terça-feira, 9 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5962: Antropologia (17): A Condição da Mulher em Cacine, em 1972 (Juvenal Candeias)

Guiné > Região de Tombali > Cacine > Binta, a bajuda contestatária, recusou  o casamento forçado com um homem grande




Guine > Região de Tombali > Cacine > "Hospital Central de Cacine”: todas as especialidades (incluindo partos)

Foto: © Juvenal Candeias (2010). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de ontem, do Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Estrelas do Sul (Cacine, Cameconde, Guileje, 1971/74):

 Assunto: A Condição da Mulher em Cacine, em 1972


 Camaradas,


Não quero deixar passar o Dia [Internacional] da Mulher sem vos enviar este texto, singela homenagem  à Mulher Nalú, que muito admirei, pela sua força, coragem e importância na comunidade.


Tomara que essa força e coragem tenha entretanto sido devidamente orientada!... Penso que ao texto deveria antes chamar Elementos para o Estudo da Condição [da Mulher]... deixando para os sociólogos - parece que há um aí bem perto - o verdadeiro estudo da Condição  da Mulher em Cacine.


Como diria Filinto Barros, este texto não é "nem sociologia, nem história, nem política, é tão-somente um conjunto de memórias com 38 anos.


Um forte abraço a todos.


Juvenal Candeias


PS. À atenção do Luís Graça: observa a fotografia da enfermaria de Cacine. Do lado direito podes ver como era o bunker cujas ruínas fotografaste há relativamente pouco tempo.


2. A CONDIÇÃO DA MULHER EM CACINE, EM 1972
por Juvenal Candeias


Em Cacine predominava a etnia Nalú, tradicionalmente animista, convertida ao Islamismo por influência dos Sossos, etnia minoritária, mas culturalmente mais evoluída

A islamização dos Nalús transformou completamente a sua cultura, afectando de modo significativo a condição social da mulher. O casamento poligâmico forçado, o trabalho feminino e o fanadu (mutilação genital da mulher) surgiram como novas realidades ou revestiram aspectos totalmente distintos.

- O CASAMENTO

O casamento, que tradicionalmente era feito por troca, passou a ser feito por compensação (pecuniária e/ou em géneros).

Quando as jovens tinham 12 ou 13 anos, apresentavam-lhes um homem dizendo-lhes que era o seu marido. Não havia relações sexuais prévias, não havia namoro, não havia nada que permitisse à mulher conhecer o marido, muito menos decidir se com ele queria viver!

A negociação das bajudas (mulheres jovens) era feita no momento, por proposta efectuada pela família do pretendente à família da jovem, mas o comprometimento de bajudas ainda na infância, também era vulgar. Neste caso, o noivo passava desde então a ajudar a família da noiva, até que esta, alguns anos mais tarde, lhe fosse entregue.

O número de mulheres de cada homem dependia da sua capacidade financeira e determinava mesmo o seu estatuto social na comunidade.  Não eram raros os homens grandes (velhos) com 3 ou 4 mulheres, algumas bastante mais jovens. É que, para além do eventual interesse sexual, as mulheres significavam também mão-de-obra barata.

O casamento imposto, verdadeira violência psicológica exercida sobre as mulheres, raramente tinha contestação, por um lado, porque se efectuava logo a partir dos 12 anos, quando a mulher tinha pouca possibilidade de se opor, por outro lado, devido à pressão social que a própria comunidade exercia sobre as eventuais contestatárias.

Contudo, esporadicamente ocorriam alguns casos, como o de uma bajuda, residente na Tabanca Nova – reordenamento estrategicamente colocado junto à picada, a meio caminho entre Cacine e Cameconde – que perante o iminente casamento negociado pela família com um homem grande, mais interessada num jovem, recusou, acabando por fugir para o mato, onde andou sozinha cerca de uma semana.

De nada lhe serviu! Encontrada e repreendida, o castigo terá sido severo, uma vez que durante bastante tempo ninguém viu a Binta!

O ambiente familiar, com várias esposas de um mesmo homem que entre si se designavam por cumbossas, era, naturalmente, de grande rivalidade, salvo quando a diferença etária entre as cumbossas era significativa, situação em que as mais velhas, a troco de trabalho, podiam mesmo dar alguma protecção às mais jovens.


Apesar de toda esta envolvência, as crianças eram tratadas como filhos por todas as cumbossas, independentemente de quem fosse a verdadeira mãe. Era uma original, mas real situação de crianças com várias mães!

No âmbito do casamento também a herança era um fenómeno original e penalizador da condição da mulher. A viúva não tinha direito a herdar os bens do marido. Os mesmos eram herdados pelos irmãos, fazendo a mulher, ela própria, parte da herança do falecido marido.

Para além de perder o marido e os bens, via-se na contingência de integrar uma nova família a quem era obrigada a servir e ainda a manter relações sexuais com um novo homem que, naturalmente, também não escolhera!

A extrema submissão a que as mulheres estavam sujeitas levava a que questionar uma mulher,  sobre as diferentes situações de violência no seio do casamento, era obter, invariavelmente, a resposta, por estas ou por semelhantes palavras: “sempre foi assim…”, “é Deus que quer…”

- O TRABALHO DA MULHER

O casamento a que nos referimos, determinava que a mulher via a sua posição degradada, fora convertida em servidora, verdadeira escrava da luxúria do homem, que a transformara em simples instrumento de produção e reprodução.

Esta situação acabava por influenciar, ironicamente, a posição preponderante que a mulher desempenhava no seio da família e a importância da sua acção na comunidade. De facto, à mulher estava atribuída a responsabilidade da alimentação, vestuário, manutenção da casa e educação dos filhos, áreas em que os homens não tinham a mínima interferência.

A família não se sustentava só com o que comprava com os parcos rendimentos obtidos pelos homens mas, sobretudo, com o que resultava de a mulher transformar muitas horas de trabalho.

Algum destaque deverá ainda ser dado à educação dos filhos. Era garantida em exclusivo pelas mulheres que, contraditoriamente, acabavam por ser as transmissoras de comportamentos e valores enraizados, ligados a um processo de socialização de que elas próprias eram as principais vítimas.

As crianças do sexo feminino eram preparadas pelas mães para o processo de submissão à vontade do homem e da comunidade e as do sexo masculino para perpetuarem o domínio dos homens.

O analfabetismo era outro problema grave. Atingia valores extremamente elevados nos homens e era total nas mulheres.

O Furriel Miliciano Lopo mantinha uma escola primária a funcionar diariamente, onde nunca conseguiu ter um aluno do sexo feminino!

Estas horas de trabalho invisível desenvolvido pelas mulheres eram fundamentais para garantir a economia doméstica e a evolução da comunidade e da cultura da própria etnia. Para os homens, contudo, este trabalho pouco contava, estava praticamente oculto atrás da fachada da família poligâmica, permanecendo invisível, porque não se traduzia em produtos visíveis.

Muitas horas de rude desgaste diluíam-se magicamente, permanecendo na clandestinidade a forte contribuição da mulher Nalú para a comunidade.

À mulher competia ainda outro trabalho, um pouco mais visível… Apanhar ostras e proceder à sua venda - a cotação da bacia de ostras era de 10 pesos – apanhar mangos, cultivar mandioca e mancarra, semear arroz… enfim, pouco restava para os homens fazerem, para além das rezas e do descanso tranquilo nas suas cadeiras de encosto!

Sempre que a tropa passava pela tabanca em deslocações de trabalho ou de patrulhamento, o cumprimento era um paradigma:
- Eh pessoal! Manga de trabalho!

A resposta, indolente, vinha lá bem do fundo da cadeira:
- Manga deeeele!

- O FANADO

O fanado, ou mutilação genital feminina, dizia-se ser um processo mais amplo, que podia descrever-se como uma cerimónia ou ritual de iniciação que preparava as jovens para a vida adulta, para a sua responsabilidade na comunidade e para a habilidade de continuar a cultura da própria etnia.

O fanado tinha na mutilação genital feminina a sua face mais negra. Ocorria na época das chuvas, altura em que as mulheres padidas (que tinham sido mães recentemente) se ocupavam da construção das barracas do fanadu, integralmente em material vegetal e longe da tabanca.

Tudo o que se relacionava com o fanadu não tinha intervenção do homem, que estava até impedido de se aproximar do local da cerimónia.

Eram as mulheres padidas que “montavam segurança” nas imediações do local e um cusco da nossa Companhia teve mesmo direito a perseguição e caça, no meio de tremenda algazarra, salvando-se apenas com a entrada no aquartelamento, após longa corrida.

Construídas as barracas, apenas as meninas que iam ser sujeitas ao fanadu (com cerca de 10 anos), as fanatecas e algumas mulheres grandes, lá entravam!

O que acontecia no interior das barracas, durante semanas, ninguém sabia com absoluta certeza.

O fanado era um ritual secreto do qual apenas se conhecia a mutilação genital e a transmissão, pelas mulheres grandes, dos valores atrás referidos.

Constava, contudo, que a mutilação era efectuada pela fanateca, que dispunha de uma faca própria para o efeito, que os cortes eram efectuados a frio, sem sombra de anestesia, sucessivamente a todas as bajudas, sem condições sanitárias, sem sequer a faca ser esterilizada após cada utilização.

Esta intervenção provocava problemas imediatos de hemorragias e infecções de que se desconhecia a exacta dimensão, uma vez que, devido ao carácter secreto da cerimónia, o facto não era muito comentado e nenhuma jovem podia recorrer a apoio médico.

As consequências nefastas do fanado projectavam-se sobre o futuro das bajudas e agravavam-se com maternidades precoces. Hemorragias e outros problemas no momento do parto eram comuns e levavam as mulheres a recorrer às enfermarias militar e civil, aqui já sem grandes inibições.

Em casos extremos, mas não raros, verificava-se mesmo a incapacidade para ter filhos.

Apesar de todos estes problemas, a mulher Nalú nem um gemido largava ao parir e levantava-se imediatamente a seguir ao parto, para efectuar a limpeza total do local.  Era uma questão cultural, de honra e prestígio.

