sexta-feira, 4 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6529: Cusa di nos terra (16): A propósito do último livro do António Estácio, Nha Carlota... e as suas comidinhas (Luís Graça)

1. Vamos continuar a relembrar e a divulgar os sabores 'di nos terra' (*)... Todos ou quase todos os entrevistados do António Estácio (foto à esquerda), amigos, conhecidos, clientes ou visitas frequentes da casa de Nha Carlota (no Cumeré e depois em Nhacra), recordam a excelente cozinheira que ela foi e evocam alguns dos seus pratos famosos, um mix da cozinha portuguesa, cabo-verdiana e guineense:


“(…) Era habitual, no final dos bailes realizados nas instalações da UDIB, irem de carro de Bissau a Nhacra, até casa de Nha Carlota, para mata-bicho, onde não faltava a bem temperada linguiça, gazela assada, ovos estrelados, etc.” (p.30).

Ferreira Pinto, um antigo magistrado, frequentava com a esposa a casa de Nha Carlta, “exaltou os dotes culinários da anfitriã, pondo à cabeça a saborosa sopa de peixe, seguida das iscas com caril, com que se deliciavam sob a acolhedora sombra duma frondosa árvore” (p. 34).

O ex-Alf Mil Sérgio Sebastião Alves, da CCAÇ 564(**), e que comandou, de Novembro de 1963 a Maio de 1964, o pelotão destacado em Nhacra com a missão de defender um ponto estratégica, a ponte de Ensalmá que ligava a ilha de Bissau à plataforma continental), descreve Nha Carlota como “uma senhora extraordinária, que fazia uma maravilhosa sopa de peixe” (p. 39).

Alda Maria Simões Tomé, com 40 anos de Guiné, aonde chegou em 1936, conheceu bem, primeiro no Cumeré e depois em Nhacra, essa Mulher Grande, agora biografada pelo nosso amigo António Estácio (capa do livro, edição de autor, à direita):

“Era pessoa que recebia muito bem e estava sempre pronta para fazer uns petiscos deliciosos, como cachupa, linguiça picante, cuscus de arroz. Ai, era tudo tão bom” (p. 42).

O nosso camarada e amigo Nuno Rubim também a conheceu em 1964, quando jovem capitão e destaca “o saboroso pitche-patche de ostra” (p. 44) que uma vez comeu lá em casa dela.

José Alberto Câmara Manoel, ex-colega do Liceu de Bissau, mandou ao autor um depoimento escrito sobre o tempo em que, sendo ele miúdo, ia aos domingos a Nhacra, com os pais e os irmãos, almoçar no restaurante de Nha Carlota:

 “Combinada com antecedência a ementa (cabritinho assado, chabéu ou cachupa), começávamos sempre por um balaio, o de ostras e/ou camarão, tudo divinal e cuidadosamente preparado” (p. 49).

Locutora da extinta Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, Maria Rosete Pereira da Silva, destaca, da lista de pratos, “o saboroso pitche-patche de ostra, o frango, quer de churrasco, quer à cafreal, assim como os saborosos camarões que ela preparava muito bem” (p. 50).

Outra admiradora da culinária de Nha Carlota, fala da “saborosa galinha à cafreal, com molho de manteiga, cebolada e piripiri”, bem como da “deliciosa caldeirada de cabrito” (p.54).

O caldo de peixe e o pitche-pacthe de ostras voltam a ser recordados mais dois entrevistados, na p. 55. Parecem ser unânimes as opiniões: Nha Carlota “tanto cozinhava uma deliciosa cachupa, um excelente chabéu ou qualquer prato de comida europeia” (p. 57)… E até o café parecia ser diferente:

(…) “Mandava-o vir, em grão, de Cabo Verde, depois trorrava-o e moía-o com particular mestria. Que maravilha de café” (p. 57).

A sobremesa era, em geral, fruta, da sua propriedade:

“Nós comíamos na varanda e os nossos pais almoçavam no alpendre, existente na traseira da residência. A sobremesa era à base de fruta apanhada nas redondezas e era ela mesma a que nos incentivava a ir buscá-la. Ai, era tão animado!” (p. 48).

Ao livrinho do António Estácio (116 pp), fomos ainda 'roubar' esta receita, A  sopa de marisco à Nha Carlota (p. 57)... Para terminar em beleza esta nota de leitura, isto é, para terminar...a salivar:

Ingridientes: Camarão, Arroz, Farinheira ou chouriço, Azeite, Polpa de tomate, Cebola, Limão, Piripiri

Coze-se o camarão, o qual, em seguida, se descasca e são-lhe retiradas as cabeças. Guarda-se essa água e passam-se as cabeças e as cascas retiradas, no ‘passe-vite’. Mói-se bem e com a água a correr, para que a água remova a pasta proveniente das cabeças. Junta-se esta água à da cozedura do camarão e, em função do número das pessoas, acrescenta-se água normal.

Aparte faz-se um refogado com azeite, cebola bem picada e junta-se polpa de tomate. Quando a água da sopa começar a ferver, junta-se ao refogado o chouriço e deita-se arroz, em quantidade para que a sopa não fique aguada. Por fim junta-se piripiri (moído ou não) e o camarão descascado. É servido com limão e, se necessário, adiciona-se piri-piri.
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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luís Fonseca)

(**) Na verdade trata-se da CART 564 e não CCAÇ como é referido

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Guiné 63/74 – P6528: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (37): Um básico super operacional (Mário G R Pinto)

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 36ª mensagem, em 25 de Março de 2010:

Camaradas,

Hoje vou-vos dar conhecimento sobre quem foi Manuel Raposo Marques - Soldado Básico -, Nº Mecº 18757368, da CART 2519.
Um Homem que apesar de ter sido classificado como “básico”, foi uma das nossas maiores e melhores referências em combate, tornando-se num exemplo de abnegação e de heroísmo, dignificando sobremodo o soldado Português.

UM BÁSICO SUPER OPERACIONAL
Para quem não sabe ou não se lembra já, básicos eram todos os soldados que não conseguiam qualificação ou aptidão, para serem enquadrados em qualquer outra das muitas especialidades existentes no Exército.
Eram assim, a modos que uma espécie de proscritos, de mão-de-obra não especializada, que a tropa não dispensava e empregava no cumprimento de todo o tipo de tarefas indiferenciadas (tarefeiros, faxinas, auxiliares de pequenos serviços, etc.), normalmente apenas dentro das áreas delimitadas dos aquartelamentos.

Eles, tal como todos os outros especializados, iam, igualmente, “malhar” com os “ossinhos”em África.
Nessa altura o que estava em causa era a quantidade de homens a enviar para a guerra e não a desejada e necessária qualidade, porque, no fundo, éramos massa destinada a “carne para canhão”.

Básico era então o carimbo, com que eram marcados os incapazes e inábeis, e esta designação fez escola, tendo-se o termo generalizado a todos os sectores da sociedade portuguesa.

O “nabo” foi substituído pelo “básico”!

O Manuel Raposo Marques, conhecido na CART 2519 pelo Básico, tal como qualquer outro homem, tinha uma deficiência psíquica (vulgo “pancada”), daí ele ter reprovado, intencionalmente, na especialidade de cozinheiro.
Foto da cozinha do quartel em Mampatá

Dizia ele que não tinha nascido para andar de avental, de tamancos e de gorro na cabeça, e o que ele queria ser mesmo era atirador.

“Que grande maluco!” – pensei eu.

Acabou por ser reclassificado em básico, após ter sido considerado pronto na instrução e apto para desempenhar qualquer função de segundo plano, compatibilizou-se as suas capacidades humanas com as necessidades da Companhia.

Assim, o Manuel Raposo Marques, chegado à CART 2519, pediu ao Alf Mil Claudino - comandante do 4º Grupo de Combate -, para o integrar na sua equipa. O alferes falou ao capitão e este consentiu, numa fase experimental, que assim fosse. Mais tarde, em função do seu excelente comportamento activo e combativo no grupo, decidiu elevar este básico, por mérito próprio, à categoria de atirador.

Nos primeiros tempos, os seus Camaradas olhavam-no com desconfiança, porque receavam que o 4º Grupo de Combate viesse a ser apelidado, na generalidade, de básico, mas tal não aconteceu e o Marques veio a revelar-se como um dos melhores soldados da Companhia, com predicados de combatente acima da média e tiques de herói, tendo incrivelmente para quem não o conhece, sido agraciado com o prémio "Governador da Guiné".

Pois é, o nosso básico, ao ser confrontado com a “roleta da morte”, foi suficientemente corajoso e audaz para, após ter abatido dois guerrilheiros IN, conseguindo salvar a vida do seu comandante de secção, que se encontrava em situação difícil e ferido numa perna, numa acção em que o seu grupo de combate interceptou um grupo do PAIGC.
O Básico passou a ser uma referência da CART 2519 e respeitado por todos os seus Camaradas e Superiores Hierárquicos.

