segunda-feira, 27 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4253: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (3): CCAÇ 816, segura por franqueletes

1. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 23 de Abril de 2009:

Caros camarigos (gosto desta palavra) Luís, Vinhal e Briote:
Recebam um grande abraço + votos de muita saúde extensivos a todos os ex-combatentes da Guiné, ainda mais para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Envio-vos mais um episódio das “minhas memórias” que, se julgarem apropriado, publiquem no nosso Blogue.

Rui Silva


A Companhia (816) segura por franqueletes

21 de Abril de1966

Das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”


...Na operação seguinte fomos a Maqué.

Maqué, outrora (antes da guerra) uma pequena povoação situada em pleno Oio, ficava na estrada que ligava Bissorã a Olossato sensivelmente a meio do percurso e um pouco depois da carreira de tiro (os velhinhos da 643 - Bissorã - e os da 566 -Olossato - assim chamavam aquele ponto da estrada de balcada comprida e marginado de denso e alto capim e com muitas palmeiras à mistura). E quem se lembra do gigante Poilão (diziam ser o maior da Guiné) mesmo ali à entrada do carreiro para Maqué e mesmo na berma da estrada Bissorã - Olossato? A sua raiz dava bancos para muita gente se sentar e descansar após mais uma odisseia batalhada no embrenhado mato por ali perto. Era a espera das viaturas. Muita laranja e cajú por ali também. Mais à frente, a ponte sobre um sub-afluente do rio Cacheu que quando destruída pelo inimigo obrigava-nos a trabalhos redobrados que era a fazer o transbordo dos abastecimentos à mão (e às costas) de uma coluna-auto para a outra. Algures ali perto, bem metida no mato e do lado Norte, ficava a casa-de-mato de Maqué. O inimigo por ali perto, respirávamo-lo.

Posso agora dizê-lo, que Maqué foi, verdadeiramente, a única casa-de-mato na área da nossa jurisdição, que nunca conseguimos descobrir ou identificá-la como tal. Tínhamos informações quanto a efectivo, armamento e outras características, mas nunca soubemos onde se instalava efectivamente o refúgio inimigo. Ao que se sabia eles usavam a táctica de mudar o lugar de refúgio com frequência para assim iludir a tropa. Eles também tinham as suas tácticas…

Por outro lado, nunca tínhamos apanhado ninguém que conhecesse essa casa-de-mato,e que nos viesse a servir de guia ou, se apanhamos, nunca se conseguiu saber, quer a bem quer a mal. Chegamos a fazer lá operações com guias de Olossato que conheciam mais ou menos a zona, operações feitas um pouco à sorte a ver se o acaso nos proporcionaria o descobrimento do refúgio terrorista de Maqué.

Nesta operação, a que me venho a referir, estávamos a 21 de Abril de 1966 e a noite estava muito escura e com total ausência de luar. Prenúncio do tempo de chuvas que estavam para chegar?

Sei que a obscuridade era total e a mata era bastante densa pois a Companhia progrediu em corta-mato, daí…

Também se deu a história de, a páginas tantas, atravessarmos um largo e relativamente fundo charco e na altura ouvir um ruído animalesco que um dos indígenas, carregador de granadas, que logo pareceu mudar de cor (preto-claro?) do grupo, admitiu ser um crocodilo. Com razão ou não, o charco nunca mais acabava para os que lá iam dentro na altura. Para quem andava numa vida de assustado o susto até nem foi muito.

Então naquela saída cada um prendeu um franquelete – pequena correia do equipamento de mochila - com cerca de meio metro de comprimento, ao nosso cinto, e atrás nas costas. Assim para que ninguém se perdesse, cada um segurava, bem entrelaçada na mão, a ponta livre do franquelete do que o precedia na coluna, e portanto esta ia toda ligada como se todos se segurassem à mesma corda. Coisa caricata e então, se vista de avião…

Se o da frente andava mais depressa obrigava naturalmente o de trás a acompanhá-lo na corrida, pois, como este entrelaçava a mão no franquelete daquele, tinha forçosamente de andar mais depressa também, o que obrigava, necessariamente, ao que o seguia a fazer o mesmo e assim sucessivamente. Acontecia, às vezes, para desespero nosso, que uma pessoa se via puxado para a frente e para trás ao mesmo tempo, e deste jeito parecia que o corpo ia dividir-se com tal força dos 2 lados opostos e o infeliz do pressionado, desesperado, a não querer largar de forma alguma a ponta do franquelete a que se agarrava (era o estar agarrado à vida, pensávamos nós). Ninguém obviamente queria perder o contacto. Eram os da frente a andarem por vezes mais depressa e os de trás a verem-se em dificuldades para acompanhá-los. A gente sabia que pequenos esticões à frente os de trás tinham bem que acelerar. Era uma soma dos valores. Isto acontecia sempre no mato quer fosse de dia ou de noite. Então, claro, quanto mais atrás se desse a esticadela, maior era a confusão. No entanto era a melhor maneira de nos precavermos quanto a uma cisão da coluna, que numa noite de rara escuridão, daria origem a que alguém se perdesse, o que seria um grande problema e o que já tinha acontecido - lembrar operação Biambi quando ainda estávamos em Bissorã -.

Desta feita, e como até aí tinha acontecido, esta ida a Maqué também não resultou em algo, e eles, que por certo deram conta da nossa presença, não se fizeram aparecer. Limitamo-nos a destruir e a queimar as palhotas suspeitas que iam aparecendo ao caminho e que deixavam vestígios de recém-abandonadas o que era indicativo de serem habitadas por pessoal comprometido com os turras senão mesmo turras. Mas de casa-de-mato pareciam pouco. Ficavam então por ali ao abandono, tal era a pressa do pessoal turra em sumir-se, diversos animais de criação doméstica, nomeadamente, galinhas, porcos, cabritos, etc., etc., o costume, que a malta, principalmente os carecidos indígenas, tratava logo de apanhar. Então era o que verdadeiramente se ganhava ao fim e ao cabo. A carência dos ocasionais predadores e estes atrás das assustadas e também ocasionais presas provocavam correrias em zig-zag com peripécias que davam para rir a bom rir. Depois era ver os indígenas de tacha arreganhada e com o troféu debaixo do braço ou puxado por uma improvisada corda, eles que não davam o tempo e o dispêndio físico por mal empregados. Eram os premiados daquela operação.

Bom, toda esta narrativa não contém nada de especial a não ser o insólito da Companhia progredir ligada ininterruptamente por franqueletes, e de Maqué ter ficado atravessado no goto do pessoal da 816 pois nunca descobrimos a verdadeira casa-de-mato de Maqué, ao contrário dos fortes refúgios de Morés, Iracunda, Cansambo, Joboiá, Missirá e tantos outros ali à nossa volta e na área da nossa operacionalidade que a Companhia sempre enfrentou e combateu com destemor.
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(*) Vd. postes de:

31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo
e
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés

Guiné 63/74 - P4252: Os Bu...rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)

1. Mensagem de Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, com data de 22 de Abril de 2009:

Caríssimos LG,VB e CV
Aí vai alguns considerandos sobre a Ponte Caium
Alfa Bravo
Luís Borrega


Destacamento da ponte de Rio Caium visto da margem direita do Rio Caium

DESTACAMENTO DE RIO CAIUM

UM BU... RAKÃO


Na perspectiva do Gen Almeida Bruno, Colónia Balnear de Férias para os “BANDOS ARMADOS” da CCav2749/BCav 2922 (PICHE 1970/1972)

Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça.

O Destacamento de Ponte Caium, em conjunto com o Destacamento de Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) pertenciam à CCav 2749.

Ponte Caium tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que o Destacamento podia aguentar.

No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição.

Para o comandante do BCav 2922 (Ten Cor Raúl Augusto Paixão Ribeiro), não era prioritário ir reabastecer-nos. Tivemos de esperar pela coluna de reabastecimento a Buruntuma, para recebermos os géneros necessários à manutenção do Destacamento.

E como era o Destacamento da Ponte de Rio Caium?

Era uma ponte estreita em pedra e cimento com 59 metros de comprimento sobre o Rio Caium, na estrada Piche – Buruntuma. Estava situada a 17,5 km de Piche, a 3,5 Km do Destacamento de Camajabá (pertença da CCav 2747 sediada em Buruntuma) e a l8,5 Kms de Buruntuma.

O aquartelamento estava instalado no tabuleiro da ponte. Dois abrigos à entrada e dois abrigos à saída. Estes eram feitos de bidões de gasóleo de 200 litros, cheios de terra, uns em cima dos outros, cobertos com troncos e cimento por cima. Ao meio do tabuleiro a cozinha, o depósito de géneros e o refeitório. Eram uns barracos, cujo telhado eram chapas de zinco. Havia ainda um nicho com uma santa e do lado esquerdo (sentido Buruntuma) estava o forno.

Como armamento pesado tínhamos um Canhão S/recuo montado num jeep e um morteiro 81 mm num espaldão apropriado. O restante do armamento era HK21 e RPG 7 apreendidos ao IN

Dilagramas, morteiro de 60 mm e G3 distribuídas pelo Grupo de Combate.

Para nos reabastecermos de água (para beber, cozinha e banhos) tínhamos que nos deslocar a 2 km do aquartelamento, a um poço cavado no chão, com um Unimog a rebocar um atrelado carregado com barris de vinho (50 litros) vazios, que eram cheios com latas de dobrada liofilizada, adaptadas para o efeito.

Como era de difícil solução a localização de um heliporto, foi decidido superiormente, manter sobre a estrada, uma superfície regada com óleo queimado, para a aterragem de helicópteros.