O fanado era, portanto, uma cerimónia absolutamente generalizada. Não passar pelo fanado era algo de inconcebível, determinando a exclusão social, a discriminação, a recusa de casamento e de tarefas no seio da família, dado que a jovem não tinha sido purificada. Se as bajudas não fossem ao fanado,  as suas preces não seriam ouvidas, por mais que se lavassem nunca ficariam limpas…

Consequentemente, e em casos extremos, as próprias mães chegavam a fazer o fanado às filhas!

De resto o fanado era uma festa que se prolongava por várias semanas, em que o principal programa era comer, beber (apesar da islamização) e dançar!

Juvenal Candeias

Março 2010

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5295: Histórias de Juvenal Candeias (6): Padaria de luxo em Cacine

16 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5113: Histórias de Juvenal Candeias (5): Vicente, o Piu

16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4961: Histórias de Juvenal Candeias (4): Há periquitos no Quitáfine

1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4623: Histórias de Juvenal Candeias (3): Um Manjaco em chão Nalú

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia

6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde (1972/74)

(...) Era Alferes Miliciano, Atirador, com recruta e especialidade em Mafra a que se seguiu Tavira durante 3 meses!



Mobilizado para a Guiné, fui formar Companhia no BII 19, no Funchal, donde saí com a Companhia de Caçadores 3520 para Bissau, onde cheguei ao fim da tarde de 24 de Dezembro de 1971 (que rica noite de Natal, no Cumeré!!!)


Após a IAO no Cumeré, fomos parar a Cacine (mais o destacamento de Cameconde), onde permanecemos até final de Outubro de 1973! (...)

Guiné 63/74 - P5961: A Guiné aos olhos das actuais gerações (1): Marta Ceitil, cooperante na área da Formação (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 23 de Fevereiro de 2010:

Caros Editor e co-Editores
Em anexo envio-vos este texto que preparei e que caso mereça aprovação poderá ter continuidade.

Trata-se, como digo, de apresentar através das impressões colhidas junto duma jovem pertencente às novas gerações envolvidas em acções de trabalho na Guiné, como de forma progressiva mas consistente e bem fundamentada se pode explicar este fascínio que todos nós, os que aqui neste espaço têm vindo a revelar as suas memórias, revelamos relativamente à Guiné 'do nosso tempo'.

Essas memórias estão assentes tantas vezes sobre acontecimentos dramáticos ou traumatizantes mas, mesmo assim, acabamos sempre por revelar a atracção que a Guiné exerce sobre nós. Prova disso é o número crescente de elementos que integram as diversas missões que têm como objectivo a solidariedade no local, ou mesmo em simples contacto individual.

Poderão constactar que actualmente, em paz, apesar das dificuldades, que estiver com espírito positivo, com a mente aberta às diferenças mas principalmente à aprendizagem, encontra na Guiné o mesmo fascínio, encanto e atracção que tanto a nós nos tocou.

Para amenizar a conversa juntei fotos da Marta, do pai da Marta (o José Ceitil), dos seus livros e também da casa em Bissau onde a nossa 'narradora' se instalou.
Uma das fotos mostra a casa, a outra mostra a Marta, ao centro, com os outros elementos envolvidos nas acções de formação que iriam decorrer e a outra o macaquinho Manel, um dos 'habitantes' daquela casa.

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (I)

HÉLDER SOUSA / MARTA CEITIL

Há algum tempo atrás pensei que o tema que vos proponho fazia todo o sentido.

Sou da opinião que sim, porque cabe perfeitamente no âmbito do ‘nosso’ Blogue, até porque uma das suas características, uma das suas ‘marcas’, é termos em comum a Guiné, termos estado lá, estar aberto a quem é de lá e a quem gosta de lá.

Também não é menos certo que existe aquela ideia de que os nossos jovens ‘já nem nos podem ouvir falar da Guiné’ tal como até já figurou, mais coisa menos coisa, como ‘frase do dia’. Sinceramente acho que, quanto a este último aspecto, o que faltou foi contar, em devido tempo, aos nossos filhos as nossas venturas e desventuras daqueles tempos sofridos, e esse facto de os termos sufocado apenas nas nossas memórias e agora de repente saltarem cá para fora é que será talvez o que os pode fazer estranhar e até duvidar se alguma vez ‘isso’ aconteceu…

Acresce também que fui reparando, em apontamentos no nosso Blogue mas também em outras fontes, que não são raros os depoimentos de jovens que nos tempos de hoje, pelos mais diversos motivos, estão ou estiveram na Guiné e que falam dela e a descrevem com simpatia e entusiasmo, principalmente das suas gentes e das paisagens, não escondendo as dificuldades e as carências. Isto foi para mim particularmente notório no Blogue criado e mantido pelo pessoal envolvido na construção da designada ‘Ponte Europa’ (S. Vicente), no Blogue ‘Bissau Calling’ mantido por Miguel Sousa e ainda outros.

Deste modo, e para ilustrar estes novos ‘descobrimentos’, proponho-me trazer aqui 4 ou 5 relatos com a vivência de uma jovem, Marta Ceitil, que esteve na Guiné a desenvolver trabalho na área da formação, de Julho a Outubro passados e em que é perfeitamente possível apercebermo-nos da sua progressiva integração e até, porque não dize-lo, paixão por aquele terra.

No entanto é justo começar pelo princípio, como sempre. E isso o que é?

Já vos disse que fui ‘formado’ pela ‘escola vilafranquense’, nas suas várias vertentes. Aí, entre os meus vários amigos está o José Ceitil, que alguns dos membros do nosso Blogue poderão conhecer pois foi funcionário da TAP, e no ano passado, algures em Junho, aquando dum dos encontros que fomos promovendo para reacender a actividade da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense, UDV, desabafou um tanto preocupado, que a sua filha Marta tinha comunicado decidir abandonar uma carreira promissora e “partir para a Guiné para fazer formação”.

O Zé Ceitil é um homem habituado a enfrentar os desafios da vida, nunca virou a cara à luta, é autor de dois pequenos livros, que recomendo, um deles com o bem sugestivo título de “Vidas Simples, Pensamentos Elevados” que na prática é toda uma proposta de postura para a vivência na sociedade, é igualmente autor da “História do Clube de Futebol Os Belenenses”, saído no ano passado. Naquele dia o Zé Ceitil era o mesmo, confiante, incapaz de ‘cortar as asas’ a quem queria voar, mas preocupado… Então a sua ‘caçula’ ia para o ‘cú do Mundo’ com todo aquele cortejo de conceitos reais e imaginados de problemas, doenças, miséria, dificuldades várias, ainda com os assassinatos do Nino e do Tgamé bem recentes… não seria uma preocupação legítima? Claro que era!

Procurei tranquilizá-lo, disse-lhe que as coisas no local não eram bem como a comunicação social as relata, que não tinha conhecimento de qualquer tipo de animosidade quanto aos portugueses, bem pelo contrário, dei-lhe referências do nosso Blogue, dos dois que acima referenciei, de mais outros e falei-lhe das diversas iniciativas que regularmente ocorrem para levar apoios a entidades diversas, falei da AD, enfim, procurei, à minha medida, contribuir para dar a confiança necessária que qualquer retaguarda deve proporcionar.

E então a Marta lá foi, quase no final de Julho, integrada num projecto chamado “Nô Djunta Mon” de que poderei falar depois. O seu primeiro mail para a família, que teve a gentileza de me enviar também, é o que se segue:

Olá Família!!
Kuma dia Kurpo?

Antes de mais peço desculpa por qualquer erro ortográfico que possa dar, mas este computador é um mistério para mim, vou demorar umas horas a escrever o mail.

Enfim, só para vos dizer que chegámos e está tudo bem. As coisas andam calmas por aqui, calmas demais segundo os guineenses, pelo que é possível haver alguma coisa quando saírem os resultados definitivos das eleições. De qualquer maneira volto a referir que a nossa segurança não está em causa.

À parte disso, estou adorar. Estamos num casa linda e temos como animais de estimação dois chimpanzés (o Manel e a Maria) um “bambi” que se chama Nucha, um galo está na janela do nosso quarto, e todos os dias a partir das 4 da manhã começa a cantar. Confesso que ao galo já tenho vontade de o esganar, muitos patinhos, galinhas e um ratinho.

Só começamos a dar formação para a semana, esta semana temos andado em reuniões e reconhecimento do local.

Tenho saudades, mas estou feliz. E por aí como anda tudo? Estão bem? O Diogo e o Francisco estão bem? A Avó está boa? Na quinta ela faz anos, vou tentar ligar nesse dia.

Beijinhos grandes
Gosto muito de vocês.
Marta Ceitil



Como se pode observar neste primeiro mail há uma grande preocupação da Marta em dar todas as garantias aos familiares de que não está nem em perigo nem em dificuldades. A sua descrição do local onde está alojada é no mínimo ternurenta, com aquela confissão da vontade em ‘calar’ o galo…

As coisas depois irão tomar o seu rumo, irá dar formação em Bissau, depois em Mansoa e mais tarde em Catió, mas isso ficará para outros relatos se entenderem que tem merecimento.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF


Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa

Bissau - A nossa casa - Manel

Livros do Ceitil
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5821: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (9): A Presse Lusitana

Vejam também o poste de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P5960: Agenda Cultural (64): Sessão de apresentação do livro A Retirada de Guileje, de Coutinho e Lima, na Associação 25 de Abril

1. Mensagem de Coutinho e Lima (Cor Ref)*, com data de 4 de Março de 2010: 


 Caro Luís No próximo dia 18 de Março (5.ª Feira), às 19H00, vai realizar-se uma sessão de apresentação de " A RETIRADA DE GUILEJE", na sede da Associação 25 de Abril - Rua da Misericórdia, 95 - Lisboa. Solicita-se a divulgação deste evento no blogue, convidando os tertulianos a esterem presentes. Um abraço Coutinho e Lima Dia 18 de Março de 2010, Apresentação do livro "A Retirada de Guileje", de autoria do Coronel Reformado Coutinho e Lima, na Sede da Associação 25 de Abril, sita na Rua da Misericórdia, 95, em Lisboa. Os tertulianos da Grande Lisboa que possam comparecer, estão convidados a assistir ao evento. 

