terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5675: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (28): Baptismo de fogo - Parte 2



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos uma mensagem (a 28ª), com a 2ª parte do seu baptismo de fogo, com data de 16 de Janeiro de 2010:

«Baptismo de fogo» - Parte 2

Rescaldo da operação «Lenquetó»

6 de Julho de 1964

Com a Companhia reunida foram lidos pelo nosso Capitão dois “rádios” com louvores à Companhia pelo êxito da operação de Lenquetó, que a seguir transcrevemos:

«PARA CMDT C. CAÇ. 675
DE CMDT B. CAV. 490
64815JUL64
N.º 2 1/0
ESTE COMANDO TEM MUITA SATISFAÇÃO EM TRANSCREVER
(MENSAGEM N.° 2532/CP 333. 1 DO CHEFE DO ESTADO MAIOR
DE 51155JUL64):
QUEIRA TRANSMITIR C. CAÇ. 675 MUITO APREÇO SATISFAÇÃO
SEXA COMILITAR ÊXITO ACTUAÇÃO LENQUETÓ MERECEDOR
CONFIANÇA COMANDO DEMONSTRATIVO NOTÀVEL ESPÍRITO
MILITAR COM VOTOS CONTRIBUA MODIFICAÇÃO SITUAÇÃO SECTOR.»

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
NOTA N.° 42 P.° 103.6
BISSAU, 6 DE JULHO DE 1964
AO SR. COMANDANTE DO B. CAV. 490.
ASSUNTO: - SAUDAÇÕES
GOSTOSAMENTE ENDEREÇO A ESSE COMANDO PEDINDO PARA TRANSMITIR
A TODOS OS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA COMPANHIA 675 QUE
TOMARAM PARTE NA ACÇÃO SEU SITREP N.° 193 (LENQUETÓ); AS MINHAS
MELHORES SAUDAÇÕES E FELICITAÇÕES PELO ÊXITO OBTIDO.
O CMDT DO AGR 16
AS) J. A. PINTO SOARES
COR. DE INF.ª

À distância no tempo parece-nos de particular relevância transcrever as memórias na “primeira pessoa” do então Capitão Tomé Pinto (FREIRE Antunes, José. A Guerra de África (1961-1974), "Tomé Pinto - Capitão do Quadrado"; Vol. II; p.819;Lisboa; Círculo de Leitores):

(...) "Uma vez estive cercado e para sair do cerco foi complicado. Foi logo das primeiras vezes. Eu vinha com o tal “quadrado” mas eles eram em maior número porque tinham vindo reforços e tinham uma companhia muito boa. Tenho de elogiar os meus adversários porque eles eram, de facto, muito bons.

Eram os chamados bigrupos, muito bem treinados. Fiz um ataque numa determinada zona e quando vinha a caminho, depois de ter colocado postos de recolha e de reforço a caminho, e de empenhar todo o efectivo, comecei a ter tiros de todo o lado, já muito próximo do primeiro posto de reforço.

Pensei que estava cercado. Os homens do PAIGC fizeram bem: sentiram o meu dispositivo, viram que ali não iriam só por um dos lados e decidiram provocar ali qualquer coisa, esperando, deitados. Houve logo uns feridos, alguns com uma certa gravidade, e aí começou o drama.

Comecei aos gritos: «Alarga, alarga, alarga.» Isto para alargarem o quadrado. Eles tentaram romper o quadrado mas não conseguiram.

A certa altura, eu disse para um soldado: «Cuidado com os tiros, estás quase a dar-me um tiro.» E ele disse-me: «Meu capitão, não sou eu, é um que está ali à frente.»

Eu saí dali para ir dar outras indicações e, passado um bocado, veio ter comigo esse soldado, com uma arma ao lado, e disse-me: «Era esta a arma que estava a fazer fogo contra si.»

Eu nem lhe disse nada.

(Nota do “cronista”:Está claro que o nosso Capitão não de esqueceu de mais tarde louvar o Soldado Chita Godinho pelo seu acto de bravura).

Então, pedi o apoio da Força Aérea e vieram dois T-6.

O meu batalhão era o do tenente-coronel Fernando Cavaleiro, que aparecia sempre no meu estacionamento nos momentos mais difíceis, e que pensou: «É desta que o Tomé Pinto não se safa.»

Mas eu consegui entrar em contacto com os T-6 e disse-lhes que tinha um ferido muito grave que teria que ser evacuado em helicóptero. Eles disseram-me: «Nós estamos a ver o teu dispositivo mas à volta há muita gente.»

E iam levando uns tiros nos aviões. Eu respondi-lhes: «Tem que ser, não há outra hipótese. Eu vou identificar o nosso dispositivo.»

Consegui identificar o nosso dispositivo, levantando um e depois outro, e depois fiz um tiro à nossa volta, para que o helicóptero pudesse aterrar no meio do quadrado, que eu fui alargando.

O piloto foi excepcional, conseguiu aterrar no meio do quadrado, eu meti dois soldados feridos, um deles muito grave, e o helicóptero levantou.

Aí pensei: «A partir de agora é connosco.»

Contactei os T-6 e disse-lhes: «Eu tenho um grupo que está em tal lado. Vocês vão até ao meu estacionamento e vejam se está um grupo aqui e outro ali.» «Sim, estão identificados», disseram eles. «Então, ninguém mexa porque eu estou em ligações com eles. Agora, vais bombardear esta zona entre aquela árvore e aquela árvore, para abrir um caminho», pedi-lhes.

Eles perguntaram: «E se acertamos em vocês?»

Respondi que eles tinham mesmo de bombardear e eles usaram só tiros de metralhadora.

Então alertei o pessoal e saímos imediatamente atrás dos tiros de metralhadora.

Nessa altura, o piloto, entusiasmado, dizia-me: «Já percebi o que querias!» Consegui fazer o torneamento. Depois, saímos de lá com algumas dificuldades, fomos até ao primeiro posto de recolha, que tinha ficado a assegurar-nos a retaguarda, chegaram viaturas e fomos para o estacionamento. Foi um desgaste físico, um cansaço muito grande. Foram muitas horas... das duas da madrugada até perto da uma da tarde.

Quarenta e alguns anos depois...

O «baptismo de fogo» é um dos momentos mais marcantes da vida de um militar.

Ninguém sabe como irá reagir.

Alguns «heróis» das paradas dos quartéis agarram-se ao chão que nem lapas e outros, até ali mais discretos, conseguem dominar o medo e portam-se como Homens.

Há um momento decisivo.

Ou fazemos o que é o nosso dever ou perdemos o respeito dos outros.

E passamos a (con)viver mal com nós próprios...

Na operação Lenquetó, no norte da Guiné nos primeiros dias de Julho de 1964, fomos emboscados e tivemos vários feridos. O mais grave foi o 1º. Cabo Marques, que foi atingido no baixo-ventre.

Aguentou as dores que nem um valente.

Nos seus poucos queixumes julgo que só lhe ouvimos dizer... «Meu furriel, estou feito. Não vou voltar ser um homem normal...»!

«Está claro que vais, Marques. Aguenta só mais um bocado.»

Quando o helicóptero chegou para o evacuar estávamos cercados e debaixo de fogo.

O Alferes Tavares aproximou-se para levar ao colo o Marques.

Antecipei-me. Era eu o Enfermeiro.

Era eu que o tinha de levar até ao helicóptero.

O capitão Tomé Pinto e o Alferes Tavares deram-me protecção.

Os metros que percorri com o Marques ao colo, até ao helicóptero, foram bem compridos.

Só me recordo de ouvir as pás do helicóptero e... as batidas do meu coração.

Não mais esquecerei aqueles minutos. Foram 5 minutos muito coooompriiidoos!

Mais de 20 anos depois... conheci numa reunião de ex-combatentes... as filhas do Marques.

A maneira como me abraçaram deu para entender que sabiam “alguma coisa “do papel que eu teria tido em relação ao seu nascimento...

Foram minutos de intensa emoção.

A expressão do seu afecto foi uma «medalha»... para toda a vida. Uma recompensa... eterna.

E já estive com o Marques e uma sua neta em 2008!
(foto da esquerda)

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675


Fotos: © Jero (2009). Direitos reservados.

___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5674: Parabéns a você (64): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil da CCAÇ 2617 e Manuel Mata, ex-1.º Cabo do Esq Rec Fox 2640 (Editores)

19 de Janeiro de 2010 é dia de aniversário para dois camaradas e tertulianos da nossa Tabanca Grande.
São eles:

1 - José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Op Esp/Rânger da CCAÇ 2617, de quem não temos fotos, e

2 - Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas do Esq Rec Fox 2640.

A estes nossos camaradas vimos desta forma expressar os nossos desejos de um dia bem passado junto dos seus familiares e amigos, e que esta data seja comemorada por muitos anos, cheios de saúde e boa disposição.


Falemos destes nossos amigos.

De Crisóstomo Lucas*
, encontrei esta mensagem do dia 24 de Março de 2008:

Meu nome: José Crisóstomo Lucas, ex alferes miliciano de Operações Especiais, de uma Companhia residente em Guileje (Guiledje) entre 1969 e 1971, conhecida pelos MAGRIÇOS DE GUILEJE, de que muito me orgulho, a CCAÇ 2617.

Sou amigo pessoal do vosso cartógrafo de serviço (Humberto Reis) que conheci só em Lisboa através de outro alferes Magriço, já falecido, [o José Carlos Mendes Ferreira,] bem assim como do Hélder de Sousa, que hoje descobri também ter estado na Guiné sendo um antigo combatente, embora não tenha lá voltado.

Eu, pelo contrário, já voltei a Bissau. Fui muito bem recebido nomeadamente por diversos ministros e pelo Sr Presidente na altura (Nino Vieira, que é o mesmo de hoje). Alguns dos que estavam nessa reuniões, eram antigos combatentes (um deles, de que não me lembro do nome, na época de 69/71 era o comandante da zona Sul)... Posso dizer que, após alguns momentos de silêncio e de eventual desconfiança, a abertura e os risos de boa disposição foram totais.

Ao contrário de algumas notícias que li sobre Guileje e não só, sou dos que tenho orgulho do trabalho que executámos em Guileje, independentemente da tradicional frase do Sangue, suor e lágrimas. Faço notar que foi mais suor do que o resto.

Durante todo o tempo, além de termos resistido a muitos ataques, alguns ao arame - faz anos na Páscoa, tivémos 3 ataques ao quartel no mesmo dia - , ainda fizemos alguns roncos e peripécias de que me abstenho neste momento de contar mas que constam de um diário de guerra que, segundo li, está em vosso poder, basta ler.

Quero chamar a atenção que nem as gentes da Guiné são uns coitadinhos nem as nossas tropas foram uns malandros. Pensem que no meio estará o ponto de equilíbrio.

Enviei 2 emails sobre Guileje sobre a questão dos morteiros existentes na altura, mas não tive o prazer de os ver publicados

Uma abraço
J.C. Lucas

(*) Vd. poste com data de 25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2681: CCAÇ 2617, Os Magriços do Guileje (Guileje, Mar 1970 / Fev 1971) (José Crisóstomo Lucas / Abílio Pimentel)

.../.../.../...

Manuel Mata, que foi 1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas no Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640*, andou por Bafatá entre 1969 e 1971, vem já da primeira série do nosso Blogue.

Encontrei registos de postes seus datados do ano de 2006, referenciados em roda-pé, logo estamos perante um velhinho.

Desses postes retirei as três fotos que editei e se publicam.



Bafatá > Manuel Mata junto à Fonte Pública

Bafatá > Manuel Mata em cima de uma AM Daimler

Bafatá > Manuel Mata junto a uma Fox


(*) Sobre o Esq Rec Fox 2640, vd. os seguintes postes, publicados na 1.ª série do nosso blogue:

2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCVII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (1)

3 de Março de 2006 > Guiné 93/74 - DCIII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (2)

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade

2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 -DCLXXII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu

2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXIII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (6): as primeiras Chaimites para o Exército Português

Vd. último poste da série Parabéns a você de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5598: Parabéns a você (63): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Mário Migueis / Editores)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5673: Blogpoesia (63): Poemas de Macau e Hong Kong - Parte I (António Graça de Abreu)



Macau, na foz de um rio de pérolas.
A cidade cicia segredos,
envolta em bruma.


Macau,
exultação e júbilo.
Festas na alma.


Macau,
as portas da baía
abertas para o coração dos dias.




Macau, a sorte,
nove luas,
uma nuvem.


Macau,
falsas montanhas de jade,
bruma e vazio.





Em chinês 'da lou xie xiang', ou seja, Viela Torta do Grande Edifício.




Camilo Pessanha.
Ópio, magia
no marfim dos poemas.


Os poetas maiores,
Camões, Bocage, Pessanha,
todos encalhados em Macau,
cidade do Nome de Deus na China.




Macau, mil casinos,
dez mil silêncios,
lótus da China.


Macau,
o canto dos séculos,
as seduções do mundo.




Macau,
o fascínio do ouro,
o espelho do mundo.

Fotos e poemas: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados



O António Graça de Abreu (n. 1947, no Porto),   membro da nossa Tabanca Grande, ex-Alf Mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), especialista em cultura chinesa, tradutor (premiado) de clássicos da poesia chinesa, é autor de mais de um dúzia de livros, incluindo 'Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura' (Lisboa: Guerra e Paz, 2007).

É casado com a médica Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro.  Vive no concelho de Cascais  (*).

 


No passado dia 20 de Dezembro, comemoraram-se dez anos da transferência de soberania portuguesa de Macau para a República Popular da China. É uma história de 4 séculos, desconhecida ou mal conhecida por muitos dos nossos amigos e camaradas da Guiné. Macau, o primeiro entreposto comercial dos europeus na grande China, e também a sua última colónia...

"Só em 1887 é que a China reconheceu oficialmente a soberania e a ocupação perpétua portuguesa sobre Macau, através do 'Tratado de Amizade e Comércio Sino-Português'. (...)

"No dia 3 de Dezembro de 1966 ocorreu em Macau um célebre motim popular levantado por chineses pró-comunistas descontentes e fortemente influenciados pela Revolução Cultural de Mao Tse-tung. Este acontecimento é vulgarmente chamado de Motim 1-2-3. Neste dia de protestos, houve 11 mortos e cerca de 200 feridos e foi necessário a mobilização de soldados para controlar a situação. O motim gerou uma grande tensão e terror em Macau, ficando só o assunto resolvido no dia 29 de Janeiro de 1967, com um pedido humilhante de desculpas feito pelo Governo de Macau para a comunidade chinesa local. Este motim fez também com que Portugal renunciasse a sua ocupação perpétua sobre Macau  e reconhecesse o poder e o controlo de facto dos chineses sobre Macau, marcando o princípio do fim do período colonial desta cidade. (...)

"Em 1987, após intensas negociações entre Portugal e a República Popular da China, os dois países concordaram que Macau iria passar de novo à soberania chinesa no dia 20 de Dezembro de 1999. Actualmente, Macau está a experimentar um grande e acelerado crescimento económico, baseado no acentuado desenvolvimento do sector do jogo e do turismo, as duas actividades económicas vitais desta região administrativa especial chinesa" (Fonte: Wikipédia > Macau).
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5465: Blogpoesia (60): Memórias da Escola Prática de Infantaria, Mafra e Macau (António Graça de Abreu)

 (...) No dia 27 de Junho de 2009, acabadinho de chegar de Macau e já então a fazer a mala para nova viagem, agora até Xangai, Pequim e arredores, fui um dos quase dois mil convidados presentes num encontro e opíparo almoço no convento de Mafra oferecido pelos antigos governadores de Macau a todos quantos haviam trabalhado e vivido na velha cidade sino-portuguesa na foz do rio das Pérolas.



Por acaso, nunca vivi em Macau, sempre em Pequim e Xangai, mas tenho trabalhado, e muito, para e por Macau. Daí o convite. Comemoravam-se os dez anos da entrega à China do último pequeníssimo - mas rendoso - bastião do Império. (...)

Guiné 63/74 - P5672: Estórias avulsas (23): Old Parr e Antiquary a 90$00 (Luís Dias)



1. O nosso Camarada Luís Dias*, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos em 14 de Janeiro de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,


Trago-vos mais uma história relacionada com as garrafas de uísque que adquiríamos na Guiné a tão bom preço. Old Parr e Antiquary a 90$00, ai que saudades!!! Se entenderem ser de publicar, força!!! Vão também fotos das garrafas.

Old Parr e Antiquary a 90$00

É verdade! Ainda tenho 5 garrafas de uísque das que trouxe da Guiné!!!. Ou seja, estas já estão em minha casa desde 1974 (o BCAÇ 3872 regressou da guerra no Niassa e atracou no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em 4 de Abril, mas elas chegaram antes desta data). São elas uma “President”, uma “Something Special”, uma “Dimple”, uma “Smugler” e uma “Logan (conforme fotos abaixo). Umas autênticas belezas.

Alguns dirão que isto é um sacrilégio; porque será que o Dias não tratou destas “meninas” em conformidade? Outros dirão que não é lá muito de beber e que, por tal facto, foi deixando andá-las lá por casa. Eu respondo: fui bebendo algumas, deixei outras ao meu pai, também ao meu tio Armando – este sim um grande apreciador – e fui ficando com outras e olhem ganhei-lhes amizade, porque olhava para elas e ía-as destinando a grandes momentos. Bebi uma, já não me lembro a marca, quando o meu filho nasceu há 30 anos.




Tinha uma “Monks”, em bilha de barro, que muitos amigos, quando me visitavam, diziam para eu abrir, porque o uísque ia-se evaporando. Provei-lhes o contrário quando a abri e a bebi ao fazer 50 anos. Abri uma “Chivas”, ao que creio, aos 55 e agora ainda tenho estas, embora com destino certo. Vou abrir a “Dimple” quando fizer 60 anos, se Deus permitir que eu lá chegue e as outras serão para outras “special ocasions”, nomeadamente se o meu Benfica, este ano, voltar a ser Campeão Nacional.

O uísque na Guiné era, como todos sabem, uma bebida altamente apreciada e usada, inclusive, como tratamento antibacteriano. Quando regressava das operações no mato e entrava no quartel, ainda antes de tomar o retemperador e refrescante banho, a primeira coisa que fazia era beber um uísque com água de castelo para matar a bicharada (parasitas) que, possivelmente, tivesse engolido quando bebia das águas da bolanha, dos riachos, das poças, mesmo com recurso às pastilhas, ao lenço a fazer de filtro, antes de ela entrar no cantil e depois de afastar a baba dos macacos ou de outros animais que tivessem lá estado a tirar a sede.

Durante a comissão fui adquirindo diversas garrafas do precioso néctar, em especial das marcas que eu entendia serem mais prestigiadas. Encaixotava-as, devidamente acondicionadas, e pumba lá iam direitinhas para casa dos meus pais, através do correio. E nunca desapareceram e chegaram sempre inteiras!

Na minha companhia (Dulombi), ao que julgo também nas outras, depois da cerveja, o uísque era das bebidas mais comercializadas (o vinho…bem, o vinho não era lá grande coisa, como sabemos), embora existissem boas aguardentes velhas (como a excepcional “Adega Velha”, em garrafa numerada). O gin com água tónica também era muito apreciado entre os graduados (mais na sede do batalhão em Galomaro do que na nossa companhia) e até a coca-cola tinha alguma saída (esta bebíamos juntamente com o uísque, normalmente em convívios, despejando uma garrafa de uísque corrente dentro de uma das terrinas de sopa, com uma grande pedra de gelo e coca cola a atestar. Depois seguia-se o ritual de passar a terrina de mão em mão, de boca em boca, bebendo o líquido fresquinho até acabar e, às vezes, como não chegava, iniciava-se novamente o processo).

A cerveja era muito popular e bebia-se em quase todas as alturas. Em Janeiro de 1973 a companhia teve de pedir um reforço de cerveja, porque a mesma esgotou-se e, segundo a Manutenção de Bissau, a nossa companhia tinha batido o recorde de cervejas bebidas!!! Raio de malta, esta nossa rapaziada!!!

A aquisição do uísque das melhores marcas era uma luta em que o nosso 1º Sargento Gama, quase sempre, me levava a melhor. De facto, a título de exemplo, nunca consegui adquirir a “Martins” de 20 anos, porque se esgotava sempre (!!!!!). Mas eu vinguei-me, conforme vos relato a seguir.

Em finais de Fevereiro, princípios de Março de 1973, eu estava a comandar a companhia, devido às férias do nosso Capitão. Então engendrei com os operadores criptos que, num determinado dia, depois de almoço, me apresentariam uma mensagem falsa, relacionada com a nossa transferência urgente para outra zona de acção. Os outros alferes e a maioria dos furriéis estavam também alertados para a notícia.

No dia aprazado, um dos criptos vem entregar-me uma mensagem urgente à messe de oficiais e sargentos, trazendo um ar preocupado e quando eu a li, mostrei um ar de estupefacção, que levou a que os outros graduados perguntassem o que tinha acontecido.

Depois de alguns segundos de silêncio eu disse-lhes, com uma voz dramatizada, que estávamos quilhados. Tinhamos recebido ordens de marcha para a zona do Cantanhez, para onde seguíriamos dentro de 3 dias. Foi como uma bomba! É claro que a maioria sabia do engano, mas alinhou na “tanga”.

Mas, onde é que entra aqui o nosso 1º Gama? O problema é que uns dias antes o 1º sargento havia comprado mais um grande lote de garrafas de uísque e assim ele deu imediatamente um grande salto, como que impelido por uma mola.

- Como é isso meu Alferes? Vamos todos para o Cantanhez? Isso é verdade? Perguntou-me o 1º Gama.

- Nosso primeiro, a coisa é bem séria! Vamos todos para o Cantanhez! Confirmei com a cabeça.

Depois da confirmação, o 1º Gama entrou em desespero…!!! Gritava o que é que iria fazer com a pôrra das garrafas de uísque que havia comprado, que nem ía ter tempo de as remeter para a metrópole, que tinha gasto tanto dinheiro com a sua aquisição, etc. Estava fulo e chamava nomes a tudo o que era comandante, recorrendo ao seu vernáculo de bom alentejano. É claro que a malta alvitrou logo que o melhor era começar já a bebê-las e que todos nós estávamos dispostos ao sacrifício, dávamos o corpo ao manifesto, ajudando-o em tão árdua e imperiosa tarefa… O 1º sargento estava desfeito… Eu sentia-me vingado!

Deixámo-lo com estas preocupações durante algum tempo, mas não me contive e disse-lhe a verdade. Ficou tão aliviado que me perdoou a maldade.

A cena poderia ficado por aqui, o problema é que uns dias depois, exactamente depois do almoço, surge um dos operadores cripto na messe a entregar-me uma mensagem e foi logo dizendo que o assunto era sério e que a mensagem era verdadeira.

Peguei na mensagem e lia-a, primeiro com os olhos e depois com a alma, e lá estava, preto no branco. O Comandante do Batalhão solicitava a informação de quantas viaturas iriam ser necessárias para transferir, em três dias, a companhia para Galomaro (sede do Batalhão). É claro que não era a mesma coisa que ir para o Cantanhez, eram apenas 20 km de distância, mas a malta ficou em polvorosa e muitos, ao princípio, pensavam que era mais uma brincadeira. O 1º Gama lá deve ter pensado para com os seus botões, que afinal não seria assim tão mau e não me resingou os ouvidos como seria de esperar.

A verdade, é que tive de preparar e organizar todo o pessoal para sair, em três dias, ficando unicamente no quartel do Dulombi, 13 bravos, comandados pelo Furriel Gonçalves do 2º GC (posteriormente rendido pelo Furriel Soares das Trms) e dois pelotões de milícias.


Assim, no dia 9 de Março de 1973, a CCAÇ 3491, entrava em Galomaro, comigo na frente da enorme coluna que foi possível organizar. O que começara por ser uma pequena brincadeira, tornou-se uns dias depois uma realidade e a vida operacional da companhia iria ser completamente diferente. Mantivémos as operações na zona do Dulombi, alargámo-las também para a área de Galomaro e passou a estar um GC de intervenção em permanência em Piche, depois em Nova Lamego e até em Pirada (poucos dias). Era a companhia que detinha a maior área geográfica de intervenção em todo o território.

Só regressaríamos ao Dulombi para realizar operações e em Janeiro de 1974, para preparar a recepção aos nossos “piras”.

Eu, no jipe que encabeçava a coluna da CCAÇ 3491, no dia 9 de Março de 1973, à chegada a Galomaro. Atrás o Fur. Baptista do 1º GC e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que se entregara um dia antes a uma patrulha nossa, na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, de calibre 7,62 mm - Tokarev, vulgarmente conhecida por “costureirinha” (aqui com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do tambor habitual com 71) .






E, já agora, também do vinho comemorativo dos 35 anos do regresso da nossa companhia.

Um abraço do tamanho do Rio Corubal,
Luís Dias
Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872


Fotos: © Luís Dias (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5671: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (5): Recordando o brilhante improviso de Luís Moita, na sessão de encerramento do Simpósio Internacional de Guileje, em 7 de Março de 2008



Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2000) > Sessão de encerramento, dia 7, de manhã > O Prof Doutor Luis Moita (*), em nome de todos os participantes portugueses e demais estrangeiros (com excepção caboverdeanos e dos cubanos Oscar Oramas e Ulisses Estrada, que fizeram  intervenções autónomas) profere,  de improviso, um caloroso e brilhante discurso de síntese sobre o balanço  daquela "semana inolvidável" que foi o Simpósio Internacional de Guiledje (**) e as perspectivas que se abrem para o futuro da Guiné-Bissau em matéria de democratização interna e de cooperação internacional  ...

O conteúdo do discurso de 10 minutos centra-se à volta de quatro ideias-chave: Organização, Rigor histórico, Densidade humana, Qualidade política. É uma intervenção de grande qualidade intelectual e humana, que nos honrou a todos, e em que Luís Moita mostra,  para além da sua faceta de talentoso orador, toda a sua grande cultura como especialista de relações internacionais, e sobretudo a sua grande inteligência emocional, como português e amigo da Guiné-Bissau.

Era uma pena este vídeo não estar disponível para os Amigos e Canaradas da Guiné, e nomeadamente na véspera da inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje que vem celebrar, não a derrota de ninguém, mas a fraternidade dos povos, trinta e seis anos depois do fim da guerra colonial, e muito em particular vem contribuir para o reforço da relação especial que une o povo guineense e o povo português.

A cerimónia terá lugar no dia 20 deste mês, em Guileje, na presença do Primeiro Ministro, membros do Governo,  embaixadores, autoridades políticas e religiosas tradicionais, e grupos culturais de todo o país, num total estimado entre 2 mil a 3 mil pessoas. O nosso blogue estará representado por Júlia Neto, a viúva do nosso saudoso camarada  José Neto (1929-2007). (LG)

Vídeo (10' 14''): Luis Graça (2009). Alojado em You Tube > Nhabijoes

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Notas de L.G.:

(*) Luís Moita - Breve Curriculum Vitae

Fonte:  Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008)

(i) Nascido em 11 de Agosto de 1939.

(ii) Doutorado em Ética pela Universidade Lateranense (Itália), em 1967, com a classificação “summa cum laude” (10/10) – grau académico reconhecido pela Universidade Católica Portuguesa.

(iii) Actualmente [, Março de 2008], Vice Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa, onde é Professor Catedrático de “Teorias das Relações Internacionais” e Director do Departamento de Relações Internacionais.

(iv) Coordenou o Instituto Sócrates para a Formação Contínua na mesma UAL e dirige o Observatório de Relações Exteriores que edita a publicação JANUS – Anuário de Relações Exteriores. É ainda o Coordenador Científico do Instituto de Investigação Pluridisciplinar da UAL.

(v) Durante 15 anos, entre 1974 e 1989, dirigiu o CIDAC, organização não governamental portuguesa de cooperação para o desenvolvimento.

(vi) Entre 1989 e 1997 leccionou a Cadeira de “Filosofia e Deontologia do Serviço Social” no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa.

(vii) Foi Professor Associado Convidado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (até Outubro de 1998).

(viii) Actualmente, coordena o Mestrado em Estudos da Paz e da Guerra, na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); além disso, lecciona a Cadeira de “Globalização e Relações Internacionais de África” no Mestrado de Estudos Africanos do ISCTE.

(ix) Desde 1998, é conferencista regular do Curso de Defesa Nacional promovido pelo Instituto de Defesa Nacional.

(x) Desde o ano lectivo de 2004-05 lecciona ainda no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea e presentemente no Curso de Estado Maior Conjunto do Instituto de Estudos Superiores Militares.

Em 10 de Junho de 1998 foi condecorado pelo Presidente da República com a Grande Cruz da Ordem da Liberdade.

Título da Comunicação (apresentada no dia)

Fundamentos e originalidade táctico-estratégicos da acção político-militar de Amílcar Cabral e do PAIGC no contexto dos movimentos de libertação do Terceiro Mundo

Sinopse da Comunicação

Liderado por Amílcar Cabral, o combate pela independência na Guiné-Bissau passou por uma dupla transição: por um lado, a transição da reivindicação pacífica para o uso da violência; por outro lado, a transição da luta urbana para a luta no campo. Qualquer destas transições teve influência determinante na natureza e na condução da luta. O contexto internacional dos anos 1960 explica a adopção das respectivas orientações. Será interessante fazer uma tentativa de avaliação das mesmas, passado quase meio século.

(**) Vd. postes da série Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça)

8 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois...

9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez

11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2667: Uma semana memorável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (9): O grande ronco de Guiledje

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

29 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau

5 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2721: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (13): Visita ao Acampamento Osvaldo Vieira (I)

12 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)

24 de Abril de 2008 > Guiné 63/4 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2846: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (16): Salvemos o Cantanhez (II)

29 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2994: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (17): Cacine, a voz dos abandonados (I)

29 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2996: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (18): Cacine, a voz dos abandonados (II)

Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)


1. Comentário (*), com data de ontem, do Sílvio Fagundes Abrantes,  mais conhecido por Hoss, natural de Águeda, no tempo que foi soldado pára-quedistado BCP 12, entre 1970 e 1971 (**), comentário esse que eu me permito interpretar como a revelação, tardia, de um segredo (***):

O ATAQUE A BISSAU

Vou contar a história real dum ataque a Bissau feito em 1971. Um dia, eu e o meu amigo Julião Pais dos Santos (o Django), pensámos em atacar Bissau... Dito e feito. Mas faltava a estratégia. Depois de alguns dias a pensar na estratégia, finalmente chegou a luz ao fundo do túnel.

Material utilizado:

1 saco de viagem pequeno
1 casaco do camuflado
4 granadas de mão.

Como podem verificar, material nada fácil de arranjar na altura. Metemos o material no saco de viagem e partimos em direcção a Bissau, melhor dizendo à tabanca da namorada do Django.

Eu vesti o casaco do camuflado com as granadas no bolso, e chamámos um táxi.O Django senta-se à frente,  eu atrás... Demos uma volta por Bissau, mas não muito grande porque a guita era curta.


A certa altura mandámos o taxista seguir a toda a velocidade possível pela avenida que vai de perto do porto de Bissau, e  que passa pelo Q. G. [, Quartel General], virados ao Palácio do Governador. Na passagem, pela janela de trás,  eu ía deixando caír as granadas que naturalmente explodiam.

A partir daqui cada um imagina o efeito que isto teve. Ao outro dia a notícia importante era de que Bissau tinha sido atacado, um ataque feito por duas aves que,  se fossem apanhadas,  teriam o pescoço degolado.

Não era só a partir bares que nos divertíamos, meu comandante, Sr Mira Vaz. Espero que esta mensagem seja lida por si e quero fazer-lhe uma pergunta:

Nós passámos o Natal de 1970 e o ano novo de 70 para 71 no Olossato. Aí vai a pergunta: Quem era o comandante do quartel, do exército? Não era o hoje Major Tomé? Veja se se lembra e diga alguma coisa. Se por acaso algum bravo do Olossato ler esta mensagem, que responda à minha pergunta.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

Sílvio, respondendo ao teu pedido: no final de 1970, princípios de 1971, o comandante da unidade de quadrícula do Olossato era de facto o Cap Cav Mário Tomé... A CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)   tinha um jornal de caserna chamado Tabanca (SPM 1318, 1970).  Tens, na  I Série do nosso blogue, uma série chamada Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Santiago)... O Paulo Salgado era então Alf Mil da CCAV 2721.

Sílvio, agora sou eu a fazer-te um pedido de esclarecimento e uma ou duas perguntas (que não tens de responder, se assim o entenderes):

(i) O que é feito do teu amigo e camarada Django ?;
(ii) Na história que relatas, qual era a razão dessa brincadeira que poderia ter feito vítimas inocentes, civis ou militares a passar na avenida ?;
(iii) Era só por uma questão de adrenalina ? Por vontade (e necessidade) de diversão ? Por andarem já "apanhados pelo clima" ?;
(iv) Qual era, em tua opinião, a razão da rivalidade, em Bissau, entre páras, fuzos e comandos ? E por que é que se uniam todos quando vinha a PM ?

Continuo a aguardar uma resposta,  positiva, ao meu convite para te juntares às nossas tropas. (**)
___________

Notas de L.G.:
 
(*) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5650: Notas de leitura (54): Guiné 1968 e 1973 Soldados uma vez, sempre soldados!, de Nuno Mira Vaz (Beja Santos)
 
 (**) Vd. poste de 17 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5568: FAP (45): Em defesa do meu amigo Oitenta (Silvio Fagundes Abrantes, Hoss, ex-Sold Pára, BCP 12, 1970)

(***) Vd. último poste da série 24 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5529: O segredo de... (10): António Carvalho (ex-Fur Mil Enf, CART 6250, Mampatá, 1972/74): Os tabefes dados ao Bacari

domingo, 17 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5669: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (33): Até os babuínos eram contra nós (Mário G R Pinto)

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 33ª mensegem, em 14 de Janeiro de 2010:

Camaradas,

Num encontro habitual que, periodicamente faço na Costa da Caparica, com antigos camaradas meus, o Nobre lembrou-se de contar um episódio hilariante mas de uma crueza real nas matas do sul da Guiné.

ATÉ OS BABUINOS ERAM CONTRA NÓS

A nossa ZA, a sul de MAMPATÁ, entre Colibuia e Nhacubá, onde se situava o corredor de Missirã (passagem muito utilizada pelo PAIGC), com destino ao Sector de XITOLE, era a nossa zona operacional mais frequente na acção de contra-penetração, que nos obrigava a permanecer no terreno emboscados, e em patrulhamento 24 horas/dia, permanentemente.

Por questão táctica e operacional estavam sempre fora do aquartelamento 2 Grupos de Combate, em acções sobre o dito corredor, tentando impedir a infiltração do IN e dificultando as suas acções de movimentação.

Existiam vastas zonas de implantação de minas e armadilhas, por nós criadas, que eram autênticos labirintos de morte para quem por lá se atrevesse a passar, o que por diversas vezes viemos a constatar.

Nesta área era frequente verem-se bandos numerosos de babuínos (macacos kom), que por ali tinham o seu habitat e que produziam grande barulheira (ladrando), quando pressentiam a nossa presença.

Certo dia, perto de Colibuia, quando procedíamos à verificação de algumas armadilhas que montáramos na área, encontramos o terreno de implantação todo remexido e constatámos que parte delas haviam sido levantadas e se encontravam à superfície do solo. Algumas tinham rebentado, vendo-se indícios de mortandade, pedaços de macacos, por todos os lados.

Obviamente, concluímos que tinham sido os nossos “amigos” babuínos, movidos pela curiosidade, que tinham prestado tal serviço de sapadores ao IN.

Curioso, é que já não bastava o PAIGC, como também passamos a ter de contar com os bandos de macacos kom como seus aliados, contra nós.

Quem aquelas matas atravessou, certamente se lembra dos babuínos ladrando insistentemente, protestando contra a nossa violação do seu habitat natural, e, se por vezes transportavam crias, até se tornavam agressivos, com atitudes e gestos hostis, tentando intimidar-nos.

Enfim, sempre pensei que é caso para dizer que tudo era adverso às NT, e que até os babuínos não nos gramavam.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5668: FAP (45): Em defesa do meu amigo Oitenta (Silvio Fagundes Abrantes, Hoss, ex-Sold Pára, BCP 12, 1970)




Guiné > Bissau > Brá> 1970 > "Os meus grandes amigos da Companhia de Caçadores Páraquedistas nº. 122: O Hoss e o Rodrigues. Em cima, vê-se o Hoss a aparar um murro no estômago, como mandavam as regras.

"Na segunda foto, o primeiro a começar da esquerda é o famoso Hoss, assim conhecido por todos incluindo os familiares, e julgo também o staf dos CTT, porque bastava escrever na carta ou no aerograma no endereço HOSS Pára-quedista, sem SPM nem nada, que a correspondência lhe ia chegar às mão. Era 1º Cabo Enfermeiro (julgo eu). O segundo era o Soldado Manuel Conceição Rodrigues, que era meu amigo desde há muitos anos, quando ele esteve a trabalhar na construção dos Estaleiros da Lisnave. Daí quando ía a Bissau, em vez de ficar no Depósito Geral de Adidos, ía comer, beber e pernoitar no quartel de Brá com estes meus grandes amigos. O terceiro da fotografia sou eu" (...) (*)

Fotos (e legendas): © Tino Neves (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário, com data de 4, ao poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)

Caro amigo Luís Graça, em primeiro vou-me apresentar: Ex-soldado paraquedista, cumpri serviço no BCP 12. Chamo-me Sílvio Fagundes Abrantes, mais conhecido pelo Hoss.

Vou falar do que sei sobre o meu amigo Jaime Manuel Duarte de Almeida, 1º Cabo Paraquedista RD 85, mais conhecido pelo Cabo 80.

Sobre a sua vida de civíl antes da tropa pouco ou nada sei. Sei que teve uma infância muito dura e a certa altura foi para Lisboa onde se alistou na vida da noite. Quando algumas vezes lhe perguntei o que tinha feito antes da tropa, a resposta era sempre a mesma, ou se calava, ou não quero falar disso.

Era um bom jogador de cartas e exímio na vermelhinha. Não tinha escrúpulos em sacar a massa ao maior amigo, daí o pessoal não simpatizar muito com ele, como diz o Sr. Coronel Mira Vaz, meu comandante de companhia na altura.

Grande guerreiro, dotado de muita força, a MG 42 para ele era um brinquedo. Tínhamos dois inimigos comuns, os pretos e os ranhosos da PM [Polícia Militar], [que] se se bamboleavam por Bissau como se fossem donos e senhores do território, ainda hoje não posso com esses ranhosos.

O Jaime pertencia à CCP 122, veio para a 121 temporariamente pela mão do então Capitão Terras Marques que veio da 122 para a 121 e o Cabo 80 veio com ele. A seguir ao Cap Terras Marques, hoje Coronel na Ref, veio o Sr Mira Vaz.

A última vez que vi o meu amigo 80 foi em Águeda, encontrei-o por casualidade à beira da estrada nacional nº 1. Passámos ao resto da tarde juntos. Disse-me que estava à espera de ir para França, até hoje nunca mais o vi nem soube nada dele de concreto, o que sei é o mesmo que os meus amigos sabem.

O 80 não era nenhum arruaceiro e era digno das tropas Paraquedistas.Não como diz aí um senhor. Ele era um lutador, lutava pela Pátria e sabia o significado da palavra Pátria, ao contrário desse senhor que lhe chama arruaceiro, que não deve saber o significado da palavra Pátria e além disso é nojento tratar de arruaceiro um militar da estirpe do 80, sabendo que ele não está cá para se defender ou esse senhor era da PM a quem o 80 fez a vida negra e agora tenta vingar-se, isso é jogo sujo. Se ele cá estivesse de certo que não dizia uma baboseira dessas. Mais não digo.

Vou esclarecer um mal entendido. Eu era soldado enfermeiro, nunca fui promovido a cabo porque num dia fui duas vezes à missa e tramei-me. Eu era apontador de MG e um colega meu trazia a bolsa de enfermagem. Prometo voltar, Hoss.


2. Comentário, colocado no mesmo poste, pelo Paulo Santiago:

Coronel Mira Vaz: 

Após ler o seu post, liguei ao meu amigo e conterrâneo Hoss (Sílvio Abrantes), visto ter a convicção que ele tinha a especialidade de enfermeiro. Confirmou-me ter essa especialidade,apesar de nas saídas para operações levar a MG 42, sendo outro camarada a levar a bolsa de enfermagem. Falou-me numa emboscada no Pelundo (?) em que morreram 6 Páras, e após o combate ter exercido em vários camaradas as funções de enfermagem, o que acontecia, segundo ele, sempre que havia combate com feridos.

Abraço
P.Santiago
Alf Mil Pel Caç Nat 53

3. Comentário de L.G.:

Já tinha feito a sugestão ao Paulo:

"(...) Por que não trazes o Hoss até nós, tal como fizeste com o Victor Tavares ? Tu tens esse condão especial de saber levar a água ao teu/nosso moínho"...

E acrescentava: "O Victor, 1º Cabo da CCP 121 / BCP 12, foi o primeiro pára a 'abrir o livro', no nosso blogue... Publicámos, dele, um conjunto notável de depoimentos sobre a actividade operacional e humana da CCP 121, nomeadamente a actuação em Guidaje e depois em Gadamael em Maio/Junho de 1973. Também era um homem da MG 42. Ficámos amigos. Dá-lhe os meus melhores cumprimentos quando o vires"...

Julgo que a alcunha Hoss tenha sido atribuída ao Sílvio por analogia com a figura do Hoss Cartwrigh, da popular série televisiva norte-americana Bonanza...(Quem,da nossa geração, não era fã da família justiceira mas bonacheirona do Faroeste, o pai Ben, e os filhos Adam, Hoss e Little Joe ?... Comecei a vê-los desde os princípio da década de 60, se não me engano, na RTP)...

Gostava que o camarada Sílvio lesse as nossas regras de bom senso e bom gosto (por exemplo, não usamos o termo "preto", pela sua conotação racista...) e aceitasse fazer parte desta comunidade de amigos e camaradas da Guiné. Na nossa Tabanca Grande não cultivamos ódio nem raiva por ninguém, incluindo os antigos militares da PM e os homens (e mulheres) que nos combatíam (os guerrilheiros do PAIGC)...

No nosso blogue, simplesmente contamos histórias, partilhamos memórias e até afectos. Vejo que o Sílvio está na disposição de nos contar também histórias do seu tempo de militar da CCP 121 / BCP 12. Peço ao Paulo Santiago, seu amigo e vizinho, que o apadrinhe na sua entrada no nosso blogue. Se ele aceitar o nosso convite, que seja desde já bem vindo, alargando assim a representação dos camaradas do BCP 12.
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)