Como se pode imaginar, nas horas de lazer o tempo era preenchido a jogar cartas, ler, escrever à família. Quase todos os dias tínhamos saída à agua, patrulhamento às áreas em redor, etc.

Os dias e as noites eram passados nos limites do espaço, do tempo, na expectativa dum ataque – e quando este começasse, já estaríamos cercados por todos os lados, porque ali não havia milícias, nem tabanca, nem pista de aviação ou possibilidade de retirada (só saltando o parapeito da ponte e atirarmo-nos ao rio uns bons metros mais abaixo).

A desvantagem da área diminuta tinha contrapartidas benéficas: era mais difícil ao PAIGC acertar com os morteiros e a nossa artilharia tinha mais à vontade nos tiros de retaliação, nos limites do alcance das peças de 11,4 instaladas em Piche.

Se o General Almeida Bruno tivesse sobrevoado o Destacamento a bordo dum Alloette ou numa DO 27, certamente teria pensado que ali estaria alojada a “Colónia Balnear de Férias” do BCav 2922 para premiar os seus “Bandos Armados”.

Ali tínhamos praia fluvial (não era aconselhável ir a banhos por causa dos Crocs), caça grossa (aos Crocodilos e a outras espécies cinegéticas)e pesca.

Pensaria de certeza que a boa vida que levava em Bissau, na messe de oficiais e também no Palácio do Governador (onde deve ter almoçado e jantado bastantes vezes) era inferior à vida que os “BANDOS ARMADOS” levavam na sua Colónia Balnear de Ponte Caium (cercada do tão falado arame farpado).

No dia 27 de Junho de 1971, pelas 22,00 h, um grupo IN estimado em 30 elementos, flagelou o Destacamento com morteiros 61 mm, RPG 2 e RPG 7 e com armas automáticas ligeiras (Kalash e PPSH vulgo costureirinhas) causando um ferido às NT. A rápida e certeira retaliação obrigou o IN a retirar deixando rastos de sangue, indicando terem tido baixas.

Nesse ataque, apesar de ter um vasto palmarés de ataques e emboscadas, não estava presente junto do meu Grupo de Combate (3.º GC/CCav 2749), não me lembro concretamente do motivo, mas pela data só poderia ter ido render algum graduado por motivo de férias no Destacamento de Cambor (situado na estrada Piche-Canquelifá) ou estar envolvido nalguma operação de minagem nas margens do Rio Corubal em conjunto com os sapadores da CCS/BCav.

Caros Camarigos LG, CV e VB

Espero que o Corpinho esteja Jametum.

Em resposta à solicitação do Luís Graça, para falarmos dos BU… RACOS da Guiné estou a enviar uma estória acerca de um desses Bu… racos.

Espero que informaticamente façam o tratamento adequado.

Manga di Saúde
Alfa Bravo
Luís Borrega
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)

domingo, 26 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4251: FAP (26): Em louvor dos sargentos pára-quedistas do BCP 12 (Manuel Peredo, ex-Fur Mil CCP 122, 1972/74)

Guiné > Forças da CCP 122 / BCP 12 > Algures,s /d > Da esquerda, para a direita, o Fur Mil Fernandes, caboverdiano; ao centro, o Sargento Carmo Vicente ; à direita, o Manuel Peredo, Sargento... Os três sargentos do 4º Pelotão do CCP 122 estão equipados com armamento do PIAGC...O Manuel Peredo ostenta o RPG2, o temível LGFog usado pelos guerrilheiros do PAIGC.

Foto: © Manuel Peredo (2008). Direitos reservados


Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára-quedista (CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74) (*) deixou o seguinte comentário ao poste P4239, de 23 de Abril (**):

Se eu tivesse um décimo do talento literário de alguns bloguistas,teria uma participação mais activa.Desde que descobri o blogue,não consigo deixar passar um dia sem o consultar,o que não é muito do agrado da minha mulher e devem imaginar porquê.

Tudo o que aqui se diz sobre Gadamael me toca profundamente porque também eu vivi esses dias terríveis,mas aqueles que vieram de Guileje para Gadamael deviam ter ficado afectados psicologicamente para toda a vida.

O que o João Seabra, José Casimiro Carvalho,Manuel Reis e outros dizem sobre os pára-quedistas deixa-me imensamente orgulhoso de ter pertencido a essa tropa especial. O João Seabra diz que não compreende porque é que nenhum pára foi condecorado pelos serviços prestados em Gadamael.Se calhar ninguém se destacou em especial. Se o José Casimiro Carvalho não teve direito a nada, eu e outros também não merecíamos ser louvados ou condecorados.

O João Seabra faz bem em enaltecer o trabalho dos sargentos pára-quedistas que pertenciam ao quadro. Todos eles já tinham uma ou duas comissões no ultramar. Mesmo os oficiais e furrieis milicianos aprendiam muito com eles.

Faço aqui um reparo. Eles não eram promovidos por mérito, salvo talvez em raras excepções. Todos eles começaram como simples soldados e os melhores eram convidados a seguir a carreira militar. Os que aceitavam, tiravam o curso de sargentos, findo o qual passavam a cabos aprovados e depois iam subindo de posto em função dos anos de serviço,o mesmo acontecendo com os milicianos.

O Carmo Vicente (***) foi meu colega no quarto pelotão da CCP 122 e acho que chegou a ser comandante do mesmo pelotão durante algum tempo. Quando havia falta de alferes milicianos, os pelotões eram comandados pelos sargentos mais antigos,mas apenas por um tempo limitado. Raramente um sargento era operacional 24 meses.

Acalento a esperança de um dia poder participar num encontro nacional para poder trocar opiniões, em especial com o João Seabra, José Casimiro Carvalho, Manuel Rebocho, Victor Tavares e outros (****).

Por hoje tenho dito e aqui deixo um abraço para todos.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)

(**) Vd. poste de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)

(***) Vd. postes de:

4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname

5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2950: Com os páras da CCP 122 / BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (4): Opiniões (Carlos Silva / Nuno Almeida)

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2953: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (5): Fomos capazes do melhor e do pior (Virgínio Briote)

(****) Sobre a batalha de Gadamael, vd. entre outros os seguintes postes:

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)

16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)

sábado, 25 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4250: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (2): Quem tramou a CCAÇ 2317? (Idálio Reis)

1. Mensagem de Idálio Reis (1), ex-Alf Mil da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana , 1968/69, com data de 25 de Abril de 2009:

Meus caros Luís, Carlos, Virgínio e demais companheiros Tertulianos.

Só ontem pela tarde, me foi possível reaver o último volume desta colecção que o «Correio da Manhã» vem apensando às quartas-feiras.
E o Blogue, traz à liça uma mensagem do Alberto Branquinho (P4241) (2), em que com uma firme veemência sublinha que sobre Gandembel se expressam apenas referências avulsas, que apenas conseguem transmitir de uma forma bastante mitigada, os múltiplos acontecimentos passados naquele infernal palco de guerra. Corroboro inteiramente com tal asserção.
No dia 16 de Fevereiro de 2007, em que inicio a publicação (P1530) (3) da História da minha Companhia – a CCaç 2317 -, refiro a determinada altura com base numa interrogação que a mim próprio formulei “Quem tramou a Companhia?”, o seguinte:

Ao fim de 2 meses, o treino operacional findava. A tropa da Companhia, parecia estar, em definitivo, inteiramente apta para enfrentar qualquer situação de guerra, fosse onde fosse. Tantos enganos!
Para o atestar, não houve qualquer rebuço em nos meterem numa LDG, rio Geba abaixo, rumo ao Sul da Província. Em Cacine apeámos, e a 20 de Março chegávamos a Guileje, e ninguém pressagiava a sinistra e fatídica odisseia que doravante estava reservada à CCaç 2317.

Ao mandar construir um destacamento fixo, em zona onde o PAIGC detinha um quase inteiro domínio territorial, o Estado-Maior do Comando Militar da Província cismou numa táctica militar imprudente, reveladora de uma grosseira insânia, destituída de qualquer preconceito, tanto mais que assentava no propósito de minimizar o poderio militar do adversário. Quem ousou pensar nesta decisão?

Parece que, para os toldados mentores desta ultrajante aventura, o valor da conveniência estava exactamente a par do valor da vida humana, tentando de qualquer modo, atingir-se um putativo fim, sem minimamente se olharem aos meios.
Não o haviam conseguido até então, e compelia-se uma Companhia sem qualquer experiência, a desempenhar um papel de protagonismo em permanente risco de vida, o de desamparados peões de briga, quais meros joguetes de uma estratégia insolente, e que vai precisar de uma ajuda constante, para não vir a ser dizimada.

Eu que vivi esses tempos tão sofridos, sem hiatos, ao tentar procurar entender esta resolução, não a descortino. E julgo que se cometeu uma ignóbil e hedionda manobra estratégica, que se viria a revelar desastrosa para todas as tropas que estiveram envolvidas nessa infinda operação.
Ainda que esta eventual operação de acantonamento, obrigasse o PAIGC a alterar a sua conduta militar de forma acentuada, este nunca deu mostras de soçobrar. Ao contrário, quase sempre demonstrou apresentar uma organização à altura das circunstâncias que as NT lhe tentavam mover. Apesar de reconhecer que tiveram que reforçar o seu poderio militar, bem atestado na forma como veio a agir, o abandono de Gandembel só pode apresentar uma leitura consequente: mais uma vez, as NT soçobraram naquela zona.