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 Notas de CV: 

Guiné 63/74 - P5959: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (5): Em terras com nome de santo...

1. Mensagem de José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 4 de Março de 2010:

Boa noite Carlos Vinhal
Segue mais um texto "Em terras com nome de Santo...passado...presente...e futuro...".
Embora tenha a intenção de divulgar um edifício histórico da zona de Benavente tem principalmente a ver com um camarada nosso em fase de grande solidão.
Os mais velhos de nós enfrentam a doença e a solidão. Mais do que esperar pela ajuda de instituições oficiais devemos ser nós -os camaradas e amigos - a dar uma mão.
É o alerta que tento fazer com este texto sem mencionar nomes por razões óbvias.

Um abraço
JERO


Em terras com nome de Santo… passado, presente e… futuro!

Um velho amigo dos tempos da vida militar – um amigo a que quero como a um irmão – está a viver temporariamente na região de Benavente. O meu amigo dos tempos da guerra (Guiné 1964-66) está numa fase complicada da vida. De costas para a família – ou a família de costas para ele – vive muito só. Tem o seu orgulho e não dá parte de fraco. Pelo sim pelo não dois ou três amigos mais chegados andam com olho nele.
Um dia destes visitei-o. Falámos da vida e da morte… O meu amigo contou-me que tinha oferecido o seu corpo a uma Faculdade de Medicina. Olhei-o, sem palavras, e ele explicou-me.

- Quando morrer… não quero nenhum sacana no meu velório a dizer que eu era um gajo porreiro e tal e tal… Que os pariu… Quando eu morrer vou para cima de uma “cama de pedra” na Universidade… para me estudarem… O médico com quem falei começou a tentar animar-me e a levantar algumas dificuldades mas… eu consegui convencê-lo. Disse-lhe que não ia ao médico há mais de vinte anos e que seria portanto um bom caso para estudo. Mas já agora punha umas condições. Só médicas, de preferência jeitosas, é que me podiam mexer no “cabedal”… Esta condição foi aceite e… está tudo tratado.

Perante esta conversa, que não deixou de me surpreender, partimos para outras. Recordações de bons velhos tempos tiraram algum dramatismo à inesperada “confissão” do meu amigo.

Fomos dar uma volta pela região, e com o “desenrascanso” a que sempre me habituou o meu amigo dos tempos da Guiné, levou-me a conhecer um “condomínio fechado” da região de Santo Estêvão. Se era “fechado” mas estava “aberto” podíamos entrar… E entrámos!
Explicou-me o meu amigo que Santo Estêvão, que fica apenas a 50 quilómetros de Lisboa, tem vindo a registar um grande desenvolvimento, o que tem a ver com o loteamento de diversas herdades existentes na zona. O local é lindíssimo razão suficiente para ter sido escolhido por figuras públicas, nomeadamente ligadas ao mundo do futebol. Cristiano Ronaldo é um dos que tem uma vivenda em construção na região.

Passámos por um Campo de Golf – o Santo Estêvão Golf – que viemos depois a saber que tem um lago enorme (14 hectares) implantado num espaço de lazer de cerca de 450 hectares.
Este empreendimento está inserido numa parte da Herdade de Monte dos Condes, chamada Aroeira.

Quando passávamos por estes lados comecei a avistar ao longe um edifício em ruínas com um “traço” muito especial. Pedi ao meu amigo para parar e fui tirar umas fotografias. Nunca tinha visto nada parecido com “aquilo”!




Andámos mais uma centenas de metros e perguntámos a um agricultor que ruínas eram aquelas.

- Ah, isso é do tempo dos Reis. É muito antigo!

Fomos à Junta de Freguesia. Mostrámos as fotografias da nossa máquina digital e a atenciosa funcionária não sabia o que era. Fomos à Câmara de Benavente e aqui sim disseram-nos alguma coisa. O que tanto nos tinha surpreendido era um “ovil”.

- E o que era um ovil?

Era um estábulo para ovelhas. No caso - o da Herdade da Aroeira de Manuel Luís Anastácio - teria tido cerca de 2000 ovelhas. As ovelhas eram guardadas dia e noite por 4 ou 5 “ganhões”…

Para saber mais sobre o assunto teria que encontrar o livro “Santo Estêvão de Benavente – Passado, presente e futuro…”

Não foi fácil mas… como somos teimosos… demos com o livro e (e uns bons 15 dias depois…) fizemos a sua aquisição à Junta de Freguesia de Santo Estêvão(1) ,com a ajuda dos serviços competentes da Câmara Municipal de Benavente.

Mas voltando ao ovil da Herdade da Aroeira…
Afinal não era dos tempos dos Reis…

…No início dos anos 40 o dono da herdade, Manuel Luís Anastácio, mandou construir de raiz, um ovil, com capacidade para abrigar 1000 a 2000 ovelhas. Respeitou a arquitectura regional tendo em conta a defesa do ambiente. Era um projecto preparado ecologicamente, à frente no seu tempo, para permitir uma ventilação natural permanente do estábulo e ainda a recolha, por gravidade, dos dejectos líquidos do gado. Estes seriam aproveitados posteriormente, para enriquecimento dos terrenos circundantes.(2)

Parece que existe a vontade de fazer obras de recuperação deste extraordinário conjunto, o que entretanto nos foi confirmado pelo Presidente da Junta de Freguesia de Santo Estêvão. Esperemos que sim… antes que o tempo dê cabo do que resta…

A tarde chegava ao fim… O ovil da Aroeira tinha tido o mérito de nos ter feito esquecer, por algum tempo, problemas da vida…
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Foi nesse dia de contrastes um “tempo” de quietude…

Mas pode ser que a paz ainda chegue para os lados do meu “amigo da guerra”… Vamos esperar que sim…

Se isso acontecer teremos que voltar ao ovil da Aroeira para beber um “copo”. À reveria da paz, em honra da vida.

Nessa parte… esta nossa “estória” fica pendente… A aguardar melhores dias…
Que, em nome do passado, Santo Estêvão nos ajude… no presente e no futuro!

(1) Já agora vale a pena referir que Santo Estêvão é uma freguesia do concelho de Benavente, com 62,42 km² de área e 1 381 habitantes (2001), com uma densidade de 22,1 habitantes/km².

(2) “(pg.278 do livro “Santo Estêvão de Benavente – Passado, presente e futuro…, da autoria de Maria Conceição Quintas e Vera Dimas.”

JERO
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5923: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (4): Lugar aos novos, Emanuel Fernando Gonçalves Pereira, cooperante na Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P5958: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (2): SPM 4758

1. Mensagem de Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de 2 de Março de 2010:

Estimáveis Editores
Escrevo para dois sabendo ser extensível aos restantes. O MR ainda aparece. Agora o VB anda às voltas com o livro e pouco tempo lhe resta dessa azáfama meritória.
Que seja a palavra do Amadú e a escrita do Virginio - só.
Mas estou aqui a enviar um escrito. Assim:

Há tanto tempo que não envio nada que já nem sei. Hoje apareceu o vento, chuva e frio. Ainda ontem vi andorinhas e alegrei-me. São as apressadas... Hoje fiquei aborrecido e fui teclando... depois ia continuar... e parei.

Envio este SPM e logo escrevo os outros que estão na forja...

Assim, sendo aqui vai e junto um abraço para vocês do,
Torcato


Ao Correr da Bolha - II

Há sempre escritos que não são enviados. Escrevem-se, com caneta e papel ou, como é o caso, directamente batendo teclas. Depois são guardados, enviados e, se não forem publicáveis, entram em arquivo morto. Não. Prefiro em letargia, morto ou morte é triste e chato. Esperam um destino, também é palavra que não me agrada muito – destino… é o destino, o fado… esperam, esperam só uma outra oportunidade. Há sempre uma segunda oportunidade. Refiro-me, evidentemente só aos escritos sobre a Guiné.

Li agora a correr vários postes. Gostei de muitos e ia comentar. Depois, pensando melhor, nada escrevi. Isto da escrita, mesmo as simples letras e palavras em imitação de texto, geram certa ansiedade. E se desagrado a… se lanço polémica com… ou se erro na descrição do facto e etc., etc.

Contudo, e arriscando pois é agradável arriscar, parece que contradiz a ansiedade acima descrita, mas não, reforça-a. Contudo, dizia eu, tenho aqui em papel, alguns escritos, prefiro rascunhos. Uns rascunhos então, e tentarei ir teclando, dando-lhes forma de escrita, ao correr da bolha e depois se verá o destino a dar-lhes.


# - 1 – SPM 4758

Entre os documentos que procurava, apareceu, já velhota, a capa de plástico e cartão onde guardava blocos, envelopes, selos e demais artefactos para a correspondência deste velho militar.

No canto inferior da contracapa, uma pequena bolsa plástica com um papel dentro – SPM 4758 – (Serviço Postal Militar e o número). Francamente não me lembrava do número. Procurei avidamente por um qualquer aerograma esquecido. Nada. Folhas para escrita, envelopes para correio aéreo com cores de outro País, selos e papéis velhos.
Afaguei lentamente a velha capa e recordei, tantos anos passados, as cartas que ela guardou, recebidas ou escritas à espera de envio. Se tu comigo falasses o que me dirias, velha capa?

Só recordei esses velhos tempos, essas terras por onde andamos e a Guiné evidentemente, as pessoas para quem mais escrevia e que me escreviam. Recebia mais do que enviava. Que tinha eu para dizer? Pouco. Admirava-me muito ao ver certos camaradas a escreverem durante muito tempo. Questionava-me: - que dirão eles?

Ou então o alvoroço, o desassossego provocado pela vinda dos sacos com correio. Tudo parava, esperava e desesperava. Feita a triagem aí estava a distribuição. Depois o silêncio, um silêncio de morte a prolongar-se por muito tempo.
Geralmente eu, se tinha correio, esperava, observava e não abria logo. Havia um Furriel que, depois de ler a correspondência dele olhava para a minha e dizia-me:

- Já viu o seu correio? Já vi respondia-lhe. Geralmente resmungava entre dentes e saía em protesto.

