quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5717: Blogpoesia (64): À uma e meia da tarde... Em homenagem ao António Marques, que sobreviveu, dois anos depois, à explosão de um vulcão (Luís Graça)


Oeiras > Livraria-Galeria Municipal Verney / Colecção Neves e Sousa > 19 de Janeiro de 2010 > 4.º Encontro do 2.º Ciclo de Colóquios-debates Fim do Império - Olhares Civis > Os dois antigos camaradas da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), caídos numa mina anti-carro, em 13 de Janeiro de 1971, à saída do destacamento e reordenamento de Nhabijões, Sector L1 (Bambadinca), zona leste (*)...

Foto: © JERO (2010). Direitos reservados


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento e reordenamento de Nhabijões > Finais de 1970 > O Alf Mil Moreira (**), sapador, pertencente à CCS / BART 2917, destacado no reordenamento de Nhabijões, aqui fotografado junto a uma velha GMG . Evacuado para o HM 241, em Bissau, por ferimentos graves em 13 de Janeiro de 1971 (***), passaria depois aos serviços auxiliares e terminaria o resto da comisão - os 15 a 16 meses que lhe faltavam! - no BENG (Batalhão de Engenharia) 447.

Foto: © Luís Moreira (2006). Direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões > 1970 > Pessoal da CCAÇ 12 destacada no reordenamento de Nhabijões (da direita para a esquerda: os furriéis milicianos Sousa, Reis (a dedilhar o kora!) e Henriques; no acordeão, o nosso 1º Cabo Escriturário Tavares, de seu nome completo Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares; em segundo plano, com a viola, outro militar da CCAÇ 12, presumo que um dos nossos sold condutores, podendo até ser o próprio Soares, que viria a morrer no dia 13 de Janeiro de 1971: será que alguém consegue identificá-lo ? Tu, Humberto Reis, tu, José Luís de Sousa, que estás no Funchal; tu, GG, ex-1º Cabo Cripto Gabriel Gonçalves; ou qualquer outro camarada da CCAÇ 12 que me esteja a ler..).

Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1971 > Furriéis Levezinho e Fernandes, em convalescença... Ao Tony já não sei o que é que aconteceu... Ao Fernandes, o braço ao peito tem uma explicação: a explosão de uma mina anticarro à saída de Nhabijões, no dia 13 de Janeiro de 1970 (um dia fatídico: para o nosso soldado condutor auto, Soares - de seu nome completo, Manuel da Costa Soares -, que teve morte imediata; mas também para o Joaquim Fernandes, Fur Mil At Inf (****), com formação em engenharia, que ficou ferido; para o Alf Mil Luís Moreira, que foi gravemente ferido; e para outros camaradas, incluindo o furriéis Marques e Henriques e, que cairam, com o seu grupo de combate, numa segunda mina; por acaso o dia, embora 13, não foi sexta-feira, mas sim quarta-feira).

Foto: © António Levezinho (2006). Direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > 1970: Da esquerda para a direita, os ex-furriéis milicianos Marques e Henriques, junto a um Unimog 404.

Os dois foram vítimas, juntamente com as suas secções (4º Grupo de Combate), da explosão de uma mina anti-carro na GMC em que seguiam (Estrada de Nhabijões-Bambadinca, 13 de Janeiro de 1971, a um mês de acabarem a sua comissão de serviço).

O Marques foi gravemente ferido, tendo sido evacuado para a Metrópole. A sua reabilitação foi morosa e penosa. É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadas). Entrou recentemente para o nosso blogue.

Foto: © Luís Graça (2005).Direitos reservados


1. Em homenagem ao António Marques, empresário, reformado, natural de Abrantes, residente em Cascais, que foi meu amigo e camarada de infortúnio, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), e que é um novo membro da nossa Tabanca Grande. Chamava-lhe, por brincadeira, o Marquês sem acento circunflexo. Esteve 17 dias em estado de coma, no HM 241, e 2 anos hospitalizado, em Bissau e em Lisboa... (Penitencio-me de nunca o ter ido ver ao Anexo do Hospital da Estrela, em Campolide, durante anos perdemos o contacto!)...Não consta, por outro lado, que o seu nome esteja na lista dos heróis do Olimpo... ou do Guiness Book of Records... É um sobrevivente nato!...

Em homenagem (póstuma) ao Soares (morto em 13 de Janeiro de 1971) e ao Rodrigues (o alferes do 4º Gr Comb, que trabalhava em Lisboa na Segurança Socuial, e que morreu precocemente, anos depois desta trágica história)... Em homenagem e apreço aos demais camaradas do 4º Gr Comb da CCAÇ 12 com quem compartilhei alguns dos bons e dos mau momentos da minha passagem pela Guiné (1969/71).


À uma e meia da tarde...

Era uma hora e meia da tarde
quando o meu relógio parou,
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.

... O sol dos trópicos desintegrou-se.
O céu tornou-se de bronze incandescente.
Mil e um pequenos sóis riscaram o ar.
O mamute de três toneladas deu um urro de gigante
ao ser projectado sob a lava do vulcão.


Uma súbita explosão…
Um trovão que ecoa até ao Mato Cão...
E depois um silêncio de morte.
O silêncio da morte.

...À uma e meia hora da tarde
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.

Sei que gritaste:
- Agarrem-se que a viatura vai despenhar-se!
Sei que foste projectado ao lado do condutor,
batendo violentamente
com a cabeça na chapa do tejadilho.
Sei que conseguiste equilibrar-te
dentro do caixão de ferro,
e sei que não vias nada.


A espessa nuvem de pó, envolvente,
exalava um forte cheiro a enxofre.
Ainda consegui pensar:
- O ar está rarefeito,
milhões de partículas de pó barrento
bloqueiam-me os pulmões,
vou sufocar dentro desta maldita cabina!

Foi quando parou o meu relógio,
à uma e meia da tarde
à saída do destacamento de Nhabijões.

… Um curto-circuito ocorreu no teu cérebro,
como se tivesses sido electrocutado.
Ficaste rigidamente colado ao assento,
a G3 entrelaçada nas pernas,
e a estranha sensação
de que a massa encefálica te tinha saltado da caixa craniana.


O olhar vidrado de quem mergulhou nas profundezas da terra.
O gélido terror de quem entrou num mundo desconhecido.
A antevisão da viagem pelo gélido Rio de Caronte.
O calafrio da morte,
trespassando o teu corpo da cabeça aos pés.

...À uma e meia da tarde
na estrada Nhabijões-Bambadinca.

Nunca saberás ao certo
quantos segundos se passaram,
mas houve um solução de continuidade,
essa fracção de tempo
em que a tua consciência esteve bloqueada,
e os pulmões falharam,
e o sangue gelou,
e o coração parou,
de puro terror,
até compreenderes que a velha GMC...
tinha accionada... uma mina.


Outra mina, meu Deus!,
Que horror!,
e instintivamente agarrei-me àquela carcaça de mamute,
mal refeito da surpresa de estar vivo.

....À uma e meia da tarde,
à saída do reordenamento de Nhabijões.

Quando saltaste para o chão,
tinhas, sob o olhar aterrado,
os destroços duma batalha:
corpos por todo o lado,
juntamente com espingardas,
cantis,
canos de bazuca e de morteiro,
granadas,
dilagramas,
um rádio,
bocados de chapa e de borracha,
quicos,
botas,
restos de camuflado,
numa profusão indescritível.