E se o desaire não é de todo gorado, tal deve-se ao preponderante papel desenvolvido pelas tropas pára-quedistas, que se cruzaram connosco nesta aventura, pela forma extremamente meritória como o souberam assumir. Foram as verdadeiras tropas de elite, que num momento particularmente conturbado para nós, apearam em Gandembel, e coube-lhes a ousadia de conseguirem suster quase radicalmente as acções do PAIGC.

Mas, no deve e haver, ficaram a perdurar para sempre, os resultados de uma sentença muito pesada. E estes, sem margem para quaisquer dúvidas, vieram a redundar num rotundo e plangente fracasso, pela quantidade de mortos e estropiados, dos feridos graves, e dos evacuados com maleitas várias, estas doenças que nos vêm chagando no nosso quotidiano.
Já alguém apontou no nosso blogue, o número de 52 mortos e muitos feridos graves. Torna-se-nos muito difícil atestar este valor, mas do que me foi dado a observar e conhecer, considero que as tropas que estiveram mais ou menos envolvidas com a odisseia de Gandembel, entre mortos e evacuados para Lisboa (feridos e doentes), atingem seguramente a centena de homens.

Os custos materiais, não contam para mim, mas mesmo aqui, quantas razões de queixa a lamentar, onde à falta de tantos meios, até a fome chegou a pairar, não por falta de comida, mas porque houve um longo tempo que se tornou difícil de tragar por manifesta má qualidade.

Oxalá que não seja por este conjunto de razões, que os factos bélicos que atravessaram as vivências de Gandembel/Ponte Balana, estejam praticamente omissos nos arquivos histórico-militares, e que acabarão fatalmente por se apagarem, pelo inexorável determinismo da lei da vida. E por isso, sinto-me profundamente chocado com este procedimento, que em nada enobrece a Instituição Militar.

Assim, trair-me-ia, se deixasse perder o passado, de uma parte fundamental das vidas destes deserdados filhos de um deus menor.
Em seu nome, dos que tiveram a desdita de me acompanharem neste longo pesadelo, que se prolongou principalmente entre os meados de Março de 1968 a Maio de 1969, e mormente dos que vimos afastaram-se precoce e compulsivamente do nosso seio, procurarei dar sinal dos amargos momentos vividos, que o denegrido baú das minhas memórias, ainda não arrumou de todo, apesar das poeiras de 4 décadas.

E no presente momento, em que estão a ser divulgadas 2 séries documentais de enorme valor para dar a saber o que foi a Guerra Colonial, obviamente fundamentadas em várias fontes, porventura chegou o momento de dar conhecimento do Historial da CCaç 2317, cujo original se encontra no Arquivo Histórico Militar, para tornar bem evidente que se trata do único documento oficial que conheço. E julgo que não há outro…

No que ele se exara, é uma arrepiante análise redutora do quotidiano da Companhia. O fautor desse Historial tão distorcido, que o houve, branqueou uma grande parte dos factos que efectivamente ocorreram, e para os que o lêem, muito pouco deixa transparecer do que essa negregada odisseia de Gandembel contextualiza.
Eis o que encontrei e que transcrevo na íntegra.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Idálio Reis, o homem-toupeira e o herói de Gandembel CCAÇ 2317, 1968/69), trocando impressões com o nosso anfitrião, o calmeirão do Joaquim Mexia Alves...

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



HISTORIAL DA CCAÇ 2317

Depois da chegada a BISSAU, no navio “QUANZA” em 24JAN68, no dia 14 FEV68 dirigiu-se a Companhia de BISSAU para MANSABÁ, a fim de realizar o Treino Operacional, ficando deste modo a depender operacionalmente do BCAÇ 1897. Durante este período, a Companhia, além de patrulhamentos diários, efectuou também variadíssimas operações. Aquando da Chegada desta CCAÇ a MANSABÁ, foi recebida a directiva operacional para que 1 GCOMB da mesma, fosse destacado para OLOSSATO.
Uma das acções primordiais desta Companhia pode dizer-se, contudo, que foi na região do OLOSSATO em 05MAR68, durante a operação “ALMA FORTE”, da qual resultou a captura de 2 elementos IN, à parte de 59 elementos (FULAS, MANDINGAS e BALANTAS) da população.

No dia 17MAR68, regressou esta CCAÇ de MANSABÁ, dirigindo-se em seguida para BISSAU.

Em fins de MAR68, verificou-se a partida da Companhia para o SUL, mais propriamente para GUILEGE, onde chegou a 23Mar68.

Em 28MAR68, foi a Companhia empenhada em manter a segurança a uma coluna de reabastecimentos GUILEGE – GADAMAEL e vice-versa. Tendo havido contacto com o IN, dele resultaram 2 mortos para as NT e 4 mortos confirmados para o IN.

Com o dia 08ABR68, chegou então a data da partida desta CCAÇ para GANDEMBEL, integrada na operação “BOLA DE FOGO” a fim de lá construir o Aquartelamento, onde ficaria instalada a Companhia. Nessa noite sofreram 5 flagelações no itinerário GUILEGE – GANDEMBEL, a cerca de 3 Km de GANDEMBEL, mais propriamente junto ao RIO BUNDO – BODO. As NT reagiram pelo fogo, tendo infligido uma baixa confirmada ao IN.
Quando a CCAÇ chegou a GANDEMBEL em 09ABR68, pelas 09H30, começaram imediata e intensamente a construir abrigos para todo o pessoal, procedendo-se em seguida à capinagem e desmatação do local do Aquartelamento. Vir-se-ia a verificar posteriormente que o Aquartelamento seria flagelado e atacado em média 3 a 4 vezes por dia o que, prejudicou o ritmo das obras de instalação neste novo quartel. No entanto, todo o pessoal “COM A PICARETA NUMA MÃO E NA OUTRA A ARMA”, manteve sempre elevado moral que é da maior justiça salientar.

Deste modo, se foi edificando o quartel de GANDEMBEL, com a completa ausência de máquinas, bastante reduzido o número de ferramentas, até mesmo por vezes com falta de materiais e, diariamente sujeitos às flagelações do IN, podendo-se afirmar que dificilmente se poderia fazer melhor.

No dia 05JUN68, durante a operação “BOA FARPA”, numa coluna GUILEGE – GANDEMBEL, verificou-se um forte accionamento de fornilhos, causando deste modo a morte de um Oficial desta Companhia.

No dia 15JUL68, sofreu esta CCAÇ um grande ataque ao seu Aquartelamento, ataque esse com elevado potencial de fogo, 11 Canhões S/R, 9 Morteiros 82, além de variado armamento pesado e ligeiro. O referido ataque, que foi bastante duro, durou cerca de 00H20, tendo-se instalado o IN a cerca de 150 metros deste Aquartelamento. As NT sofreram 1 morto e 14 feridos.

No dia 28 JUL68, quando um “FIAT” da FAP, efectuava um reconhecimento sobre a zona de GANDEMBEL, foi atingido pelas anti-aéreas do IN, o qual se encontrava instalado junto à fronteira, tendo-se todo o pessoal da Companhia apercebido do facto, em virtude de previamente se terem ouvido os tiros disparados pelas anti-aéreas, e em seguida se ter verificado um incêndio na cauda do avião, após o que o Piloto saltou do Aparelho, caindo a cerca de 3 Km do Aquartelamento desta Companhia. Perante a ocorrência, o Comando deu imediatamente ordem para que 2 GCOMB fossem socorrer o Piloto, Exm.º Tenente-Coronel Piloto-Aviador COSTA CAMPOS.

Em 04AGO68, foi esta CCAÇ empenhada em manter a segurança a uma coluna no itinerário ALDEIA FORMOSA – GANDEMBEL e vice-versa, verificando-se junto ao pontão CHANGUE-IAIA, o rebentamento de um fornilho e desaparecimento de 1 soldado nativo do PEL CAÇ NAT 69, o qual era um dos elementos que efectuava a picagem do itinerário. Em seguida a este incidente, as NT dirigiram-se imediatamente para o local onde tinha sido projectada a referida praça, tendo-se verificado de novo vários rebentamentos que provocaram mortos, desaparecidos e feridos às NT. Dias após, a Companhia colaborou no levantamento de 68 minas A/P neste mesmo local.

Entre os numerosos ataques sofridos por esta CCAÇ, todos eles com elevado potencial de fogo, evidencia-se o de 07SET08, em que o IN usou pela primeira vez o MORTEIRO 120, além de 9 Canhões S/R, 8 MORTEIROS 82 e, vário armamento ligeiro e pesado.

De entre os ataques a que esta CCAÇ se vinha a habituar, desde a edificação do seu Aquartelamento em GANDEMBEL, merece especial relevo o da noite de 11/12SET68, em que o IN se apresentou com numeroso armamento, mais propriamente 2 Morteiros 120, 4 Canhões S/R, 6 Morteiros 82, além de vários Lança-Granadas Foguete, e armas pesadas e ligeiras. Passado cerca de 00H30 de ter terminado o ataque, o IN aproximou-se novamente do arame farpado exterior deste Aquartelamento, fazendo rebentar junto do mesmo, 5 Torpedos-Bengalórios e algumas granadas de fumo, desencadeando ao mesmo tempo um grande potencial de fogo. Durante este segundo ataque, de modo algum se poderia deixar despercebido a táctica que o IN utilizou pois, comandou todo o seu fogo, da retaguarda através de telefones colocados a 300 metros deste Aquartelamento, tendo contudo, utilizado megafones no grupo de assalto. Efectuada uma batida ao amanhecer por forças desta CCAÇ, constatou-se que o IN sofreu 2 mortos confirmados, e variadíssimos feridos.