Ainda hoje penso, não sei se tenho esse direito, que o correio, a correspondência era óptima para os militares mas tinha um senão. Fazia-os voar, a mim também, para milhares de quilómetros dali. O pior é que a maioria ficava demasiado tempo por lá. Se houvesse uma “operação” no dia seguinte ou no outro, alguns ainda por lá andavam.

Hoje afagando a capa da correspondência, bato-lhe levemente e pergunto-lhe: - Diz lá tu, velha capa que tanto viste, tenho razão?
Nada me diz. Se falasse talvez dissesse: eras um desumanizado e com pensamento de merdas.

Não, talvez não. Mesmo agora, aqui e agora, não sei. O que sei, isso sim, é que a guerra – a suprema bestialidade – não se compadece com desatenções e descuidos. Só assim se sobrevive principalmente em grupo.

Que escreveriam os escribas dos abrigos?
Pensavam certamente de forma diversa da minha.
Dou-lhes razão. Agora claro, já nada recebo ou escrevo do SPM 4758!
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Nota de CV:

(*) Vd. poste primeiro poste da série de 10 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1353: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (1): O bababaga e o papa-figos

Guiné 63/74 - P5957: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (21): Não é que o Albino Silva é mesmo o moço da Gandra? (Mário Migueis)

O nosso camarada Mário Migueis* (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72) deixou este comentário no poste 5918**:

Caro Albino Silva:
Uma vez mais perante um texto teu, uma vez mais comentei para mim mesmo, ao observar com atenção a tua fotografia do tempo da Guiné:

- Tem piada, parece um moço de Gandra, dos meus tempos de rapaz.

Só que, desta feita, deu-me para confirmar se não se trataria mesmo da pessoa em causa e fui vasculhar as tuas origens cá no blogue.
Só parei no poste da tua apresentação, onde estava bem patente aquilo que, sem grande convicção, admiti como possível, que era seres natural e/ou morador em Esposende.
Penso que nasceste e moraste (talvez ainda mores) na freguesia de Gandra, muito próximo, pois, da minha casa, já que moro logo à entrada sul da Avenida Marginal, em Esposende, de onde sou natural.
Pois, meu caro, foi com alguma surpresa e muita satisfação que confirmei a tua condição de meu conterrâneo, tanto mais que não pode deixar de sentir uma pontinha de orgulho quem tem por vizinho um homem de tanta sensibilidade e que tão bom uso sabe fazer de uma caneta ou equivalente.

Vou ter que reservar algumas horas para ler tudo o que até agora já escreveste para o blogue, uma vez que, pelos vistos, já és velhinho por cá (2007, salvo erro).
Falar-te mais de mim, no sentido de tentar que me reconheças, não caberá, por razões óbvias, nos limites deste pequeno espaço de comentários aos textos publicados.

Deixarei isso para um dia em que ambos tenhamos alguma disponibilidade para nos sentarmos num canto qualquer da nossa bonita terra e conversarmos à vontade sobre tudo e mais alguma coisa, incluindo impressões sobre este blogue, que também ele é factor de união. Até lá, um grande abraço do

Mário Migueis
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5929: Estórias avulsas (76): Como reencontrei um camarada ao fim de 15 anos (Mário Migueis)

(**) Vd. poste de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5918: Blogpoesia (66): Querida Pátria (Albino Silva)

Vd. último poste da série de 5 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5596: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (20): Antonio Reis, ex-1º Cabo Enf, Bissau, HM 241, 1966-1968, e escritor (Rui Alexandrino Ferreira / Luís Graça)

Guiné 63/74 – P5956: Notas de leitura (76): MISSÃO NA GUINÉ – (POR UMA GUINÉ MELHOR) - Parte 1

1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, dando continuidade à divulgação de alguns dos documentos históricos do seu arquivo pessoal, enviou-nos a 1ª fracção de um livro que foi distribuído por algumas Unidades, a partir do ano de 1971, da responsabilidade do Estado Maior do Exército:

Camaradas,

Lendo o P5943 da autoria do António Tavares, onde faz referência ao livro Missão na Guiné, muito naturalmente fiquei com curiosidade de o comparar com o que eu possuo.

O meu livro é de 1971, não referindo no entanto a Edição e, pelo relato feito, existem algumas alterações em relação ao meu.

Como diz o António Tavares, o livro foi elaborado à medida da ideologia do antigo regime (outra coisa não seria de esperar), no entanto, não deixa de ser um documento histórico, que vou iniciar a transcrever neste espaço, para conhecimento geral.


MISSÃO NA GUINÉ – (POR UMA GUINÉ MELHOR)


MISSÃO NA GUINÉ: Estado Maior - Maior do Exército – 1971


MISSÃO NO ULTRAMAR

1. Neste folheto encontrarás as «ferramentas» necessárias para «construíres» uma primeira ideia da Província Ultramarina para onde leva o cumprimento do teu dever de Soldado e de Português.

No estudo geográfico e histórico que se segue (chamam-se monografias a estes estudos), algumas das características mais evidentes da GUINÉ, as tais «ferramentas» foram arrumadas em três «secções» ou aspectos gerais – aspecto físico humano e aspecto económico.

Assim:

- No aspecto físico, descreve-se a terra para onde vais viver, dando-te notícia da sua situação geográfica, do seu clima, do seu relevo, da sua vegetação que a cobre, dos rios que nela correm, etc;

- No aspecto humano, esboça-se o estudo das populações que irás conhecer, tendo em atenção os seus usos e costumes, a sua distribuição no território, a História que junto delas escrevemos, a organização administrativa, sanitária e escolar em que vivem, etc.,

- Finalmente, no aspecto económico, referem-se os recursos agrícolas e industriais da terra Guineense, o seu comércio e as vias de comunicação (estradas, carreiras marítimas e aéreas, etc.)

Se a tua natural e louvável curiosidade não ficar satisfeita com a primeira ideia que as «ferramentas» desta «Monografia da Guiné» te permitem alcançar recomendamos-te, adiante a leitura de algumas publicações que facilmente podes conseguir em qualquer biblioteca pública.

Na parte final deste folheto, encontrarás, ainda, um par de Notas sobre assuntos que podem ter interesse para ti durante a tua estada no Ultramar.

Reservámos, inclusivamente, umas poucas páginas em branco para registo dos teus próprios apontamentos.

2. Já te foi dito mais do que uma vez, mas nunca será de mais repeti-lo: na guerra que ensanguenta o nosso Ultramar - «guerra subversiva» se chama ela – as populações desempenham um papel fundamental.



Houve mesmo alguém, entre aqueles que um dia puseram em prática este tipo de guerra, que afirmou serem as populações para os terroristas «como a água para os peixes», isto é sem a ajuda das populações os terroristas não têm qualquer possibilidade de levar a cabo os seus intentos de destruição e de assassínio, não podem sequer viver. Com a vista a conseguir aquela ajuda, os terroristas lançam mão dos meios mais condenáveis e violentos, capazes de aterrorizarem as populações indefesas. Na nossa acção de resposta, a luta que desenvolvemos tem de ser, pois, uma luta de populações, em defesa das populações e nunca uma luta contra as populações.

Nesta luta pelas populações, contrariamente ao que possa parecer à primeira vista, o teu comportamento individual tem muita importância. Com efeito, de uma tua atitude menos feliz podem resultar graves e desastrosas consequências, cuja reparação é sempre muito difícil, não só para o prestígio, eficácia e valor da Unidade a que pertences, como também para a Missão do Exército em terras de Além-Mar.


Pretende-se, assim de ti Soldado, que nas tuas relações com as populações procures ser sempre e em todas as circunstâncias, um modelo de dignidade, um exemplo de compostura, de cortesia e de humanidade.


Em especial no respeitante às populações nativas, jamais te esqueças de que a «pele negra» esconde almas tão Portuguesas como a tua própria! Para com elas deves sempre proceder – recordamos-te, uma vez mais – por forma a respeitar os seus usos e costumes e os direitos de família, tal como eles são regionalmente considerados, desde que, evidentemente, tanto uns como outros não ofendam os princípios humanitários ou morais.


3. Das dificuldades da tua missão ninguém duvida, mas todos confiam em ti!
Valentes e duros frente ao inimigo que os ataca traiçoeiramente, generosos e confiantes para com as populações, firmes e atentos em todas as circunstâncias, os teus Camaradas souberam bem merecer a confiança que a NAÇÃO neles sempre teve.
Basta seres como eles, basta, afinal, seres como tu próprio és, para, na alegria do regresso, poderes gritar bem alto àqueles que no cais orgulhosamente de aguardem – MISSÃO CUMPRIDA!
CONTINUA…

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Documentos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

26 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5886: Histórias do Eduardo Campos (11): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 11): Nhacra 6/Final

Guiné 63/74 - P5955: Estórias do Juvenal Amado (25): O Sertã e os companheiros da tenda de campanha


1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com com data de 2 de Março de 2010:

Caros camaradas
Um pequena estória.

Um abraço
Juvenal Amado



O SERTÃ

O Ivo num falso autoritarismo vira-se para o “Sertã” e diz-lhe:

- O senhor faz favor de ir à cantina e trazer três cervejas, passa pelo Léo trás três pães, porque hoje vamos provar as tais latas que o senhor trouxe de casa e que ainda deixa estragar.

O “Sertã” esboçou um sorriso olhando para a cara do Ivo, que muito sério acrescenta:

- É depressa.

O “Sertã” era um soldado do PelRec muito calado, passava despercebido ou pelo o menos tentava, mas na verdade ele trazia umas latas de carne cozinhada pela mãe, posteriormente conservada no próprio molho, que era de comer e chorar por mais. A acrescentar a isso era o facto de talvez ser o único de nós que ainda tinha dinheiro.

Aliás ele teve sempre dinheiro.

Eu o Ivo, o Sertã e mais dois ou três camaradas éramos os últimos inquilinos da grande tenda de campanha, onde ficámos alojados quando chegámos a Galomaro.

O camarada ainda argumentou:

- E dinheiro?

