelos guerrilheiros algum tempo atrás. Sempre achei que aquilo tinha sido um ataque por encomenda.

Assim, quando reconstruímos, fizemos algumas bem feitorias, entre as quais, casas mais espaçosas e telhados de zinco, em vez dos de capim, que tinham que ser mudados de vez em quando, posto médico e escola.

Foto 2> Bangacia depois do ataque


As alterações eram nitidamente do agrado da população. Fizeram-se vários grupos de construção. Sapadores, alguns elementos do Pel Rec que tinham conhecimentos de pedreiro e carpinteiro. Também vieram camaradas das Companhias Operacionais, onde pontuava o Saltinho como grupo mais numeroso.

Cada chefe de família tinha que produzir blocos de barro para utilizar na construção da nova casa, para a sua família. Assim amassavam o barro de cor cinzenta com palha misturada, enchiam um molde e os blocos dai resultantes iam sucessivamente ficando ao sol, até se tornarem duros.

Eu e os outros condutores de Berliet acarretávamos os blocos para o local escolhido pelos seus donos. Escusado será dizer que era preciso pôr ordem nos carregamentos, pois todos queriam ser os primeiros. Assim sempre que não tinha coluna para qualquer lado, lá estava eu logo de manhã a transportar os tijolos de barro, hora para uns, hora para outros.


Foto 3> Bangacia depois do ataque

Fotos: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados.



A Mariama espreitava sempre de longe. Eu acenava-lhe e, à hora do lanche, que fazíamos às 10 horas da manhã, oferecia-lhe com um gesto um pouco de pão. Acabava alguém por vir buscar para ela, mas ela nunca.

Como tinha sempre doce da ração de combate, passei a levar-lhe. Mas pouco e pouco as outras crianças, que andavam sempre à nossa volta, foram-na trazendo mais para perto.

Passado algum tempo, mal eu chegava, vinha a correr dar-me mão. Levava-me ao pé da mãe, mulher de talvez vinte e poucos anos, com dois filhos e a nossa heroína.

A idade dela era difícil de descobrir, tendo em conta os filhos e a vida dura das mulheres da Guiné que rapidamente perdiam a sua juventude.

O pai era mais velho e tinha outras mulheres, como era costume. A riqueza de um Homem Grande, media-se pelo números de mulheres e cabeças de gado.
O nome por que eu era conhecido, fazia-lhes confusão uma vez que Amado era muito parecido com Amadu ou Mamadu. Quando eu o mencionava, os Homens Grandes faziam uma expressão de gozo, metiam a mão à frente da cara Heeeeeiiiiiiiiiiiiii nosso cabo é manga de calabanta (1). Pensavam que eu estava a gozar com eles.

Mas a Mariana, mal eu chegava, ouvia logo a vozita dela a chamar, Almadu…. Almadu, ainda complicou mais o nome. Vinha à procura das guloseimas que no fundo se resumiam a pão, latas de cavala e sardinha. Todo o dia andava comigo para cima e para baixo, em cima da viatura mandando nos outros garotos. Era a mais pequenita de todos.

A reconstrução seguia em bom ritmo. Faziam-se as paredes exteriores dividia-se por dentro em quatro salas iguais, punha-se o vigamento e por último o telhado.

Sempre que se atingia uma fase, assistia-se a estranhas negociações. Os Homens Grandes ofereciam galinhas para serem os primeiros a terem as casas prontas, mas à medida que viam a mesma a ficar concluída, começavam a esquecerem-se das promessas.

Os Islamitas são bons negociadores. Então os camaradas diziam que não lhes acabavam a casa e mais, furavam-lhe os tectos todos. Com gestos simulavam um chuveiro, onde eles passariam a tomar banho. Com grande alarido as negociações começavam em cinco galinhas, mas por fim o Homem Grande só dava uma. E levava tempo a negociar.

Nós riamos pois para nós, naquele caso, era tudo uma brincadeira. Entretanto passei a ser recebido na casa da Mariama. Ela pedia-me tudo o que lhe diziam para pedir: Almadu parte (2) peso, Almadu parte lata etc, etc... Eu na medida do possível, lá lhe comprei uns chinelos coloridos, que ela nem para dormir os tirava.

A mãe torrava-me mancarra (3) numa panela de ferro e foi ali que provei a bianda (4) com molho da polpa que envolve a amêndoa da palmeira.