Na noite de 07NOV68, pelas 22H15, verificou-se o ataque ao Aquartelamento de GANDEMBEL. O tempo de duração deste ataque foi de cerca de 00H20, tendo-se verificado numerosas saídas de Canhão S/R, Morteiro 82, e as tão características e inconfundíveis explosões à boca dos Morteiros 120. Esta flagelação causou 1 morto e 1 ferido às NT, provocado por estilhaços de Morteiro 82.

Pelas 00H15 do dia 08NOV68, o IN desencadeou, provavelmente das mesmas posições, nova flagelação com as características da antecedente, isto é, duro fogo de Canhão S/R, Morteiro 120 e 82. A acção durou 00H30, mostrando-se o tiro mais preciso. Às 02H15 nova flagelação se registou, esta no Aquartelamento de GANDEMBEL e Destacamento de PONTE BALANA, simultaneamente. Na acção sobre GANDEMBEL, o IN empregou Morteiro 120 e 82, enquanto actuava em PONTE BALANA com Canhão S/R (em tiro directo) e Morteiro 82, provocando danos materiais. EM PONTE BALANA, o IN retirou ao fim de 00H20, sob violento fogo das NT. Feita uma batida ao amanhecer localizaram-se 5 posições de Canhão S/R, e 2 de Morteiro 82, constatando-se que o IN havia sofrido 3 feridos confirmados. Foram recolhidas 3 granadas de Canhão S/R, além de variado material. Foi impressionante o elevado número de granadas de Morteiro 120 consumidas pelo IN.

Um aquartelamento finalizado, que acaba por ser abandonado com pouco mais de 10 meses de construção. E no seu último período, foi possível propiciar alguns momentos de lazer, mercê de alguns melhoramentos complementares.

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969 > Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,] Spínola também viria cá despedir-se"

Foto e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.


Entretanto, é chegado o dia 28JAN69, e com ele a evacuação do Aquartelamento de GANDEMBEL. A Companhia seguiu para ALDEIA FORMOSA onde ficou a aguardar transporte para BUBA.

No dia 06FEV69, esta CCAÇ deslocou-se para BUBA, por via terrestre.
Chegada a Companhia a BUBA, ficou temporariamente em intervenção. Além das actividades operacionais, esta CCAÇ foi empenhada em manter a segurança aos trabalhos de Engenharia na nova estrada BUBA – ALDEIA FORMOSA. Esta missão foi frequentemente contrariada pelo IN, que aproveitava as condições de terreno para tirar delas o máximo de rendimento, colocando minas. É de salientar o levantamento de 38 minas A/P detectadas e levantadas por um Sargento desta CCAÇ, junto à “CURVA do VILAÇA”.

Em 06MAR69, a Companhia foi empenhada em montar uma emboscada, conjugada com instalação de engenhos explosivos, na região de XITOLE 2D-2, com o fim de interceptar uma coluna IN. Cerca das 19H15 as NT foram alertadas por ruídos nítidos de aproximação do IN. Depois da maior parte do IN ter entrado na zona de morte, foi aberto fogo, rebentando-se ao mesmo tempo um fornilho eléctrico instalado no trilho IN. O IN sofreu várias baixas, e após uma batida, capturou-se uma pasta de cabedal com importantes documentos.

É de salientar as PALAVRAS ELOGIOSAS dirigidas pelo Comandante do COP 4, ao Comandante desta Companhia, à partida para NOVA LAMEGO: “EXECUTANDO AS ORDENS DO COMANDO COM O MELHOR DO SEU ESFORÇO, COM UMA VONTADE INQUEBRANTÁVEL E FIRME DE BEM SERVIR, COM UM ELEVADO ESPÍRITO DE MORAL E SACRIFÍCIO, ESSA VONTADE E ESSA FIRMEZA, ENCONTREI-A SEMPRE NOS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA CCAÇ 2317”.

Após 3 meses de permanência em BUBA, no dia 14MAI69, esta CCAÇ foi transferida e deslocada por via aérea para NOVA LAMEGO.
Chegada a Companhia a NOVA LAMEGO, foi-lhe imposta a missão da defesa da Pista Nova, Instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.
No dia 14JUL69, foi destacado 1 GCOMB desta CCAÇ para a povoação de CANSISSÉ, a fim de manter a defesa da mesma povoação.
No Aquartelamento em NOVA LAMEGO, a Companhia continuou sempre activa dedicando-se a melhorar as instalações do seu quartel e a defesa do mesmo, além de colaborar na defesa da vila de NOVA LAMEGO, e realizar as patrulhas, escoltas e outras acções consideradas de rotina.

Assim, aproveitando os conhecimentos que algumas praças tinham da vida civil, para trabalharem como pedreiros, trolhas, carpinteiros, electricistas e pintores, lançou-se “MÃOS à OBRA”. Cumprindo as ordens do seu Comando, com entusiasmo e abnegação, a CCAÇ 2317, orgulha-se de no seu Aquartelamento ter deixado muito do seu esforço. Contribuiu decididamente para a construção da Messe e Bar para Oficiais e Sargentos, para a construção de Edifício para Refeitório das Praças e Sala do Soldado, melhoria da Secretaria, com caiação e instalação eléctrica, etc. Quanto à defesa do Aquartelamento foi aberta uma vala com espaldões para armas pesadas, a toda a volta do Aquartelamento, feita a montagem da instalação eléctrica, com luz para o exterior, a instalação do Morteiro 82 e a capinagem e desmatação do Aquartelamento e seus arredores.
É de salientar na Pista Nova, a construção de nível de secção, valas, fiadas de arame farpado e instalação de telefone, tudo isto feito com a finalidade de uma perfeita defesa e segurança da Nova Pista de NOVA LAMEGO instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.

Ao meditarmos sobre as campas dos nossos camaradas caídos no CAMPO DA HONRA E DO DEVER, o nosso espírito enaltece-se por nunca termos hesitado na frente.
Vinca bem fundo na consciência desta Companhia, os reflexos do seu trabalho, a responsabilidade da sua acção, a nobreza firme dos seus fins. Os seus elementos demonstraram serem possuidores de raras e preciosas qualidades de generosidade, valentia, coragem física e moral, sangue-frio, desprezo pelo perigo e sublime abnegação e altruísmo, definindo no mais apurado sentido as virtudes incomparáveis dos SOLDADOS DE PORTUGAL. Sempre animados de generosidade, bateram-se galhardamente pela PÁTRIA com o mais puro entusiasmo.

Aos que ousem levar a propósito essa nobre acção, de divulgar os factos da guerra colonial, como este exemplo de Gandembel/Ponte Balana, só conseguem obtê-lo se dispuserem de fontes fidedignas. E daí, o surgimento das tais referências avulsas, que de tão redutoras, perdem significado e identidade, não restando senão a opacidade e talvez por isso, essa guerra tremenda que sofremos na Guiné, seja hoje pouco entendível por aqueles que tiveram a felicidade de não a ousar enfrentar.

Neste dia 25 de Abril, que chegou tão tarde para o pessoal da Tabanca Grande, um cordial abraço do Idálio Reis.
__________

Notas de CV:

(1) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)

(2) Vd. poste de 24 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)

(3) Vd. poste 16 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

Vd. postes da série Fotobiografia da CCAÇ 2317 de:

16 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

8 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968

19 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

Guiné 63/74 - P4249: Blogpoesia (41): "Para quê, Soldado?" (Luís Dias)

1. Mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (2), Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 24 de Abril de 2009:

Caro Carlos Vinhal

Na véspera de mais um 25 de Abril, 35 anos depois dessa maravilhosa alvorada e também 35 anos após a chegada da CCAÇ 3491 da Guiné (4 de Abril de 1974), aqui te envio um pensamento/poema meu, escrito em Março de 1973, sobre a nossa situação. Se entenderes que merece ser publicado, força.

Um abraço e que a esperança desse dia possa ainda renascer nos nossos corações.
Luís Dias


PARA QUÊ SOLDADO?

Choras!
Perdido na imensidão deste mato
Sentinela esquecida na Terra
Soldado estou em ti
Que perdes juventude com um sorriso nos lábios
Porquê tanta demora?
Anos de temor insensato
A pensar, obstinadamente, na guerra
Liberdade deitada fora!

Porquê morrer aqui?
Ficarão oito séculos história com nexo?
Sentes-te maltratado, maleável
Com muito fumo atirado nos olhos
Sempre triste e abatido
Vives infeliz, mesmo contigo
O teu esforço é insuperável
Será que faz sentido?

Porque te mata o inimigo?
Porque luta ele também?
Se o ganho não é teu
E a sorte já está lançada
Tens a garganta seca
Viras o cantil e ….nada!

Deixaste a tua gente
O teu campo, a tua cidade
O suor que gastas não é para o teu pão
Se derramas aqui o sangue
Se perdes a tua mocidade
Eles esquecem, porque não há razão!

Nesta constante de morte certa
Abre os olhos e usa a arma sempre levantada
Sente o perigo à tua volta
Inquieta-te! Acorda! Ergue-te!
A pátria que te espera é uma vastidão deserta
Que necessita de ser abanada


Dulombi, 5 de Março de 1973
Luís Dias
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4012: Efemérides (18): Faz hoje 37 anos que tivémos o primeiro contacto com o IN (Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)

22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)

20 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4219: Convívios (113): Pessoal da CCAÇ 3491, no dia 16 de Maio, em São Martinho de Antas, Sabrosa, Vila Real (Luís Dias)

Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4238: Blogpoesia (40): A tua última emboscada, irmão (José Brás)

Guiné 63/74 - P4248: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Um depoimento do Dr. Pinheiro Azevedo seria relevante (Álvaro Basto)

1. Mensagem de Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf.º da CART 3492/BART 3873, com data de 17 de Abril de 2008:

Luís

Excelente texto, este do Mário Miguéis (*) a quem na passada quarta-feira tive o prazer de conhecer pessoalmente embora não o relacionando nem de perto nem de longe com este assunto.
O esforço pela síntese da verdade na amálgama de tanta informação, alguma até contraditória, é merecedora do nosso mais vivo respeito e daqui quero expressar-lhe desde já os meus parabéns.