O Ivo em ar teatral no seu metro e oitenta, levanta-se de um salto, começa a esbracejar, maldizendo a sorte que lhe estava guardada de ninguém fazer, o que ele mandava e apontado a cantina no extremo oposto da parada, lá simulou que lhe dava qualquer coisa má, se o outro não fosse fazer o que ele lhe tinha dito.

O “Sertã” lá foi fazer o que lhe era pedido mesmo sem dinheiro.

Não foi a primeira nem a ultima vez, que o “Sertã” nos emprestou dinheiro. Também nos fizemos convidados às benditas latas com carne em conserva, que iam chegando de tempos a tempos. O pai mandava-lhas sempre, que tinha portador. Para nosso deleite acrescento.

A última vez que vi o “Sertã” foi no 3.º almoço que efectuámos perto de Castelo Branco. Lá estava ele com a esposa e cinco filhos. O sorriso era o mesmo e a festa que lhe fizemos foi bem demonstrativa da nossa amizade e estima por ele.

O próximo Almoço que será no dia 1 de Maio é lá perto, talvez o “Sertã” apareça.

Um abraço
Juvenal Amado

O Sertã em primeiro plano

Da esquerda para a direita: Borges, Roque, eu e Caetano que é o organizador do almoço este ano
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5954: Convívios (113): Pessoal do BCAÇ 3872, dia 1 de Maio de 2010, em Cabeçudo - Sertã (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5707: Estórias do Juvenal Amado (24): O Cafezinho, ou uma história de vida

segunda-feira, 8 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5954: Convívios (200): Pessoal do BCAÇ 3872, dia 1 de Maio de 2010, em Cabeçudo - Sertã (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com com data de 2 de Março de 2010:

Caros camaradas
Um convite para o almoço do 3872.

Um abraço
Juvenal Amado

ENCONTRO DO PESSOAL DO BCAÇ 3872, DIA 1 DE MAIO DE 2010, EM CABEÇUDO - SERTÃ

Clicar na imagem para ampliar

Para efectuar marcações têm à disposição os telemóveis 934827630 e 911117985.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5707: Estórias do Juvenal Amado (24): O Cafezinho, ou uma história de vida 

Vd. último poste da série de 6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5937: Convívios (111): Convívio Anual da CCAÇ 3549 “DEIXÓS POISAR”, no próximo dia 27 de Março de 2010 em VISEU (José Cortes)

Guiné 63/74 - P5953: Convívios (199): Convívio da CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, em 15 de Maio - Vila Nova de Gaia (Armandino Alves)

1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos o programa da festa anual da sua Companhia, que vai decorrer em 15 de Maio - Vila Nova de Gaia, cujo convite passamos a publicar:


CONVÍVIO ANUAL



CCAÇ 1589


15 de Maio de 2010



Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5937: Convívios (111): Convívio Anual da CCAÇ 3549 “DEIXÓS POISAR”, no próximo dia 27 de Março de 2010 em VISEU (José Cortes)

Guiné 63/74 - P5952: Notas de leitura (76): Kikia Matcho, de Filinto de Barros (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Foi bom reler “Kikia Matcho” e sobretudo com um olhar lavado mas comprometido com uma excelente prosa e a dor sem fim dos combatentes desalentados que levam para a tumba a única razão forte que os levou a dar tudo na Luta.
É só para recordar que esta edição se vende a 1 euro, quanto mais cedo se procurar mais fácil será encontrar.

Um abraço do
Mário


Da Guiné-Bissau, denunciando as dores do país e a ausência de memória

Beja Santos

“Kikia Matcho” (por Filinto de Barros, Editorial Caminho, 1999, revista Visão, Março de 2010) é uma história soberba, imperdível para quem quer conhecer os problemas reais da jovem nação. Tudo começa com a morte de um valoroso combatente da Luta ‘N Dingui Có, o sobrinho, licenciado António Benaf, toma conhecimento do falecimento deste seu tio materno e parte para o cerimonial do choro, vai para o velório, contrafeito com o imprevisto, não conhece o significado da perda de tal tio, só que o morto é da família.

Benaf vai sentir-se muito mal nesse cerimonial barulhento, a tresandar de aguardente de cana, do choro das carpideiras, da resmunguice do velho Papai, outro combatente; estamos na fronteira entre Bandim e o Chão-de-Papel, outrora cheio de água, de hortas, hoje reduzido a lixeira.

Papai põe a memória a viajar até à Luta, lembra aquela juventude de Bissau que foi arrastada pelo engenheiro Cabral, vai contando tudo a Benaf, este mantém-se insensível a tão saudoso relato. “A África tinha-se esfumado do seu ser. Voltou porque era africano e intelectual, portanto podia ser ministro ou presidente, mas do continente não conseguia reter nem compreender a profundidade da sua mística”. O licenciado Benaf não encontra respostas para a sinceridade de mentes tão simplórias e para o heroísmo de tais combatentes, suspira pelo fim do pesadelo destas 24 horas de velório, tudo terminará com o enterro deste tio ‘N Dingui, há tanto tempo longe da sua vida. Telefonou a Joana, que vive em Portugal, ela partiu à procura de melhores condições, inconformada com os volvos da nova classe dominante e da sua violência policial guineense, logo em 1977. É vida é muito dura para Joana, a viver nos arrabaldes de Lisboa, partilhando desigualdades com burmedjos, pretos, guineenses e cabo-verdianos. O paradoxal é que a ideia de pátria lhe parece mais clara neste caldeirão étnico, tudo olhado à distância, no meio dos tugas.

“Kikia Matcho”, ou o desalento do combatente, é um texto precioso para conhecer o início da Luta e o que unia essa juventude que partiu para a revolução. António Benaf é o retrato do presente, a geração desmemoriada, inconformada com toda aquela miséria à volta, vingando-se no sexo fácil, sempre à espreita de uma oportunidade para chegar ao poder a qualquer preço. Papai é o grande actor desta peça dramática: está alcoólico e não tem ilusões sobre a sua degradação, move-se em ambientes de taberna, ali aparecem heróis esquecidos, ex-comandos africanos, gente sem nome. Mana Tchambú, a dona da taberna, tem uma especial ternura pelo Papai. É com ela que Papai desabafa sobre o estranho caso de um kikia matcho (mocho) que lhe apareceu de madrugada, ave de mau agoiro, não entende ao que veio este bicho com gritos vindos do inferno. Filinto de Barros passa em revista uma galeria de figurantes extraordinária, todos eles são náufragos, gente que se agarra a resquícios do passado e que ainda não tem direito a perceber a identidade do país, o pretexto para esta visão dantesca é o herói morto, alguém que não transigiu com os princípios e que morreu ignorado. Em Lisboa, ou perto dela, Joana vive aflita com a partida do tio ‘N Dingui. À distância, Joana é a metáfora de um povo que partiu para o exílio mas que mantém um elevado património de usos e costumes.

Mana Tchambú procura ajudar Papai, é preciso desvendar o mistério desse mocho, por isso mesmo dirigem-se a casa de uma vidente, Na Barisni. Feito o ritual, descobre-se que o morto está muito zangado, a vidente não consegue comunicar com ela nem à custa da leitura das vísceras de um frango morto. É preciso ir consultar outros djambancus, gente mais capaz de resolver mistérios tão rebeldes. Papai parte para avisar os outros combatentes do falecimento de ‘N Dingui. São diálogos fabulosos de gente pobre e abandonada que vão denunciando a corrupção de gente que vem pedir pensão e que nunca esteve ligado à luta. Filinto de Barros ajuda a compreender o desalento destes verdadeiros combatentes descrevendo também o panorama de uma cidade suja e abandonada, tudo parado, tudo em derrocada, exactamente como aquele jardim que foi muito belo, ali em frente do cais do Pidjiquiti. Papai, verdadeiro combatente, recusa aceitar os factos como se com tal recusa guardasse a esperança em nome dos valores pelos quais andou no mato.

E estamos chegados ao cerimonial do enterro, novas contradições vêm ao de cima, aparece um porco sobre o qual o caixão terá de passar antes de ser colocado no carro (coisas dos Papéis) e já chamaram o padre para benzer o caixão, pois Papai antes da Luta ia à missa, é preciso misturar padre e porco. Novos tempos, velhos costumes: “Para a família do morto era necessário esta mascarada para dizer ao vizinhos que, apesar de tudo, a tribo estava a ser secundarizada, que tinham um lugar junto da nova sociedade a ser criada pelos brancos com os seus novos deuses. De um lado os novos valores saídos da Luta propunham o regresso às fontes, com os nomes tribais a serem postos aos recém-nascidos. A pequena burguesia citadina fazia gala disso, como sinal do suicídio de classe e sobretudo da expulsão, ou melhor, do congelamento dos valores ocidentais. Era preciso seguir mais esta iniciativa dos líderes sociais”.

De novo se consulta os videntes, a coisa está mesmo muito feia, ‘N Dingui continua muito zangado. Papai julga compreender o que se passou, o combatente do Além parece exigir que se retorne aos princípios de Amílcar Cabral, coisa que parece impossível, o mundo está virado do avesso. Conformado com o lamaçal em que vive, Papai volta para a taberna, mas ainda guarda a esperança de que é preciso, em nome de Cabral, salvar o país mais uma vez. Importa não esquecer que nenhum dos combatentes se dignou a assistir ao funeral desse ‘N Dingui Có, valoroso comandante de um bigrupo de Canjabari. Com diz Filinto de Barros, Kikia é um pequeno exercício de ficção. “Nem história, nem sociologia, nem etnologia, nem política, tão-somente uma abordagem que se pretende dinâmica e existencial do processo de síntese sociocultural de um Povo”.

Temos aqui uma boa oportunidade para conhecer o “Outro” na sua dor e nas suas esperanças. E esta muito boa literatura é uma agradável surpresa dessa Guiné que se orgulha de falar português e de o misturar com o seu peculiar e exclusivo crioulo.
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Nota de CV:

Vd. poste de 6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5940: Notas de leitura (74): Além do Bojador, romance de estreia de Manuel Fialho (II) (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 6 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5943: Notas de leitura (75): Missão na Guiné e Os Lusíadas (António Tavares)

Guiné 63/74 - P5951: FAP (49): Apertar com os "piras" (Miguel Pessoa)


1. O nosso Camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (ex-Ten Pilav na BA 12, Bissalanca, 1972/74), enviou-nos, com data de 6 de Março, a seguinte mensagem:


APERTAR COM OS "PIRAS"

À chegada à Guiné do pessoal novato prestava-se, na maioria dos casos, a que o recém-chegado fosse objecto de uma recepção personalizada por parte do pessoal "veterano" há longo tempo (meses...) estabelecido no burgo.