Um dia a mãe disse-me, mais por gestos de por fala, se eu queria levar a Mariama no Lisboa. Eu ri-me, fiquei embaraçado e disse-lhe que não era possível.

A idade, para além das dores nas pernas e nas costas, traz também por vezes alguma sabedoria e hoje, quando penso neste episódio, vejo com clareza a mensagem daquela mãe.

Trazer a pequenita comigo era livrá-la da mutilação (5), da miséria, do analfabetismo e de uma esperança de vida que não ultrapassa os quarenta anos. A Mariama terá, se chegou à pré-adolescência, passado por essa prova cruel do Fanado, terá sido vendida por dois sacos de mancarra e um de cola, para ser a 2ª ou 3ª mulher de um homem bem mais velho.

A mãe não terá tido consciência do alcance total do seu pedido. Mas estava no seu instinto de mulher tentar um futuro diferente para a filha.

A reconstrução de Bangacia ficou pronta. Foi um prazer ver aquelas casas alinhadas, com arruamentos largos os telhados brilhando a sol.

Passei a ir menos vezes à povoação, embora lá fosse sempre que ia às Duas Fontes. Levava latas de conservas e pão, que trocava por laranjas e mangas, com os garotos. Guardava sempre o melhor para a pequenina Mariama.

Um dia também me apareceu no quartel...

No momento que escrevo estas linhas, peço para que o destino lhe tenha reservado um futuro diferente das milhões de Mariamas que na Guiné sofrem com a pobreza e possivelmente não acreditam que possa haver cura para os seus males.

Juvenal Amado (*)

Notas do autor:

(1) Malandro.
(2) Dá-me um escudo.
(3) Amendoim.
(4) Arroz.
(5) “Fanado”: trata-se de uma prática horrível, onde se mutilam a meninas nos órgãos genitais. Por todo o Mundo Islâmico é praticado. Há no entanto algumas vozes de mulheres africanas, que fazem uma campanha muito corajosa contra esta prática, que as limita como mulheres inteiras, no pleno direito e uso, de todas as suas capacidades.

____________

2. Comentário de Luís Graça

A Mutilação Genital Feminina (MGF) pratica-se tradicionalmente em 28 países (da África subsariana onde se inclui a Guiné-Bissau, e nalguns países do Próximo Oriente). Não se pratica em todos os países muçulmanos. É bom que se diga que não é imposta pela religião muçulmana. Atinge também mulheres cristãs (coptas, no Egipto) e não tem nada a ver directamente com o Corão ou os preceitos islâmicos... Hoje em dia a MGF tende a ser criminalizada pelo Código Penal da maior parte dos países (incluindo o nosso).

De facto, o Corão não a impõe... Seria, de resto, anterior ao profeta Maomé, remontando ao tempo dos faraós do Egipto... Nos países bérberes,do norte de África (Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia...) não se pratica... Nem na Indonésia, por exempo, que é o maior país muçulmamo do mundo (ou pratica-se apenas em pequenas comunidades)... Esta prática é ferozmente combatida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um grave problema de saúde pública, afectando todos os anos cerca de 3 milhões de meninas e de adolescentes...

Portugal também é hoje um país de risco, devido à existência de uma importante comunidade guineense, donde se destacam os fulas...

É bom que se diga e que saiba que a MGF ("circuncisão feminina" ou "fanado das mulheres") era tolerada no nosso tempo, em nome do relativismno cultural, do sucesso da política spinolista Por uma Guiné Melhor e dos superiores interesses da Nação... Duvido que Spínola e o seu Estado-Maior alguma vez se tivesse preocupado seriamente com a sorte das meninas da Guiné (fulas, mandingas, beafadas - os três principais grupos islamizados, onde se praticava e ainda pratica a MGF).

Há já vários postes sobre a MGF (a cerimónia do fanado não se resume à circuncisão femimina nem masculina, é um ritual de passagem, importante em certas sociedades tradicionais, e sem a submissão ao qual uma rapariga ou um rapaz não são socialmente aceites) (**).

L.G.
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Notas dos editores:
(*) Vd. último trabalho da série Estórias do Juvenal Amado, de 18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2551: Estórias do Juvenal Amado (3): Como hóspede do Xime (Juvenal Amado)

(**) Leiam o dossiê do Público sobre a MGF... A jornalista Sofia Branco tem feito uma excelente trabalho de investigação e divulgação sobre a MGF na Guiné-Bissau.