Muito do que tenho procurado transmitir tem sido ventilado com o Dr. Pinheiro Azevedo com quem continuo a ter excelentes relações e que por diversas vezes tenho tentado trazer à liça com as suas informações obviamente credíveis e esclarecedoras.
Adianto que irei uma vez mais insistir para que, também ele, dê o seu contributo esclarecendo e confirmando alguns dos aspectos mais relevantes desta tragédia especialmente no que concerne à identificação dos corpos.

O horror dessa tarefa teve em mim duas acções contraditórias no tempo, por um lado nunca mais esqueci as suas imagens mais gerais e por outro (se calhar ditado pelo meu inconsciente), o de ter esquecido muitos dos pormenores.
Ficou-me com especial nitidez a imagem do Armandino que jazia inanimado em cima de um unimog e os corpos mutilados e carbonizados nas casas de banho. Recordo-me da dificuldade que reinava em reconhecer muitos deles. Recordo-me que dois deles estavam especialmente mal tratados e que não haveria concenso quanto a saber-se quem era quem. Acho que o Dr. Alfredo Pinheiro Azevedo se recusou mesmo a assinar as respectivas certidões de óbito desses dois tendo-me contado que, mais tarde, em Bissau de partida para férias, foi confrontado com a insistência do Capitão Lourenço e tanto quanto sei do primeiro sargento da companhia que queriam... arrumar aquela papelada... tendo-se no entanto este mantido firme e não tendo assinado...
Mas para evitar mais especulações estou a mandar cópia deste mail ao Dr. Alfredo Viana Pinheiro Azevedo com um pedido solene aqui expresso de se pronunciar...
Esperemos que ele se decida a faze-lo depois de ler a síntese do Miguéis no Post 4194 e no Post 4200

Um grande Alfa Bravo
Álvaro Basto
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P4247: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (3): Almoços de confraternaização e Homenagem Póstuma (José Afonso)

1. Terceira e última parte do texto anexo à mensagem de José Afonso, ex-Fur Mil da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, com data de 22 de Abril de 2009, sobre a sua Companhia e seu Comandante, Capitão Salgueiro Maia. 


ALMOÇOS DE CONFRATERNIZAÇÃO

Foi, durante alguns anos o Comandante da Companhia, Salgueiro Maia, que teve por missão a organização dos convívios. Foram talvez 4 os que organizou. Mas, devido ao seu estado de saúde, esses convívios estiveram suspensos, durante a sua doença e após a sua morte. 

Mas, em 20 de Outubro de 2002, os ex-Elementos da Companhia de Cavalaria 3420 voltaram de novo a esses convívios, sendo o 1.º realizado em Castelo de Vide para, na terra onde repousa lhe ser prestada Homenagem Póstuma por todos aqueles que com ele conviveram nos bons e maus momentos, alguns deles bem críticos mas que com a disciplina por ele mantida e a sua forma de agir, souberam contornar todos esses maus momentos e a Companhia de Cavalaria 3420, ainda que tendo sido uma Companhia de Intervenção, conseguiu regressar ao fim de 27 meses de Comissão na Guiné sem mortos e com 10 feridos, 3 deles graves.

HOMENAGEM POSTUMA AO CAPITÃO SALGUEIRO MAIA COMANDANTE DA COMPANHIA DE CAVALARIA N.º 3420



ALMOÇOS DE CONFRATERNIZAÇÃO


Já passaram trinta anos Entre esperanças, desenganos Nesse tempo do fascismo. Fomos todos p’ra Guiné Uns com medo; outros com fé. No Angra do Heroísmo. Chegados ao Cumeré Com toda a descarga a pé E depois de bem formados! Ouve um granjola que disse: Soldados e marinheiros! Marinheiros e Soldados. Para Bula lá seguimos, Uns chorando, outros rindo. Emboscadas com critério. Choquemone e Ponta Matar; Estrada de Binar e Cemitério; Depois os destacamentos. Mato Dingal e Capunga Pete e Ponta Consolação. Mais tarde, Mansoa e Cacheu Depois, a nossa raiva cresceu Pois não há ninguém que não sinta Lá fomos todos para Binta E Guidage, contrariados Maia: - Até passaste maus bocados Mas, conseguiste conversar E foi tão bom depois voltar Todos vivos. Corpo cansado. Para ti: o nosso obrigado. E é com emoção na voz Que todos, mas todos nós Que ainda temos existência Fazemos-te hoje, Capitão Aquela Ex - Obrigação, Esta nossa continência Que nos apraz, com alegria. Diz ela: - Descansa em paz! Descanso merecido: - com razão Até breve Capitão António José Fernandes Ogando (Bigodes) Outubro de 2002 

AQUELES QUE RECORDAMOS COM SAUDADE 

A vós! A todos vós! Que pelo mesmo motivo Não estais entre nós Mas, que passaram pelo perigo Tal, como nós… A vós! Que estão longe Mas presentes; Na nossa recordação; Poderão estar ausentes Por anos; - por momentos. Algo deve ter mudado! Mas no nosso coração E no nosso pensamento, Vocês estão aqui ao lado. Sentimos vossa presença Mas! - seja aqui, ou no além, Não há decerto ninguém A que tal não aconteça. A vós! Caros companheiros Amigos, e bons guerreiros Que voltaram para a terra Que estiveram na Guerra, Que recordações não traz! Para todos, – todos vós! Desejamos todos nós: Descansem por fim em paz. Obrigado, companheiros, Pelos momentos porreiros. Que passamos, nesta vida, Bilhetes! – já todos temos, Mas também todos sabemos Que é só bilhete de ida. Nenhum de nós teme a morte; Aguardamos o transporte… Até lá companheiros. António José Fernandes Ogando (Bigodes) Maio de 2003


Primeiro aniversário 3420 - Mansoa

Binta
Operação da 3420 

 __________ 

 Notas de CV: 

 Vd. postes de: 



Guiné 63/74 - P4246: (Ex)citações (25): Sinto-me feliz por ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné (Salgueiro Maia)


Reprodução de um cartão pessoal, manuscrito, de Salgueiro, ex-comandante da CCav 3420 (Bula, 1971/73), agradecendo ao José Afonso, seu ex-Fur Mil, o telegrama que este lhe enviara, felicitando-o pela sua participação no golpe militar do 25 de Abril e pelo sucesso do movimento... Diocumento s/d, mas próximo do 25 de Abril de 1974... Repare-se que o Salgueiro Maia ainda utilizou papel timbrado da sua ex-companhia, sediada em Bula (SPM 1898).

O nosso camarada José Afonso é bancário, reformado da CGD, e divide o seu tempo entre Castelo Branco, de donde é natural, e o Fundão, onde trabalhou e tem residência (*).

Cortesia de José Afonso (2009). Direitos reservados

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Nota de L.G.:

(*) Vd poste anterior:

25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4245: Cap Cav Salgueiro Maia, director do jornal de caserna da CCAÇ 3420, Bula, 1971/73, Os Progressistas (Luís Graça / Jorge Santos)

Guiné 63/74 - P4245: Cap Cav Salgueiro Maia, director do jornal de caserna da CCAV 3420, Bula, 1971/73, Os Progressistas (Luís Graça / Jorge Santos)



O jornal de caserna da CCAV 3420 (Bula, 1971/3), Os Progressistas - Quinzenário de Divulgação e Recreio da CCAV 3420. Director: Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia (*).

Fonte: Cortesia do
Jorge Santos (2005)


1. Participei, durante a minha instrução de especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, em Tavira, na elaboração de um jornal de caserna, em 1968. Em boa verdade, era um jornal de parede. Havia uma pequena equipa redactorial.

 O comandante da unidade, um tenente coronel, se não me engano, zelava pela orientação editorial do jornal e, claro, pelo moral da caserna (e a moral da Nação). Miúdas de peitos fartos, generosos e demais formas redondas, loiraças, provocantes, era bem vindas e aclamadas: afinal de contas, os instruendos estavam na flor da idade, precisavam de ter sonhos cor de rosa... e eram a fina-flor da Nação, como nos lembrava um célebre tenente, herói do norte de Angola (diziam-nos)...

Mas havia outro limites: Recordo-me de, um belo dia, ele, comandante, director, censor-mor, lídimo representante da Nação, ter-nos obrigado a mandar para o lixo uma vasta e luxosa edição, enciclopédica, dedicada à II Guerra Mundial e ao nazifascismo (que palavrão!). O argumento do censor-mor era de peso, de bom senso, definitivamente pedagógico:
- Para guerra, já basta a nossa, a do Ultramar!...

Vem isto a propósito do jornal de caserna Os Progressistas, um quinzenário de "divulgação, cultura e recreio" (sic) da Companhia de Cavalaria 3420, que esteve em Bula, em 1971/73... O director era o respectivo comandante, o jovem capitão de cavalaria, alentejano, de 27 anos, Fernando J. Salgueiro Maia, nem mais nem menos, o Salgueiro Maia (1944-1992), de quem Carlos Loures escreveu, no sítio Vidas Lusófonas, o seguinte:

"Salgueiro Maia, soldado português que à frente de 240 homens e com dez carros de combate da EPC avançou em 25 de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de tenente-coronel, recusou cargos de poder. É o mais puro símbolo da coragem e da generosidade dos capitães de Abril".