Não sei como se processava esta recepção nas unidades do Exército mas penso que, tratando-se de rendições colectivas em que uma Companhia era substituída por outra, as cenas de recepção aos caloiros ("piras") deviam ser um acto mais colectivo do que sucedia na Força Aérea.


De facto, a maioria das nossas rendições era feita a título individual ("O Ten. X é nomeado para a BA12/Esq. 121 em substituição do Cap. Y", etc.). Portanto, o que sucedia era que permanentemente na BA12 se assistia à chegada sucessiva de novas caras, para substituir camaradas que entretanto acabavam a sua comissão.


Este facto proporcionava aos recém-chegados uma recepção personalizada, situação que testemunhámos frequentemente ao longo da nossa comissão, ou que sofremos nós próprios à nossa chegada ao TO da Guiné.


Um pouco de acordo com as características do novato, assim era preparada a recepção. Muitas vezes era engendrado um cenário em que os actores trocavam os seus papéis; quase sempre duas figuras importantes nesta recepção eram o "comandante" e o "capelão", motivo pelo qual era dado um certo ênfase às suas actuações, pelo papel importante que tinham na doutrinação do "pira" e que exigia desses actores um ar sério e ponderado.


Estou a falar do "pira" mas o primeiro caso que refiro é o de uma "pira", a enfermeira pára-quedista N... (a quem tínhamos a mania de chamar Amélia, vá-se lá saber porquê...) recém-chegada à Base, que logo no dia da sua apresentação teve direito à devida recepção, com a necessária conivência das suas camaradas enfermeiras lá colocadas.


Para além de um cenário maquiavélico que era engendrado (afinal até já estávamos no tempo em que isso se aproximava da realidade...), que passou pela ementa do jantar - uma "carne de macaco" que afinal era gazela - sucedeu que nesse fim da tarde se processava o treino da artilharia anti-aérea da BA12, com a largada de "flares" que eram massacrados pelos artilheiros no seu treino.
Naturalmente, aproveitou-se a coincidência para convencer a "pira" que a Base estava a ser abonada pelo IN* e, para agravar mais a situação, inventou-se uma série de evacuações a serem feitas de imediato, para pistas no mato e já noite cerrada, sendo que foi solicitada a sua colaboração para avançar, dada a necessidade de enfermeiras para o efeito. Bem argumentou a pobre que nem farda ou equipamento tinha, ao que lhe foi dito que ia mesmo assim, à “paisa”... É claro que a coisa foi abortada antes que a "pira" se apagasse ali mesmo.


No meu caso pessoal a coisa também não foi boa pois, sendo um oficial do quadro habituado ao cumprimento rigoroso do respeito hierárquico, não me agradavam muito os avanços dos alferes e furriéis "veteranos" que se valiam da sua "antiguidade na Guiné" para apertarem comigo. Considerava eu que, lá por ser "pira", não era razão para me pisarem os galões, só para me mostrarem o seu "estatuto" superior de "velhinhos".


Isso levou a que, num certo serão, uns tantos malandros resolvessem atacar o meu quarto disparando uns very-lights pela janela. E que a coisa não foi fácil é que até um bocado do fósforo de um deles veio atingir a minha mão, que ainda hoje tenho uma marca num dedo para o comprovar. O facto é que isso provocou da minha parte uma forte reacção, pois só me lembro de sair porta fora a disparar very-lights com a minha caneta, e não eram para o ar...
Felizmente conseguiu-se acabar esse serão sem baixas a lamentar. Da minha parte, no dia seguinte tive que tomar três acções imediatas: repor o stock dos very-lights indevidamente gastos, que podiam ser essenciais para a minha sobrevivência (e foram...); mandar pôr uma nova rede mosquiteiro na janela, que a outra tinha ficado toda furada; finalmente, ligar menos às tentativas de "praxe" dos tais "veteranos" e ganhar experiência rapidamente, para os calar(**).


Finalmente, um último exemplo, que não presenciei, pois se trata precisamente do piloto que foi substituir-me enquanto estive incapacitado. O Capitão B... nem era sequer um novato (já tinha feito uma comissão em Fiat G-91, em Moçambique). Mas, sendo "pira" na Guiné, teve direito à sua recepção, que mais tarde me descreveram.


Imagine-se o que é, à chegada do Capitão B..., aparecerem no terminal das chegadas da BA12 dois pilotos entrapados - O Comandante da Esquadra com a cabeça enfaixada e o outro piloto com um braço ao peito, a convencerem o recém-chegado que, dada a incapacidade dos dois e havendo pouco pessoal disponível, era necessário que o outro avançasse para um apoio de fogo imediato (ele que nem conhecia o território...). Eh! Eh! Tenho pena de não ter podido assistir a esta cena...


Enfim, estas acções, mais do que pretenderem achincalhar alguém, tinham como objectivo "desmamar" os novatos e apressar a sua integração no cenário de guerra existente. E nenhum mal daí veio para os "piras" que, à sua chegada, levavam um tratamento de choque para se aperceberem mais depressa do sítio em que tinham caído.


(*) Ocorrência que infelizmente não era preciso encenar em muitos dos nossos aquartelamentos.


(**) O que consegui rapidamente. Pois se até era eu quem atribuía as missões diárias aos pilotos...


Um abraço,
Miguel Pessoa
Cor Pilav Ref


Emblema da BA12: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:


27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5902: FAP (48): A guerra Páras-Fuzos, vista por um fuzileiro (Rui Ferrão)

Guiné 63/74 - P5950: Parabéns a você (85): A. Marques Lopes, mouro de Lisboa disfarçado de morcão em Matosinhos faz hoje 66 luas... (Os Editores)


Guiné > Região do Ccaheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Grupo Os Jagudis >  O ex- Alf Mil. Marques  Lopes,   com o seu guarda-costa, balanta... "O meu guarda-costas chamava-se Bletche-Intete. Grande amigo. Um dia deu-me um grande empurrão durante um tiroteio... é que eu tinha-me virado de costas para o local de onde o IN estava a disparar (fiquei mal dos ouvidos desde que fui ferido em Geba)".

Foto0: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados

1. Muitos dos nossos periquitos (, os que chegaram só agora ao nosso blogue, ) não o conhecem, porque ele deixou de escrever, com assiduidade, nas nossas páginas. Foi co-fundador e é um dos administradores do blogue da Tabanca de Matosinhos que é já uma Nação... (Não admira, Matosinhos é o concelho do país com mais ex-combatentes da guerra colonial por metro quadrado).

Pediu-me em tempos licença sabática, porque estava a escrever um livro e tinha outros afazeres, incluindo a sua intervenção cívica nas escolas, associações e autarquias, mostrando e explicando o dossiê guerra colonial, no âmbito da A25A - Delegação Norte, a que pertence. Pelo meio, meteu-se o projecto da Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné, bem como da Associação

Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano, de que ele é o vice-presidente do Conselho de Administração.

A par disso, é Cor DAF reformado. E também costuma fazer anos. A gente não sabia, mas descobriu: acontece que faz hoje 66 (sessenta e seis) aninhos, o que é uma bela capicua... Já lhe mandei o devido Alfa Braço, logo pela manhã, transmitindo-lhe também as saudades que a gente sente da sua escrita... 

Para quem desconhece a história do nosso blogue, devo informar que o A. Marques Lopes pertence ao grupo da frente, os primeiros camaradas da Guiné a dar a cara e a escrever no nosso blogue. O seu primeiro escrito ou os seus primeiros sinais de vida remonta a 14 de Maio de 2005, conforme se pode comprovar pela lista de postes (seleccionados) que abaixo publicamos... O nosso camarada manteve uma colaboração contínua e profícua na I Série do nosso blogue, mas também na II Série....

Ele foi dos primeiros a relatar e a documentar, recorrendo a um numeroso e valioso espólio fotográfica, as aventuras e desventuras dos milicianos na Guiné: no seu caso, primeiro como Alf Mil na CART 1690, no subsector de Geba, Região de Bafatá, Zona leste, onde foi gravemente ferido (com direito a evacuação para a Metrópole), e depois no Cacheu,. em Barro, junto à fronteira com o Senegal, na CCAÇ 3, onde completou o resto da comissão.

O A. Marques Lopes é um profundo conhecedor da Guiné e do PAIGC, mantendo com os seus antigos guerrilheiros e comandantes uma relação privilegiada... Confidenciou-me, hoje mesmo, que foi convidado a escrever o posfácio da autobiografia de um guerrilheiro do PAIGC, o Queta ou Keita, de etnia mandinga (Para o prefácio foi convidado o Presidente da República de Cabo Verde, o comandante Pedro Pires).

Como muitos também não sabem, o nosso aniversariante é nado e criado em Lisboa, logo é "mouro", sulista.... Mas vive, há muito,  disfarçado de "morcão", em Matosinhos...  Do seu segundo casamento, com uma nortenha, tem um rapaz macho, de 16 anos, que é ainda mais namoradeiro do que o progenitor...

Ao nosso querido aniversariante, quero em meu nome e em nome dos nossos queridos co-editores Carlos Vinhal,  Eduardo MR e Virgínio Briote, bem como de todos os demais amigos e camaradas da Guiné, desejar-lhe manga de ronco para este dia e para o resto da viagem na picada da vida... Que esta seja longa e larga!