Vd. postes sobre a mutilação genital feminina publicados no nosso Blogue:

30 de Novembro de 2007> Guiné 63/74 - P2316: E as Nossas Palmas Vão Para... (2): Os que lutam, na Guiné-Bissau, contra a Mutilação Genital Feminina (MGF)

25 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2131: Mutilação Genital Feminina: É crime, diz explicitamente o novo Código Penal (A. Marques Lopes / Luís Graça)

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1580: Fanado ou Mutilação Genital Feminina: Mulher e direitos humanos: ontem e hoje (Luís Graça / Jorge Cabral)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVI: Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina (Luís Graça)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVII: A festa do fanado ou a cruel Mutilação Genital Feminina (Jorge Cabral)

3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado

4 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)

Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)


Guiné >Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d> Aquartelamento, com o espaldão, em primeiro plano, da peça de artilharia 11,4. Ao fundo, a tabanca (reordenamento feito pelo exército, com as casas com certura a chapa de zinco).

Guiné > Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/da > Tabanca, reordenada pelas NT.

Guiné > Região de Tombali > Sangonhá, a sul de Gadamael -Porto > s/d > Vista aérea do destacamento e da sua pista de aviação. Este destacamento deverá ter sido abandonado pelas NT em finais de 1968 (O destacamento de Mejo foi evacuado em 28 de Janeiro de 1969, na mesma data de Gandembel e de Balana; os aconteciementos referidos nesta estória do José Rocha ocorreram em 6 de Janeiro de 1969).

Fotos: Autores desconhecidos. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007). Direitos reservados (Editada por L.G.).



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 2410, Os Dráculas (Junho de 1969 a Março de 1970) > O Alf Mil José Barros Rocha posando sobre a roda de uma peça de artilharia 11,4 .

Foto: © José Barros Rocha (2007). Direitos reservados.

1. Texto de José Rocha (1), enviado em 19 do corrente:

Assunto - Guileje, Gadamael e Mata do Cantanhez...

Amigo Luis:

Ontem na minha visita ao Blogue, li um relato do Zé Teixeira (2) acerca de um bombardeamento efectuado pela Força Aérea na zona de Gadamael em 1969, e tendo em vista precisar a data do mesmo, decidi - sem qualquer intenção de entrar em preciosismos - dar o meu contributo (3).

Aí vai: No dia 6 de Janeiro de 1969, cerca das 8 horas da manhã as forças do PAIGC, estacionadas na antiga pista do quartel abandonado de Sangonhá, iniciaram um ataque bastante cerrado com armas pesadas ao Destacamento de Ganturé, tendo caído algumas granadas no interior do mesmo.

O pessoal do destacamento [de Ganturé] respondeu com morteiro 81 e 60, mas o ataque continuava. Então pediram apoio a Gadamael, que reagiu com mesmo tipo de armamento e, se a memória não me falha, também com o obus 8,8 [, ou peça de artilharia 11,4 ?].

Mesmo assim a festa não parava e então pediu-se o apoio aéreo, que surgiu, composto por dois Fiat.




Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 28: "Cufar, 1966 - Artilharia no quartel de Cufar, Obus 8,8 cm".

Foto e legenda: © Benito Neves (2007). Direitos reservados.



Pediram-nos a localização provável de onde estávamos a ser atacados, e que sinalizámos com granadas de fumo, disparadas pelo morteiro 81. Dirigiram-se para essa zona e de imediato começámos a ouvir rajadas - eram de anti-aérea - e nós perguntámos aos pilotos se eram eles que estavam a fazer fogo, tendo-nos respondido que não! Então numa conversa entre ambos os pilotos, ouvimos um deles dizer ao outro "senti qualquer coisa no meu aparelho"! E comunicaram-nos que iam regressar a Bissau.

Passado algum tempo regressaram 4 Fiat e mais tarde 2 T-6 e uma DO [- Dornier 27]. Entraram pelo lado de Cacine e de imediato iniciaram o lançamento de bombas, cuja explosão era perfeitamente audível e sentida através de fortes tremores do solo. (Estávamos a uma distância de cerca de 6/8 Kms em linha recta).