Corpos que gemiam,
que gritavam,
ou que talvez fossem já cadáveres.

...No vulcão de Nhabijões,
a oeste de Bambadinca,
Sector L1,
Zona Leste,
Teatro Operacional da Guiné,
na África subsariana.

– Mortos! Tudo mortos!
– gritava-te o puto Umaru,
os braços abertos,
o pânico estampado no seu belo rosto de efebo,
fula, filho de régulo,
sem o seu inseparável pequeno cachimbo,
que sempre usava para lhe dar o ar de falso Homem Grande.


E logo ali o Transmissões,
o primeiro ferido que reconheceste,
todo encolhido junto ao colosso de ferro amalgamado,
numa postura fetal,
de defesa,
em estado de choque.

Abeiraste-te depois do comandante da 1ª secção,
teu companheiro de quarto,

o Marques,
o teu querido Marquês sem acento circunflexo,
mas ele já não reagia à tua voz
nem às bofetadas que lhe davas no rosto,
o olhar vidrado
dos passageiros do barco de Caronte.
Aparentemente não tinha qualquer fractura exposta
mas de um dos ouvidos corria-lhe um fio de sangue.
Um fiozinho,
vermelho e negro,
rapidamente oxidado em contacto com o ar.
Procuraste desesperadamente
os sinais de que ainda estava vivo,
mas sua respiração era cada vez mais fraca,
e o pulso escapava-se-te, entre os teus dedos.


Trágica ironia:
um minuto antes,
ao subirmos os dois para a viatura,
havíamos disputado amigavelmente o 'lugar do morto'.
- Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...

… À uma e meia da tarde de um dia treze,
ao vigésimo mês de Guiné,
em Janeiro de 1971.

Acabaste por ser tu a ir para o 'lugar do morto',
ao lado do condutor.
Mas daquela vez,
e para sorte tua,
a mina rebentaria sob um dos rodados duplos traseiros da GMC,
embora do teu lado.
A velha GMC do tempo da Guerra da Coreia,
que gastava cem aos cem...
e que acabava de fazer a inversão de marcha,
de regresso ao quartel,
em Bambadinca.


Outra filha de puta de mina,
não detectada pelos nossos picadores,
fora accionada, na berma da estrada,
às portas do reordenamento de Nhabijões,
a coqueluche do comando do batalhão.
Porra, camaradas,
a escassos metros da anterior,
já fora da estrada!

… À uma e meia da tarde
de um dia que não era sexta-feira, 13,
de azar!

Estavas de piquete,
quando duas horas antes uma viatura nossa
accionara uma mina.
Um frágil burrinho, um Unimog 411.
Ia buscar o almoço para o pessoal do reordenamento
O condutor, o Soares, teve morte imediata.
O Furriel Fernandes, também da CCAÇ 12,
o alferes sapador Moreira e outro militar,
ambos da CCS do batalhão,
ficaram feridos, com gravidade…


Mas só depois reparei no velho Tenon,
no Ussumane,
no Sherifo,
mesmo ao meu lado,
a meus pés,
sem darem acordo de si.
E ainda no Quecuta,
no Cherno
e no Samba, nosso bazuqueiro,
arrastando-se penosamente sobre os membros superiores,
como lagartos cortados ao meio.

…À uma e meia da tarde
na estrada da morte,
com as palmeiras de Samba Silate
e o Geba ao fundo.

As duas secções
que seguiam atrás, na GMC,
tinham sido projectadas pela vulcão de trotil,
como se fossem cachos de bananas.
Caso se seguisse uma emboscada,
então seria um massacre.
Tu eras o único que tinha uma arma na mão,
mas inútil,
inoperacional,
encravada,
devido ao choque sofrido…


Não deixei de sentir um calafrio
ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG
e sob o matraquear das 'costureirinhas'
e das Kalash.

… Ali, à uma e meia da tarde,
em Nhabijões,
na Guiné,
far from the Vietnam.


Tinhas acabado de fazer o reconhecimento das imediações,
detectando o trilho dos guerrilheiros
que, durante a noite,
tinham vindo pôr as minas assassinas…
Eles faziam a guerra deles,
tão cruel e tão suja como a nossa.
Esse trilho, mais fresco,
acabava por confundir-se
com os usados pela população de Nhabijões
que a gente sabia
não morrer de amores por nós…


SOS, evacuação Ypsilon,
vou a correr para o heliporto,
sem soro,
sem garrotes,
sem pensos,
sem maqueiro,
sem mala de primeiros socorros!

...Numa luta desvairada contra o tempo,
na estrada Nhabijões-Bambadinca.


Era possível, entretanto,
que houvesse mais minas
pela estrada fora.
Ainda hesitaste
em mandar picar o terreno,
mais alguns metros em redor,
mas não podias perder nem mais um segundo,
para logo seguires de imediato
para os helis
que aguardavam os feridos mais graves.

Mais até do que a solidariedade

entre camaradas de guerra,
mais até que a minha amizade pelo Marques,
de repente o que me terá movido,
o que me deu força anímica,
foi o brutal sentimento do absurdo da morte,
do absurdo daquela guerra,
a raiva contra aquela guerra.

… À uma e meia da tarde
nessa maldita picada do inferno.

Foi uma corrida louca,
aquela,
na fronteira indefinida
que separava a vida da morte
na estrada de Nhabijões.
No primeiro Unimog que te apareceu à mão,
e que levava um carregamento letal de feridos.
Três deles estavam em estado de coma
e tinham como destino outro inferno:
o hospital de Bissau,
os Alouettes III roncando como o macaréu,
sobre o Geba, largo e medonho,
a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte
aos vinte e poucos anos de idade.


…No dia 13 de Janeiro de 1971,
num dia que nem era sexta-feira,
mas que foi de terrível azar,
às treze e meia da tarde,
quando o teu relógio parou
à saída da grande tabanca balanta de Nhabijões,
finalmente reordenada
e controlada…




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 > CCS/BART 2917 (1970/72) > Cemitério de viaturas militares > Em primeiro plano, pode ver-se o estado em que ficou o burrinho, o Unimog 411, depois de accionar uma mina anticarro à saída do reordenamento de Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, por volta das 11h25. Duas horas depois, era accionada outra mina A/C por uma GMC (parecida com a que está visível ao fundo, na imagem, mas com um maior grau de destruição).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (Junho 69 / Mar 71) > O Fur Mil At Armas Pesadas Henriques, com o Sold Apont Mort 60 Umaru Baldé, o puto (já falecido), e o 1º Cabo José Carlos Suleimane (que - disseram-mo em Março de 2008 - hoje vive em Amedalai, entre o Xime e Bambadinca,), ambos do 4º Gr Comb, em Finete, no Cuor, a norte do Geba.

Não tendo a especialidade de atirador de infantaria, e não sendo a CCAÇ 12 uma uniddae de quadrícula (não tendo, por isso, armas pesadas...) o Henriques era o pião de nicas do Capitão Inf QP Carlos Brito (hoje Cor Ref), tendo com isso percorrido todos os 4 Gr Comb da CCAÇ 12, e apanhado, no mato, a porrada suficiente para um dia poder contar aos netos, se os tiver, que a morte é certa mas que a vida é bela e vale a pena ser vivida... Também foi quem escreveu, dactilografou, reproduziu a stencil e fez cópias (clandestinas) a história da unidade... com a inestimável colaboração dos milicianos e do 2º sargento Piça (Onde quer que estejas, mil e um abraços, grande Piça, do Camarada Sov!).