Nota: Estes dados foram retirados da História da Unidade e do livro “Há Sangue na Picada”, de Jacinto Manuel Barrelas - Cap da CART 2519.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

28 de Março de 2010 >
Guiné 63/74 – P6059: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (36): Reunião magna no Palácio do Governador (Mário G R Pinto)

Guiné 63/74 - P6527: José Corceiro na CCAÇ 5 (12): Canjadude visitada por dois ilustres Generais

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 29 de Maio de 2010:

Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
É com estima que a vós me dirijo para apresentar este escrito, que publicarão se assim o entenderem.
Caso publiquem, podem atribuir o titulo que ajuizarem.

Um Abraço
José Corceiro


José Corceiro na CCAÇ 5 (12)

Isto que escrevi é para ser interpretado como sendo duas partes, em que a primeira são factos verídicos, que eu vivi no teatro operacional, da Guiné, e a segunda parte é a descrição do que aconteceu numa rabularia, (rábula?) durante uns momentos de lazer sem serem desrespeitosos (minha opinião).

Canjadude visitada por dois ilustres Generais

Nos 25 meses que estive na Guiné, tive a particularidade de estar algumas vezes próximo do nosso COMCHEFE, General António Ribeiro de Spínola, tendo uma vez dialogado com ele no Hospital Militar de Bissau. Outra vez, numa operação troquei com ele duas ou três palavras via rádio para o heli, e na mesma operação, depois em terra, prestei um esclarecimento que me foi pedido.

Estive próximo dele a ouvir os seus discursos, duas vezes em Bissau, uma vez em Nova Lamego, duas ou três vezes em Canjadude, CCAÇ 5.

Foto 1 > Topo do PRC- 10. Painel com os botões de comutação.

Foto 2 > Foto que tirei no Hospital Militar de Bissau, em Fevereiro de 1971, a um desenho feito por um militar chamado Victor, que estava lá internado. O desenho foi oferecido ao General António de Spínola, pelo Victor. Não sei do seu paradeiro.
No mato, durante uma operação para os lados do Rio Corubal, entre o Cheche e o Burmeleu, o Sr. General apareceu de surpresa no heli, antecedido de dois T6.
Recebi a comunicação no emissor/receptor AN-PRC10, do emissor/receptor do heli, e disse:

- Maior desta, comunicar com maior dessa, escuto (conheci a voz inconfundível).

Eu respondi:

- Vou passar maior.

Passei o micro ao Capitão e houve comunicação, montou-se segurança, coloquei tela laranja no solo para sinalizar local de aterragem do heli. Sua Excelência saiu do heli, esteve a falar com o Capitão cerca de cinco a dez minutos, dirigiu umas palavras de agradecimento, apreço e incentivo, aos homens que estavam próximo do heli, dizendo-lhes que como soldado, partilhava o mesmo sacrifício e que estava em espírito com todos.

Deve ter dito algo ao Capitão, sobre Transmissões, uma vez que não tinha sido muito fácil iniciar a comunicação com os meios aéreos. Eu ao ser interpelado, sobre esta questão, respondi que do nosso lado não tinha havido alteração nenhuma de sintonia, (canal) estava tudo nas frequências estipuladas, quer no AVP1, quer no AN-PRC10 (que eram os aparelhos, de frequência modelada, utilizados para entrar em contacto com meios aéreos). Dirigiu-se para o heli e desapareceu nos céus da Guiné.

Foto 3 > Aproximação do heli à pista de Canjadude, que trazia de surpresa o General António de Spínola.

Foto 4 > Heli a aterrar na pista de Canjadude, vendo-se um dos militares a correr para montar segurança na pista que ficava fora do arame farpado.

É lógico, que não tenho capacidade para aferir ou fazer algum juízo abonatório ou desfavorável, sobre as capacidades do nosso COMCHEFE na Guiné, ou sobre a personagem do General António de Spínola, foram meros contactos que tive com ele, direi flashes, embora já tenha ouvido os mais diversos comentários sobre a sua pessoa, assim como já li muita coisa que ele escreveu, entre as quais a primeira edição do livro - Portugal e o Futuro - que comprei logo que foi posto à venda, em Fevereiro de 1974, que esgotou imediatamente.

Foto 5 > O General Spínola na pista de Canjadude, acompanhado pelo Comandante da CCAÇ 5, na altura o Capitão Arnaldo Costeira.

Foto 6 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.

Foto 7 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.


“Mas eu e mais alguns Gatos Pretos tivemos, o raro privilégio, de termos ouvido discursos improvisados por um outro General na Guiné, o General Futuro. Discursos Inflamados e Grandíloquos, que apelavam: Ao amor Pátrio; ao dever e obrigação cívica de preservar a Pátria una e indivisa; ao sacrifício de cada um, desprezando a própria vida em benefício da defesa e a honra da unidade do solo sagrado. Elogiavam-se as grandiosidades dos feitos Portugueses, relevando o orgulho que todos nós devemos sentir, por termos tão carismáticos e solícitos heróis; enalteciam-se os nossos probos Governantes, que sacrificavam toda a sua proficiência, abnegando todos os seus direitos, em benefício da Nação, para provento do Povo.

Eram discursos de rara eloquência; de exaltação fervorosa, onde se glorificava a qualidade impar do destemido e brioso Soldado Português, no campo de batalha, e a quem se dedicavam todas estas dissertações e se agradecia a sua prestimosa heroicidade.

A coragem e bravura, destes temerários beligerantes, intimidavam até os Deuses Mitológicos do Olimpo, que se sentiram inseguros perante os avanços e façanhas destes aguerridos homens lutadores, com alma magnânime. Os Deuses da Guerra pressentiram tão perturbada e ameaçada a Paz nos seus domínios, que sentenciaram que era imperativo travar tamanhos avanços e audácias, levadas a cabo por devotos e fiéis guerreiros. Assim, viram-se obrigados a convocar, urgentemente, um Concílio de Guerra no Limbo, para ajustar tácticas de Guerra contra os destemidos e bravos mancebos, que pelejavam no cenário operacional.

Foto 8 > Sua Excelência o General Futuro, a entrar na sala dos actos solenes, em Canjadude, para dissertar para as tropas, sobre o tema a guerra nos seus domínios, e exaltar os feitos alcançados.

Foto 9 > Sua Excelência o General Futuro a preleccionar a sua oratória, em Canjadude, para as tropas reunidas.

O Conselho de Guerra dos Deuses deliberou, contra os obedientes e aprumados Soldados Portugueses, o seguinte: Desamarrar todos os Ventos; encapelar e alvoraçar os mares, para inundar as Bolanhas; enfurecer as tempestades; enraivecer os temporais; encolerizar o ribombar dos trovões; exasperar as línguas de fogo; inflamar de velhacaria os raios e os coriscos; destacar exércitos e mais exércitos de mosquitos raivosos e exacerbados, para reprimir e suster as progressões bélicas dos combatentes, de forma a serenar e inibir as apoteoses patrióticas dos triunfos já obtidos, pelo temido exército Português.”

Foram estes discursos, cuja explicação atrás situei, enquadrados em cenários de raros momentos lúdicos, que eu vivi no teatro operacional da Guiné. Eram ocasiões de descontracção e cumplicidade fraternal, com um comportamento amalgamado de chacota “fabulizada” contida, abarcando condutas de respeito merecido.

Para todos um abraço
José Corceiro

OB: - As fotos 3 a 7, são resultado de conversões de “frames” dum filme de 8mm celulóide, o primeiro formato popular, que foi convertido em VHS quando este apareceu, que por sua vez foi convertido em digital (DVD) e por último converti “frames”, em fotos, formato JPG, que apresento. Por isso a fraca qualidade depois de tanta conversão.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (O Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné (José Corceiro)

Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6412: José Corceiro na CCAÇ 5 (11): Boas recordações de militares da CCAÇ 5, Canjadude - O Tripae

Guiné 63/74 - P6526: Notas de leitura (116): Guiné-Bissau Três Vezes Vinte Cinco, de TCor Luís Ataíde Banazol (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2010:

Queridos amigos,
Não deixa de surpreender a prosa do tenente-coronel Banazol, tudo escrito a quente, logo nos alvores da independência.

Não posso perder oportunidade de relembrar aos confrades que preciso da ajuda de todos para se fazer o inventário da literatura da guerra da Guiné o mais exaustivo que nos for possível, a todos agradeço que me indiquem livros que ainda não foram aqui mencionados. É a única maneira de entregarmos o rol bibliográfico aos historiadores. Recordo que há inúmeras publicações de edições de autor sobre a vida de batalhões e companhia. É impossível encontrar tais obras, a não ser por indicação de carolas, conhecedores de tais títulos. Vou dar-vos o exemplo a seguir com a história de um batalhão que esteve na Guiné entre 1965 e 1967. Descobri-a por acaso, é provável que não conste das bibliotecas.
É também por isso que preciso da vossa ajuda.