A operação terminou cerca das 13 horas. Na tentativa de sabermos exctamente o que tinha acontecido, eu e o Rodrigues (ex-Alferes Miliciano) reunimos um grupo razoável de voluntários, e pedimos ao Capitão para nos deslocarmos ao local, mas a nossa pretensão não teve acolhimento. Apanhámos um grande balde de água fria!

Somente no dia 9 [de Janeiro de 1969, três dias depois], com apoio aéreo, é que fomos ao local. No percurso encontrámos carretéis de fio telefónico com uma extensão de cerca de 4/5 kms, abrigos individuais ao lado da estrada, e, na antiga pista [ de Sangonhá], armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e 13 sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de 36 mortos confirmados e muitos feridos.

O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefacção! Os abutres (jagudis) às dezenas! As árvores queimadas! Enfim...

Fico-me por aqui. Um abraço e até Bissau

José Rocha


Aeronaves DO-27, T-6 e Fiat 91 G (por ordem) > Fotos: gentileza de Victor Barata, membro da nossa tertúlia, criador e fundador do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74

2. Comentário de L.G.:

Até Bissau, camarada Rocha, grande Drácula de Guileje! ... Obrigado pelo teu testemunho em directo!... Que vale ouro ! Tu não relatas algo que tenhas ouvido falar (em Bissau, na esplanada da 5ª Rep, o Café Bento, ou à beira do Geba, a comer ostras e a beber cerveja)... Não, camarada, tu estiveste lá, em Sangonhá, três dias depois, em 9 de Jeneiro de 1969. 

E viste com os teus próprios olhos, que a terra há-de comer, a terra vermelha calcinada de Sangonhá e os corpos carbonizados, desmembrados, dos combatentes do PAIGC... Ali ao lado, em Chamarra, o Zé Teixeira só podia imaginar o chão juncado de mortos, os gritos dos feridos, o desespero dos vivos tentando escapar e arrastando os feridos para a protecção da mata...

Quando formos a Guileje (ou Guiledje), no dia 1 de Março de 2008, no próximo sábado, eu quero ouvir-te contar o resto da história de Sangonhá... Foste parco nas palavras, o que eu entendo... Ao que ocorreu em Sangonhá (de eu nunca tinha ouvido falar), chamei-lhe massacre... Não estou a exagerar, pois não ? Haverá ainda antigos guerrilheiros do PAIGC, sobreviventes deste terrível bombardeamento da nossa Força Aérea ?!... Se sim, gostaria de ouvir os seus depoimentos, para podermos finalmente juntar as peças do puzzle e fazer mais um pequeno luto do grande luto que foi esta grande tragédia, para a nossa sacrificada geração...

Se alguém passar por Sangonhá, deixe uma simples flor, silvestre, colhida no mato, e uma tosca cruz nas imediações da actual povoação, para lembrar aos jovens guineenses (e aos eventuais turistas distraídos que por lá passarem, por engano) que, naquela terra, houve bravos guineenses que foram massacrados pela FAP - Força Aérea Portuguesa, numa luta desigual, em 6 de Janeiro de 1969... Não estou a fazer nenhum juízo de valor sobre os nossos camaradas da Força Aérea que fizeram o seu dever, bombardeando as posições do PAIGC, tal como os combatentes do PAIGC faziam o seu dever, combatendo-nos e matando-nos... Estou só a constatar a brutalidade da guerra na Guiné...

Na altura o PAIGC ainda não tinha os Strela, apenas algumas velhas anti-aéreas (5)... Mas em Sangonhá, e por todo o Tombali, também morreram tugas, inúmeros camaradas e amigos nossos... Verguemo-nos à memória de todos esses bravos, de um lado e de outro, que a morte ceifou no auge da vida... Que o seu supremo sacrifício não tenha sido em vão!... Que todos nós e os nossos filhos e netos possam aprender com os erros (trágicos) do passado e com a brutalidade da guerra, de todas as guerras...

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1568: Álbum das Glórias (8): Os Dráculas, CART 2410, Guileje (José Barros Rocha)

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)

(2) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2545: Blogoteria (41): Guileje, Gadamael, Mata do Cantanhez... e a memória das gentes (José Teixeira)

(...) "Chamarra, 16 de Janeiro de 1969:

"Gadamael foi teatro de uma das maiores lutas no Ultramar entre a Força Aérea e o IN.O resultado, pelo que dizem, demonstra bem o poder da aviação e sobretudo mostra que os homens se matam sem compaixão e mesmo neste caso em que as nossas forças lutam para manter a ordem, não há homem, creio eu, que não sinta o coração sangrando, quando vê o inimigo a sofrer, numa luta desigual.