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Nota de L.G.
(*) Vd. postes da I Série:

Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (Luís Graça) (11.05.04)

Guiné 69/71 - I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luis Graça) (23.04.04)

Guiné 69/71 - II: Excertos do diário de um tuga (1) (Luís Graça)(25.04.04)

Guiné 69/71 - III: Excertos do diário de um tuga (2) (Luís Graça)(28.04.04)

 Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical (Luís Graça)(07.12.04)

Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca (Luís Graça)(20.04.05)

Guiné 69/71 - VI: Memórias do Xime, do Rio Geba e do Mato Cão (22.04.05) (Sousa de Castro)

Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)(25.04.05)

Guiné 69/71 - VIII: O Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)(28.04.05)

Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo do Xime-Bambadinca-Xitole (1) (29.04.05) (Humberto Reis)

Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa (Luís Graça)(01.05.05)

Guiné 69/71 - XI: O Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole) > Caracterização (2) (Luís Graça)(03.05.05)

Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina (Luís Graça)(04.05.05)

Guiné 69/71 - XIII: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (2) (Luís Graça)(05.05.05)

Guiné 69/71 - XIV: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (3) (Luís Graça)(06.05.05)

.Guiné 69/71 - XV: No Xime também havia crianças felizes (1) (Luís Graça)(09.05.05)

Guiné 69/71 - XVI: No Xime também havia crianças felizes (2) (Luís Graça)(10.05.05)

 Guiné 69/71 - XVII: A malta do triângulo do Xime-Bambadinca-Xitole (4) (Luís Graça)(11.05.05)

Guiné 69/71 - XVIII: A malta do triângulo do Xime-Bambadinca-Xitole (5) (14.05.05) (A. Marques Lopes e outros)

Guiné 69/71 - XIX: O festival das kalash, das 'costureirinhas', dos rockets e dos katiousha (Luís Graça)(16.05.05)

Guiné 69/71 - XX: Foi você que pediu uma kalash ? (17.05.05) (David J. Guimarães) Guiné 69/71 - XXI: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacaunda (1968) (18.05.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca- Xime- Xitole- Saltinho (Luís Graça)(20.05.05) Guiné 69/71 - XXIII: Os anjos da morte (Luís Graça)(21.05.05)

Guiné 69/71 - XXIV: O ataque ao destacamento de Banjara (1968) 25.05.05) (A. Marques Lopes) Guiné 69/71 - XXV: Aerogramas de amigos e camaradas (1) (Luís Graça)(25.05.05)

Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6) (26.05.05) (David J. Guimarães e outros)

Guiné 69/71 - XXVIII: Um ataque a Sare Banda (1968) (28.05.05) (A. Marques Lopes) Guiné 69/71 - XXIX: Um ataque a Sare Ganá (1968) (28.05.05) (A.Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XXXI: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu (Luís Graça) (30.05.05) Guiné 69/71 - XXXII: As aldeias fulas em autodefesa (Luís Graça)(30.05.05)

Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara (30.05.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (30.05.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XXXVI: Na bolanha dá para pensar... (30.05.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XXXVII: Afinal onde ficava Geba ? (Luís Graça)(31.05.05)

Guiné 69/71 - XXXIX: Sinchã Jobel II e III (03.06.05) (A. Marques Lopes)

 Guiné 69/71 - XL: Sinchã Jobel IV, V e V (03.06.05) (A. Marques Lopes) Guiné 69/71 - XLI: A região do Xitole, por onde andou o Nino (03.06.05) (David J. Guimarães)

Guiné 69/71 - XLIII: Antologia (1): o que era ser periquito... (Luís Graça)(04.06.05) Guiné 69/71 - XLIV: A estória da cabra do mato to e do prémio Governador Geral (05.06.05) (David J. Guimarães)

Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII (05.06.05) (A. Marques Lopes) Guiné 69/71 - XLVI: Em memória dos bravos do Geba (05.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XLVII: O Alferes Lopes com os balantas (CCAÇ 3, Barro, Cacheu) (06.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XLVIII: Samba Culo I (06.06.05) (A. Marques Lopes) Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (06.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - L: Mancarra, a semente do diabo (07.06.05)(Luís Graça) Guiné 69/71 - LI: Mesa-redonda: Afinal, a guerra não estava (quase) ganha? (08.06.05) (Luís Carvalhido e outros)

Guiné 69/71 - LII: Antologia (2): A fábula do jagudi e do falcão (08.06.05)(Luís Graça) Guiné 69/71 - LIII: Notícias da CART 2339 ("Os Viriatos", Fá e Mansambo, 1968/69) (09-.06.05) (António dos Santos Almeida) Guiné 69/71 - LIV: Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro (15.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - LV: Notícias do Cacheu (1) (13.06.05) (Afonso Sousa / A. Marques Lopes) Guiné 69/71 - LVI: Notícias da CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) (15.06.05) (Luís Cravalhido / Humberto Reis)

 Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (15.06.05)(Luís Graça) Guiné 69/71 - LIX: Esquecer a

Guiné...por uma noite! (16.06.05)(Luís Graça) Guiné 69/71 - LX: Cabral ka mori? (16.06.05)(Luís Graça) Guiné 69/71 - LXIII: Tertúlia dos ex-combatentes da Guiné (1963/74) (17.06.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - LXIV: Tão (ini)(a)migos que nós fomos! Sobre o álbum fotográfico pessoal de Amílcar Cabral (19.06.05)(Luís Graça) Guiné 69/71 - LXV: Os momentos do fim (Junho de 1974) (19.06.05) (Américo Marques)

Guiné 69/71 - LXVI: Vasculhando os meus papéis (20.06.05) (A. Marques Lopes) Guiné 69/71 - LXIX: Fotomemória(s) (21.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - LXXI: Antologia (3): Sócio-antropologia da família e da mulher em Geba, nos finais do Séc. XIX (21.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - LXXII: Contuboel, Sonaco, Gabu (22.06.05) (Humberto Reis) Guiné 69/71 - LXXIII: Antologia (4): 'Homenagem aos mortos que tombaram pela pátria': Geba, 1995 (23.06.05) (A. Marques Lopes )

 Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (23.06.05) (David J. Guimarães)

 Guiné 69/71 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau (23.06.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - LXXIX: Nome di bó ? Terça, simplesmente Terça! (24.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - LXXX: A cerimónia de despedida no Campo Militar de Santa Margarida (24.06.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - LXXXI: Cartazes de propaganda dirigidos aos "homens do mato" (25.06.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - LXXXII: CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67): Presente! (26.06.05) (Belmiro Vaqueiro / A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - LXXXIII: Terras que também calquei (um ex-combatente da CCAÇ 2401, 1968/70) (27.06.05) (Fernando Gomes Carvalho)

Guiné 69/71 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (1969) (28.06.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (28.06.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (29.06.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - LXXXIX: Recordando Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, Bafatá (CCAÇ 1426) (30.06.05) (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

Guiné 69/71 - XC: Quem não tinha um pouco de poeta e de louco? (01.07.05) (A. Marques Lopes)

 Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (02.07.05) (Afonso Sousa)

Guiné 69/71 - XCII: A zona tampão de Barro, Bigene, Binta, Guidage e Farim (02.07.05) (Afonso Sousa) Guiné 69/71 - XCIII: Barro, trinta anos depois (1968-1998) (02.07.05) (Afonso Sousa)

Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1) (02.07.05) (Afonso Sousa e outros)

Guiné 69/71 - XCV: No muito somos irmãos, no pouco... outra bandeira! (03.07.05) (Marame)

Guiné 69/71 - XCVI: Salgueiro Maia, director de jornal de caserna (07.07.05) (Jorge Santos)

Guiné 69/71 - XCVIII: Um Alfa Bravo para os nossos Op TRMS (2) (09.07.05) (Sousa de Castro)

Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (10.07.05) (David J. Guimarães) Guiné 69/71 - CVII: Bibliografia de uma guerra (3) (12.07.05) (Jorge Santos)

Guiné 69/71 - CVI: Bibliografia de uma guerra (2) (12.07.05) (Jorge Santos) Guiné 69/71 - CV: Bibliografia de uma guerra (1) (12.07.05) (Jorge Santos)

Guiné 69/71 - CVIII: Welcome aboard, captain ! (CCAÇ 3493, Mansambo, 1972) (13.07.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790) (17.07.05)(Luís Graça)

Guiné 69/71 - CXII: Mais estórias do Xitole (CART 2716, 1970/72) (18.07.05) (David J. Guimarães)

Guiné 69/71 - CXIII: Piçarra Mourão, militar e escritor (CART 1525, Bissorã, 1966/67) (19.07.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - CXVII: Antologia (8): Dossiê Guiné (Vida Mundial, 1971) (1ª Parte) (22.07.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - CXXI: Bibliografia da guerra no feminino (1) (23.07.05) (c/ a colaboração de Jorge Santos)

 Guiné 63/74 - CXXV: Homenagem aos mortos da minha terra (Lourinhã, 2005) (24.07.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CXXVI: Antologia (11): Cabo Verde (1941/1943) (26.07.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CXXVII: Com os jornalistas chineses nas 'regiões libertadas' (1972) (27.07.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - CXXVIII: Bibliografia de uma guerra (10): Segredos do PAIGC (28.07.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (28.07.05) (c/ a colaboração de Jorge Santos e outros)

 Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) (30.07.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969 (31.07.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre do Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969) (02.08.05) (c/ colaboração de Humberto Reis)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12 (8.8.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga (9.8.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (11.08.05)(Luís Graça) Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (11.08.05) (João Tunes) Guiné 63/74 - CLXXIII: Informação & Propaganda: os 'grandes' repórteres de guerra (16.8.05) (A. Marques Lopes) Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá (8.9.05)(Luís Graça) Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (23.9.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CCXXVI: Guerra limpa, guerra suja (1) (30.9.05) (João Tunes) Guiné 63/74 - CCXXVIII: Estórias do Xitole: Tangali e o quico do furriel Fevereiro (1.10.05) (David Guimarães)

Guiné 63/74 - CCXXX: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (1) (5.10.05) (Paulo Salgado)

Guiné 63/74 - CCXXXII: Os sitiados de Guileje (6.10.05) (João Tunes) Guiné 63/74 - CCXXXV: Uma estória comovente de camaradagem: o Carvalhido e o Freixinho (10.10.05) (Luís Carvalhido)

Guiné 63/74 - CCXXXVIII: As estranhas noites de Sare Gana (11.10.05) Guiné 63/74 - CCXLI: Mininus di Nha Tera (poema de Nelson Medina, em kriol) (14.10.05) (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau (14.10.05)(Luís Graça)

Guiné 63/74 - CCXLIV: Ansumane, caçador de crocodilhos (conto tradicional) (17.10.05) (Virgínio Briote)

Guiné 63/74: CCLIX: Estórias do outro lado: Ana, a enfermeira do Morés (31 de Outubro de 2005) (Virgínio Briote)

 Guiné 63/74 - CCLX: Ana/Siga ou as mulheres do PAIGC de que nunca se fala (31 de Outubro de 2005) (Virgínio Briote)

 Guiné 63/74 - CCLXII: Memórias de um comando em Barro (Partes I, II e III) (1 de Novembro de 2005) (Virgínio Briote)

Vd. Selecção de textos sobre a Guerra Colonial na Guiné > Primeiros 250 postes da I Série do Blogue (de 11/52004 a 1/11/2005)

Guiné 63/74 - P5949: Blogpoesia (68): A caixa de Pandora... Ou um poema panteísta contra a misoginia... No Dia Internacional da Mulher (Luís Graça)


A caixa de Pandora...
Ou um poema panteísta contra a misoginia...
No Dia Internacional da Mulher

(Para a minha mãe,  Maria,
para a Alice,
para a Joana,
para todas as mulheres do nosso blogue,
para todas as mulheres de Portugal e da Guiné-Bissau,
para todas mulheres do mundo)


Os deuses criaram a primeira mulher,
e puseram-lhe o nome de Pandora.
Diziam os gregos antigos que fora por castigo,
como presente envenenado,
oferecido aos homens,
a quem Prometeu, o titã, tinha dado o fogo,
roubado aos céus.

Na sua fabricação,
à imagem e semelhança dos deuses,
trabalharam Hefesto e Atena,
sob as ordens do próprio Zeus,
e com o auxílio do resto do Olimpo.

Cada dividindade se esmerou
e lhe deu uma qualidade:
a graça,
a beleza,
a meiguice,
a paciência,
a compaixão,
a persuasão,
a generosidade,
a inteligência emocional,
a sensibilidade,
a sensualidade,
o sexto sentido,
a graciosidade na dança,
a arte da sedução,
o erotismo,
o talento para a cozinha,
a destreza para os trabalhos manuais,
o amor maternal…

Porém Hermes, o pérfido,
inocolou no seu coração
o vírus da traição e da mentira.

Zeus, o colérico e vingativo pai dos deuses
e de todas as demais criaturas,
mandou então a sua obra-prima
para a terra,
qual cavalo de Tróia.
Epimeteu, irmão de Prometeu, estava por este avisado:
- Do céu nunca virá nada de bom!
Nunca aceites nenhum presente divino…

Deslumbrado com a sua beleza,
Epimeteu tomou Pandora como esposa.
Em casa, ele tinha uma misteriosa caixa
que outrora lhe enviara o céu.
Pandora fora instada a nunca a abrir,
em circunstância alguma.
Mas a curiosidade feminina foi superior às suas forças.
Outros dizem
que era o seu dote de casamento.

… Lá dentro, na caixa de Pandora,
 estavam todos os males e todas as doenças,
incluindo a peste (a pior das doenças),
que haveriam de afligir a humanidade,
até ao fim dos séculos dos séculos…

Mas,  no fundo da caixa, ficou ainda
um resto do recheio,
o único elemento que não se chegara a libertar,
porque Pandora, assustada,
ainda conseguira fechar a tampa,
na última fracção de segundo …
E esse elemento era… a Esperança,
disfarçada de mal !

Apesar do erro irreparável,
Pandora vai permitir aos homens,
empunhar com orgulho o archote de fogo
que lhes dera Prometeu,
manter acesa a luz ao fundo do túnel,
manter vivo esse outro fogo do conhecimento e da paixão,
dominar alguns dos piores males
que estiveram prestes a destruir a humanidade,
conquistar o direito ao futuro,
lutar contra a doença e a morte,
alimentar a esperança,
combater o fatum, a condenação ao absurdo,
levá-los, enfim, aos seres humanos
a superar as limitações da sua condição animal...

Com Pandora, não somos definitivamente criaturas divinas,
nem obras-primas da criação,
somos assumidamente seres livres,
humanos,
frágeis,
vulneráveis,
mortais,
bons e maus,
mas donos do nosso destino.

Com Pandora, tornámos irrisórios os deuses,
libertámos criadores e criaturas,
deixámos a suburbanidade do Olimpo,
humanizámos a vida,
hospedámo-nos no sistema solar,
começámos a escrever a história,
ganhámos a terra como nossa casa,
conhecemos a vertigem e o sabor
da aventura da liberdade...
Pandora não é a fonte de todos os males,
não é o pecado original,
é afinal “a que tudo dá",
em grego.
Com Pandora somos fogo e estopa,
mas já não vem o diabo... e assopra!
Para quê o diabo,
se voltámos a ter, de volta,
 a caixinha de Pandora,
agora domada e explicada às criancinhas,
e outrora mortal brinquedo dos deuses ?

Luís Graça

Imagem (do domínio público): Pandora (1861), escultura de Pierre Loison (1816-1886). 
Palácio do Louvre, Paris. Fonte: Wikipedia  (com a devida vénia...)

Guiné 63/74 - P5948: Blogoterapia (147): A notícia da minha morte foi um exagero: vão ter que continuar a aturar-me... (José Brás)

1. Na 6ª feira passada, dia 6, fomos surpreendidos pela notícia da queda de uma aeronave perto de  Montremor-O-Novo. O nosso camarada José Brás mora no concelho e é piloto. Alguns camaradas nossos (Miguel Pessoa, Francisco Godinho, Carlos Vinhal, José Belo, eu próprio) tiveram o estranho pressentimento de que ele podia estar entre as vítimas... O Miguel Pessoa, com os contactos que lhe dei, conseguiu finalmente falar com ele... Na aldeia global, as más notícias (e os piores boatos) correm mais céleres que o vento. Num ápice chegaram à Tabanca da Lapónia e outras Tabancas da Tabanca Grande...  Inbclusive já chegaram vários mails a desejar as melhoras do José Brás...

Há agora que repor a verdade e tranquilizar os amigos e camaradas da Guiné: infelizmente morreram dois portugueses, um deles da Força Aérea, e capitão de Abril, o Cor Pilav Ref Costa Martins, e outro, o Sousa Monteiro, comandante da TAP, reformado,  sindicalista, juntamente com o José Brás, nos difíceis tempos de antes do 25 de Abril (*)...

O José Brás não ia a bordo, embora seja amigo do Sousa Monteiro.  Ele próprio nos dá uma pequena explicação, a seguir. Não obstante o sincero pesar que manifestamos à família e amigos do Costa Martins e do Sousa Monteiro, e sem querer fazer humor negro, é caso para dizer, em relação ao nosso muito estimado camarada e querido amigo José Brás, que "a notícia da sua morte foi um exagero"... Ou como ele próprio o diz: "Vão ter que continuar a aturar-me"...

1. Mensagerm do nosso co-editor Carlos Vinhal, com data de ontem:

Caros camaradas e amigos tertulianos: Por julgar que esta mensagem não é de conhecimento público, é com imensa alegria que a vos reenvio.

Ao nosso camarigo Zé Brás,  a melhor sorte sempre suba aos céus de Montemor e de todo o planeta. Para susto já nos chegou.

Vinhal

2. Mensagem do José Brás, com data de ontem:

Ok, caros amigos:  Não fui eu. Muitas vezes tenho aterrado e descolado naquela pista mas sempre a recusei como base de escola.

Dos mortos, um era meu amigo, o Sousa Monteiro, comandante da TAP e na reforma,  que trabalhou comigo no sindicato antes do 25 de Abril, e o outro apenas conhecido de dois ou três encontros,  desfasados,  em Luanda, o Costa Martins.

Portanto...continuarão a ter de me aturar.

Abraços

José Brás

___________

Nota de L.G.:

(*) Notícia do Correio da Manhã, de 7 de Março de 2010 (excerto):

A queda da avioneta monomotor que vitimou o Capitão de Abril - e coronel reformado da Força Aérea - Costa Martins e o ex-piloto da TAP Sousa Monteiro, no sábado no Ciborro, Montemor-o-Novo, está a ser investigada pelas autoridades.


As dúvidas persistem em relação à legalidade da pista particular de onde os dois experimentados pilotos descolaram e onde deveriam regressar, junto à Herdade da Atabueira, onde acabaram por falecer por força do acidente.

Segundo fonte das autoridades, os dois ocupantes da aeronave terão levantado voo por volta das 16h30 de ontem e o passeio não deveria ter demorado mais de uma hora. Foi o dono da pista que alertou as autoridades para a demora no regresso.

A GNR montou então um perímetro de segurança e acabou por detectar os restos do aparelho, onde estavam os dois corpos, cerca das 21h00 de ontem, a cerca de 250 metros do local onde supostamente iriam aterrar. (...)

Ao que o CM apurou, a pista alcatroada e onde se encontra um hangar onde estava estacionada a aeronave do ex-piloto Sousa Monteiro não está legalizada para fim comerciais ou turísticos, mas pode ser utilizada para fins domésticos. (...).

As duas vítimas conheciam bem a zona e tinham milhares de horas de voo de experiência. Ao que tudo indica a queda terá sido motivada por uma falha técnica ou por motivos meteorológicos adversos. À partida estará afastada a hipótese de colisão com os cabos eléctricos existentes próximos do local de embate no solo. (...)

O antigo Capitão de Abril, Costa Martins, 72 anos e coronel da Força Aérea nasceu em Messines, Silves. Participou no comando das forças que tomaram de assalto o Aeroporto da Portela (Lisboa) e o Aeródromo Base nº 1 de Lisboa. António Spínola convidou-o, a 31 de Maio de 1974, a desempenhar as funções de membro do Conselho de Estado, tendo mesmo chegado a Ministro do Trabalho nos governos seguintes. Por outro lado, José Alberto Sousa Monteiro era um piloto reformado da TAP onde esteve vários anos e deu aulas em várias universidades. (...)