2.Salgueiro Maia foi, além disso, circunstancialmente, meu colega, no ano lectivo de 1975/76, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS), embora eu pouco ou quase nada privasse com ele, porque eramos de cursos diferentes (eu, de ciências sociais; ele, de antroplogia), com o estatuto de trabalhadores-estudantes.

Íamos às aulas à noite e a algumas Reuniões Gerais de Alunos (RGA), numa altura em que o ISCSP passava por um período de vida muito conturbado (saneamento de praticamente todos, senão todos, os docentes com assento no Conselho Científico, pelo menos os professores catedráticos...), o que levou no final do ano lectivo de 1975/76 (ou nas férias...) ao seu encerramento, por ordem do então Ministro da Educação, o socialista Sottomayor Cardia (1941/2006), e ao consequente início de um duro processo de luta estudantil contra a tutela e o regresso das múmias (como, depreciativamente, eram então chamados os professores, alvo de saneamentos selvagens, de natureza claramente político-ideológica, incluindo o Prof Doutor Adriano Moreira, antigo Ministro do Ultramar).

Além disso, num ambiente, claramente esquerdista como era então o ISCSP, virado do avesso, com diversas fações a digladiarem-se (da UEC ao MRPP, do MES à UDP...), o Salgeiro Maia do 25 de Abril era ofuscado pelo Salgueira Maia do 25 de Novembro... Esta ambivalência não terá facilitado as aproximações pessoais...

Salgueiro Maia, como bom alentejano e como militar da Academia, era, por outro lado, um homem reservado... O facto de ele ter estado na Guiné não me dizia nada: definitivamente eu esquecera a Guiné!... Foi um processo de denegação por que muitos de nós passaram. Vivi os cinco anos pós-Guiné com culpa e denegação: Guiné ?Não, nunca ouvi falar... Perdi, com isso, a oportunidade única de ter conhecido (isto é, privado com) um herói vivo...

2. Não me lembro na Guiné, no meu tempo de comissão (1969/71), de ter visto (e muito menos participado na elaboração de) jornais de caserna. A CCAÇ 12 não tinha caserna, éramos uma unidade de intervenção, composta por uma centena de soldados africanos e umas escassas dezenas de quadros (graduados) e especialistas (condutores, mecânicos, transmissões, enfermeiros) metropolitanos, vivendo em casa emprestada (os nossos soldados africanos, desarranchados, muçulmanos, alimentando-se a arroz, dormiam na tabanca de Bambadinca e não dentro do perímetro do aquartelamento)...

Quando regressávamos do mato, não tínhamos disposição nem pachorra para fazer jornais de parede... Além disso, eramos meia dúzia de gatos pingados... E os nossos soldados africanos não liam o português... Diferente era a situação das unidades de quadrícula (por exemplo, no Xime, Mansambo, Xitole) que tinham, pelo menos, caserna e mais algum tempo de sobra...

O jornal de caserna podia ser uma forma interessante de manter alto o moral das tropas e fazer a ligação com a Metrópole. Alguns jovens capitães do QP, como o Salgueira Maia e o Mário Tomé (mas também o Pereira da Costa,  membro da nossa tertúlia) perceberam a sua importância (**).

De qualquer modo, esta faceta do Salgueiro Maia, como director de um jornal de caserna chamado Os Progressistas( CCAV 3420, Bula, 1971), é capaz de ser um aspecto menos conhecido (e desvalorizado) do seu currículo militar. Imagino que tivesse um formato A4 e fosse feito a stencil... Nessa altura, a máquina a stencil estava muito vulgarizada na Guiné... Na secretaria da minha companhia havia uma, foi graças a ela que pude fazer um edição, semi-clandestina, da nossa história da unidade...

Algum do conteúdo, inocente, do quinzenário Os Progressistas já aqui foi revelado pelo José Afonso, que vive no Fundão e foi Fur Mil da CCAV 3420 (***).

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste da I Série do nosso blogue > 3 de Julho de 2005 >Guiné 69/71 - XCVI: Salgueiro Maia, director de jornal de caserna

(**) Lista dos Jornais militares (Guiné), disponíveis no Arquivo Geral do Exército >

DESIGNAÇÃO / UNIDADE / DIRECTOR


33 (o) / Batalhão de Caçadores 3833, Pelundo - SPM 6978, 1971/1972 /
O Comandante

Acção / Comando do Sector de Bissau, 1972 / Cor Inf António Mendes Baptista

Açor (o) / Batalhão de Caçadores 2928, Bula – SPM 6688, 1971 / O Comandante

Águas do Geba / Companhia de Artilharia 2743, Geba – SPM 6548, 1971 /
Cap Mil Ilídio Rosário Santos Moreira /

Alvo (o) / Bataria de Artilharia Antiaérea 3434, Cumeré – SPM 1868, 1971 /
Cap Art António José Pereira Costa /

Ao Assalto / Batalhão de Caçadores 2834, Bula - SPM 4668, 1968 / Ten Cor Inf Carlos B. Hipólito

Azimute / Comando Territorial Independente da Guiné, 1966 / Brig Anselmo Guerra Correia

Baga-Baga (o) / Batalhão de Caçadores 1860, Tite – SPM 2928, 1965 / O Comandante

Básico (o) / Batalhão de Cavalaria 1905, Teixeira Pinto, 1967 / O Comandante

Big / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1968 /
Maj SAM António Monteiro A. Santos

Boina Negra (o) / Companhia de Cavalaria 2482, Fulacunda – SPM 5688, 1969 /
O Comandante

Capicuas (os) /Companhia de Artilharia 2772, Fulacunda, 1971 / Cap Art João Carlos R. Oliveira

Clarim / Batalhão de Cavalaria 790, Bula, 1965 / Ten-Cor Cav Henrique Calado

Convergência / Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 1970 /

Corsário (o) / Hospital Militar 241,Bissau, 1962 / ?

Dragão Negro / Batalhão de Artilharia 733, Farim – SPM 2568, 1965 / ?

Dragões de Jabadá/ Companhia de Cavalaria 2484, Jabadá, 1969 / Cap Cav José Guilherme P. F. Durão

Duros (os) / Companhia de Artilharia 2771, Nova Sintra – SPM 6608, 1971 /
Alf Mil Castela

Eco (o) / Pelotão de Artilharia Antiaérea 943, Bissalanca, 1965 /
Alf Art Jaime Simões Silva

Estrela do Norte / Batalhão de Caçadores 1894, S. Domingos – SPM 3668, 1968 /
Ten-Cor Inf Fausto Laginha Ramos

Falcão (o) / Companhia de Caçadores 3414, Sare Bacar – SPM 1878, 1973 /
Cap Inf Manuel Ribeiro Faria

Gato Preto (o) / Companhia de Caçadores 5, Canjadude – SPM 0028, 1971
O Comandante

Jagudi (o) / Companhia de Caçadores 2679, Bajocunda – SPM 1058, 1971 /
Cap Inf Rui Manuel Paninho Souto

Jamtum (o) / Batalhão de Caçadores 3872, Galomaro – SPM 2188, 1973 /
O Comandante

Lenços Vermelhos / Companhia de Artilharia 2521, Aldeia Formosa– SPM 5888, 1970 / Cap Mil Jacinto Joaquim Aidos

MFA na Guiné / MFA da Guiné, Bissau, 1974 / ?

Macaréu / Batalhão de Caçadores 2856, Bafatá – SPM 5438, 1969 /
O Comandante

Manga de Ronco / Batalhão de Caçadores 1932, Farim, 1968 / Alf Capelão Tourais Ferreira

Nova Vida / Batalhão de Caçadores 697, Fá Mandinga, 1965 / ?

Padrão / Batalhão de Caçadores 1877, Teixeira Pinto, 1966 /
Ten-Cor Inf Fernando Costa Freitas

Pentágono Manjaco / Batalhão de Caçadores 3863, Teixeira Pinto – SPM 1458, 1973 / O Comandante

Pica na Burra / Companhia de Cavalaria 2765, Nova Sintra – SPM 6438, 1970
Alf Mil Pedro Duarte Silva

Põe-te a Pau / Companhia de Artilharia 2775, Jabadá – SPM 6628, 1971 / O Comandante

Prá Frente / Companhia de Artilharia 3332, Piche, 1972 / ?

Progressistas (os) / Companhia de Cavalaria 3420, Bula – SPM 1898, 1971 /
Cap Cav Fernando J. Salgueiro Maia

Ronco / Centro de Instrução Militar, Bolama – SPM 0058, 1969 /
O Comandante

Saltitão (o) / Companhia de Caçadores 2701, Saltinho – SPM 1268, 1971 /
Cap Inf Carlos Trindade Clemente

Santo (o) / Companhia de Polícia Militar 2537, Bissau – SPM 5948, 1969 /
Cap Cav Hernâni Anjos Moas

Seis de Cantanhês (o) / Companhia de Caçadores 6, Bedanda – SPM 0038, 1973 / Cap Inf Gastão Manuel S. C. Silva

Sentinela de Catió / Batalhão de Artilharia 2865, Catió – SPM 5618, 1969 /
Ten-Cor Art Mário Belo Carvalho

Sete (o) / Batalhão de Cavalaria 757, Bafatá, 1965 / O Comandante

Soquete (o) / Bataria de Artilharia de Campanha 1, Bissau – SPM 0048, 1970 / Cap Art José Augusto Moura Soares

Tabanca / Companhia de Cavalaria 2721, Olossato – SPM 1318, 1970 /
Cap Cav Mário Tomé

Trópico / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1972 /
O Comandante

Voz do Quínara (a) / CCS do Batalhão de Artilharia 2924, Tite, 1971-1972
Cap Mil Pinto Madureira

Zoe / Agrupamento Transmissões da Guiné, Bissau – SPM 0228, 1973
Cap Trms Jorge Golias

Fonte: ”Imprensa Militar Portuguesa – Catálogo da Biblioteca do Exército”. Direcção de Alberto Ribeiro Soares (Coronel). Lisboa 2003.