"Quando os Fiat sobrevoaram o IN, foram metralhados por uma quádrupla anti-aérea. Deixaram 200 kg da sua carga mortífera e foram buscar mais. Os bombardeiros T6 apareceram também e durante duas horas foi um descarregar de bombas. Nós só víamos os aviões à distância e ouvíamos o estrondo dos rebentamentos, mas calculámos que tenha sido uma luta terrível, tal a quantidade de chocolate que estourou.

"Eu imagino o chão juncado de cadáveres, regado com o sangue dos mortos e feridos, imagino os gritos lancinantes dos feridos ao verem a vida a fugir-lhe. Parece-me que estou a ver os que ficaram ilesos carregar os mortos" (...).



(3) Vd. postes anteriores da série Estórias de Guileje:

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

(4) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2535: PAIGC - Instrução, táctica e logística (9): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (IX Parte): Defesa anti-aérea (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2573: Futebol em Bedanda, CCAÇ 6, 1971/72 (Ayala Botto / Mário Bravo)

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72 > O Alf Mil Médico Mário Bravo e o terceiro, de pé, a contar, da esquerda. Da primeira fila, à direita, segurando a bola, então Comandante da CCAÇ 6, Ayala Botto que, na Guiné, também foi ajudante de campo do Gen Spínola. 

 Foto: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados 


  1. Mensagem de Ayala Botto, Cor Cav, na reforma, e membro da nossa terúlia (1) 

 Assunto - Poste do nosso Dr. Mário Bravo (2) 

 Caro Luís Graça: 

 A foto do nosso ilustre clínico... Reconheço: em pé o Dr. Bravo, à sua direita o Alferes Teixeira da Silva, Cmdt do 4º Pelotão e à direita deste penso ser o 2º Ten Serradas Duarte que nos ia abastecer mensalmente, via marítima. À esquerda do Bravo, parece-me um Alferes Açoriano de que não me lembro o nome. Em baixo à esquerda, creio ser o Alferes Artilheiro e na ponta direita este seu amigo, com a bola e muito magro em relação a hoje! 

 Um abraço e obrigado pelo excelente trabalho Carlos Ayala Botto 

  2. Comentário do Mário Bravo (3) 

 Caro Luis: Conforme sugeres, vou dar resposta ao mail do Ayala Botto, através do blogue. Na fotografia da futebolada, tenho a dizer que os dois atletas de barbas são da Marinha. O artilheiro, em baixo, chama-se Baltasar e o outro, em pé, é mesmo açoreano e chama-se Borges. Eu digo chamam-se e espero ter razão ! 

 Há cerca de oito dias, ligou-me para o telemóvel o António Pimentel, pois tinha dúvidas acerca de mim. Julgava que eu era de Vizela, próximo de Guimarâes. Lá me contou, durante um bom e agradável bocado de tempo, das iniciativas de ida à Guiné e também de um almoço que fazem de modo regular. Disse-me que se juntam em Matosinhos, numa tasquinha à maneira, para comerem umas especilaliades gastronómicas e também vinicolas- q.b.! (4) 

 Brevemente irei enviar mais fotos e noticias. Agora vou parar.

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd poste de 6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola

(2) Vd pos21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2566: Em busca de ... (21): Malta de Bedanda, do futebol e dos serviços de saúde (Mário Bravo, Alf Mil Médico, CCAÇ 6, 1971/72)

(3) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)

(4) O António Pimentel (ex-Alf Mil Rec Info, CCS/BCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro, 1968/70) é um dos nossos queridos camaradas (de armas) e companheiros (de mesa) da Tertúlia do Norte... Está neste momento a caminho de Bissau, devendo já estar na Mauritânia... Aproveitamos para mais uma vez desejar-lhe boa viagem: que os bons ventos de África o leve, a ele e aos restantes camaradas (Álvaro Basto, Xico Allen, etc.), direitinho a Bissau, com saúde e alegria... Vd. postes de:

21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2567: Ser solidário (6): Pimentel, Álvaro Basto e Xico Allen: Juntos a caminho de Bissau, na rota do Porto-Dakar (A. Marques Lopes)

24 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2476: Ser solidário (2): Notícias do Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)

A Tertúlia de Matosinhos (ou do Norte) reune-se habitualmente na Casa Teresa, junto ao Porto de Leixões, às 4ªs feiras, à hora de almoço. Mário, espero que um dia possas aparecer.