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados
___________

Notas de L.G.:

(*) Sobre o complexo e ambicioso reordenamento de Nhabijões, vd. poste de:

21 Setembro 2005 > Guiné 63/74 . CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Graça)

(...) (5) Novembro de 1969: Início do reordenamento de Nhabijões

A partir deste mês, 1 Gr Comb da CCAÇ 12 passaria a patrulhar quase diariamente as tabancas de Nhabijões cujo projecto de reordenamento estava então em estudo, a cargo da CCS/BCAÇ 2852.

Nhabijões era considerado um centro de reabastecimento do IN ou pelo menos da população sob seu controle. As afinidades de etnia e parentesco, além da dispersão das tabancas, situadas junto à bolanha que confina com a margem sul do Rio Geba, tornava-se impraticável o controle populacional. Impunha-se, pois, reagrupar e reordenar os 5 núcleos populacionais, dos quais 4 balantas (Cau, Bulobate, Dedinca e Imbumbe) e 1 mandinga, e ao mesmo tempo criar "polos de atracção" com vista a quebrar a muralha de hostilidade passiva para com as NT, por parte da população que colabora com o IN. (*****)


A CCAÇ 12 participaria directamente neste projecto de recuperação psicológica e promoção social da população dos Nhabijões, fornecendo uma equipa de reordenamentos e autodefesa (constituída pelo Alf Mil Carlão, Fur Mil Fernandes, 1º Cabo At Encarnação e Sold Arv Alfa Baldé que foram tirar o respectivo estágio a Bissau, de 6 a 12 de Outubro de 1969) e ainda 2 carpinteiros (1º Cabo At Sousa e 1º Cabo Enf Rente). E indirectamente criando as condições de segurança aos trabalhos.

Numa primeira fase estava previsto levar a efeito a desmatação do terreno, a fabricação de blocos e a construção de 300 casas de habitação e 1 escola. Durante este período a CCAÇ 12 realizaria várias acções, montando nomeadamente linhas descontínuas de emboscadas entre os núcleos populacionais de Nhabijões, além de constantes patrulhas de reconhecimento e/ou contacto pop.


A partir de Janeiro/70 seria destacado um pelotão da CCS/BCAÇ 2852 a fim organizar a autodefesa de Nhabijões. Admitia-se a possibilidade do IN tentar sabotar o projecto de reordenamento, lançando acções de represália e intimidação contra a população devido à colaboração prestada às NT.


A partir de Abril de 1970, o reordenamento em curso passaria a ser guarnecido por 1 Gr Comb da CCAÇ 12. Na construção de novo destacamento estiveram empenhados o Pel Caç Nat 52 e a CCAÇ 12, a 3 Gr Comb, durante vários dias.


A segunda fase do reordenamento (colocação de portas e janelas e cobertura de zinco em todas as casas, abertura de furos para obtenção de água, etc.) começaria quando o BART 2917 passou a assumir a responsabilidade do Sector L1 (em 8 de Junho de 1970).


A partir de Julho, a CCAÇ 12 deixaria de guarnecer o destacamento de Nhabijões, tendo-se constituído um pelotão permanente da CCS/BART 2917 enquadrado por graduados da CCAÇ 12. (...)

Fonte: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 17.

(**) 24 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCIX: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática

(***) 23 Setembro 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)
(...) História da CCAÇ 12 (1969/71)


(19) Janeiro de 1971: 1 morto de 6 feridos graves aos 20 meses


O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:


(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb [,da CCAÇ 12, ] detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na [nova] estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.


(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.


0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917) [Alf. Mil. Moreira], 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).


(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.


Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf Mil Rodrigues] deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.


Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões, agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.


(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur Mil Marques e Henriques] , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.


Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf Mil Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba.


(v) No dia seguinte, às 5.45h, as forças de segurança à TECNIL (2º e 4º Gr Comb da CCAÇ 12) detectaram novos vestígios do mesmo grupo IN que seguiu na direcção de Lantar, vindo de Samba Silate, fazendo de passagem o reconhecimento das máquinas à entrada da bolanha do Xime. Uma inspecção cuidadosa não revelou estarem armadilhadas.


(vi) Às 18.30Oh, o IN flagelaria o Xime com mort 82 da direcção de Ponta Varela, à distância e sem consequências.


Durante o mês, a CCAÇ 12 continuou empenhada na segurança à TECNIL, tendo ainda levado a efeito duas colunas de reabastecimentos até ao Saltinho. (...)

Fonte: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. pp. 44-45.

(***) O Fur Joaquim Fernandes foi destacado para as obras do reordenamento de Nhabijões, por ter conhecimentos de engenharia civil. Eu, que rodava pelos pelotões como "pião de nicas", sei que nessa época estava a substituí-lo no 4º Gr Comb. Caímos os dois em minas A/C, no mesmo sítio, no mesmo dia, em duas viaturas diferentes, com duas horas de diferença...Coincidências ?

Vd. composição original do 4º Gr Comb CCAÇ 12 (entre parêntesis, a especialidade de cada um dos afrianos e a etnia: F=Fula; FF=Futa-fula)


Comandante: Alf Mil Cav 10548668 José António G. Rodrigues (já falecido)

1ª secção

Fur Mil 15265768 Joaquim A. M. Fernandes
1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva

Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Municiador Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82115269 Cherno Baldé (Apontador Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)

2ª secção

Fur Mil 11941567 António Fernando R. Marques (******)
1º Cabo 17714968 António Pinto


1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (F)
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (F)
Soldado 82110469 Mamadú Baldé (F)
Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60) (F)
Sold 82118769 Alá Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82118569 Mamadú Colubali (FF)
Sold 82119069 Mamadu Balde (F)

3ª secção
1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação [ou fur mil Luís Manuel da Graça Henriques]

Soldado 82116069 Sajuma Jaló (Ap LGFog 8,9) (FF)
Sold 82110269 Suleimane Baldé (Mun LGFog 8,9) (F)
Sold 82111069 Sori Baldé (F)
Sold 82115669 Sherifo Baldé (F)
Sold 82115769 Tenen Baldé (F)
Sold 82117169 Ussumane Baldé (F)
Sold 82117769 Califo Baldé (F)
Sold 82118469 Califo Baldé (F)


(*****) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

(******) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5698: Tabanca Grande (199): António Fernando R. Marques, ex-Fur Mil da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

(...) Quanto à pequena história para contar, não a tenho, tenho sim uma grande história a qual já te referiste no Blogue (...), que foi o rebentamento da mina em Nhabijões em 13 de Janeiro de 1971, onde íamos os dois e onde fiquei gravemente ferido e em perigo de vida. (...)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5716: Morte e sucessão do Cherno Rachide, ao tempo do BCAÇ 4513, em Set / Out 1973 (Fernando Costa)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 2. "Depois da degola do carneiro. O Cherno é o que tem a faca na mão. À sua esquerda está um dos filhos".




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 3. "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã]

Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados


1. Mensagem, de 3 do corrente, enviada pelo Francisco Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*)

Luis,

Junto envio transcrição integral dos textos oficiais sobre o período em que faleceu o Cherno Rachide e a sua substituição. Desta forma poderás escrever à tua maneira o que é relatado.

Como podes verificar, estou a escrever a história integral do Batalhão 4513 desde a chegada à Guiné até à partida. Já tenho actualizada a lista de pessoal que compôs o batalhão e que é superior à inicialmente transcrita.