Lista gentilmente cedida pelo nosso camarada Jorge Santos.


(***) Vd. postes de

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4242: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (2): Curiosidades (José Afonso)

Vd. também o poste de 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4244: Agenda Cultural (9): Ciclo Temático "Portugal e a Memória, Guerra Colonial", 24 de Abril a 9 de Maio de 2009, em Torres Vedras


Evento Multidisciplinar: Artes Plásticas / Debates / Documentários / Exposições Documentais / Fado
Fotografia / Instalações / Performances / Poesia / Teatro / Turtúlias / Workshops / Videos.


O primeiro ciclo temático será denominado "PORTUGAL E A GUERRA", a ser apresentado entre 24 de Abril a 9 de Maio, e terá um enfoque específico sobre a guerra colonial.

Trata-se de uma produção do Teatro Cine de Torres Vedras organizado em conjunto com a Cooperativa de Comunicação e Cultura, contando com o apoio da Galeria Municipal.

PROGRAMA

Informações e Contactos

Email:
geral@ccctv.org
info@ccctv.org

Tlf: 261 338 931/2
Fax: 261 338 933

http://www.blogger.com/www.ccctv.org
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4232: Agenda Cultural (9): Lançamento do livro "Guiné Saudade e Sofrimento", em Santa Comba Dão, dia 25 de Abril de 2009

Guiné 63/74 - P4243: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (21): Poema à volta do umbigo

1. Mensagem de Alberto Branquinho (*), ex-Alf Mil da CArt 1689, Guiné 1967/69, com data de 13 de Abril de 2009:

Caro Carlos Vinhal

Com este UMBIGO (21), que vai junto, dou por terminada a série. Com ela procurei dizer que não é absolutamente ncessário falarmos SEMPRE e SÓ na primeira pessoa do singular (por narcisismo ou por outras razões). Não sei se fui compreendido.
Sabemos que toda a experiência é feita através do suporte físico do EU de cada um, sentida na pele ou na alma, mas... há mais mundos...

Um abraço (mais um para cada um dos ausentes)
Alberto Branquinho


NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (21)

POEMA À VOLTA DO UMBIGO *

Eu, me, mim, migo
falo com os meus botões
centrado no meu umbigo
não falo disto e daquilo
dos problemas do mundo
falo somente de mim
das minhas recordações
pois só estou tranquilo
a pensar assim comigo
a falar do meu umbigo
que é tema bem profundo.

É por isso que vos digo
se não falarem de mim
é coisa que me aterra
e vos digo em segredo
mesmo não estando em guerra
tenho medo:
o Eu está em perigo.
----------------------

* Este umbigo, mais uma vez, não é o meu.


2. Comentário de CV

Caro Alberto Branquinho
Como já te disse em mail pessoal, espero(amos) que após o fim anunciado desta série, dês continuidade a uma outra, porque não podemos perscindir da colaboração de camaradas como tu.

Colaborações esporádicas da tua parte não são suficientes. Ficamos à espera de uma colaboração contínua e regular, tua.

Foi e é um prazer ler-te.

Um abraço
CV
__________

Nota de CV

(*) Vd. poste de 3 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4138: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (20): Vultos na noite

Guiné 63/74 - P4242: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (2): Curiosidades, humor, histórias do Gasparinho (José Afonso)

1. Continuação do texto anexo à mensagem de José Afonso, ex-Fur Mil da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, com data de 22 de Abril de 2009, sobre a sua Companhia e seu Comandante, Capitão Salgueiro Maia.


CURIOSIDADES / CCAV 3420 (Bula, 1971/73)

[Fixação / revisão de texto / subtítulos: L.G.]

Quando a Companhia de Cavalaria embarca em Lisboa, leva já consigo a sua 1.ª receita: um jogo de Matraquilhos que em 6 dias de viagem esteve sempre ao serviço. Trabalhava de dia e noite sem parar. Foi um bom Fundo de Maneio. Quando chegámos a Bula, o mesmo jogo foi posto em frente do alçado da caserna dos soldados da Companhia, continuando ali a dar a receita pretendida.

Talvez vendo a fonte de receita que ali tínhamos, o Comandante do Batalhão pede a Salgueiro Maia que mande retirar dali os respectivos Matraquilhos, pois estavam em local central do Batalhão e não davam muito bom aspecto.

Não se tendo conseguido nessa altura demover a tomada de posição do Comandante do Batalhão, lá tiveram que ir os Matraquilhos para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard. Aqui a receita era insignificante já que os homens eram muito menos, e também nem sempre o pessoal da Companhia ou Batalhão se deslocava cerca de 300 metros para jogar matrecos.

Salgueiro Maia tinha de arranjar maneira de os matrecos regressarem à origem. Como o Batalhão tinha falta de padeiros e os dois da Companhia estavam emprestados ao Batalhão, Salgueiro Maia vai dar a volta ao Comandante, dizendo que, com a falta de pessoal que tinha, necessitava dos padeiros da Companhia para alinharem para o mato. Levava já na manga a hipótese de deixar os padeiros onde estavam e, como contrapartida, os Matraquilhos regressarem ao Batalhão e colocados nas traseiras da caserna.

A esta proposta o Comando do Batalhão cedeu e uma vez mais Salgueiro Maia venceu.





Uma heli-evacuação

Quando a 28 de Novembro de 1971, um elemento da Companhia acciona uma mina, ficando sem uma perna e outro elemento também ferido, ambos do 3.º Grupo de Combate,  é solicitada a evacuação por Via Aérea para o Hospital de Bissau.

Ao chegar o helicóptero, sai dele uma enfermeira, que ao ver o soldado Santos sem roupa diz que assim não leva o ferido. Para ser socorrido, utilizaram-se os restos das calças para fazer garrotes à perna e ao braço. E com tiras da roupa seguram-se alguns pensos que tapam feridas menores. O homem estava nu.

Para satisfazer o pedido da enfermeira, foi pedido ao enfermeiro que tinha uma camisola interior vestida para que a tirasse e com ela tapasse o soldado ferido.


As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião


Em Abril de 1972 aos elementos da Companhia que estavam no período de descanso, Salgueiro Maia pede voluntários para ir ao Km 13 da Estrada Bula – S. Vicente onde o 1.º Pelotão da Companhia estava emboscado e necessitava de apoio devido a um grupo de Balantas, que vinha do Senegal onde tinha ido roubar vacas, ter caído no campo de minas e algumas vacas andarem na estrada. Assim vão elementos da CCAV 3420 até ao local.

São apanhadas 2 vacas que são carregadas numa GMC. Satisfeitos os elementos da Companhia, com Salgueiro Maia à frente entram em Bula, gritando:
- Queremos carne.

À entrada do Batalhão está o Comandante que manda parar a coluna de 4 viaturas. Quando se pensava que ia dar um louvor aos voluntários, houve-se uma reprimenda do Comandante por a tropa vir a fazer muito barulho e, dá ordens para que a coluna entre na sede do Batalhão (a CCAV 3420 era uma Companhia de Cavalaria independente mas de reforço ao Batalhão de Infantaria). Toda a actividade mais perigosa era desempenhada pela 3420.

Contrariando as ordens do Comandante, Salgueiro Maia manda avançar a coluna para o Esquadrão de Reconhecimento Panhard 2641 que ficava aí a 300 metros do Batalhão pois, era ali que as vacas iriam ser comidas. Ao regressar ao Batalhão o Comandante dá ordem a Salgueiro Maia para que entregue as vacas porque diz ele que todo o material capturado ao IN tem de ser entregue ao Batalhão. Salgueiro Maia diz então que as vacas não foram capturadas, mas sim oferecidas e que foi o pessoal da Companhia que as foi buscar estando de descanso e o Batalhão não mandou sair nenhumas forças.

Mais diz Salgueiro Maia:
- As vacas roubadas que andam de mão em mão, acabam sempre comidas em boa ocasião.

O Fur Mil Afonso de calções... à POP

Um dia no Destacamento de Capunga aparece um helicóptero a sobrevoar a Zona e, de seguida, faz-se para pousar no minicampo de futebol. Desconhecia-se quem vinha nele, pois não havíamos sido informados. O furriel Afonso, que na altura estava a comandar o Destacamento, dirigiu-se tal como estava para receber quem nele vinha. Está vestido como normalmente se anda nos destacamentos. De chinelos, sem bivaque, de t-shirt e calções que já tinham sido calças, agora transformados em calções que, com as vezes que tinham ido a lavar e como não tinham baínhas, se encontravam todos desfiados.

Vinha no helicóptero o Coronel, Comandante do COP de Teixeira Pinto e o Comandante da Companhia 3420. Ao ver o Furriel naquela figura, o Coronel pergunta se está apresentável... Antes que o furriel Afonso diga alguma coisa, Salgueiro Maia olha para o Coronel e diz:
- Não vê, meu comandante,. que está com uns calções à POP!