5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2329: O Hino de Gandembel cantado ao vivo na já famosa Casa Teresa, em Matosinhos, sede da delegação Norte da Tabanca Grande

31 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2395: Tertúlia de Matosinhos: Jantar de Natal, 27 de Dezembro de 2007 (Luís Graça / Zé Teixeira)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2572: As Nossas Madrinhas de Guerra (4): Madrinhas de Guerra (II) (José Teixeira)



José Teixeira
ex-1.º Cabo Enfermeiro
CCAÇ 2381
Buba, Quebo, Mampatá


1. O nosso camarada José Teixeira enviou-nos mais uma história, destinada à nova série As Nossas Madrinhas de Guerra, que como quase todas as suas intervenções, foca o aspecto mais humano e menos bélico da sua experiência como Enfermeiro na Guiné.

2. Madrinhas de Guerra (II)
Por José Teixeira

Pouco antes de partir para a aventura na Guiné, cruzei-me com uma amiga de alguns anos, a Arminda. Logo me pediu para ser minha madrinha de guerra e lá escrevi a sua morada na listagem de candidaturas, poucas, às quais nunca fiz a vontade.

Nos dois extensos anos que vivi no ambiente de guerra escrevi e ditei algumas cartas para madrinhas de guerra e ou namoradas, para pais de namoradas a pedir autorização de namoro, ou para no regresso da guerra, poder namorar à porta de casa, mas para os outros.
Eu, por opção pessoal não tive madrinha. No entanto, a Arminda foi-me muito útil no acompanhamento de um camarada que infelizmente viveu um terrível drama amoroso.

Quando após regressar, e me encontrei com ela identificando assim, o estranho amigo a quem o meu camarada, surripara a sua morada é que ela entendeu toda a trama.

Vamos a factos.

Já lá iam cerca de oito meses de comissão, quando o Esgalgado, alcunha de um camarada, cujo nome real nunca me deu para memorizar, começou a aparecer na caserna em Buba, pelas duas três horas da manhã, com umas cervejas a mais no estômago. Tinha uma voz grossa e incomodativa, uma língua comprida e afiada. Acordava meia caserna e eu sendo o seu companheiro do lado era o maior mártir.

Cansado de tanta perturbação, para quem dia sim dia não abalava às cinco da matina para montar a protecção à equipa de Engenharia que andava a construir a nova estrada de Buba para Quebo, dispus-me a pegar nele por um braço e trazê-lo para fora da caserna, com o objectivo de tentar saber o que se passava, a razão de tão grande mudança no seu comportamento, que nos estava a afectar a todos.

Caso bicudo. Casado, com um filho. A esposa queixava-se que não recebia correspondência, embora lhe escrevesse todas as semanas.

Por outro lado um tio viúvo, irmão de sua mãe, o qual, na sua partida para a Guiné, lhe propusera a cedência a título gratuito, de uma pequena casa de sua propriedade, mesmo ali ao lado da que habitava. Uma forma da esposa, (operária têxtil) e filhinho viveram, baixando assim os custos com o aluguer. Este, escrevia-lhe contado cenas de infidelidade da esposa, enquanto a mãe lhe escrevia a dizer que era tudo mentira o que o tio escrevia, pois a jovem esposa, passava muito tempo em sua casa e lhe era profundamente fiel.

Esta confusão gerou no Esgalgado uma perturbação psíquica, que o levou aos copos em excesso, ao isolamento e a uma irritabilidade permanente que ainda afastava mais os camaradas.

Amenizado o problema com o desabafo, que durou até ao amanhecer, encontradas formas de evitar o extravio da correspondência, enviando-a para a direcção de sua mãe, a calma voltou à caserna, dois ou três dias depois.

Veio de férias à Metrópole. Regressou e a vida foi continuando.

Tempos mais tarde, o seu comportamento alterou-se de novo. Embora não me afectasse directamente, senti que ele era de novo rejeitado e menosprezado pelos camaradas. Os conflitos pessoais sucediam-se, pelo que, numa alta madrugada em que o vi no exterior da caserna com a G3 na mão, provoquei novo encontro e fiquei apavorado com o que ouvi.