É de notar que não consigo encontrar nenhum médico inscrito nos quadros do batalhão, o que é de estranhar pois tenho a certeza que existia.

Em relação à farda do PAIGC (**), a legenda é simples No dia em que foi feita a substituição das NT pelas do PAIGC no quartel de Aldeia Formosa, pedi a um soldado que fizesse a troca de uma farda dele por um camuflado meu.

Assim, guardei até hoje para servir de "Ronco" ou seja recordação, dos tempos em que as tropas portuguesas lutaram contra aqueles que nos substituíram no terreno.

Há muita gente que diz que foi "entregar o ouro ao bandido", eu não partilho dessa opinião, mas acho que muita coisa poderia ter sido feita com mais dignidade para com aqueles que lá deixaram parte de si, para não falar dos que não chegaram a regressar.

(Não guardo rancores, guardo sim boas ou más recordações).

Fernando Costa
Ex-Furriel BCAÇ 4513



Excertos da história do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (Transcrição, para suporte digital: F.C.)

CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


4º Fascículo (período de 1Set a 30Set73)

SITUAÇÃO GERAL

Ainda de acordo com o planeamento aprovado do treino operacional do BCAÇ 4516, o início do período foi caracterizado pela movimentação das 3 companhias do BCAÇ 4516 e 2 do BCAÇ 4513 para BUBA para efectuar a Op "LANCE PERTINENTE" cuja finalidade visava, à semelhança da Op "OUSADIA SATÂNICA" atingir o UNAL no sentida N/S – o objectivo não foi atingido pela completa intransitabilidade do terreno nesta época de chuvas constantes e intensíssimas, a falta de trilhos, a ausência de guias e a enorme distância a percorrer, mas considerava-se que foi bastante proveitoso para a finalidade do treino operacional do novo Batalhão, pela série de ensinamentos que uma acção desta envergadura traz para o pessoal e especialmente para os quadros.

Findo o treino operacional, o BCAÇ 4516 tomou a responsabilidade da sua zona de intervenção passando a depender a CCAV 8351 e o 2º PEL ART, estacionados no CUMBIJÃ, do novo Batalhão.

Entretanto as acções do BCAÇ 4513, agora liberto do treino operacional, começaram a tomar maior volume e assiduidade, para os patrulhamentos e emboscadas na direcção da fronteira da República da Guiné, e mais incremento na contra-penetração nos tradicionais corredores de passagem do IN.

Durante o mês, apenas se verificou uma acção IN e esta junto do RIO CORUBAL, no limite da ZA/2ª CCAÇ, que consistiu num contacto entre uma força daquela companhia, durante a acção "OGIVAL" com um grupo IN que,  após detectar as NT,  fez alguns disparos e retirou em direcção ao INSASSENE, deixando 1 Granada   de RPG-2 e vestígios de sangue.

Verificou-se no período o falecimento do CHERNO RACHID, chefe religioso de extraordinário prestígio no meio muçulmano, cuja perda abalou muita a população, receando-se não ser fácil encontrar quem o substitua com o mesmo prestígio e a mesma devoção à Causa Nacional (***).

No dia 29SET regista-se a chegada à Província do novo Governador e Comandante-chefe, General BETTENCOURT RODRIGUES, que substituiu nos cargos o General ANTÓNIO SPINOLA.

Referem-se como actividades mais importantes:

SET73

01 - Integrada no TO do BCAÇ 4516, inicia-se a operação "LANCE PERTINENTE". Para isso são deslocadas para BUBA, além das três CCAÇ do BCAÇ 4516, mais 1 GR COMB da 2ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da 3ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da CART 6250; 1 GR COMB da CCAV 8351. Acompanha estas forças o 2º CMDT do BCAÇ 4513 a fim de dirigir a operação.

02 - Inicia-se a Op "LANCE PERTINENTE" em direcção ao UNAL, com o deslocamento das forças de BUBA para BOLOLA, ao longo do RIO BAPO – UNAL. Continua-se as acções na região de ALDEIA  FORMOSA em direcção à fronteira e na região de CUMBIJÃ.

03 - Continua-se a Op "LANCE PERTINENTE". Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 continuam a efectuar o patrulhamento da fronteira até ao RIO BALANA, em virtude de nesta época do ano, e devido às chuvas este mesmo rio não dar passagem. Forças da CCAV 8351 patrulham a região de CUMBIJÃ.

04 – Termina a Op "LANCE PERTINENTE" o objectivo não foi atingido pela muito difícil transpor o terreno nesta época, chuvas constantes e intensivas, falta de trilhos e ausência de guias e a enorme distância a percorrer. Forças da CCAÇ 18 patrulham a antiga picada da CHAMARRA-GANDEMBEL até à região de CHAMGUE LAIA.

05 - Regressam aos respectivos estacionamentos as forças do BCAÇ 4513 e BCAÇ 4516 intervenientes na Op "LANCE PERTINENTE". Forças da CCAÇ 18 patrulham o RIO BALANA sem contacto.

06 - Terminado que foi o treino operacional do BCAÇ 4516, as forças do BCAÇ 4513 retomaram a actividade intensiva de patrulhamento e contra penetrações nas regiões de BUBA, NHALA, MAMPATÁ, ALDEIA FORMOSA e nos corredores possivelmente utilizados pelo IN nos seus deslocamentos de S/N e vice-versa.

O BCAÇ 4516 assumiu a responsabilidade da sua área de intervenção, passando também desde esta data a CCAV 8351 e o 2º PEL ART (CUMBIJÃ) a dependerem operacionalmente daquele Batalhão.

07 - Forças da 2ª CCAÇ/4513 durante a acção "OGIVAL" entram em contacto com um GR IN EST em 20/25 elementos. O IN reagiu com RPG e AAut retirando-se em seguida. No reconhecimento efectuado capturou-se uma granada de RPG-2 e verificou-se a existência de extensas manchas de sangue. As NT sofreram 1 ferido ligeiro. Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 patrulharam a região do RIO BALANA.

08 - Forças da 1ª CCAÇ/4513 detectaram em região (XITOLE 2 F 0-30) passagem de um GR IN estimado em 40/50 elementos no sentido N/S na madrugada deste dia.

10 - Forças das sub unidades do Batalhão e de reforço continuam os eus patrulhamentos e contra-penetrações respectivamente nas regiões de BUBA, NHALA, MISSIRÃ e Fronteira.

11 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamentos e emboscadas realiza-se mais uma coluna de reabastecimento a BUBA.

12 - Por necessidades prementes de reabastecimento, realiza-se mais uma coluna a BUBA.

13 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração [C/PEN] na região de PONTE DO RIO CORUBAL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto. Forças da CART 6250 executam contra-penetração na região de MISSIRÃ sem contacto.

14 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBSERVADOR VI" patrulham a estrada CHAMARRA-GANDEMBEL até à confluência do RIO BALANA-RIO DADINA. Sem contacto.

15 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

16 - Continua a actividade operacional de patrulhamento e contra-penetração  de todas as sub unidades dentro das respectivas ZA.

19 - Pelas 2100 horas são avistados de ALDEIA  FORMOSA e na direcção de CHAPADA [Chamarra ?]vários very-lights e balas tracejantes.

20 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

21 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OLARIA" patrulham e executam contra-penetração  no RIO BALANA sem contacto.

22 - O Comandante do Batalhão acompanhou uma patrulha à região de CHICAMBILO. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORTIGA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região da confluência RIO CORUBAL-RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção OASIS" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de BOLOLA sem contacto.