O Velhinho, antigo refractário

Havia na Companhia um soldado que quis fugir à tropa e, então deu o salto para França. Mas, quando o irmão foi nomeado padre e disse a 1.ª Missa, não resistiu e, porque era de Monção, atravessou a fronteira para assistir à missa. Com a informação da Pide, o nosso amigo, foi preso e acabou por ter que fazer a tropa pelo que apareceu na Companhia já com os seus 30 anos. Era por isso conhecido como o Velhinho. Este era um elemento do 3.º Grupo de Combate que nas operações gostava de ir sempre à frente com a HK21 e faca de mato à cintura e dizia para o Capitão:
- Se um dia apanho um turra morto, o capitão vai deixar-me cortar uma orelha para fazer um porta-chaves e os testículos para fazer uma bolsa.

Era homem para isso, só que não estava autorizado a fazê-lo.


Guardando as costas dos senhores da guerra do ar condicionado


Havia determinadas datas em que se fazia a chamada Guerra de Bissau. Datas como Natal e Páscoa, datas do aniversário do PAIGC e datas em que Bissau sofreu alguns ataques.

Assim fazia-se deslocar tropa para os sítios donde o IN alguma vez atacou Bissau ou para zonas de onde era possível atacar. Assim, 2 Pelotões da CCav 3420 por duas vezes foram mandados para Nhamate. Foi o 1.º pelotão por 2 dias duma vez e o 3.º de 19 a 24 de Novembro de 1971.



Fizemos Bula – Binar - Nhamate a pé, para ali passar 5 dias. Em Nhamate, estava a Companhia de Artilharia 3330, não só aqui como nos destacamentos de Manga, Unche e Changue mas era em Nhamate a sua sede de comando.

Achamos estranho quando no primeiro dia, ao pôr-do-sol, toca o clarim para a formatura do arriar da Bandeira. É formada a secção em frente mas o engraçado é que depois da bandeira descida, em vez de o Furriel mandar direita volver, manda meia volta volver. E, nesta posição, de costas para o pau da bandeira, cantava-se:
- E viva a Pátria, viva o nosso General! 

Ao mesmo tempo mandavam como que um coice e gritavam:
- PUM!!!

Histórias do Gasparinho

O Comandante desta Companhia inicialmente foi o célebre Capitão Gaspar, mais conhecido por Gasparinho, que como foi promovido a Major foi para a COP de Mansabá. Na altura que estivemos ali, o Capitão Gaspar, já não estava mas as histórias contadas são hilariante e nem parecem ser reais. Eis algumas delas:

1 - Semanalmente de Nhamate ia uma coluna a Binar buscar os reabastecimentos. Era uma longa picada que deveria ser picada devido à hipótese de haver minas na zona. Isso não se fazia. Ou se montava uma HK21 na primeira viatura e se varria a picada à rajada ou então o Capitão Gasparinho picava-a à rajada de G3, tendo para isso sempre ao lado um homem que assim que acabava um carregador de imediato lhe passava outra G3. Era como ele dizia o reconhecimento pelo fogo.

2 - Em Junho de 1971, Bissau é atacado por foguetões de 122 mm. À Companhia do Capitão Gaspar é dada ordem para ocupar a Ponta Cuboi com um Pelotão, evitando outra possível flagelação de Bissau. Era difícil a esta Companhia dividir-se por 4 locais e a Companhia também não tinha rádios para o pessoal a destacar.

O Capitão Gaspar pedia muitas vezes através de mensagem algum material de que necessitava. Como já era demais conhecido em todas as Repartições de Bissau, quase nunca lhe era dado um sim. Desta vez pediu rádios AVP1. Responderam-lhe que Teixeira Pinto tinha sido o homem que havia pacificado a Guiné e conseguiu fazê-lo sem rádios. Resposta por mensagem:
- Então mandem-me o Teixeira Pinto.

Teixeira Pinto não veio mas o Capitão teve de cumprir a missão. Depois do Pelotão ter saído para Ponta Cuboi, enviou nova mensagem para Bissau:

Em referência às vossas mensagens, informo missão cumprida. Solicito autorização contratar 40 guardas-nocturnos a fim de garantir segurança às minhas posições.

O Pelotão de Ponta Cuboi fazia rotação entre os 4 da Companhia e patrulhava a zona 24 horas por dia. Ao sair para este patrulhamento, o Pelotão saía de modo muito original, com os homens equipados e armados em coluna de dois, cantando em coro, ao ritmo da marcha:

Cá vai a 30
Com arquinhos e balões
Vai P’rá Ponta Cuboi
Ver passar os foguetões!


3 - A Companhia de Nhamate necessitava de uns botes para um dos destacamentos patrulhar um rio. Claro que se pedem uns novos a Bissau pois os que existem metem água. Como sempre, a mensagem chega com um não. Mas, como o Capitão Gasparinho não era de desistir, manda nova mensagem dizendo que estava em época das chuvas, o quartel era subterrâneo, as casernas estão inundadas e o 1.º sargento não sabe nadar. E, assim sendo, que mandassem com urgência pelo menos um bote.

4 - Em Nhamate, como em toda a Guiné de vez enquanto aconteciam pequenos tornados, anunciando que pouco tempo depois iria chover torrencialmente. Uma das vezes voaram as chapas que cobriam algumas casernas do destacamento de Nhamate. Então o Capitão Gasparinho envia uma mensagem a todas as Unidades, com grau de urgência relâmpago, nos seguintes termos:

- Solicito e informem se viram passar as minhas chapas de zinco!

(O grau de urgência relâmpago obrigava a cessarem todas as comunicações rádio, pois era normalmente utilizado para pedir evacuações aéreas, quando havia vidas em perigo)

5 - Durante o período do Natal, o General Spínola visitava todas ou quase todas as tropas aquarteladas na Guiné, mesmo aquelas estacionadas em sítios mais perigosos. Deslocava-se quase sempre de Heli e um Heli-Canhão de apoio. Nestas deslocações toda a zona onde ele circulava e os sectores envolventes tinham instruções para toda a rede de rádios estar em escuta permanente. Como estava prevista a ida a Bula, o Comandante do Batalhão de Bula, ordenou que a Companhia do Capitão Gaspar informasse a sede do Batalhão logo que os hélis sobrevoassem Nhamate e se deslocassem para Bula.

Considerando a importância da missão, o Capitão Gaspar achou conveniente ir pessoalmente para o rádio e, assim, logo que ouviu barulho dos hélis a aproximarem-se chamou o comando do Batalhão de Bula ao rádio e informou:

- Informo Vexa (vossa excelência) que Sexa (sua excelência) passou na mecha !!! Terminado.

No dia seguinte todas as unidades do Teatro de Operações da Guiné receberam a seguinte mensagem:

- A partir desta data é expressamente proibido o uso de abreviaturas SEXA e VEXA.

São muitas e muitas as histórias do Capitão Gaspar ou Gasparinho, não só as passadas na Guiné mas também as de Moçambique. O Furriel de Transmissões desta Companhia deve ter um rol delas para contar pois por ele passavam todas as mensagens ou, pelo menos, tinha acesso a elas como responsável. E foi ele um dos que nos contou algumas quando por apenas 5 dias ali estivemos, não estando já lá o Capitão Gasparinho.

6 - E para terminar este rol de aventuras do Capitão Gasparinho, só mais uma história que, segundo consta, chegaram a vender-se cópias a 20$00 em Bissau. Era uma nota enviada de Nhamate em Março de 1971, ao Comandante de Engenharia de Bissau, com conhecimento do Comando Operacional n.º 3, às Repartições de Operações, População, Assuntos Civis e Acção Psicológica e ao Comandante de Batalhão de que dependia a Companhia.

O assunto da nota era o Quartel de Nhamate ou, mais propriamente “O ABARRACAMENTO.”

1 - Exponho a V. Ex.ª um dos assuntos mais vitais para a continuidade militar e humana de Nhamate.

2 - Passo a descriminar:

a) Depósito de Géneros: quando chover fico sem pão pelo menos 15 dias. Julgo que não é muito agradável.
Informo V. Ex.ª que não como pão.
Gordo, estou eu.
E os outros géneros?
E os autos subsequentes?
Só problemas.

b) Casernas: barracas de lona, todas oficialmente dadas incapazes. Na Birmânia, viveu-se assim um ou dois meses. Os quadros vivem-no há dez anos e os milicianos (os meus, de certeza) dão o litro até ao fim.

Os soldados dão tudo. Há que tudo lhes dar na medida do possível.

c) Cantina: e o tabaco? Desde Napoleão e Fredy da Prússia que o tabaco era uma das bases da eficiência do Exército.

Como combater ou trabalhar sem o velho cigarrinho? E os outros Géneros?
V. Exª. mais experiente meditará sobre o assunto.

d) Caserna de cimento: É único exemplar. Vou demoli-lo. Não tenho materiais. Solicito auxílio da Engenharia.

e) Messe: Desde o início das chuvas não necessita de garrafas de água. Basta as mesmas estarem abertas para que se encham com a água da chuva que cai na referida messe; Ponchos e gabardines: já temos.

f) Chapas de Zinco: ao mínimo vento já voaram no Quartel.

g) Gabinete do Comandante e 1.º Sargento: Com as chuvas, eu e o 1.º Sargento só temos como solução entrar no gabinete de escafandro, visto estar 2 metros abaixo da superfície do solo.

h) O meu pessoal só poderá transitar em canoas balantas. E, alguns não sabem nadar.
Conclusão: Siga a marinha!

3 - Este quartel tem de ser revisto por um oficial de Engenharia, senão começo a construir um novo com os materiais dos Reordenamentos, contra a norma, o que é aborrecido, contende com a disciplina e eu não gosto.

4 - Agradecendo a boa atenção de V. Ex.ª, gostaria de aqui ter como convidado um Sr. Oficial de Engenharia por vários dias, a fim de concordar ou condenar as minhas asserções supras.

Cumprimentos

__________

Nota de CV:

Vd. postes de:

26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)