O cerne da questão agora estava no tio que sempre mantivera a versão de que a mulher lhe era infiel.
Este senhor, tinha convidado a sobrinha por afinidade a ir a Lisboa com ele, onde iria tratar de uns assuntos pessoais. Pagou-lhe a passagem de barco do Barreiro, onde moravam, para a capital, o almoço, o jantar e. . . também queria pagar-lhe a noite a dois.

Ela rejeitou, fugiu-lhe e foi para casa da sogra viver, desde então.

Naturalmente que o meu amigo ao saber, ficou profundamente perturbado e concluiu que afinal quem desviava a sua correspondência era o seu querido tio.


O sonho dele agora era regressar para matar o familiar a quem confiara a esposa.

Foram muitas horas de conversa, passei a ser o melhor amigo, o confidente.
Como complemento arranjei-lhe uma madrinha de guerra à altura. Dei-lhe a morada da Arminda e desafiei-o a escrever-lhe e convidá-la para madrinha de guerra, sem denunciar a pessoa que lhe indicara o seu nome para madrinha.

Estranhou que na resposta, ela logo quisesse saber o seu estado civil.

E agora! Quando souber que sou casado manda-me dar uma volta. Comentava ele, que possivelmente tinha pensado num namorico

Não. Diz-lhe a verdade, insisti eu.

Assim fez. Para seu espanto, ela pediu-lhe de imediato a morada da esposa. Mais um estranho pedido, que foi atendido com alguns custos, enquanto lhe ia contando um pouco do seu drama. Ela exigiu que ele escrevesse uma carta à esposa a dizer que tinha uma madrinha de guerra. Ficou perturbado, mas por pressão minha, anui.

Uns tempos depois elas, encontraram-se algures em Lisboa.

O restante tempo que passou na CCAÇ 2381, até regressar ao Barreiro, foi calmo. Recebia todas as semanas carta da esposa e da madrinha de guerra. Queria que eu as lesse, mas apenas aceitei as da minha amiga, que continuava intrigada, quanto à forma como ele tinha sacado a sua morada.

Tornou-se uma excelente confidente. As suas cartas ajudaram-no imenso a ultrapassar o seu problema. Mas, estava lá dentro do seu espírito o veneno, que não o deixava em paz: a atitude de seu tio. Nunca mais teve paz aquele jovem.

Numa das nossas conversas que se prolongavam, noite dentro, descobri que outrora um seu irmão tinha falecido em combate em Angola. Logo lhe propus uma carta para o Comandante Chefe a expor a sua situação e pedir o fim de comissão, pois segundo uma lei existente, quem tivesse irmãos mortos em combate, podiam se o requeressem furtar-se a ir para o então Ultramar.

Oito dias depois, tinha na mão Guia de Marcha para Lisboa, uns dois meses antes do fim da Comissão.

Consegui desenfiar-me para uma consulta no Hospital em Bissau e acompanhei-o ao barco na sua partida da Guiné.

Mais calmo e com toda a situação plenamente esclarecido, lá partiu, deixando três promessas a este amigo.

1 - Não faria qualquer mal ao tio.
2 - Iria esperar a sua Companhia ao Porto de Lisboa.
3 - Ia escrever-me a contar a evolução da situação.

Deixou-me estupefacto, mas feliz com uma confidência de última hora, no abraço de despedida em que ambos chorávamos de alegria e de medo de não nos tornarmos a encontrar: - Quando naquela noite em Empada, vieste ter de novo comigo e eu tinha a G3 na mão, salvaste-me a vida, pois tinha-a ido buscar para dar um tiro nos cornos!

Até hoje, nunca mais consegui notícias dele. Soube por camaradas comuns, que já faleceu. Paz à sua alma.

A Arminda, essa ficou de boca aberta, quando uns tempos depois, nos encontrámos e soube a outra parte da estória. Também ela perdera o contacto desde o tempo em que ele a informara que ia regressar. Ainda escreveu para a esposa, sem resultado.

Zé Teixeira
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Nota dos editores:

Vd. último post da série de 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2562: As Nossas Madrinhas de Guerra (3): Quem as não teve ? (Luís Graça / João Bonifácio / Paulo Salgado)