23 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBJECTIVA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto.

24 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

25 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OUSADIA" executam patrulhamento e contra-penetração no RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção "ORIENTE" executam patrulhamento e contra-penetração  em MISSIRÃ sem contacto.

28 - Apresentou-se de licença, assumindo as funções de OF OP INF CAPITÃO JORGE F. CERVEIRA.
Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

29 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OXIGÉNIO" executam patrulhamento com contra-penetração na região de GAMÃ sem contacto.

30 - O Comandante do Batalhão acompanhou patrulhamento a JAI JULI.


CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


5º Fascículo (período de 1Out a 31Out73)

SITUAÇÃO GERAL

A pluviosidade diminuiu consideravelmente, no entanto as bolanhas ainda se apresentam com muita água e os rios com grande caudal. Têm surgido problemas com o itinerário ALDEIA FORMOSA-BUBA, exigindo, alguns troços, medidas de manutenção, a fim de se manter a transitabilidade.

Por determinação superior, o BCAÇ 4516 passou a ser força de Intervenção do COMANDO-CHEFE, pelo que foi transferido para BISSAU, ficando no entanto, uma das suas CCAÇ, em reforço do Batalhão e sedeada em COLIBUIA.

A actividade do IN continuou a ser fraca, sendo de salientar a flagelação a CUMBIJÃ, não só pelo número de granadas utilizadas, como a precisão do seu fogo.

Da actividade das NT, dirigida essencialmente para a fronteira e corredores de passagem IN resultou a intercepção de uma coluna IN no corredor de BUJOL, detecção e levantamento de duas Minas A/P, uma delas na picada de MAMPATÁ-NHALA e o accionamento de uma Mina A/P  na região de NHACOBÁ.

Chegaram a BUBA, os Destacamentos de Engenharia nº 1 e 2 e a Brigada de Estudo e Construção de Estradas, para darem início à construção da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, em duas frentes, sendo uma em BUBA e outra em ALDEIA FORMOSA.

Para os trabalhos da frente de ALDEIA FORMOSA, foi deslocado o Dest Eng nº 1. Como consequência deste deslocamento passou a ser exigido às forças do Sector um esforço extraordinário na realização de colunas de reabastecimento, a fim de colocar em ALDEIA FORMOSA os materiais necessários à obra a iniciar. Com a passagem das máquinas pesadas e de lagartas deste Destacamento, a estrada ficou bastante danificada, sendo necessário proceder-se a urgentes reparações em alguns pontos para garantir a transitabilidade da mesma.

Durante o período continuaram a deslocar-se a ALDEIA FORMOSA, em virtude do falecimento do CHERNO RACHID, várias autoridades tradicionais, algumas estrangeiras, entra as quais se destaca o CHERNO ALIU CHAM, do SENEGAL.

SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, foi eleito, em assembleia dos "Homens Grandes", sucessor de CHERNO RACHID. (***)

Por motivo do acto eleitoral no dia 28, a festa do RAMADÃ nos dias 28 e 29, efectuaram-se diversas colunas a BUBA, NHALA, RIO CORUBAL para transporte da população.

Em 17 e 30 iniciaram-se os trabalhos de Engenharia de abertura da estrada de ALDEIA FORMOSA-BUBA, respectivamente nas frentes de ALDEIA FORMOSA E BUBA.

Referem-se como actividades mais importantes:

OUT73


01 - Deslocou-se a Bissau para entrar de licença disciplinar Major Dias Marques, 2º CMDT. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA para transporte de frescos e pessoal.

02 - Forças da CCAÇ 18, durante a acção "OUTEIRO",  patrulham a Ponte do RIO BALANA sem contacto. Realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O avião fretado do TAGP escala ALDEIA FORMOSA fim levar frescos para BUBA.

03 - Tem início a acção "OMOPLATA" executada por forças da 1ª CCAÇ / 4513, com a colaboração de meios navais. Esta acção visa atingir PONTA NOVA. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORALIO" patrulham o Trilho de GAMÃ sem contacto.

04 - Termina a acção "OMOPLATA" em que as forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN em região de (EMPADA 7 D 7-50).

O CMDT recebe a visita de todos os "Homens Grandes" da região que vêm comunicar que,  reunidos em assembleia, elegeram SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, como seu sucessor. Exprimem todo o seu apoio e lealdade à Causa Nacional. Este mesmo facto é comunicado à REP ACAP, para ser transmitido a Sua Excelência Comandante-Chefe. (***)

05 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA, para transporte de frescos e pessoal.

06 - As Companhias do Batalhão e de reforço continuam as acções de patrulhamento e contra penetração nas regiões da fronteira, corredor do MISSIRÃ e BUJOL. Pelas 1630 horas, apresentou-se em ALDEIA FORMOSA um elemento da população, que tinha sido raptado pelo PAIGC no SENAGAL, e que fugira quando chegou a KANDIFARA. Depois de interrogado seguiu para BISSAU. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OPRESSÃO" executaram patrulhamento com contra penetração na região da Ponte do RIO CORUBAL sem contacto.

08 - Teve lugar em ALDEIA FORMOSA, uma reunião com o Comando do Batalhão em que estiveram presentes o Delegado da CH Serv Transp., o Delegado do QG/CTIG/4ª REP, o Comandante Interino e um Oficial do BENG 447, a fim de se coordenar os trabalhos de abertura da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA.

09 - Pelas 17H30  GR IN não estimado flagelou o Destacamento de CUMBIJÃ durante 45 minutos, com 100 granadas de CAN S/R 82 e 5 granadas de MORT 82, sem consequências.~As NT reagiram com fogos de ART e MORT.

Esteve presente no Comando do Batalhão, a apresentar os seus cumprimentos de despedida, o CHERNO ALIU CHAM,  da REP SENEGAL, e que agradeceu todo o apoio prestado quando do falecimento do CHERNO RACHID e todo o apoio sanitário que continua a ser dado em todos os postos fronteiriços da REP SENEGAL. (****)

Chegaram a BUBA os Dest Eng 1 e 2 e a Brigada de Estudos e Construção de Estradas.

10 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA a fim de transportar para ALDEIA FORMOSA, os elementos do Dest Eng 1, assim como algumas máquinas e material do mesmo.

11 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OSIRIS" executam patrulhamento com contra penetração na região do RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4516, accionaram na região de NHACOBA uma Mina A/P  IN, sofrendo dois feridos graves.

12 - Apresentou-se de licença disciplinar Cap Amaral, Comandante da CCAÇ 18.

13 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA, para transporte do material de Engenharia para ALDEIA FORMOSA.

15 - Notícia não avaliada da DGS local, refere que o IN tem deslocado forças de KANDIFARA para KASEMBEL. As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetração na região da fronteira e corredores de passagem IN, sem contacto.

16 - O Cmdt do Batalhão deslocou-se a NHALA e BUBA. Por determinação superior o BCAÇ 4516 passa a ser força de Intervenção do Comando-Chefe.

17 - Pelas 15h30  forças da 1ª CCAÇ / 4513 interceptaram em (XITOLE 2 E 7-17) grupo IN de 120 elementos armados, deslocando-se no sentido de S/N. NT sem consequências, o IN com prováveis feridos e mortos. Capturada 1 Granada  de RPG-7.

19 - Realizou-se coluna para transporte da 2ª CCAÇ / 4516 a fim de seguir para BISSAU.