Um abraço do
Mário


Retratos de pessoas na Guiné-Bissau, pouco depois do 25/04/1974

por Beja Santos

O tenente-coronel Luís Ataíde Banazol ganhou notoriedade nas lides literárias logo a seguir ao 25 de Abril graças às suas intervenções e comentários sobre a origem do MFA, da Guiné-Bissau, do PREC. Tem todo o sentido, dado este propósito de se proceder a um inventário, tão exaustivo quanto possível, da literatura referente à guerra colonial da Guiné e período subsequente, que aqui se faça um registo a uma obra original.

Em que consta a originalidade do livro “Guiné-Bissau, três vezes vinte cinco”? (Prelo Editora, Agosto de 1974). O autor vira em repórter e vai entrevistar três figuras distintas, inquietas com a independência que se avizinha: um cantineiro/comerciante, um tenente dos comandos e um oficial do quadro permanente. O assombro, à distância destas décadas, é o que eles dizem num período compreensivelmente confuso e cheio de pontos de interrogação, e o que vai acontecer. São três homens para quem o tempo parou ou está num compasso de espera: o comerciante vacila quanto aos comportamentos a adoptar; o tenente dos comandos, ingénuo, acredita que a fraternidade entre guineenses está iminente e para durar; o oficial do quadro permanente não aceita quebras de disciplina, não embarca na euforia dos revolucionários dispostos às quebras de compromissos, muito menos a não medir as consequências de aceitar regressar deixando tudo no caos.

O Santana é um comerciante nascido em Unhais da Serra, tem uma serração e uma fábrica de aguardente, a pele curtida por 25 anos de Guiné. Anda zonzo com essa história da libertação pela independência, o que ia ser dos pobres dos empregados, não se sente entusiasmado em abandonar centenas de tambores de aguardente, se aquilo se complicar nomeiam um procurador e regressa nas calmas, não está disposto a sofrer enxovalhos, já basta o que viu com o administrador, agora a tropa não se mete em coisas de civis, há até mesmo soldados, descarados que lhe dizem na cara que se lhe acabou a teta, ele está fulo, ele é que foi roubado, deu à Guiné os melhores anos de vida, a mulher à cautela já se meteu no avião, o melhor é conversar com esta gente que veio do PAIGC, não quero que lhe aconteça como aos comerciantes de Piche que lhe queimaram a casa e perseguiram os cipaios. O autor escreve: “Readaptar Santana, dar-lhe vigor humano, investi-lo na dignidade de irmão que serve irmão, que o ampara, lhe facilita a compreensão de um mundo onde todos têm de estar lado a lado, e que o comércio é apenas um meio de aquisição de bens de cultura, é o mesmo que tentar elevar um morcego às alturas de uma águia.” Santana não está preparado para os novos tempos, esta independência ultrapassa-o, não se vai ficar na cosmética, é uma mentalidade que vai ser ultrapassada, só que ele ainda não sabe.

Vamos agora ao tenente José Luís, que veio de cabo, pratica a honradez, a lealdade e o heroísmo. Não lhe passa pela cabeça que o PAIGC irá ajustar contas, agora só se fala em paz, pão e união. Se os do PAIGC se bateram, sacrificaram e morreram, os comandos também. A questão grave, que agora anda disfarçada, é que guineenses e cabo-verdianos não se entendem. Será que se pode confiar nas promessas destes vencedores, na sua mensagem de concórdia? À cautela, o tenente já pensa em deixar a farda, comprar uma quinta e criar vacas e até cabras, pensa mesmo em voltar ao liceu e instruir-se. Ele desconfia dos cabo-verdianos. Agora aparecem antigos colegas que lhes vêm pedir para ele ir até aos comícios, pedir moderação às massas. Ele vai e não gosta. Entrou de licença, já veste à paisana, as desordens avolumam-se. Mal sabe o tenente José Luís o que o futuro lhe reserva.

Temos agora o coronel Viegas, experiente e conhecedor da trama social e até de muitas coisas mais que são arrastadas por qualquer processo de independência e descolonização. São tempos em que não podemos abdicar do bom senso nem da dignidade militar. Daí os conflitos com o capitão António Augusto Oliveira, que em poucas horas passou de defensor da pátria a invasor de outra pátria. O coronel Viegas pede moderação ao jovem capitão, não se pode voltar as costas a tudo isto e deixar o vazio, o PAIGC tem tudo a ganhar por um período de adaptação, um país não fica à deriva, não se fecha um abastecimento, um sistema de saúde, a máquina económica e, por milagre, é tudo substituído no dia seguinte. Gente séria não se deixa mergulhar no caos, é preciso manter a segurança, não se deixam os seres humanos à deriva. Discutem interminavelmente. Talvez os dois tenham razão: o oficial mais jovem anda embebedado com a liberdade, o mais velho quer evitar o drama do vazio. Um quer caminhar na esperança, entusiasmado, o outro quer fugir às areias movediças da debandada. E assim acaba o livro. Importa não esquecer que a obra foi publicada em Agosto de 1974. O resto, é só fazer as contas, pensar exactamente no que aconteceu.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6494: Notas de leitura (115): A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6525: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (32): Diário da ida à Guiné - 14/03/2010 - Dia onze


1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2010:

Caro Carlos:
Junto segue o relato do 11.º dia da minha viagem à Guiné.

Podes crer que, cada vez que escrevo um relato, me emociono, pensando sempre que as condições que lá usufruí provavelmente nunca mais se repetirão.
Faltam os relatos de três dias mas com coisas importantes ainda a referir.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATA - 32

Diário da Ida à Guiné – Dia Onze (14- 03-2010)


Nesse dia levantei-me às seis da Manhã, ainda noite, para ir à caça. Queria ver se surpreendia algum animal de médio porte no único charco das redondezas. Podia ser que ainda lá apanhasse algum retardatário a beber água.

Para não acordar os guardas que dormiam no “gembrém”, o meu pequeno almoço foi pão com queijo e água. Demorei trinta minutos a percorrer os cerca de três km até à lagoa que já conhecia bem. Embosquei-me nuns arbustos junto ao charco até que, já depois do Sol ter nascido, me convenci que mais nenhum bicho ia aparecer. Mas não perdi o meu tempo. Mais uma vez pude observar, a pequena distância, a passarada multicolorida que fazia da lagoa o seu local de sustento e de convivência animal. Foi delicioso observar o pica peixe, que empoleirado num galho, saía regularmente disparado para a água, trazendo sempre no bico um pequeno peixe.

Tendo ido mais além ainda vi um passarão castanho. Dei-lhe três tiros em árvores diferentes. Caíram folhas do ramo onde estava. Nada mais. No regresso fui ver a armadilha que tinha montado no dia anterior, e nada. Comecei a achar que o irã da floresta não queria que fizesse mal à bicharada.

Quando cheguei ao empreendimento encontrei o funcionário José a cozer coconote (chabéu) para o almoço em que tínhamos um convidado. Cá, o azeite quando acabado de fazer é de tal modo bom que até se utiliza para pôr no pão. Com o chabéu passa-se o mesmo. Há uma grande diferença entre um chabéu confeccionado com óleo de palma enfrascado ou com o óleo de palma obtido no momento de confeccionar o prato de chabéu.

Uma empregada a pilar o coconote (chabéu).

O coconote depois de cozido foi pilado e novamente fervido para separar o óleo da água, dos caroços e da polpa. Com esse óleo faz-se o chabéu propriamente dito à base de um refogado com cebola, tomate e um pouco de outros produtos locais, como quiabo, jakatu (parecido com o tomate verde mas só no aspecto), etc.

Ao centro pode ver-se o jakatu, parecido com o tomate verde.

O Chico já tinha ido a Bula comprar um cabrito, mas como não o conseguiu, trouxe quatro galinhas (15 euros). O chabéu iria ser de galinha. Também eu pensei que depois, à tarde, iria a Bula comprar duas calas (crioulo) ou sejam dois lenços grandes para as bajudas mais lindas do mundo: a de Bafata de há quarenta anos e a do Porto, a minha neta.

Cabe aqui lembrar (ver relato anterior) que eu tinha um convidado para o almoço, um empresário que, como referi no relato do 1º dia, me poderia dar possibilidades de trabalho (intelectual) o que talvez me proporcionasse umas idas à Guiné-Bissau. Entretanto o meu convidado telefonou a perguntar se podia levar também um amigo. Iriam portanto ser dois convidados.

Enquanto eles não vinham, andei às voltas com os mapas à procura da tabanca de Tabató, indicada pelo Luís Graça, como local de residência do grande músico Djabaté.

Entretanto verificámos que não tínhamos limões para o molho das ostras que tínhamos comprado para aperitivar. Fomos à pressa a Bula e lá, encontrámos os nossos convidados. Ficámos a saber, com surpresa, que o segundo convidado era um “governamental”, muito simpático, magro(!) e que durante o almoço e na longa conversa que se seguiu, demonstrou ser grande conhecedor da história de Portugal e da nossa literatura. A propósito de qualquer episódio da nossa história não se coibia de declamar, de cor, meia dúzia de estrofes dos Lusíadas. Como tenho vindo a referir ao longo destes relatos, além de muitos guineenses, incluindo antigos guerrilheiros, também este dirigente manifestou a ideia de que com Portugal estariam bem melhor do que na realidade estão. É triste que assim seja… Diga-se de passagem que filmei toda a conversa, que durante várias horas.

Um delicioso prato de chabéu.

Ao anoitecer ainda fomos, por indicação do Presidente da Ajuda Amiga Carlos Fortunato, à zona de Binar, falar com o chefe da tabanca de Encherte, nosso ex-soldado Branquinho, para saber todos os pormenores da possível construção duma escola. Já regressámos de noite. Jantou-se uma sopa de rabo de boi e pão com presunto (ao almoço tinha-se comido demais).

Como o aluguer do jeep não deu em nada, resolvemos ir no dia seguinte, eu e o Chico na carrinha, novamente à minha Bafata. Fomos portanto deitar-nos cedo.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6473: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (31): Diário da ida à Guiné - 12 e 13/03/2010 - Dias nove e dez

Guiné 63/74 - P6524: Ser solidário (75): Hoje somos acolhidos por ambas as partes, graças a Deus (Braima Djaura)

1. Mensagem de Braima Djaura* (ex-Soldado Condutor Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74), com data de 22 de Maio de 2010:

Caros Camaradas amigos,
Foi com grande emoção e alegria por saber mais uma vez que nós os Antigos combatentes Africanos, concretamente os Guineenses, temos amigos generosos e solidários que nunca abandonaram seus antigos camaradas de armas de há 42 anos.

Não foi apenas por este gesto do nosso amigo CARLOS SILVA e companheiros que fizeram muito pelo meu compatriota (Irmão) Domingos que, certamente estaria feliz e muito agradecido pela solidariedade, amizade e bondade, dos Homens de bem, como é o caso.

Tomei conhecimento disso há pouco mais de ano, quando me juntei ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. A partir daí contactaram-me muitos amigos, alguns de quem nem tinha lembrança, óbviamente passado 37 anos, idades são outras, alguns com barrigas e bigodes brancos. Na altura era preciso pedir autização com bons motivos para poder deixar crecer a barba, salvo nas selvas e nos Quartéis onde nem sequer havia tempo para fazer arbas, no meu caso e dos outros em Guidage.

Não obstente essas cicunstâncias, hoje convivo com muitos, de tal forma que parece que voltamos atrás no tempo, pelo que não posso deixar de citar o caso de meus grandes amigos de CCAÇ 4150, principalmente o ALBANO COSTA, que tem sido mais que um amigo, e tantos outros, Santos OLIVEIRA, J. Manuel Pechorro, Manuel Alheira, Félix Dias, para não longar a lista tenho que deixar de fora todos os de Blogue, dos quais recebo uma atenção especial.

Caro Camaradas e amigos, ao ler caso em epigrafe, quero mais uma vez agradecer a todos os que nos dão atenção, "nós" claro, que após 25 de Abril, andamos fugidos na altura da Furia dos nossos adversários, ou dos lados opostos, como foi dito pelo meu Irmão Domigos, eu proprio estive entre Senegal e a Guiné clandestino até 1977, periodo em que muitos Camaradas foram fuzilados, como é de conhecimento público.

Todavia e apesar de tudo, hoje somos acolhidos por ambas as partes, graças a Deus.

Deus vós abençoe junto das vossas famílias, pela solidariedade incondicional que deram, por iniciativas próprias, sem deixar entretanto, de louvar os camaradas de Coimbra, pela ajuda prestada ao Domingos Enfande que, acredito, que nunca esquecerá.

Grandes Abraços
Bem-Haja a todos
Ibrahimo Djaura

Lisboa, 20-05-2010 - Chegada do Domingos Mafande ao Aeroporto – Camarada da CCaç 13
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6270: Em busca de... (128): Alferes Miliciano da 2.ª Companhia de Instrução do CIM de Bolama, Agosto de 1971 (Braima Djaura)

(**) Vd. poste de 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6493: Ser solidário (73): Domingos Manfande, ex-Soldado da CCaç 13 (Carlos Fortunato/Carlos Silva)

Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6522: Ser solidário (74): O nosso Furriel Mecânico de Armamento, Victor Condeço, Vitinho, está a precisar de um ombro amigo (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6523: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (17): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (4): Lurdinhas (Rosa Serra)

Lurdinhas como Alferes Enfermeira Pára-quedista


As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares - IV

Lurdinhas

Falar da Maria de Lurdes, uma Maria que é carinhosamente tratada por Lurdinhas pelas enfermeiras pára-quedistas, é falar de uma mulher curiosa.

Sim, curiosa no sentido lato da palavra. Quando a conheci, ela manifestava-se sedenta pelo conhecimento da mente humana. Ela queria muito entender os comportamentos da humanidade. “Discutia” muitas vezes comigo a análise que devíamos fazer a nós próprios e abordava com frequência as teorias da psicanálise que para mim eram ”chinês”. Por isso limitava-me a ouvi-la e pensava: esta mulher deveria ser psiquiatra ou outra coisa qualquer semelhante. Mesmo sem entender muito bem o que ela me queria transmitir, deixava-me absorver pelas suas teorias e às tantas, dava comigo a achar que era capaz de ser importante, no mínimo, reflectirmos sobre quem somos.

Achava-lhe graça, porque ela deixava escapar, penso que inconscientemente, uma certa rebeldia, e que eu nunca tinha percepcionado de uma forma tão evidente nas outras Marias que conheci antes dela. Mas também não era a rebeldia típica das enfermeiras mais jovens como eu - era uma rebeldia de ideias - que demorei tempo a entendê-la.

Admirei a sua força de vontade e a sua honestidade em evoluir na sua carreira. Quando foi equiparada sargento-ajudante, topo de carreira da classe de sargentos, não quis ficar por aí, e dado que as enfermeiras eram um grupo especial, cujo posto dependia da sua formação profissional, logicamente não tinham acesso à Escola Central de Sargentos para aceder à classe de oficiais. Então a minha amiga Lurdinhas sai da F.A. e à sua conta vai para uma escola civil onde fez os 3 anos de curso, pedindo em seguida reingresso nas tropas pára-quedistas, agora como oficial e com todo direito.

Admiro-a muito não só pelo esforço académico que fez e o dispêndio económico que essa formação exigiu, mas pelo não acomodamento ou até aproveitamento que poderia ter tentado fazer, e com menos esforço.

Tinha um sentido de dever acentuado e um lado humano muito presente, o que era transversal às restantes Marias. Chego assim à conclusão que realmente as enfermeiras do primeiro curso, pelo menos aquelas com quem eu mais estreitamente me relacionei, foram escolhidas a dedo e quem as escolheu acertou em cheio, pois como hoje se diz foram e ainda são, mulheres de cinco estrelas.

Sem tirar o mérito a todas as outras enfermeiras que vieram a seguir, e as que melhor conheci, não tenho dúvidas, que estas 4 Marias, foram grandes exemplos como profissionais, de elevado grau de generosidade, que estavam ali para o que desse e viesse e sempre possuidoras de uma ética e de uma dignidade sem limites de quem os pára-quedistas se podem orgulhar e jamais As esquecer, pois elas fazem parte da história da Força Aérea e até da história militar portuguesa, no feminino.

Parabéns pela vossos 50 anos e Muito Obrigada pelo muito que aprendi convosco.

Rosa Serra
Ex-Enfermeira Pára-quedista



Lurdinhas como 1.º Sargento Enfermeira Pára-quedista

Lurdinhas equipada para saltar

Fardada com bata, usada nas unidades ou evacuações transatlânticas
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Nota de CV:

Vd. último poste da série, também, de autoria da nossa camarada Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeura Pára-quedista, Guiné, BCP 12, 1969, com data de 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6505: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (16): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (3): Maria Zulmira (Rosa Serra)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6522: Ser solidário (74): O nosso Furriel Mecânico de Armamento, Victor Condeço, Vitinho, está a precisar de um ombro amigo (Luís Graça)


1. O nosso Victor Condeço (foto à esquerda), o único ex-Fur Mil de Mecânico de Armamento que temos, desde  na nossa Tabanca Grande (,se não me engano, que a lista dos atabancadas já é enorme), está doente, anda em tratamento no IPO, precisando portanto de um gesto de carinho e de uma palavrinha de apoio por parte de todos nós.
Além daquela especialidade rara que exerceu com toda a competência em Catió (CCS/ BART 1913, 1967/69), também teve uma profissão rara, entre nós, a de lapidador de diamantes… Rara, e perigosa para a saúde. O pó dos diamantes não faz bem aos nossos pulmões...

Senti, ao telefone, que o Vitinho não está na melhor forma. Ia começar a radioterapia, esta semana, em Lisboa. Tem um belíssimo genro que o traz e leva. Uma filha que ele adora. Dois netos. A esposa. Uma família, encantadora,  que é um  importante esteio e vai ser meia cura. O suporte social, nestes casos de doença crónica, é muito importante. Para além da efectividade, cada vez maior, das terapêuticas, e da competência dos nossos profissionais de saúde que trabalham no IPO, os aspectos não-médicos, psicológicos e sociais, são também decisivos no processo terapêutico. Foi essa mensagem que eu reforcei, ao telefone, ontem, junto do Vitinho.

 A Tabanca Grande é também um grupo de amigos e de camaradas que estão aqui para ajudar, apoiar, aconselhar, animar... Vamos torcer pelas melhoras do Vitinho. Vamos fazer-lhe sentir, de preferência de viva voz, por telemóvel (963 139 769) ou telefone fixo (deixei escapar o nº dele....), ou passando pela casa dele, no Entroncamento, que ele não está sozinho, neste momento difícil.

Como grande camarada que é, e apesar de não ter agora cabeça para pensar nos outros, o Victor continua preocupado em dar resposta ao pedido da Marisa, a filha do Júlio Tavares,  o Madragoa (1945-1986)... Insiste para falarmos, sobre este assunto delicado, com o seu amigo  Souleimane Silá, natural de Catió e que vive ou vivia no concelho de Cascais (telemóvel dele é ou era o + 351 962235663) (*).

________________

Nota de L.G.:

(*)  Troquei em tempos vários mails com o Victor, sobre o seu amigo Souleimane... Aqui ficam dois:

 (i) 20 de Outubro de 2007

 Subject: Pedido - Mail do Soleimane Silá.

Camarada Luís,

Votos de boa saúde. Recebeste com certeza um mail do Souleimane Silá em que te pedia uma audiência pessoal. Quero pedir-te que dentro das tuas possibilidades e no âmbito da nossa amizade para com a Guiné-Bissau e os guineenses, lhe prestes o aconselhamento que ele pretende.  Dispensa-lhe alguns minutos do teu precioso tempo.

O Souleimane já uma vez se dirigiu à nossa Tabanca Grande, Post 1707 de 27 de Abril 2007, é a partir daqui que inicio o conhecimento com ele, que por contingências várias ainda não o é pessoalmente, mas temo-nos correspondido.

Nem calculas a satisfação que ele me demonstrou por eu o ter contactado e dar-me ao conhecimento. Ele era um miúdo de 10 ou 11 anos quando estive em Catió 1967/69, é filho de um antigo funcionário da administração local e da Rainha Fula de Catió, mas claro eu não me lembro dele dessa altura, lembro-me apenas da mãe.

Falando hoje com ele no Messenger, fiquei deveras feliz ao saber que está disposto a reiniciar os estudos. É de louvar que uma pessoa,  já com 50 anos, se disponha a isso e tenha em mente como aliás me disse, de um dia voltar para ajudar o seu País que muito precisa de pessoas qualificadas.

Luís,  desculpa por ter indicado o teu nome sem te consultar, a razão é simples, na nossa conversa ele perguntou-me se eu tinha algum conhecimento na área universitária, eu respondi que não, mas de repente lembrei-me de ti e do teus conhecimentos com outros professores universitários pertencentes à nossa Tabanca Grande que o poderiam aconselhar e ajudar.

Prometi-lhe que iria interceder junto de ti e estou certo farás o que o Souleimane te pede, ele merece. Desde já o meu muito obrigado recebe abraço do
Victor Condeço

(ii)  17 de Novembro de 2008

Luís,


Agradeço e aprecio a tua resposta e a tua maneira de ser, outro que fosse teria passado á frente. Eu calculei que a mensagem tinha ficado esquecida no meio das muitas que recebes, ou mesmo extraviada com as alterações entretanto feitas no endereço da Tabanca.

Tenho tido poucos contactos com o Souleimane, ele mudou de emprego no início do ano, está agora a trabalhar no concelho de Cascais e mora na Abóbora, entretanto ficou sem computador.

Falei com ele esta tarde por telemóvel para saber o que te havia de dizer, continua interessado em falar contigo, se o puderes receber ele irá ter contigo onde indicares.

Este ano com as mudanças operadas na vida dele, não lhe foi possível por dificuldades económicas matricular-se e iniciar os estudos, mas continua a querer fazê-lo e necessita do teu aconselhamento.

O e-mail que ele vai consultando quando pode, é: silamane@hotmail.com  e o telemóvel é o 962235663.

O Souleimane disse-me que já uma vez te procurou na UNL, mas não conseguiu chegar à fala contigo. Se puderes faz esse favor de lhe conceder um pouco do teu precioso tempo.

Um abraço,

Victor Condeço

Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné: Canjadude, Nova Lamego, Bafatá, Bissau (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), dirigida ao nosso blogue, com pedido de publicação:


Estimados tertulianos:

O nosso camarada Carlos Miguel Bugalho Artur, actor, figura pública, conhecido como “O FININHO”,  fez a sua comissão na Guiné nos anos 1968 e 1969 e pediu-me para divulgar o seguinte:

Está-se a fazer um estudo Biográfico da vida do artista e precisa de fotos, do período que esteve na Guiné. Tinha dois álbuns com fotografias da sua passagem pela Guerra, que guardava carinhosamente, mas já há uns anos que lhe desapareceram durante uma mudança de residência, pelo que neste momento não tem uma única foto desse período da sua vida.

Na Guiné esteve em >
Canjadude nos Gatos Pretos, mas também esteve algum tempo em Nova Lamego, em Bafatá, em Bissau e mais outros locais que visitou, que não pode precisar.

Eu apelo, aos tertulianos ou leitores do Blogue, que tenham alguma foto do Carlos Miguel, caso queiram fazer o carinho e especial favor, de as enviar para o meu endereço, para que eu lhas faça chegar.




Em meu poder já existe esta foto, tirada na secretaria da CCAÇ 5, em Canjadude, conjunto formado, da direita para a esquerda: Furriéis Cabrita; Gil, de pé; Carlos Miguel e Borges, que coexistiram comigo em Canjadude.

Grato pela atenção dispensada.
Um abraço
José Corceiro
__________

Nota do editor:
(*) Vd. poste de 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6412: José Corceiro na CCAÇ 5 (11): Boas recordações de militares da CCAÇ 5, Canjadude - O Tripa

Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6476: Em busca de... (134): Procuro notícias do pessoal de todas as Unidades que passaram por Bedanda (Vasco Santos)

Guiné 63/74 - P6520: Banco do Afecto contra a Solidão (10): Falar do Cap Eurico Corvacho, é falar de um Homem com H grande (António Gomes da Cunha)

1. Mensagem de António Gomes da Cunha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 1613/BART 1896, Guileje, 1966/68:

Caros Camaradas da Tabanca Grande
Sou um dos 155 homens que durante 20 meses fotam comandados pelo Capitão Corvacho** na Guiné 1966/1968 CART 1613 “Os lenços verdes”.

Falar deste homem com “H” GRANDE, só quem na verdade o conheceu e acompanhou.

É normal que dos muitos camaradas da CART 1613 que felizmente ainda resistem aos fortes ferimentos da guerra neste mundo, não se manifestem nesta ou noutras páginas a falar da guerra, porque como passamos muita, mesmo muita guerra, não nos queremos recordar
dela, porém quando se fala do Corvacho, falamos de um Irmão de armas e aí temos de nos manifestar e tirar o chapéu a este grande homem.

Felizmente, no convívio da Companhia 1613 que organizei em Braga em 2005, depois de lhe telefonar várias vezes, bem como a sua esposa, consegui tê-lo em Braga pela primeira e única vez, foi como se todos nós tivéssemos encontrado o Pai de deixamos de ver desde Agosto
de 1968. Muita coisa poderia dizer-vos sobre o Capitão Corvacho, deixo aqui apenas duas coisas:

1 – Foi em Guilege que pela primeira ouvi músicas que para nós eram normais, mas que mais tarde verificamos que se tratavam de canções políticas como: Ao romper a madrugada no quartel da guarda senhor general, mande embora a sentilela mande embora o seu guarda portal!

2 – O Capitão Corvacho foi o único comandante que no final da comissão, quando chegamos ao quartel dos adidos para aguardar embarque para a Metrópole, reunindo a companhia, lhe apresentou contas do dinheiro que esta recebeu para a nossa alimentação, o que gastou e o
dinheiro que sobrou, depois de todas as explicações, informou-nos de quanto iria distribuir por cada um dos elementos da Companhia.
Com este gesto de grande camaradagem e de honestidade, a juntar à Cruz de Guerra a nível de companhia e cerca de 58% dos louvores atribuídos a todo o batalhão, que mais se pode dizer deste homem!

Capitão Corvacho é sempre recordado nos nossos convívios, e o próximo é já no dia 5 de Junho em Viana do Castelo, local de onde saímos com destino á Guiné.

Força meu grande amigo comandante, continue a lutar pela vida, embora todos já tínhamos morrido em Guilege, na Guiné

Até sempre
Um abraço
António Gomes da Cunha
1.º Cabo Radiotelegrafista
CART 1613 “Os Lenços Verdes”
acunha45@hotmail.com
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Junho de 2009 > Guiné 64/74 - P4469: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (1): Já temos três: Patrício Ribeiro, António Cunha e Manuel Reis

(**) Vd. poste de 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6161: Banco do Afecto contra a Solidão (7): Um grande capitão da Guiné - Eurico de Deus Corvacho - CART 1613, Últimas Notícias

Vd. último poste da série de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6295: Banco do Afecto contra a Solidão (9): Victor Tavares internado nos HUCoimbra, para uma operação à coluna 2 (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P6519: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (4): Os balantas; as diversas individualidades (J. Armando F. Almeida / Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Reordenamento de Nhabijões > 1970 > Luta tradicional balanta, presenciada por mim (à esquerda) e mais  dois militares do destacamento (entre eles, o Humberto Reis, que segura um instrumento tradicional mandinga, o kora). O destacmento era composto por um mix de militares da CCS e da CCAÇ 12 (Julgo que na época já estavam em Bambadinca instalados o Comando e a CCS do BART 2917).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mero  > s/d (1969 ?) >  Visita a uma das pontas, em Mero... Na foto, dois velhos balantas, um deles cego, que é conduzido por outro completamente nu (apenas com um rudimentar tapa-sexo).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010. Direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Santa Helena > 1970 >  Passeio, à civil, de diversos niliatres da CCS/BART 2917 (1970/72) e da CCAÇ 12 (1969/71) à tabanca balanta de Santa Helena e visita, obrigatória, à nascente onde as bajudas iam buscar água e/ou tomar banho... Na foto, vêem-se três furriéis milicianos da CCAÇ 12: O José Luís Vieira (Funchal), o Arlindo T. Roda (Setúbal) e o António Branquinho (Évora) (Entre parênteses, indica-se a terra onde vivem neste momento).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010. Direitos reservados


Guíné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > Brasão  (à esquerda)

Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917 - De 15 de Novembro de 1969 a 15 de Março de 1972. (Versão em texto processado por Benjamim Durães)


[Continuação da publicação de excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, pp. 17-21 (Documento classificado como "reservado"), segundo versão policopiada gentilmente cedida ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande; comparada  igualmentecom a versão,  em suporte digital,  corrigida e melhorada pelo Benjamim Durães] (*)

Advertência de L.G. :

Todas as Histórias de Unidade, umas mais do que outras, reflectem a visão "etnocêntrica" que os portugueses, civis e militares, tinham dos povos da Guiné. O termo "etnocentrismo" não é fácil de definir: (i)  atitude, existente  dentro de um dado grupo social,  face aos outros que estão fora, e que  se pode  caracterizar em termos de preconceito, condescendência e/ou de desconfiança; (ii) a maneira própria de ver a 'minha' cultura por oposição à cultura do 'outro'...

Tanto nós (os comandos militares) como o próprio PAIGC pecámos por etnocentrismo... Afinal de contas, tanto Amílcar Cabral (**) como a nossa 'inteligentsia' político-militar leu o António Carreira, o Manuel Belchior,  o Fernando Rogado Quintino e outros etnógrafos/etnólogos da Guiné... A única sensibilidade sócio-antropológica que nos incutiram, à chegada áàGuiné, foram meia dúzia de 'clichés' sobre os fulas, os mandingas, os balantas, os felupes, e por aí fora...

É interessante, em todo o caso, ir vendo como evoluiu a atitude das chefias militares em relação àqueles grupos étnicos e sociais que, no início da "guerra subversiva", escolheram o "campo do inimigo"... A aliança dos fulas com as NT sempre foi incensada, até ao consulado de Spínola e à 'psico': a necessidade de concorrer com o PAIGC, não só com as armas de fogo, mas também e sobretudo com as da sedução, levou os comandos militares a passar a 'namorar' os balantas, os beafadas e os mandingas, e a criticar certas facetas do modo de vida e de pensar dos fulas...

É o caso, por exemplo, do Comando do BART 2917 que tem, em Nhabijões, um dos maiores reordenamentos da Guiné: cerca de 350 casas...  Em contrapartida, esta abordagem 'etnográfica' está práticamenet  ausente da História da Unidade anterior, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), podendo ler-se na pag. 1 do Cap II este delicioso naco de prosa:

"No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.

"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado  de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse  homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus  feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero.

"Com o início do reordenamento da população  em auto-defessa, num futuro próximo o IN se verá com sérias dificuldades, pois deixará de ter apopio e de ter a possibilçidade de roubar para deste modo poder sobreviver" (...)

A transcrição de documentos político-militares, tanto de um lado como do outro, não implica qualquer concordância, aval ou aceitação do seu conteúdo... São documentos de trabalho, para leitura e análise 'desapaixonadas'... Partimos do princípio que o nosso leitor é soberano... E os nossos leitores são, fundamentalmente, os antigos combatentes desta  guerra (colonial, para uns; do ultramar, para outros; de libertação, para outros tantos...).


3. População > e. Aspecto político (...)

3 – O “BALANTA”

-  Nesta apreciação incluímos todos os Balantas,  incluindo os Mansoancas,  por não se conhecerem, no Sector [L1], problemas específicos para cada ramo Balanta.

- Aguerridos, alegres e folgazões, desconfiados mas demasiados ingénuos, depois de quebrada a sua confiança atávica, são o povo mais trabalhador da Guiné e só a ele se deve a transformação da lalas em produtivas bolanhas.

- O Chefe Político é o Chefe de Família e por isso o Chefe de Povoação tem funções limitadíssimas,  não podendo decidir sobre qualquer assunto sem que haja um total consentimento por parte dos Chefes de Família. A figura de Régulo ou Chefe de Tabanca, é de criação Portuguesa e, como é óbvio, não se integra na estrutura deste povo e, por conseguinte,  nada representa para eles.

- A sua economia assenta na exploração do arroz alagado, aparecendo as culturas de milho, mandioca e arroz de sequeiro como complemento mas em muita pequena escala.

- Vive sempre junto da bolanha pois desta necessita,  para as suas necessidades imediatas, o barro para os seus potes, a palha para as suas casas. Povo agrícola, pouco gado cria e este mesmo reserva-o quase só para rituais. Praticando o roubo de gado como modo de aumentar a sua importância social, visto tal roubo ser uma verdadeira instituição social sem o significado desonrado que tem para as outras sociedades, evita-o,  dividindo o seu gado pela guarda dos seus vizinhos e amigos e guardando em contra partida o desses vizinhos.

- A subversão apanhou os Balantas na altura em que o seu dinamismo demográfico se fazia sentir no Sector ao longo das lalas dos Rios Corubal  e Geba,  tendo penetrado neste praticamente até à área de Bissaque-Canchicamo e naquela até Jargavida.

- Ao mesmo tempo que se expandia,  introduzia novos métodos de cultura junto das populações. Entretanto a ingenuidade e imprevidência do Balanta e o seu gosto pelo álcool são aproveitados não só pelos comerciantes pouco escrupulosos, que de um momento para o outro os colocaram na sua dependência mercê de juros elevados, mas também pelos Mandingas e Fulas,  especialmente estes,  que os sujeitaram a uma dependência económica tal que chegaram ao ponto de colherem os próprios frutos do trabalho dos Balantas, dando-lhe somente o terreno para cultivo.

- Encontrando-se enquadrados em sistemas políticos mas vastos, em que os Chefes eram quase todos de etnia Fula ou Mandinga,  eles com o seu conceito de grupo social apenas estendido à família não podiam fazer nada para evitar a sua desorganização social e defenderem-se das prepotências sofridas.

- É neste contexto que se deve compreender a fácil adesão do Balanta à subversão, as promessas de libertação dos povos que os subjugavam económica, política e socialmente,  induziram-nos a ver no PAIGC um meio de serem realizadas as suas aspirações.

- A inclusão sistemática de Balantas nos grupos de guerrilheiros, a obrigação de darem grande parte da sua produção agrícola para alimentação desse mesmos grupos, a necessidade de, em virtude da acção das NT,  se afastar cada vez mais das suas bolanhas, obrigá-los a abandonar a cultura do arroz alagado, a constatação de que os que ficaram nas zonas dominadas pelas NT têm uma vida fácil e progressiva, sendo cada vez menor, embora ainda existindo, a exploração que sobre eles exercem os outros grupos étnicos,  exerceram a sua nostalgia da bolanha e criaram as condições quase ideais para uma viragem da sua atitude perante a subversão.

-  Contudo os que estão junto do IN sabem que aqueles que se apresentaram em Bambadinca e que não possuem bolanhas na área,  são explorados apenas como mão-de-obra pelos donos da terra – alguns mesmo seus irmãos de raça – e continuam a ter a nostalgia das suas próprias bolanhas.

- Tal não sucede ainda aos que se têm apresentado no Enxalé porque aí a bolanha é vasta e encontra-se ainda desocupada, especialmente em locais bastante longe da povoação, mas, se não nos preocuparmos em pôr cultivável toda aquela imensa bolanha, a curto prazo veremos acontecer também ali a exploração do Balanta pelo Balanta e estancar-se-ão as apresentações quase semanais que ali se vêm realizando.

- Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de Balantas,  será criar condições de segurança das ricas bolanhas que se encontram abandonadas. De entre todas essas está a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rica e muito grande, encontrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontram sobre controlo IN, na área de Incala, e desejarem para ali voltar.

- Dos Balantas existentes no Sector os seguintes núcleos:

ENXALÉ

- Francamente colaborante com as NT.

NHABIJÕES

- Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato têm assíduos contactos com pessoal, especialmente da região de Incala que ali vai vender arroz e,  através de Bambadinca, abastecer-se de artigos de primeira necessidade. Sempre negam tais contactos embora sejam de todos conhecidos. (***)

SANTA HELENA

- Colaboram com as NT mas possuindo muita família no mato, especialmente pessoal do Regulado do Cuor, mantêm frequentes contactos com esses familiares que ali se deslocam, mas negam esses contactos e raramente os denunciam.

MERO

- Colaboram com as NT. Mantêm intensos contactos com pessoal desarmado sob controlo IN que na maioria são seus familiares. Negam sempre tais contactos.


4 – “OUTROS GRUPOS SOCIAIS”


- Conseguindo que seja o apoio dos três grupos étnicos referidos, FULA, MANDINGA e BALANTA e por arrastamento dos que lhe são fiéis, todos os outros grupos sociais existentes no Sector não terão qualquer influência no estabelecimento de uma paz, que todos mais anunciada ou dissimuladamente desejam,  especialmente se se continuar a respirar “a procura de uma justiça social” acabando com os privilégios injustos, mas mantendo, tradicionalmente por todas aceites [.. frase incompleta ou ilegível],  e que hoje no Sector se revela.

5 – INDIVIDUALIDADES


- Tivemos ocasião de nos referirmos a alguns dos indivíduos mentores da opinião no Sector, mas porque outros foram esquecidos aqui se mencionam aqueles de que temos conhecimento:

- Tenente de 2ª Linha MAMADÚ BONCO SANHÁ [ fuzilado depois da independência]

Régulo do Badora;
Vogal do concelho logístico da Província;
Comandante da Companhia de Milícias do CUOR;
Intitulando-se Fula,  é considerado pelos Mandingas e Beafadas como Beafada,  em virtude da ascendência materna;
Pelos seus actos de valentia é condecorado com a Cruz de Guerra;
Régulo justo e especialmente preocupado com a segurança das suas populações;
O seu prestígio transvasa em muito para além dos limites do seu Regulado;
É um excelente colaborador das NT, parece representar o movimento dos “FULAS NATIVOS”.

- Alferes de 2ª Linha ABIBO BALDÉ, FULA PRETO

Régulo do XIME;
Comandante da Companhia de Milícias do XIME;
Embora ainda novo,  é considerado pelos “HOMENS GRANDES” do seu Regulado;
Goza de prestígio junto das suas populações,
preocupando-se francamente com a segurança das mesmas;
Tem-se mostrado digno de toda a confiança
e é um bom colaborador das NT.

- Alferes de 2ª Linha MALAN SONCO

Mandinga;
Régulo do Cuor;
Tem prestígio junto das populações do seu Regulado ;
Tem mostrado sempre uma atitude de repúdio face ao terrorismo;
É bom colaborador das NT embora sua avançada idade não lhe permita já dar a colaboração activa que desejaria.



- ANTÓNIO BONCO BALDÉ

Fula-Forro,
Encarregado há 14 anos do Regulado do Corubal,
Tem prestígio junto das populações,
embora alguns o acusem de interesseiro;
Tem colaborado com as NT.

- Alferes de 2ª Linha QUEMÓ NANQUI

Dirigente absoluto e incontestado de povoação do Enxalé,
Dizendo-se a si próprio Mandinga,
 parece ser um Beafada Mandinguizado;
Quando da preparação do 2º Congresso do povo da Guiné,
a povoação passou a ter também um Chefe Balanta (tal facto tirou-lhe prestígio);
Tem sido um magnífico colaborador das NT,
preocupado com a defesa do sei Enxalé;
Comanda agora o GEMIL 309, recentemente criado.

- BIAIA NADUM

Balanta do Enxalé;
Chefe incontestado dos Balantas da povoação;
Tem sido um excelente colaborador das NT;
Comanda agora o GEMIL 310, recentemente criado.

- FAMÍLIA SURÉ de JABICUNDA


Dirigentes do Centro de Irradiação do Islamismo sita naquela localidade (Confraria Cadiria);
Os seus ensinamentos irradiam para quase todo o Sector L1,  especialmente para os Regulados Cuor, Xime  e Badora.

- Parece aconselhar os seus adeptos a abandonarem o PAIGC e a tomar,  senão uma atitude pró-portuguesa,  pelo menos uma atitude de “neutralismo” perante o conflito.


- CHERNO RACHID de ALDEIA FORMOSA

Chefe religioso da Confraria TIidjania;
A sua influência no Sector parece ser grande no Regulado do Corubal,
bastante limitada no Regulado de Badora,
quase nula no Regulado do Xime,
e nula no Cuor.

________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6499: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (3): Quando Mandinga já não quer dizer turra, mas quando ainda não se esquecem os desmandos feitos pelas NT no início da guerra (J Armando F. Almeida / Luís Graça)

(**) Vd. poste de 30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3000: Amílcar Cabral: nada mais prático do que uma boa teoria (Luís Graça)

 (...) A estratificação da sociedade fula também pode ser vista a partir da família, extensa, que é a sua célula: a família de um homem grande é constituída pela morança; um conjunto de moranças formam uma tabanca; um conjunto de tabancas um regulado; e por fim, os regulados fulas estão associados ao chão fula (Leste da Guiné, compreendendo hoje as regiões de Bafatá e de Gabu), uma entidade territorial e simbólica, ligada à conquista.



Aqui a mulher não goza de quaisquer direitos sociais: participa na produção sem quaisquer contrapartidas; por outro lado, a prática da poligamia significa que ela é, em grande parte, propriedade do marido.


Estranha-se, não haver aqui uma referência ao fanado feminino e sobretudo ao profundo significado sócio-antropológico que tinha (e tem) a Mutilação Genital Feminina entre os Fulas (mas também entre os Mandingas e os Biafadas). Será que Cabral tinha consciência das terríveis implicações, para a mulher, desta prática ancestral, e também aceitava tacitamente em nome do relativismo cultural, tal como os antropólogos colonialistas ? Não conheço nenhum texto em que o ideólogo do PAIGC tenha tomada posição sobre este delicado problema. (...) .

(...) Tenho ideia que Cabral se movimentava (e pensava) melhor no campo do que na cidade, já que ele trabalhou como engenheiro agrónomo, na Guiné e depois em Angola, ao longo da década de 1950. Entre 1953 e 1956 fez o recenseamento agrícola da Guiné (…), e julgo que lhe veio daí a sua admiração pelos povos animistas, e em especial os balantas, os magníficos camponeses da Guiné, os grandes cultivadores de arroz. (...)

(...) Falando das gentes do mato, Cabral dá uma lição sobre os balantas, grupo que ele não só conhece, como agricultores, como admira, enquanto povo, que foi historicamente um povo resistente. Chama-lhes uma “sociedade horizontal”, isto, é, “que não classes por cima umas das outras”. Entre eles não há hierarquias. Os chefes foram uma invenção dos tugas, que lhe impuseram régulos fulas ou mandingas, nalguns casos antigos cipaios, leais aos portugueses:
“Cada família, cada morança tem a sua autonomia e, se há algum problema, é o conselhos dos velhos que o resolve, mas não há um Estado, não há nenhuma autoridade que manda em toda gente”. A sociedade balanta seria uma sociedade tendencialmente igualitária, que Cabral descreve nestes termos singelos : “A sociedade balanta é assim: Quanto mais terra tu lavras, mais rico tu és, mas a riqueza não é para guardar, é para gastar, porque um indivíduo não pode ser muito mais que o outro”… Explicitando melhor: “Quem levantar muito a cabeça já não presta, já quer virar branco, etc. Por exemplo, se lavrou muito arroz, é preciso fazer uma grande festa, para gastar" (...).

(***) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

(...) Excertos do Diário de um Tuga (L.G.):

Nhabijões, 20 de Dezembro de 1969


Nhabijões: um conjunto de tabancas, ao longo do Rio Geba, habitadas por balantas (uma delas por mandingas), sob duplo controlo (a expressão é das NT) e agora em fase de reordenamento (outro eufemismo: para mim, trata-se de puro etnocídio sociocultural, o que se está aqui a fazer, obrigando os pobres dos balantas e mandingas de Nhabijões a transferir-se da beira rio para uma zona de planalto, sobranceira ao Geba, e a viver em casas desenhadas e construídas por europeus)...

(...) Os balantas foram, segundo o testemunho insuspeito dos meus soldados (fulas), as maiores vítimas da repressão colonial nesta década. Seis anos depois (é difícil confiar na memória dos africanos que não usam calendário, mas isto ter-se-á passado em 1963, depois do início oficial da guerra), Samba Silate  (cuja população terá sido parcialmente massacrada pela tropa ou pela polícia administrativa de Bambadinca, não posso precisar) e Poindon (regada a napalm pela força aérea) ainda despertam aqui trágicas recordações: evocam o tempo em que todo o balanta era suspeito aos olhos das autoridades militares e administrativas, presumivelmente coadjuvadas pela PIDE (...).


(...) Donde esta hostilidade passiva que julgo poder ler nos olhos e nas atitudes da população de Nhabijões que alimenta a guerrilha, em homens e mantimentos, provavelmente mais por razões de parentesco do que por simpatia para com o PAIGC: ao avistarem-me, fardado, na sua tabanca – a mim, tuga, representante da tropa ocupante - os mais velhos baixam a cabeça ou viram-me as costas como se sentissem acabrunhados com a minha presença… Quem se sente mal, sou eu, que venho invadir-lhes a sua privacidade e perturbar os seus irãs…(...)

Guiné 63/74 – P6518: Em busca de: Notícias do Eduardo Luís de Bernarda (José Marcelino Martins)

1. No passado dia 31 de Maio de 2010, recebemos uma mensagem dirigida ao Luís Graça, contendo um apelo de um nosso Camarada-de-armas que combateu em Moçambique, de nome João Fernando Monteiro, que nos solicitava o seguinte:

Caro amigo Luís Graça:
Estou a dirigir-me a ti, porque penso que só tu podes, talvez, fazer com que eu consiga encontrar um grande amigo que tinha, quando trabalhei em Lisboa, e nunca mais soube dele.
Como também eu sou um ex-Combatente - estive em Moçambique -, gosto de ler notícias sobre tudo que diga respeito a África e, por isso, leio o teu blogue.
Gostava de saber se me conseguias saber qual a companhia ou batalhão em que esteve o Alf Mil Eduardo Luís do Bernardo, natural da Aldeia do Bispo-Sabugal (Guarda), esteve na Guiné nos anos de 1972/73, para ver se conseguia, através dessa informação, saber a sua direcção ou telefone.
Penso que ele ou é Assistente Social, ou dá aulas!!
Desculpa o meu atrevimento e parabéns pelo vosso blogue, está um trabalho muito bem feito.
Um abraço,
João Fernando Monteiro
Fur Mil Com Agrup 6006 (Moçambique)


2. O nosso “patrão”, de imediato recambiou o pedido do João para o nosso “detective particular bloguista” – o José Marcelino Martins (quem havia de ser?!) e distribuiu tarefas:

“José tens alguma pista? Eduardo, depois põe na série "Em Busca de...". Obrigado, João Fernando, vamos procurar... Não tens uma foto dele? Ou uma tua? Um abraço. Luís.


3. Com a eficácia investigadora habitual, logo no dia a seguir - 1 de Junho -, o Zé Martins respondeu afirmativamente à busca do João:

“Bom dia Luís, Eduardo, João Monteiro e José Corceiro

A equipa trms dos Gatos Pretos, com o protagonismo do Corceiro, descobriu:

Eduardo Luís de Bernarda
Rua Branquinho da Fonseca, 5 cave Dtº
2700-125 Amadora

Telef. 214 918 962
Telem. 960 083 114

O Eduardo Bernarda já deve saber que andam à procura dele. Já esteve a falar com o José Corceiro.

É tudo
Um abraço
José Martins

[Um pouco de publicidade não faz mal. O BLOGUE tem um serviço completo de "Busca e Salvamento", excepto: procura de noivas! Não queremos que o número de sogras aumentem. De resto, cá estamos à disposição]”
____________

Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:

12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5983: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (22): As voltas que o mundo dá, graças a um blogue que congrega uma diáspora de combatentes (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6517: (Ex)citações (79): Fenómeno muito português, o culto dos mortos (José Martins)

1. Ainda a propósito do poste 6481*, recebemos do nosso camarada José Marcelino Martins** (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), esta mensagem datada de 28 de Maio de 2010:

Já vi que este assunto é, ou poderá ser no mínimo, fracturante!

Nós sabemos que muitos de nós, e com maior relevância no meio campestre, suporte ao magro orçamento familiar que, em muitos casos, vivia da agricultura quase de sobrevivência.

* Quantos operários fabris, que lutaram ao nosso lado, eram também agro-pecuários?

* Quantos deles, antes de entrarem na fábrica, às 8 horas, já tinham ordenhado as vacas, que o pai iria entregar na cooperativa?

* Quantos deles, na ida para a fábrica, não encaminhavam o rebanho para o cercado, a fim de pastarem e, no regresso, cansado, lá traziam o gado de volta ao estábulo?

* Quantos deles eram o único suporte da mãe viúva?

Não podemos esquecer que a revolta da Maria da Fonte teve, entre outras causas, a retirada dos enterros das Igrejas, acabando por os cemitérios ficarem na cerca da igreja ou num local muito próximo. É aqui que aparecem os jazigos de família para que, nem na morte, haver mistura de classes, e os mais abastados continuassem a ficar, não na igreja mas num local que bebeu o estilo das mesmas, senão até, mais elaborado.

Este fenómeno, muito português, é o culto dos mortos.

Nas guerras tudo mudou a partir das Invasões Francesas e Guerras Liberais.

Os militares que não fossem resgatados pelas famílias, entenda-se soldados, eram deixados ao abandono no campo de batalha, à pilhagem dos seus bens ou ao dispor das aves de rapina. Depois passaram a ter sepultura no local de combate e em vala comum, mas tinham enterro.

Na I Grande Guerra os mortos foram sendo enterrados no local em que caíam e, com o avanço e recuo das frentes, muitas vezes eram “exumados ” pelas explosões das granadas de artilharia ou morteiro. No final foram recolhidos e sepultados no Cemitério Militar Português de Richebourg.

No início da Guerra do Ultramar, a legislação que havia era do tempo da 1.ª Republica. Portugal preparou-se para uma guerra em África, que se avizinhava, mas pensava que esse guerra não teria mortos. Pensou, mas no meu entender, pensou mal!

Voltando aos caso que se comenta, o suporte e/ou ajuda económica ao orçamento das famílias, com a partida dos filhos para a tropa, era interrompido temporariamente. Com a morte eram definitivamente excluídos.

Quem entrega um filho à Pátria, e este entrega a própria vida à mesma, tem direito a uma compensação: é a PENSÃO DE SANGUE.

Mas, para haver Morte, é preciso um corpo. Para haver Pensão de Sangue é preciso uma morte.

Aqui reside, no meu entender, a "necessidade" de haver "corpo".

Será justo? Será cruel?

Creio que esta será a questão, cuja resposta, nunca ninguém dará a alguém.

Há "desaparecidos em combate/prisioneiros" que foram dados como mortos e mais tarde apareceram?

É claro que sim. As razões? Quem sabe se não se enquadram nas questões acima.

Duma coisa quero estar convencido: os nossos mortos sempre tiveram o tratamento de respeito que, cada um, teve em vida ou ainda mais, porque se tratava de alguém que se sublimou com a própria morte.

A acontecer o que a notícia nos transmite, não será um acto de catarse para os próprios camaradas, com a perda de um deles?

Os relatórios transmitiam a verdade dos acontecimentos que levaram esses camaradas a "partirem na flor da idade"?

Conviria ao Estado, no seu todo, transmitir os factos reais que só se comentavam em surdina, para a opinião publica não fosse alertada?

No caso presente, o de Peniche, a família "sabia" que o Tertuliano Rosário Henriques, soldado condutor do Pelotão de Canhões sem Recuo n.º 1197 / Regimento de Infantaria 2 de Abrantes, tinha sofrido um acidente/despiste de viação com um jipe no dia 28 de Junho de 1967, no Hospital Militar de Luanda. No caixão, segundo o Correio da Manhã, estava uma bota, uma meia e resto das calças.

Não terá sido uma mentira piedosa? Terá havido troca de urnas?

Perdoem-me os camaradas pelo extenso texto, em comentário, sobre este facto.

Não é agora que, passados 40 anos que eu próprio iniciei a minha retirada da guerra com a saída de Canjadude, a análise destes casos venha trazer algo de novo.

Interessa sim, que duma vez por todas os nossos mortos não sejam esquecidos, mas, de igual forma, é muito mais premente que os "sobreviventes" possam ainda ter um resto de vida calma e digna.

Faço aqui referência a uma frase do José Perestrelo, Furriel Amunuense que, ao comentar que há cerca de 10 anos que vou pesquisando a história da CCaç 5, me disse: "Vê se não levas outros 10 anos e revelá-la. Eu quero ler esse livro, mas já tenho 63 anos".

José Martins
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6481: (Ex)citações (60): Urnas com pedras e areia (Eduardo Ferreira Campos & Manuel José Ribeiro Agostinho)

(**) Vd. poste de15 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6398: Convívios (154): 1º Encontro/Convívio das 3ª CCAÇ e CCAÇ 5 “Gatos Pretos” (José M. Martins)

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6514: (Ex)citações (63): Como fui colocado no jornal Voz da Guiné (Benvindo Gonçalves, ex-Fur Mil Trms, CART 6250, Mampatá, 1974)