20 - As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetrações na região da fronteira e corredores de passagem IN.

22 - Forças da CART 6250 procedem ao levantamento de minas instaladas pelas NT nas regiões de (XITOLE 4 E 4-41) e (GUILEJE 6 F 8-91).

23 - Durante a picagem do itinerário MAMPATÁ-UANE foi detectada e levantada uma Mina A/P  IN por forças da CART 6240. Seguiu para BUBA com destina a BISSAU a 1ª CCAÇ / 4516. O OF OP INF deslocou-se a BUBA e NHALA. Estiveram presentes em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do GA-7 e o Comandante da BAT ART/AAA 7040.

24 - Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transportar a CCS / 4516, com destino a BISSAU. Chegou a ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1. Juntamente com o Comandante do Batalhão deslocaram-se a MAMPATÁ. Forças da 1ª CCAÇ / 4513 transportadas em meios navais iniciaram a acção "OLIMPO" sobre a região de ANTUANE.

25 - Terminada a acção "OLIMPO" em que forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN na região (EMPADA 7 D 6-44). Iniciaram-se os trabalhos de abertura e asfaltagem da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA. Permanece em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1.

26 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513,  durante a acção "ORACULO", executam o patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de GAMÃ e ponte do RIO BALANA. Durante este patrulhamento procede-se à instalação de um campo de minas na região da ponte do RIO BALANA, sobre a estrada para GADEMBEL. Regressa a BISSAU o Exmº Comandante da CAOP-1.

27 - Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia na estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, frente de ALDEIA FORMOSA. Efectuou-se uma coluna a BUBA e outra ao RIO CORUBAL para trazer população com vista ao acto eleitoral do dia 28 e festas do RAMADÃ.

28 - Processou-se o acto eleitoral e iniciaram-se as festas do RAMADÃ, que trouxeram a ALDEIA FORMOSA muita população de BUBA, NHALA e SALTINHO.

29 - Pelas 1800 horas apresentaram-se em ALDEIA FORMOSA 3 elementos de população, naturais da REP GUINÉ, um homem,  uma rapariga e um rapaz. Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transporte de regresso das populações que se deslocaram a ALDEIA FORMOSA.

30 - Esteve em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1, regressou a BISSAU no mesmo dia. Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia da Estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA,  frente a Buba.

31 - O Comandante do Batalhão deslocou-se a COLIBUIA e CUMBIJÃ, acompanhado de um delegado do BENG 447.

[Revisão / fixação de texto / bold: L.G.]
____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

(**) Vd. poste 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5583: Memória dos lugares (62): Trocando roncos com o PAIGC em Aldeia Formosa, em Agosto de 1974... (Fernando Costa)

(***) Sobre este influente, poderoso e controverso dignitário muçulmano, vd. postes de:

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

(...) Não comento o livro e menos ainda transcrevo qualquer lenda. Abordo muito ligeiramente o posfácio. Nele fala-se de um Homem Grande, nosso contemporâneo, a viver em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e visitado pelo autor do livro. Esse Homem Grande era Cherno Rachide.



Ficou o autor encantado com o seu saber e simplicidade. Depois de conversarem e antes de se despedirem, Cherno Rachide, a pedido do autor, ofereceu-lhe escrito em árabe a sua canção – A Canção de Cherno Rachide, cantada diariamente pelos seus alunos.

O autor tentou, segundo diz, na transcrição para português, manter o ritmo e a musicalidade.


É essa canção que a seguir transcrevemos. «Cherno Rachide mostra-se grato, pelo Governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho de sua vida: a peregrinação a Meca». Transcrito do livro. (...)

27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

(...) "Os elementos de confiança do Partido são: em Cacoca, Daudá Camará, Abdulai Conté, Mbadi Bonhequi ; em Cacine, Laminé Camará, o relojoeiro, e Cassamá, motorista; em Missidé (Quebo), Aliu Embaló, e o grande marabu Cherno Rachid". (...)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3638: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (3): Jan 73: Com o Cherno Rachide, em Aldeia Formosa

(****) Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. o texto, em linha, de Francisco Proença de Garcia > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974).


(...) Tom Gallagher esclarece-nos sobre a posição das comunidades muçulmanas, face ao Poder Português, no período em análise (1963-74), na seguinte passagem:
 
“(...) Ironicamente, o Portugal católico encontrou aliados mais leais entre as tribos muçulmanas, tais como os Fulas, na Guiné-Bissau e os Macuas, em Moçambique, do que entre os grupos africanos educados nas missões, mais inclinados a juntar-se aos nacionalistas. O conservadorismo da sua estrutura social fazia das tribos muçulmanas os aliados preferenciais dos portugueses, que chegaram a enviar peregrinos a Meca e construíram mesquitas na Guiné-Bissau em paga do apoio dos chefes locais (...)”(...).


Neste quadro, convém lembrar que, de acordo com o Supintrep nº. 10 (“Populações da Guiné”) e com a opinião de diversos autores guineenses (...), o Poder Português utilizou os grupos étnicos islamizados por possuírem uma organização social com uma estrutura mais complexa do que a das etnias de religião tradicional, podendo mesmo falar-se de uma estrutura “vertical”, com um “Estado organizado”, com classes e poderes separados, de acordo com as suas condições económicas. Esta organização proporciona-lhes uma elevada coesão pela obediência fiel dos elementos das tribos aos chefes religiosos e políticos, que disfrutavam de uma notável importância e aceitação perante os seus, pelo que o apelo a estes auxiliares era “(...) uma condição sine qua non de uma vitória portuguesa face aos animistas (...)”

De acordo com o “Relatório de Serviço” (...), na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de 1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar, as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:


1) Quanto à confraria Qadiriya:

Em Jabicunda, o dignitário mais destacado da confraria era Al-Hajj Mamadu Mutaré Suaré (Jacanca), que exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa, na Gâmbia e no Senegal, articulando-se, neste último, com o seu irmão Caranca Djura Suaré (Casamansa), em consulta numa plataforma de paridade, não excluindo certo acatamento ao mesmo. Fazia a dádiva recomendável devida ao destaque, na linhagem xerifina, ao “Xerife” Yussuf Haydara (de Casamansa), portador da “Baraka”, aparentado com os Haydara de Tombuctu (Mali) e articulado a Marrocos.

Por via de seu irmão, inseria-se na dependência própria dos quadros confraternais, articulando-se, assim, ao “Cheik” Sidaty Ould Talibouya, expoente máximo da Qadiriya no Senegal, cujo poder de accionamento se estendia à Gâmbia, Mali, Guiné-Conacry e Guiné Portuguesa. Este “Xerife” senegalês visitava todo o território, colectando. Apresentava-se, pela linhagem e atributos pessoais, como ultrapassando na sua missão o quadro estrito das confrarias, e fundia-se com o Rei Imã numa origem multissecular: “a Casa do Profeta”.

Em Bijine, o mais destacado elemento era Al-Hajj Almami Sidi Acassamo (Mandinga) que manifestava acatamento xerifino e se articulava com o dignitário de Jabicunda, já citado. Contudo, em caso de recurso do respectivo parecer ou decisão, articulava-se ao “Cheikh” Sidi Abu Ibrahimo, na Mauritânia (Boutilimit) e não com Caranca Djura Suaré; também fazia a dádiva recomendável ao Cheik Sidaty Ould Talibouya.

2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).

Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar) e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro governamental e “director de consciência” dos tidjanistas tocolores e guineenses.

Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú (postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné (pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf Haydara.

Em Ingoré, o Xerife Secuna Haydara pertencia a uma família originária de Marrocos (Fês) e efectuou os seus estudos em Tuba, na Guiné-Conacry. Apresentava-se com uma ambivalência confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya (note-se, caso único no território), para o que concorre a sua natureza xerifina.

Secuna Haydara também exercia influência interna de tipo polarizante (em toda a linha de S. Domingos a Farim) e externa, a título consultivo (Casamansa), sendo a sua articulação em posição de acatamento com Al-Hajj Cheikh Ibraimo Djabi e, a nível paritário, com o Cherno Rachid. Este dignitário era parente do Xerife Yussuf Haydara, a quem não fazia a dádiva recomendável.

Por fim, o dignitário de Cambor, Cherno Mamagari Djaló, foi iniciado na confraria Tidjanya, no Senegal, pelo Xerife Hakilo Haydara, a cujo irmão Yussuf fazia a dádiva recomendável e a quem consultava, recorrendo, só em última instância, ao Califa Abdul Aziz Sy. A sua influência religiosa, a nível interno, é de tipo polarizante, em Cambor e nas zonas limítrofes. No entanto, manifestou alguma rivalidade em relação a Cherno Rachid pela sua influência no Gabú. Ao nível externo, efectua consulta no Senegal (Casamansa), Gâmbia (área de Djadjaburé) e em Conacry (não especificado).

Procurámos na medida do possível actualizar, presencialmente, todos estes pólos articuladores e difusores do Islamismo no território. Assim, no que respeita à confraria Qadiriya, os principais centros continuam a ser Jabicunda e Bijine, aos quais acrescentamos entretanto Farim.

Em Jabicunda, o Almami Ansu Cissé exerce influência interna, de tipo polarizante, em toda a área de Bafatá e, externa, na Gâmbia e Senegal. Paga a dádiva recomendável a um “Xerife” senegalês, cujo nome não conseguimos apurar. Os dignitários de Bijine Ualió Quntchumba Faty e Al-Hajj Koba Gassama (...), e Farim, Arafan Bacari Touré, respectivamente, todos com acatamento xerifino, articulam-se com o dignitário de Jabicunda, já referido.

No que se refere à confraria Tidjanya, Cambor é, presentemente, o maior pólo de difusão, sendo ainda dignitário Al-Hajj Ualió Mamagari (...) (portador de “Baraka”), considerado “Homem Grande” em todo o território; exerce influência de tipo polarizante no mesmo território, a nível interno, e externamente na Guiné-Conacry, Senegal, Gâmbia, Mali e Mauritânia (...).

Em Quebo, o dignitário islâmico mais proeminente é Al-Hajj Amadú Dila Djaló, filho de Cherno Rachid. Manifesta acatamento ao Xerife de Fês, Tidjani Hajj Zambir, filho de Sidi Al-Hajj Bensalem a quem faz a dádiva recomendável. Exerce influência religiosa interna, de tipo polarizante, na região de Quebo e, externa, como consultor, na Guiné-Conacry e no Senegal. Quanto a consulta, articula-se, tal como seu pai, ao Califa Abdul Azis Sy (nascido em 1904).

Este dignitário foi iniciado na confraria Tidjanya em Tivaouane, no Senegal. Completou os seus estudos no Egipto e efectuou diversas vezes peregrinações a Meca. Salientamos que este dignitário é deputado pelo PAIGC, na Assembleia Nacional Popular.

Ingoré, última fronteira guineense antes de Casamansa (...), continua a ser um grande pólo de difusão do Islamismo (permanece a bi-valência qadirista-tidjanista).

Aos centros tradicionais do território, acrescentamos o pólo de Sinchã Santa Mansata (Canhamina), onde Al-Hajj Umarú, com formação no Egipto e amigo próximo de Hassan II (segundo faz crer), construiu aquela que é considerada a maior mesquita da Guiné-Bissau.

Na perspectiva de Amaro Monteiro, se “(...) accionadas de Sul para Norte N ondas de subversão metódicas apontando às credibilidades e às sedes geografico-culturais dos dignitários xerifinos, o mecanismo de comunicação visado, rarefeitas as respectivas bases de sustentação (...)”(...), reagiria em sentido inverso, ou seja, se se projectarem, numa carta, todas as articulações confraternais e as linhagens xerifinas, verifica-se que estas teriam muito provável coincidência com os itinerários/focos de violência ou de desestabilização, que, em última análise, visariam o Rei Imã. Caso aquele entrasse, hipoteticamente, em colapso, provocaria o “(...) «curto circuito» dos mecanismos de comunicação sócio-religiosos (...)”(...), no referido sentido geográfico e, claro está, forte trauma nos pólos articuladores das confrarias Qadiriya e Tidjanya.

O Poder, ontem (o português) como hoje (o guineense), apercebendo-se de que não se pode alhear da importância muçulmana no território (...), que não pode ignorar o seu dinamismo por vezes encarado como concorrente da política externa do Estado, procura, por exemplo, custeando as despesas com a peregrinação a Meca (...) de personalidades destacadas da comunidade islâmica e com a construção de mesquitas, ganhar alguma autoridade, ou melhor, tenta obter, ou continuar a obter, os favores dos muçulmanos, sobretudo, importantes numa altura em que o mundo islâmico - pela mão do integrismo - assume uma importância política inusitada e que convém esconjurar.

Porém, o Estado laico dificilmente penetra no campo religioso. Aquilo que dá força ao Islão, nomeadamente ao Islão popular, é o facto de este representar, pelo menos em princípio, uma contra-sociedade, ou seja, uma sociedade paralela, que escapa por natureza ao poder do Estado (...). Assim, o Estado procura o aproveitamento pragmático dos muçulmanos, pois as respectivas características culturais são susceptíveis de, se bem exploradas, em termos de Apsic, reforçar ou constituir uma consciência nacional.

Em 1985, criou-se em termos oficiais a Associação Islâmica (presentemente presidida por Al-Hajj Sori Sow), sediada na capital agrupando todas as confrarias e comunidades espalhadas pelo país. Esta fórmula coordenadora faculta ao Islão o benefício do reconhecimento oficial, ao mesmo tempo que permite às autoridades governamentais “(...) transformar as estruturas muçulmanas em verdadeiras instituições paralelas do regime (...)”(...).

Aquela associação dispõe de um importante papel nas relações externas das comunidades muçulmanas nacionais, visto que é ela a encarregada de regularizar os contactos culturais e religiosos com o mundo árabe e de atrair capitais.

Após as primeiras eleições multipartidárias, em 3 de Julho de 1994, também as associações islâmicas proliferaram, contando-se presentemente no país mais cinco associações: a União Nacional para a Cultura Islâmica (1991), a Al Ansar (1992), com maioria de associados Mandingas; o Instituto Islâmico para o Desenvolvimento, que agrupa Fulas e Mandingas (1993); o Comité de Redacção e Tradução, que agrupa, essencialmente, Fulas (1994); e a Organização Islâmica, Cultura e Desenvolvimento, cuja maioria de associados é de Mandingas (1995).

Para eficiente accionamento da população, quer uma subversão quer uma contra-subversão necessitam de adequado conhecimento dos mecanismos informais de comunicação; nestes, o vector sócio-religioso desempenha, na África Negra, elevada importância, potencializada em terrenos humanos como o da Guiné pela impressiva presença de massa muçulmana. Uma guerra de semelhantes características globais ultrapassava obviamente a área de acção habitual das Forças Armadas. Assim, a resposta portuguesa para obstar “(...) à guerra global que a ela condicionava os actos da política (...)”(...) requerer-se-ia também geral, ou seja, em todas as “frentes”, por acções oportunas e estreitamente coordenadas nos campos social, político, militar e psicológico, como veremos no próximo capítulo e aliás desde já se vem inferindo. (...)

Guiné 63/74 - P5715: Histórias de José Marques Ferreira (15): As indecências necessárias



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 22 de Janeiro de 2010, a seguinte mensagem:


Camaradas,

Quero contar-vos esta estória pouco engraçada. Todos os que estão na fotografia são do Norte do país, 2 condutores, 2 mecânicos e 1 escriturário (era do Porto e estava de enxada na mão a tentar construir uma piscina ali, em Bula).


As indecências necessárias

Hoje estou para estas coisas. Não porque me apeteça, mas apenas para manifestar alguma revolta e indignação, passados tantos anos, por aquilo que vivemos, sofremos, sacrificamos, para dar naquilo que todos adivinhavam e alguns sempre souberam: EM NADA!

Melhor, iria dar naquilo que era lógico e que pouco tempo antes, nos anos anteriores a 1960, as outras nações já tinham iniciado. Os processos de autodeterminação das suas colónias, com o império inglês a marcar o passo na vanguarda.

E tudo isto apenas por causa desta fotografia.

Fui eu que a tirei. È um dos testemunhos evidentes do que se passava, com o pessoal militar na generalidade dos aquartelamentos, fora da zona da cidade de Bissau. Quero que fique aqui à disposição e visibilidade de todos os internautas, para confirmar, inequivocamente, que as condições de vida eram estas na Guiné, a que podem juntar muitas outras imagens, de muitas outras privações, que aqui estão colocadas ao longo deste blogue.

E isto não foi uma das piores situações que enfrentamos, para nos queixarmos em demasia, pois muitos outros Camaradas nossos, sobreviveram como autênticos animais, encafuados em abrigos e covis escavados no chão.

É isso mesmo. Na foto vê-se um grupo de camaradas meus conhecidos, que nunca mais encontrei até ao dia de hoje, e que se os avistar agora dificilmente reconhecerei, pois devem estar todos um pouco mais gordinhos de certeza.

O grupo está a tomar o seu banhinho em conjunto (pois fazia parte da sua própria segurança), numa espécie de ribeira ou nascente, ali mesmo próximo de Bula, local este para onde nos deslocávamos a pé, portanto não era longe.

Nesta altura já tínhamos saído de Ingoré.

E era assim... como todos nós neste blogue sabemos, dentro do aquartelamento até poderia existir algumas condições de higiene, mas não me lembro.

Lembro-me que ali sim, era mais cómodo, limpo e a água era melhor... para a pele também (?).

Pronto, aqui fica mais uma amostra (em foto), de uma das facetas pouco divulgadas, da nossa vida da Guiné!

Um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

24 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5699: Estórias avulsas (70): As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho)


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5714: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (29): O «Lua»


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos uma mensagem (a 29ª), com data de 16 de Janeiro de 2010:

O «Lua»

O Soldado José Pires Carreira, nado e criado em Batalha-Leiria, era conhecido na Companhia pelo “Lua”.

Está claro que a sua cara de “lua cheia” não era estranha à alcunha.

O “Lua” não deu particularmente nas vistas durante a comissão, podendo-se dizer dele que onde estava ouvia-se bem (falava habitualmente num de registo de voz um bocado alto).

De resto... foi um militar que nunca deu problemas, cumpridor que... fazia o melhor que era capaz.

Pertenceu à secção do Furriel Mesquita, do 1º. Pelotão do Alferes Costa. Foi um dos militares de Lenquetó e como todos os que estiveram nessa operação, que foi “o baptismo de fogo da Companhia”, passou um mau bocado.

Passou-se entre mim e o “Lua” um pequeno diálogo, completamente surrealista, que... nunca mais esqueci.

Estávamos cercados e debaixo de fogo.

O cronista – na qualidade de Enfermeiro - estava junto de uma árvore, que nos dava alguma protecção, e que se tinha transformado em posto de Comando... e Enfermaria.

Estavam lá o nosso Capitão, o telegrafista e o Cabo Marques, bastante ferido, que eu tentava manter o melhor possível – calmo, sem dores e controlado –.

Se ele entrasse em pânico como é se que iriam comportar os companheiros mais próximos!?

Aguardávamos o helicóptero e o ambiente era bastante tenso. Tiros de parte a parte recordavam-nos que, embora fosse hora do almoço, nesse dia não ia tocar para o “rancho”...

Numa fase de acalmia, quando deu para limpar o suor da testa, chega-me um “freguês”, com que não contava nada.

Rastejando aproxima-se de mim o “Lua” e queixa-se que lhe doía a cabeça. Eu que tinha a mania que tinha resposta para tudo... fiquei momentaneamente sem palavras.

O “Lua” doía-lhe a cabeça e queria um comprimido!?

E naquela hora a quem é que não doía a cabeça!?

Julgo que lhe disse qualquer coisa no género de que... as primeiras duas horas é que custam. Depois... passa!

Nunca mais esqueci a cara do “Lua”!

Fitou-me sem perceber bem a minha resposta e afastou-se.

Depois lá nos aguentámos os dois e regressámos sãos e salvos.

Nos convívios anuais que o ex-Alferes Tavares e o ex-Furriel Caires Figueiredo têm organizado, nos anos que se seguiram ao regresso no já longínquo ano de 1966, o “Lua” sempre compareceu com a família.

Primeiro só com a mulher, depois com um filho, depois dois filhos e mais tarde três.

Marcou sempre presença ao longo dos anos.

O tempo passa para todos e os filhos cresceram e tornaram-se homens. E continuaram a vir e a acompanhar o pai “Lua” (e a mãe) nas festas da “675”.

Há uns dois ou três anos atrás o filho mais velho do “Lua” aproximou-se do ex-Alferes Tavares e pediu-lhe tempo para umas palavrinhas.

– Sr. Tavares acho estas festas uma coisa formidável. Não deviam nunca acabar. O meu pai está velhote e qualquer dia pode morrer. Se isso acontecer eu gostaria de continuar a vir às festas da “675”.

– Ok pá. Está claro que não deixarás de ser convidado. Mas o teu Pai está em forma e está ainda ali para as curvas. Mas o teu pedido fica registado. - Respondeu-lhe o ex-Alferes Tavares.

Meses depois recebi um telefonema do Tavares com voz de “caso”.

– Oliveira acabei de receber um telefonema complicado. O filho mais velho do “Lua” morreu num acidente de caça. Diz alguma coisa ao Pai, por favor. Ele precisa de uma palavra de apoio da malta.

Por causa do “Lua” fiquei mais uma vez... sem palavras.

Depois... telefonei-lhe a dar os meus “sentimentos”.
A vida por vezes prega-nos cada “partida”.

Depois desse drama pessoal o “Lua” não faltou às festas seguintes.

É rijo o nosso “Lua”.

E continua a trazer no seu casaco de civil o emblema da Companhia: 675 NUNCA CEDERÁ.


O "Lua" (José Pires Carreira)
Fotografia do autor,
Almeirim, Maio de 2008

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: