terça-feira, 22 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6624: Parabéns a você (122): António Costa, ou Tó Zé, de soldadinho de chumbo a cadete da Academia Militar, de Alferes em Cacine (CART 1692, em 1968/69) a Capitão no Xime (CART 3494, 1972) e Mansabá (CART 3567, 1972/73), cobrindo-se de glória da defesa antiaérea da BA 12, em Bissalanca (BRT AA 3434, 1971/72) (Miguel Pessoa / Tony Levezinho)

Infogravura: Miguel Pessoa (2010). 

1. O António José Pereira da Costa, ou simplesmente António Costa, faz hoje anos. E daqui vai um batalhão de abraços, beijinhos e chicorações. Além disso, a gente pediu a dois amigos para lhe fazerem a devida surpresa. O Miguel, inspiradíssimo como sempre, mandou-nos o boneco que inserimos acima.  O Tony Levezinho, lá do seu exílio dourado de Martinhal, Sagres, também teve o ensejo de lhe dirigir duas palavras amigas, como velho amigo de infância.

O António é um homem discreto e sobre o qual sabemos pouco. Oficial de carreira, estava (e creio que ainda está) à frente da Biblioteca do Exército, em Coimbra. Mas esteve igualmente na Guiné, por duas vezes, e tem aqui no nosso blogue uma série em que ele cultiva o seu humor especial: A Minha Guerra a Petróleo (*). Pedi-lhe há dias para nos mandar mais uns dados curriculares e umas fotos:
"Vais fazer anos e a gente não tem o teu 'cadastro' da Guiné (por onde e quando andaste)... Eu seu que vocês, miliatres de carreira, têm regras muitos rígidas no que diz respeito à identificação de unidades, etc... Vê o que podes mandar, em tempo útil... E fotos ? Um abraço. Luís"

Pois bem, vejam o que se pôde arranjar:

Camarada:  As minhas aventuras guerreiras são modestas. Comecei na CART 1692, na altura já em Cacine, em 16JAN68. Era um operacionalíssimo alferes adjunto do capitão. A maioria do pessoal da CArt era mais velha que eu. Já comecei a descrever a estadia no último quartel da Guiné.

Regressei à capital do Império exactamente um ano depois.  A 25MAI71 embarquei, de novo para "Uma Guiné Melhor",  para me cobrir de glória na desfesa antiaérea da BA 12, como Cmdt da BTR AA 3434.

A 22JUN72 assumi o comando da CART 3494 que, então guarnecia o Xime. A 11NOV72 (Dia de S. Martinho) passei à CART 3567, estacionada em Mansabá, que deixei no TO daquela PU em 09AGO73.

Como vês, ao todo, 38 meses. Não gostei. Não voltaria. Foi mesmo "Uma Guerra a Petróleo".

Creio que isto já alimenta o vosso lego, mas se for preciso mais é só perguntar. Não se esmerem muito na homenagem porque eu não mereço...

Um Ab do 
António Costa


Martinhal, Sagres, Vila do Bispo > 11 de Junho de 2010 > O Tony Levezinho, o neto e a Alice Carneiro... Foi uma visita tipo rapidinha que eu e a Alice fizemos ao Tony e à Isabel, no seu exílio dourado no barlavento algarvio (dourado, ou melhor, amarelo e azul, que são as belíssimas cores da sua vivenda junto à praia, no resort do Martinhal)... Deu apenas para matar saudades, beber um café e um digestivo e celebrar a nossa velha amizade que teve a Guiné como berço. Com promessas (e sobretudo ameaças) de lá voltar, com tempo e vagar. (LG)
Foto: © Luís Graça (2010). Direitos reservados

 3. Mensagem do Tony Levezinho (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

Meu Caro António Costa (para mim,  o meu amigo Tó Zé de há mais de meio século)

Quão distante vão os tempos em que partilhámos os momentos sobrantes das obrigações escolares, ora a jogar à bola no pátio do prédio em que habitávamos, ora encenando jogos de guerra com os bonecos e as miniaturas, na altura disponíveis para o efeito.

Destas últimas brincadeiras à realidade dos jogos de guerra em que os bonecos viraram homens ( ou será que não viraram?) bastou apenas pouco mais do que uma década. Tu por opção (estava na cara que era mesmo o que gostarias de ser quando "fosses grande"),  eu e a grande maioria de nós, porque a inevitável lógica das coisas, ao tempo reinante, assim o determinava.

Para alguns, não tão poucos quanto isso, a história das suas vidas terminou por aí. Cumpre-nos a nós que por cá vamos ficando não os esquecer.

É minha convicção que uma boa contribuição para tal atitude será sabermos envelhecer, com a alegria de quem vai podendo somar mais um, na companhia dos familiares e amigos.

Certo de que este vai ser o teu estado de espírito no próximo dia 22, aqui te deixo um Grande Abraço e Muitos Parabéns.

Na primeira oportunidade beberemos um copo "À NOSSA"( leia-se: à de Todos Nós)

Tony Levezinho

_______________

Nota de L.G.:

(*)  Vd. último poste da série > 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6614: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (3): Gente de Cacoca e outros

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6623: Banco do Afecto contra a Solidão (13): O Baptista, o morto-vivo do Quirafo, está internado há uma semana no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos (Álvaro Basto)


Maia > 21 de Julho de 2007 > O primeiro encontro com o António da Silva Batista, por parte do Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) (que tem sido um verdadeiro pai e irmão para ele, além de amigo e camarada), e do Paulo Santiago (ex-Alf Mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72).

Foto: © João Santiago (2007). Direitos reservados.

 
 
Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o ex-combatente da Guiné António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa. A notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: "Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972". (*)

A foto, de má qualidade, foi feita em 17 de Julho de 2007 pelo nosso camarada Álvaro Basto, com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago. O Álvaro Basto, ex-FurMil Enf da CART 3492 (Xitole, 1971/734), mora  em Leça do Balio, Matosinhos.

Recorde-se que o António da Silva Baptista. membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinmhos,  pertencia à CART 3490 (Saltinho, 1972/74)... Foi dado como morto na sequência da emboscada montada pelo PAIGC na picada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972. Vd. post de 20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1681: Efemérides (4): Lista dos mortos no Quirafo (José Martins)

Foto: © João Santiago (2007). Direitos reservados.


1. Reprodução do poste 448, da Tabanca de Matosinhos

Tal como referi no poste 446 o Baptista está internado no Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde de Matosinhos,em Matosinhos, há mais de uma semana. Está internado em Cirurgia,  com problemas graves ao nível do fígado.

Fica aqui o APELO para a solidariedade que tanto nos caracteriza.  É que o Batista sente-se obviamente muito sozinho e abandonado.

Vamos todos criar uma cadeia de solidariedade (**) e vamos visitar o Batista ao Hospital,  com frequência. Somos muitos e por isso de certeza que ele não se há-de sentir desamparado nestes momentos difíceis de solidão e angústia.

Álvaro Basto (foto à esquerda, ex-Fur Mil Enf, CART 3492/BART 3873,  Xitole, 1971/74; co-fundador e co-editor do blogue Tabanca de Matosinhos)


2. Comentário de L.G.:

Em Abril de 2007, andávanmos (o Álvaro Basto, o Paulo Santiago, o J. Casimiro Carvalho, entre outros) à procura do morto-vivo do Quirafo. Escrevi então em comentário ao poste P1681:

"Amigos &  camaradas: Ainda estará vivo, hoje, o morto-vivo do Quirafo ?  É importante, para todos nós, ajudarmos o Álvaro Basto, o Paulo Santiago e o Casimiro Carvalho a localizar o nosso camarada António da Silva Batista, o morto-vivo da emboscada do Quirafo (em 17/4/72) e que voltou à sua terra, Moreira-Maia, tendo em Setembro de 1974 depositado um ramo de flores na sua própia campa, no cemitério de Crestins, Maia!...


"Uma estória, macabra, de fazer arrepiar os cabelos!... Como é que os burocratas do exército o deram como morto em 17/4/72, sem a mínima preocupação em localizar e identificar o cadáver ?... E como é que mandam para Crestins um caixão vazio ?


"Na realidade, valíamos todos muito pouco, aos olhos da hierarquia político-militar que nos mandou para a guerra... E como é que a poderosa PIDE/DGS não descobriu o seu paradeiro na Guiné-Conacri ?


"O Batista pertencia à CART 3490, do Saltinho (1972/74), a mesma a que pertenceu o nosso camarada, membro da nossa tertúlia, Joaquim Guimarães, hoje a viver nos EUA. O Batista, tal como todos nós, valia muito pouco... Na realidade, ele não valia nada, nós não valíamos nada... Um Alfa Bravo. Luís"

O Baptista foi localizado e reencontrado em 21 de Julho de 2007, foi depois integrado e acarinhado por todos nós... Mas ninguém lhe tira as mazelas, físicas e psicológicas, do cativeiro e das peripécias do regresso à vida civil (depois de ter sido dado como morto e enterrado)... Obrigado, Álvaro, mais uma vez por estares atento e seres um homem solidário. Vamos ver como podemos aliviar mais este pesadelo, que é um internamento hospitalar devido a doença, que parece ser  crónica e pode ser fatal. Álvaro, vê se sabes o serviço e o número da cama onde ele está internado. Vamos acreditar que o Baptista vai superar mais esta crise. Vamos animá-lo.

3. Eis como o Paulo Santiago descreveu o primeiro encontro com o Baptista, num café da Maia, em 21 de Julho de 2007 (*):
 
(...) Batista: Um homem precomente envelhecido, mas humilde e sem rancores



Chegados ao café indicado, eu, o Álvaro e o João, encontrámos o Batista. Quando o cumprimento, domino o sentimento emotivo com alguma facilidade. Estava perante um homem lúcido, de aspecto - é a minha opinião - mais envelhecido que aquele que deveria apresentar, para a idade que tem (58 anos), mas sem apresentar qualquer sintoma de perturbação psíquica, o que vim a confirmar durante a nossa conversa.


É um homem sem rancores, de uma humildade que me tocou profundamente. Levei o meu Portátil com placa de ligação à Net. Falei-lhe no teu/nosso blogue mas, como deves imaginar, é uma pessoa ao lado destas coisas da blogosfera. Perguntei-lhe se poderia mostrar-lhe a foto da GMC, tirada em Fevereiro de 2005, e a foto do Paulo Malu, comandante da emboscada. Quando viu a GMC, vi-lhe qualquer coisa nos olhos, mas dominou essa reacção momentânea. Quanto ao Malu, a cara não lhe diz nada, não é para admirar, passados todos estes anos. (...)

_____________

Notas de L. G.:

(*) Vd. postes de:

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

(**) Vd. último poste desta série  > 11 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6578: Banco do Afecto contra a Solidão (12): Últimas notícias do estado de saúde de Victor Condeço

Guiné 63/74 - P6622: Bombolom XVII (Paulo Salgado): Pequena homenagem ao Victor Condeço e aos demais camaradas que já partiram





Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Vila > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 50 > "Lagoa com nenúfares,  à esquerda na estrada de Catió/Príame"


Foto (e legenda): © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.




1. Mensagem do Paulo Salgado, membro da nossa Tabanca Grande, antigo Alf Mil Cav, (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72, sob o comando do Cap Cav Mário Tomé), com data de 20 do corrente:

Assunto: Pequena homenagem

Fica a minha sentida prece aos que nas margens da vida sofreram, e lutaram, e caíram, cá e lá, e nos sorriram também…

Paulo Salgado


2. Bombolom II > Pequena homenagem
por Paulo Salgado

Hoje o meu bombolom (*) (**) vai ecoar: pelas planícies do Ribatejo, para lá do Entroncamento, pelas bolanhas da Guiné – ambas encharcadiças, ambas dolorosamente vividas por homens e mulheres que trabalham a terra e a água, cá e lá.

Dos que a morte levou, cedo era para eles e para nós, nas cheias arrasadoras que o Redol relata nos seus livros amantes da terra e do rio, nas margens esventradas pelos tumultos das águas, levando vidas e os poucos haveres.
- Maldita vida esta - gritavam loucamente as mulheres agarradas à esperança de os corpos aparecerem mais abaixo no rio largo…

Cedo era para eles e para nós, nas margens da vida e de uma bolanha qualquer, vendo-os crivados de balas ou de estilhaços erguendo os olhos para o céu por entre as poilões sagrados, numa última prece.
- Puta de guerra esta - sussurrado por companheiros em soluços entrecortados pelos estampidos das balas das kalachnikov, um derradeiro adeus, e uma corrida para o héli…

À memória dos que já partiram. Dos que sentiram na carne e na alma o sofrimento. Dos que viveram ao nosso lado, dos que partilharam connosco as margens da vida.

Ao Condeço (***), que agora partiu…ao Gomes que foi há dias… E também ao Sebastião, ao Borges, ao Suleimane…

A nossa vida vai ficando mais pobre.
Um abraço.

Paulo Salgado [actualmente, em Angola, foto à esquerda; administrador hospitalar, reformado]
 ____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6389: Bombolom II (Paulo Salgado) (1): Morreu o Gomes - O anti-herói


(**) Bombolom, nome masculino. (Do crioulo bombolõ, «id.», baseado em onomatopeia)... Guiné-Bissau;  tambor grande, construído a partir de um tronco de cerca de 1,5 m de comprimento, escavado no sentido longitudinal de modo a ficar apenas com uma fenda de abertura, a qual é percutida com baquetas para transmitir mensagens, sobretudo notícias de falecimentos.

domingo, 20 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6621: Controvérsias (88): A ruptura do stock de capitães do QP e a milicianização da guerra (A. Teixeira / J. Manuel Matos Dinis / Mário Pinto / Manuel Rebocho)


Maia > Maio de 2007 > Três homens de Guileje (embora de épocas diferentes):  da esquerda para a direita, Nuno Rubim (Cor Art Ref), José Casimiro Carvalho e Abel dos Santos Quintas Quelhas. Nuno Rubim omandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) e a CCAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966). Ainda hoje é conhecido e reconhecido, pela população de Guileje (que vive em Mejo), como o Capitão Fula. Os outros dois camaradas são,  respectivamente, o ex-Fur Mil Op Esp e o ex-Cap Cav Mil, 1º Comandante da CCAV 8350, os Piratas de Guileje (1972/74).  Estes dois militares da CCAV 8350 foram entrevistados por Manuel Rebocho, no âmbito da elaboração da sua tese de doutoramento em sociologia pela Universidade de Évora, defendida em 2005 em provas públicas, sendo sua orientadora a Prof Doutora Maria José Stock e  o seu principal arguente o Prof Doutor Adriano Moreira.

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


1. Comentários ao poste P6596 (*):

(i) A. Teixeirra (autor do blogue Herdeiro de Aécio), com data de 16 do corrente:

Os meus parabéns por este seu trabalho, Senhor Coronel.

É pena que,  à chegada ao fim do seu estudo, se tenham "perdido" os autores dos comentários que li neste blogue (**), ardentes defensores de teses contrárias às suas e que me pereceram baseados, numa maioria das vezes, em experiências pessoais pontuais,  quando não de "ter ouvido dizer".

Competir-lhes-á a algum deles agora a refutação com igual detalhe e rigor do que aqui deixou explicado.


(ii) José Manuel Matos Dinis , com data de 17 do corrente:

Meu Caro A. Teixeira

Não ando perdido em teses contrárias às do Sr. Coronel. Aliás, basta ver a redução drástica do número de capitães do QP que comandaram companhias de combate, acentuado a partir de 1972, conforme os quadros expostos.Onde é que eles estavam nesse período?

Por outro lado, o trabalho em apreço é, à evidência, uma estatística, não um estudo. Porque um estudo configura a conjugação de dados, e a análise sistematizada dos resultados em diferentes objectivos (v.g.,  considerar a inversão da pirâmide, quando o nº. de oficiais superiores fosse superior ao de capitães, se os resultados da guerra seriam mais ou menos vantajosos, apesar de outros factores endógenos e exógenos).

O trabalho do Sr. Coronel é, isso sim, uma ferramenta para os estudos que venham a realizar-se, e tem mérito.

Abraços fraternos
JD

(iii) Entretanto, já a 15 do corrente, o Mário Pinto se tinha feito a seguinte sugestão (que eu aceitei):

Caro camarada: Ao publicares o estudo do Coronel de Artilharia Carlos Morais e Silva, em resposta à tese defendida por Manuel Rebocho, na Universidade de Évora, e considerando a importância do tema em discussão e análise,  a meu ver terá de ser publicada a tese do Sarg Mor Pára-quedista Manuel Rebocho.

Embora já tenham sido citadas e sublinhadas inicialmente as passagens mais marcantes da tese (***), as mesmas ficam isoladas do seu principal sentido, por isso a meu ver, necessita do seu complemento para melhor análise.

Um abraço
Mário Pinto.

3. Comentário de L. G.:

O nosso blogue faz questão de dizer, alto e bom som, que todos os camaradas da Guiné, homens de boa fé e de boa vontade, têm o mesmo direito de escrever neste blogue, dentro das regras do jogo que estão definidas. Não compete aos editores defender opiniões ou posições particulares, identificadas com A, B, ou C. O papel dos editores é apenas o de facilitar a livre troca de informação e conhecimento entre os membros do blogue, e garantir a equidade no acesso à edição de postes.

Mais concretamente, as opiniões defendidas no blogue tanto pelo Cor Art Ref Morais da Silva (a ruptura do stock de capitães do QP em 1972) como pelo Sarg  Mor Pára Ref Manuel Rebocho (a milicianização da guerra colonial) podem e devem ser livre,  responsável e serenamente apresentadas e discutidas no nosso blogue. Mas não peçam aos editores, enquanto tal, que tomem partido.

O Manuel Rebocho é membro do blogue. O Morais da Silva não o é, porque nunca até manifestou interesse ou desejo em sê-lo,, embora eu já o tenha convidado. Isso em nada prejudica ou beneficia a nossa atitude para com estes dois camaradas que, de resto, conheceram o TO da Guiné e, além do mais, são pessoas com formação académica, de nível superior.

O Manuel Rebocho publicou, em livro, no ano passado a sua tese de doutoramento em sociologia pela Universidade de Évora (em 2005): A Formação das Elites Militares em Portugal de 1900 a 1975.  Prometi, em tempos, fazer a respectiva recensão bibliográfica, o que ainda não fiz por manifesta falta de tempo. O livro (com um título mais comercial, Elites Militares e a Guerra de África) está lido, pronto para a segunda leitura, mais atenta e crítica. O meu texto, possivelmente, só irá aparecer em Agosto.  Do livro, no entanto, já aqui se falou.  Temos, inclusive, no You Tube dois vídeos com excertos de intervenções públicas do autor (****).

Convirá deste já esclarecer que a famosa tese da "milicianização da guerra colonial" (em especial na Guiné) desenvolvida por Manuel Rebocho é apenas um aspecto lateral da sua tese de doutoramento. Em boa verdade, ocupa menos de meia dúzia páginas do seu trabalho de investigação. Para conhecimentos dos leitores que não leram o livro, aqui fica um pequeno excerto. Não poderemos reproduzir mais páginas, porquanto se trata de uma publicação, e como tal sujeita à legislação em vigor sobre direitos de autor...  LG

4. Excerto, com a devida vénia, do livro de Manuel Godinho Rebocho – Elites Militares e a Guerra de África. Lisboa: Roma Editora, 2009 (Guerra Colonial, 8), pp. 369-374.

(...) 3.3. A Milicianização da Guerra

Da conjugação dos elementos constantes no livro do Estado-Maior do Exército (EME, 2002), com os elementos constantes nos processos sobre as histórias das unidades que estiveram em África, existentes no AHM [Arquivo Histórico Militar], pode concluir-se que das 102 Companhias de Quadrícula, que estavam em Sector na Guiné, em Janeiro de 1974, apenas 11 tiveram algum comando de Oficiais oriundos da Academia Militar, mas só durante nove meses, em média. Durante o restante tempo, em que permaneceram em sector, tanto estas Companhias como todas as outras, foram comandadas por Oficiais milicianos.

Todavia, e não obstante esta factualidade, neste mesmo período existiam nas patentes de combate (Capitães, Tenentes e Alferes), 880 Oficiais das Armas Combatentes (Infantaria, Artilharia e Cavalaria) originários da Academia Militar, entre os quais 759 Capitães.

Obtida esta verificação, procurei apreciar o desempenho de algumas Companhias, cujo comando foi exercido por Oficiais milicianos, que estiveram estacionadas no Sul da Guiné, mantendo assim semelhanças ambientais com as outras unidades de quadrícula e especiais já estudadas. Com este objectivo recorri à consulta dos respectivos processos históricos e à entrevista de Oficiais milicianos envolvidos. Quando as circunstâncias o permitiram e fui para tal convidado, compareci às comemorações que estas unidades realizam, por norma anualmente. Foi o caso da Companhia de Cavalaria nº 8350/72, mobilizada pelo Regimento de Cavalaria nº 3 em Estremoz, a qual ficou para a história militar como a unidade que personalizou o abandono de Guileje e o drama de Gadamael, no extremo sul da Guiné, nos meses de Maio e Junho de 1973.

Das longas horas de gravação que efectuei com diversos elementos desta unidade, particularmente com o seu Comandante [, Capitão Miliciano de Artilharia Abel dos Santos Quelhas Quintas, então com 32 anos de idade], conjugadas com o meu próprio conhecimento dos factos, dos procedimentos e das situações, foi possível descrever o desempenho desta ‘unidade de milicianos’ nos seguintes termos. (pp. 369-370)

3.3.1 – A Companhia de Cavalaria nº 8350/72 (…)  [pp. 370-372]

3.3.2 – A A 1ª Companhia do Batalhão de Artilharia nº 6521/72 (…)  [pp. 372-373]

3.3.3 – A 3ª Companhia do Batalhão de Caçadores nº 4514/72 (…)  [pp. 373-374].


(...) As palavras que me escreveu [, em 13 de Julho de 2005,] o cidadão António Augusto Soeiro Delgadinho [, ex-Alf Mil, 3ª Companhia do BCAÇ 4514/72] sugerem uma pergunta e desde logo uma resposta: qual a diferença entre os Oficiais do QP e os Oficiais Milicianos ? Os valores que individualmente detinham, e a estabilidade no emprego. Nada mais. (p.374).

____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Junho de 2010 >  Guiné 63/74 - P6596: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (VI e última parte)

(**) Vd. poste de 27 de Abril de 2010  > Guiné 63/74 - P6261: Controvérsias (70): Os peões das Nicas (Mário G. R. Pinto)

(***) Vd. outros postes:

28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5367: Controvérsias (57): Os Oficiais do Quadro Permanente Não Fugiram à Guerra (Carlos Silva, CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71)



Guiné 63/74 – P6620: FAP (49): Pista da época (Como a fruta) (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


1. O nosso Camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav da BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 18 de Junho de 2010:
Camaradas.

Escrevi em tempos este texto, pode ser que ande por aí alguém de Dulombi que se queira pronunciar...

PISTA DA ÉPOCA (COMO A FRUTA)

Lembro-me que nas Operações do Grupo Operacional 1201, na BA12, havia um arquivador muito prático onde estavam registados dados de todas as pistas existentes no território e que, para além das características específicas de cada uma (comprimento, largura, orientação, condições de utilização, limitações, etc.), incluía fotografias de cada pista, algumas delas tiradas à vertical das mesmas.

Estes dados eram de grande importância para o aviador, principalmente no início da comissão, quando ainda não tinha grande conhecimento do terreno.
O número elevado de pistas existentes (cerca de sessenta), a falta de visibilidade horizontal durante uma época do ano e o facto de as pistas por vezes se sucederem num espaço de terreno relativamente curto podiam induzir em erro os menos experientes.
Ninguém gosta de aterrar num determinado sítio e descobrir que o que queria é mais ao lado, principalmente quando a pista está afastada do aquartelamento e afinal não há qualquer segurança montada no local...

Por isso era habitual passarmos pelas Operações para visualizar os sítios onde íamos pela primeira vez. Daí ser natural já termos por vezes um conhecimento virtual de determinada pista mesmo antes de lá ter ido - uma espécie de Flight Simulator da época...

Uma vez recebi uma incumbência curiosa; tratava-se de ir abrir ao tráfego aéreo uma pista (Dulombi, se não me falha a memória), isto é, comprovar que aquela pista estava em condições de poder ser utilizada pelos nossos DO-27.
Fiquei curioso com esta missão, mas uma visualização das fotos da pista rapidamente me elucidou.
Na tal fotografia feita à vertical da pista pude verificar que, ao contrário do que sucedia nos outros aeródromos, em que a placa de helicópteros surgia normalmente ao lado da pista, a uma distância de segurança (1), aqui essa placa surgia cravada no meio da pista, dividindo-a em duas partes mais ou menos iguais, uma para cada lado.

É natural que, tratando-se de duas construções de diferente tipo, uma em cimento e a outra em terra batida, a sua utilização intensa (que não seria no entanto o caso) e principalmente os efeitos da natureza podiam levar à degradação das duas junções e criar um degrau fatal para qualquer avião que ali tentasse aterrar.
Assim, durante a época das chuvas, as águas que corriam ao lado da placa de helicópteros arrastavam as terras adjacentes deixando a placa saliente e impedindo a utilização da pista, dado que qualquer das tiras remanescentes (uma para cada lado, recorda-se) eram insuficientes para o DO operar.

Portanto, todos os anos, depois de as chuvas terminarem, havia que proceder à recuperação da pista nas zonas adjacentes à placa, de modo a permitir a passagem dos aviões por cima desta sem sobressaltos.

A minha missão não teve problemas de maior, dado que as terras tinham sido repostas e a pista podia ser utilizada em segurança. Mas sempre me interrogava sobre o motivo por que tinha sido tomada esta opção (falta de espaço para a placa noutro local?) que tornava sazonal o uso daquela pista.
É que, sabendo-se das dificuldades sentidas pelos nossos militares nas zonas mais isoladas, a pista de aterragem era sempre uma mais-valia que podia reduzir um pouco esse isolamento e limitar as carências daí resultantes.

Nota (1): Tratando-se de uma construção em cimento, muitas vezes saliente do chão cerca de um palmo, podia ser um obstáculo intransponível se se perdesse o controlo do avião e ele embicasse na direcção da placa (normalmente por causa dos ventos, pontualmente também me chegaram a aparecer à frente vacas e cães, durante a aterragem...).
Pelo menos lembro-me de um DO-27 imobilizado sobre os dois cotos que tinham sido o trem de aterragem, no meio de uma placa de helicópteros, devido à perda de controlo do avião durante a descolagem. Já não cheguei a ver lá o avião, mas as marcas deixadas pelos cotos no cimento ainda eram bem visíveis...

Um abraço,
Miguel Pessoa
Ten Pilav da BA 12
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5902: FAP (48): A guerra Páras-Fuzos, vista por um fuzileiro (Rui Ferrão)

Guiné 63/74 - P6619: Convívios (256): Encontro/Convívio do BCAÇ 3863 e CCAÇ 16, 1 de Maio de 2010, em Espinho (José Quintino Travassos Romão)

1. O nosso Camarada José Quintino Travassos Romão (ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863), enviou-nos uma mensagem, em 16 de Junho de 2010, dando-nos notícias do último encontro/convívio da sua Companhia e aproveitando esta oportunidade para aderir à nossa tertúlia da Tabanca Grande, enviando-nos as habituais fotos da praxe:

Almoço de Confraternização do BCAÇ 3863 e CCAÇ 16 (Companhia Manjaca do Bachile)

Camaradas,

No passado dia 1 de Maio de 2010 realizou-se, em Espinho, mais um almoço de confraternização do B.Caç. 3863, que prestou serviço na zona de Teixeira Pinto, entre Setembro de 1971 e Novembro de 1973.
Foi rezada uma missa pelos Camaradas falecidos, numa Capela junto ao restaurante, onde se efectuou o almoço: “Casarão do Emigrante”, em Paramos.
Um grande abraço para todos os camaradas,
José Travassos Romão
Fur Mil At Inf da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863
__________
Notas de M.R.:

  • Camarada José Romão, em nome do Luís Graça e restantes Camaradas bloguistas desta Tabanca Grande, aqui te apresento os melhores cumprimentos fraternos e os desejos de boas vindas à formatura ao nosso lado neste batalhão virtual, ficando na expectativa, tal como os demais tertulianos, que nos contes algumas das tuas histórias da Guiné.

Guiné 63/74 - P6618: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (4): No separar é que está o ganhar (António Martins de Matos)


O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen Pilav Res), enviou-nos, em 28 de Junho Último, a seguinte mensagem a propósito do dia 10 de Junho:

Camaradas,

A propósito do título acima, escrevi um pequeno texto que deixo à vossa consideração.
Penso que é um tema que eventualmente poderá ser apresentado a 26 Junho.

No separar é que está o ganhar

O 10 de Junho, o António Barreto e a Ana Duarte (poste P6591) obrigaram-me a uma reflexão sobre o que é ser um antigo combatente por oposição ao que deveria ser.

Comecemos pelo princípio, pelas perguntas:

Porque razão não estão os antigos combatentes unidos?
Porque se reúnem uns em Belém outros na Batalha, outros em Faro?

Porque se reúnem uns a 9 de Abril, outros a 10 de Junho, 11 Novembro?

Porque marcham apenas quando “alguém” os deixa marchar?

Porque ficam contentes quando “alguém” lhes passa a mão pelo ombro, seja uma choruda contribuição monetária de 150 euros anuais, ou o direito para alguns de marchar atrás da tropa, mas desde que não desfilem com os guiões?

Porque razão se contentam com a cerimónia de Belém no 10 Junho, com umas entidades oficiais a mostrar solidariedade mas a enquadra-los não vá o diabo tecê-las, com uns discursos bacocos e um almoço tipo piquenique (os piqueniques patrocinados pelos supermercados levam mais gente).

Porque deixam que, passados 36 anos do fim da guerra, os nomes de inúmeros mortos pela Pátria continuem ausentes na parede do Monumento?

E para terminar, porque aceitam que o Monumento fique ali, naquele lugar, escondido das vistas, não vá perturbar alguma mente mais sensível?

Quem tem as respostas, qual pedrada no charco, não é o António Barreto, o Presidente das Comemorações ou a Liga dos Combatentes, mas sim a Ana Duarte quando diz que, “no separar é que está o ganhar”.

Ou, por outras palavras, vejam lá se morrem para acabarmos com estes problemas.

Que diabo, não somos capazes de nos unirmos?

Unidos não precisamos de andar a pedir, podemos exigir:

  • Exigir a inscrição imediata no Monumento do nome de todos os que morreram pela Pátria, independentemente de posto, credo ou cor da pele;
  • Exigir ter uma cerimónia nossa, não a reboque das cerimónias ditas “oficiais”;
  • Exigir marchar em continência ao Monumento, não os habituais Paras, Fusos ou Comandos mas todos os antigos combatentes, à semelhança do que se faz em Inglaterra no Remembrance Day.

No dia 26 vamos juntar 145 amigos para um almoço tipo “Remembrance”.

Que me dizem se no próximo ano formos todos a Belém, não para assistir passivamente a mais do mesmo mas sim para marchar em homenagem aos que morreram pela Pátria.

E 145 um ano, 1000 no seguinte, só precisamos de vontade e uma banda.

Que surpresa seria para as “forças vivas”.

E quando formos 1000 a desfilar poderemos dizer:

  • Queremos o Monumento mudado para um lugar mais condigno, onde a Pátria honre verdadeiramente os seus mortos.

PS: Porque não para o cimo do Parque Eduardo VII, trocamos com as pedras do Cargaleiro.

Um Abraço,
António Martins de Matos
Ten Pilav na BA12
____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

13 de Junho de 2010 >

Guiné 63/74 - P6591: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (3): O dia do ex-combatente devia ser comemorado noutra data (Ana Duarte)

Guiné 63/74 - P6617: Tabanca Grande (225): João Santos, ex-Alf Mil Rec Info, CCS/BCAÇ 2852, e BENG 447 (1970/71)

João Santos, ex-Alf Mil Rec Info da  CCS/BCAÇ 2852 e BENG 447 (1970/71)

1. Mensagem e fotos do João Santos:

Data: 19 de Junho de 2010 18:33
Assunto: Dados para o Blogue

Boa tarde, amigo.
Sou João António Leitão Simões Santos, natural do Cartaxo, residente no Cartaxo, nascido a 19/07/1948, e fui Alferes Miliciano de Reconhecimento e Informações na CCS do BCAÇ 2852 em Bambadinca. Sou o Oficial "não identificado", na foto nos Nhabijões, onde está o Major Sampaio, o Alferes Vacas de Carvalho e o Alferes Médico Saraiva.

Fui eu que fiz o levantamento topográfico e a implantação do reordenamento dos Nhabijões e acompanhei bastante de perto toda a sua construção.

Quando o BCAÇ 2852 terminou a sua comissão [, em Maio de 1970], fui colocado do BENG 447, na Secção de Reordenamentos que, em conjunto com o QG, na Amura, coordenava o envio de materiais de construção para os reordenamentos.

A minha formação académica à data era Regente Agrícola

Saudações
João Santos


2. Nota de L.G.:

João Santos, sê bem vindo ao nosso blogue. Obrigado por teres entrado em contacto connosco. Mas vamos querer saber mais pormenores sobre o reordenamento de Nhabijões, um dos maiores efectuados na Guiné. Conheces as nossas regras do jogo. Põe-te à vontade.  Ficamos a aguardar as tuas histórias ou memórias.

Um Alfa Bravo.
Luís Graça
_______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Junho de 2010 Guiné 63/74 - P6596: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (VI e última parte)

sábado, 19 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6616: In memoriam (44): Victor Condeço (1943-2010), um camarada discreto, amável, afável, prestável, generoso (Luís Graça / Benito Neves / Juvenal Amado)

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART  1913 (1967/69) Quartel > Álbum fotográfico do Victor Condeço Foto 19 > "O Fur Mil Victor Condeço no varandim da velha messe de sargentos".



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) Quartel > Álbum fotográfico do Victor Condeço Foto 24 > 2No bar antigo de sargentos, os Fur Mil Condeço, Fausto, Arménio e o barman Cabo Valadares".


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Vila > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 38 > "Na rua frente ao Bar Catió, os conterrâneos Furriel Pára-quedista Josué e Fur Mil Condeço".




Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Vila > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 37 > "Furriel Pára-quedista  Josué e Fur Mil Condeço, conterrâneos, no interior do Bar Catió".



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Vila > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 21 >  "Fur Mil Victor Condeço em frente da habitação do administrador,  ao cimo da avenida".



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Vila > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 11 > "Victor Condeço tendo por fundo a Rotunda e o início de uma rua".
 
 
 

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Vila > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 8 > No centro da Rotunda, da esquerda para a direiuta, tyrês furriéis miliciano, o primeiro, de cujo nome não me lembro,  o Cabrita Gonçalves e  oV. Condeço, com casas tipicamente coloniais por fundo"

   
 
Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Porto Interior > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 8 >" Porto interior de Catió no rio Cadime, em dia de reabastecimentos. Em primeiro plano o Fur Mil Condeço em passeio Dominical, no porão o Sarg Dias e outros trabalhavam".
 
 
 
Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Porto Interior > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Foto 7 > "O porto interior de Catió.,  no rio Cadime, fazia parte dos nossos passeios de Domingo".
 
 
 

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Porto Exterior > Álbum fotográfico do Victor Condeço>  Foto 2 >  "Lancha de Fiscalização Canopus no porto exterior de Catió,  no rio Cagopere,  afluente do Cobade. Da esquerda para direita no cais, o Fur Mil Machado, o civil sr. Barros e o filho, o Fur Mil Victor Condeço, e o Fur Mil Viriato Dias; em cima o Fur Mil Mendonça, um marinheiro africano e o Comandante da lancha".
 
Fotos (e legendas): © Victor Condeço (2010). Direitos reservados.
 
 
1. Queridos amigos e camaradas da Guiné 

A fatal e temível notícia chegou... O Victor morreu, ontem à noite, no mesmo dia em que também morre outro grande ribatejano e português, o escritor José Saramago (1922-2010). Daqui, neste espaço que também era dele, faço chegar à família do Victor (acho que a malta de Catió o tratava, com toda a ternura, por Vitinho) a manifestação da nossa tristeza mas também da nossa solidariedade, enquanto seus camaradas da Guiné.

O funeral é amanhã, no Entroncamento. O corpo está em câmara arte na Igreja da Sagrada Família, perto da sua casa. Foi a informação que me deu o genro, esta manhã, quando estava fora de Lisboa. Já pedi ao Benito Neves, seu grande amigo, que me represente a mimm aos demais editores e demais membros do blogue, no caso dele (que mora em Abrantes) se deslocar amanhã ao Entroncamento.

Não conheci pessoalmente o Victor. Falei com ele, ao telefone, algumas vezes. A última, na véspera do início do seu tratamento no IPO... Foi tudo tão rápido, brutal...

Publiquei muitas coisas dele, nomeadamente as suas belíssimas fotos  de Catió, meticulosamente legendadas...Ainda tenho materiais dele. Vamos pedir, no dia 26, em Monte Real, no nosso V Encontro Nacional, um minuto de silêncio por ele e por outros camaradas que este ano nos deixaram...

O Victor começou a ter sintomas da doença que o vitimou, a partir de Fevereiro. Lúcido e corajoso, sabia o que tinha, em mail de 10 de Maio em que falava das suas diligências para encontrar o hipotético irmão da Marisa Tavares.... A última vez que falei com ele, foi justamente no início deste mês. Estava apreensivo e ansioso, ia começar no dia seguinte o tratamento de radioterapia no IPO... Tarde de mais...

Era uma homem discreto, afável e prestável, que colaborou connosco de diversas maneiras: disponibilizando fotos de Catió; fornecendo elementos sobre a família Brandão, em resposta a um pedido da nossa amiga Brandão; ajudando guineenses da diaáspora, filhos de Catió, como o Suleimane Silá;  desejando-os as Boas festas de Natal e Ano Novo mas também mais recentemente, respondendo amavelmente às dúvidas e inquietações da Marisa Tavares, filha do Júlio da Silva Tavares, o Madragoa. 

 Ontem, às 23h33, o Benito Neves preparava-nos para o pior (não fazendo já referências a outras mensagens que ele pediu para não publicar):
 
Na sequência do mail que vos enviei na passada 4ª. feira, informo que, ainda naquele dia, o Victor foi transferido do Hospital de Abrantes para o Hospital de Torres Novas (mais perto da sua residência), onde ainda se encontra internado.

O seu estado de saúde foi reavaliado. Face ao resultado de exames feitos e após uma reunião entre cirurgião, anestesista e cardiologista, ontem, pelas 23H00, foi comunicado à filha que a medicina nada podia fazer. A doença tem progredido com uma velocidade quase inacreditável e, portanto, o seu estado é de cada vez pior.


Há que aguardar, agora, que o tempo se esgote e que, se Deus existe, que o poupe a um maior sofrimento.


Apesar dos avanços da ciência, é revoltante sabermos a impotência que existe para combater estas situações, mas a vida é assim, de quando em vez prega-nos umas partidas.


Para quem é católico apenas resta rezar.
Um abraço
BNeves

Vinte e cinco minutos, às 23h59, dava-nos a fatal notíca:

Acabo de receber a notícia já esperada e não desejada: O Victor Condeço deixou-nos! Paz à
sua alma. Os amigos ficam mais pobres, mas recordá-lo-sempre.

Fiz questão de dizer ao Benito:

Tu foste mais do que um excepcional amigo e camarada, foste também um grande irmão. Acompanhaste o Victor no doloroso processo da sua doença. Temos para contigo uma dívida de gratidão. Obrigado, amigo, camarada e irmão. Luís

O Victor estava connosco desde Dezembro de 2006, mas descobriu o blogue em Março desse ano (*).

Para a família (a esposa, a filha, o genro e as netas) deixo aqui a expressão do nosso grande apreço pelo Victor e o nosso grande pesar pela sua morte prematura. Peço licença ao Juvenal Amado para dedicar à família um belíssimo poema que ele escreveu a propósito camarada que morreu em combate, na flor da idade, deixando uma viúva e uma filha que ele nunca conheceu. As circunstâncias não importam, a morte em qualquer idade é sempre uma perda irreparável e causa-nos um atroz sofrimentom, aos que cá ficam e têm que fazer o luto.
 
2. SÓ DEUS TEM OS QUE MAIS GOSTA (**)
por Juvenal Amado

O vazio que ficou,
A dor que nos atingiu,
Vão transformar-se em ausência
E mais tarde saudade.

O calor, o suor,
O cheiro adocicado do sangue e carne queimada
Não nos largarão mais.
As bocas abertas falam, mas ninguém ouve.
Os gritos estão presos na garganta,
As lágrimas ameaçam soltar-se e cair em cascatas,
Abrindo sulcos entre o pó acumulado nos rostos.

Se pudéssemos,
Voltaríamos atrás uns breves minutos,
Alteraríamos o rumo da história.
O calor que nunca nos dá descanso.
O que não daríamos para poder escolher,
Escolhermos outro caminho,
Não fazermos da mesma forma.

As mãos estão negras
Em volta dos punhos das armas.
O silêncio é opressivo,
De nada vale tentar ouvir
Se até a natureza se calou
Perante a violência,
De que só o homem é capaz.

Ali jazem sonhos anseios futuros aguardados.
As últimas cartas ainda queimam no bolso,
Não vai haver resposta.
Os rostos jovens nas fotos nunca vão envelhecer.
O tempo passará para todos,
Menos para quem está naquelas fotos.

O que somos
Será sempre reflexo das nossas vivências passadas?
Há quem defenda que é um Carma.
Viemos completar com a passagem por esta vida,
Mais um elo para a nossa eternidade
Ou vida melhor noutra dimensão.
Aquele é o filho de...
Marido de...
O pai de...

Alguém escreveu que o que separa a Paz e a Guerra
São os enterros.
Em Paz os filhos enterram os pais...
Em Guerra os pais enterram os filhos...
Invertem-se assim os valores,
Tidos como certos pela ordem natural das coisas.
Como diz a canção,
«Só Deus tem os que mais gosta».
Que este pensamento minimize a dor de todos
Os que  viram partir os seus na flor da idade.

Juvenal Amado

[Fixação / revisão de texto: L.G.]

3. Comentário de L.G. a este belíssimo texto poético do Juvenal Amado:

A todos os camaradas e amigos que perderam alguém querido, no contexto ou não da guerra colonial, e a propósito de "luto": a palavra quer dizer isso mesmo, "dor pela perda de alguém que nos é/era querido" (mas também por animal de estimação, ou um objecto que tem um grande simbolismo, carga afectiva, para nós: por exemplo, a casa da infância)... "Fazer o luto" é literalmente passar pela dor, para além da dor...

Em condições normais, fazemos (quase todos nós) esse processo de luto, que é doloroso, mas que temos de fazer...Há o suporte social (o apoio da família e dos amigos, dos vizinhos, da comunidade) é fundamental... Mas também há "terapias" que nos podem ajudar: umas delas é a "blogoterapia" que utilizamos aqui, no nosso blogue.

Verbalizamos, exteriorizamos, partilhamos os nossos sentimentos, contamos e recontamos as nossas histórias de dor e de luto, sentimos as palavras, dizemo-las em voz alta (ou pomo-las em letra de forma)...

Obrigado ao Juvenal Amado por este belíssimo texto, que deve ser lido em voz alta... Faz-nos bem, faz bem todos os camaradas e amigos que têm (ou tiveram) dificuldade em "fazer o luto", pela perda de alguém, na guerra ou noutro contexto...

Aconselho a visita uma sítio na Net, que conheço há anos, e que foi criado para dar apoio aos pais que perderam os seus filhos: A NOSSA ÂNCORA - Apoio a pais em luto
http://www.anossaancora.org/

Quem são as pessoas que estão por detrás desta iniciativa ? Pais que perderam os seus filhos: "O número vertiginosamente crescente e assustador de jovens que anualmente perdem a vida no nosso país (cerca de 5.000 dos 0 aos 30 anos), por razões de ordem vária, deixa as famílias que sofrem tal perda totalmente destroçadas" (...)

Vale a pena fazer uma visita a este sítio e explorar os recursos que disponibiliza...

Sábado, Abril 18, 2009.
_____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)

(...) Sou assíduo frequentador desde Março de 2006, altura em que, procurando por mapas da Guiné, me deparei com este excelente sítio. Raro é o dia que o não visite, já li também a grande maioria dos postes mais antigos, onde recordei ou fiquei sabendo de acontecimentos que já não lembrava ou nunca soubera.


[...] Sou um velho combatente (63 anos feitos ontem, dia 18 de Novembro), estou aposentado, meu nome é Victor Manuel da Silva Condeço, ex-Furriel Miliciano 00698264, do Serviço de Material – Mecânico de Armamento e, por isso mesmo, sem grandes histórias de guerra para contar. Este blogue teve a virtude de me despertar recordações, umas boas, outras menos boas, mas que nem por isso deixam de ser uma forma de reviver um passado de há quase quarenta anos.

Participei na Guerra da Guiné por obrigação, como aliás quase todos nós, desde 1 de Maio de 1967 a 3 de Março de 1969, fazendo parte da CCS do BART 1913 que era constituído também pelas CART 1687 (Cachil e Cufar), CART 1688 (Bissau e Biambi) e CART 1689 (Fá, Catió, Cabedú e Canquelifá).

Estive na região do Tombali na Vila de Catió, Comando de Sector, pertencente ao Comando de Agrupamento de Sectores de Bolama. As unidades deste sector eram: Bedanda, Cabedú, Cachil (i), Cufar e o destacamento de Ganjola (i), por todas passei em serviço.

Desembarquei em Catió a 2 de Maio de 1967, os vinte e um meses de comissão foram aqui cumpridos, até 20 de Fevereiro de 1969, data em que regressei a Bissau. (...)

(**) 18 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4207: In Memoriam (20): Para o António Ferreira e demais camaradas mortos no Quirafo (Juvenal Amado)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6615: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3





1. Em mensagem do dia 17 de Junho de 2010, o nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, enviou-nos mais um "Sem Título" para a sua série "20 Anos depois da Guiné, à procura de mim".





DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (6)

SEM TÍTULO 3


Mas eu não pedi nada a ninguém,
Nem a vida, nem o estar aqui,
Nem esta dor que me alcança todos os dias,
Desta vida sem sentido.
Não pedi esta ânsia
Que não me deixa dormir
O sono dos satisfeitos.
Não pedi esta paixão
Por uma vida a querer morrer.
Não pedi ao menos sequer
Esta estranha maneira de ser.
Não pedi este desespero
De viver, sem ter vivido.
Mas deram-me tudo
Sem nada ter pedido.
Obrigaram-me a viver
A suportar-me
E até a gostar de mim.
Fizeram-me sentir
O que nunca devia ter sentido.
Fizeram-me olhar e gostar
De quem nunca devia ter gostado.
Fizeram-me acreditar
Que um dia alcançaria
Aquilo que é impossível.
Fizeram-me viver cada dia
Na esperança de ser amanhã.
Esgotaram-me a esperança,
A vida, o amor,
Abriram-me o peito dorido
E nele plantaram a flor
Do horror do dia a dia.
Deram-me até às vezes,
E só para me enganar,
Momentos de alegria.
Estou morto e ninguém sabe!
Pensam que ainda falo,
Mas já não sou eu a falar.
Pensam que ainda olho,
Mas já não sou eu a olhar.
Pensam que ainda rio,
Mas não me apetece já rir.
Pensam que ainda choro,
Mas já não posso chorar.
Querem-me aqui e agora,
Agarram-me, prendem-me,
Suplicam-me o meu martírio
Mas eu já me fui embora…

92.01.21

Um abraço amigo
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6574: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (1) (Inácio Silva / Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6572: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2

Guiné 63/74 - P6614: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (3): Gente de Cacoca e outros

1. Mensagem de António José Pereira da Costa*, Coronel, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, com data de 16 de Junho de 2010:

Camarada
Aqui, em anexo, encontrarás a minha terceira tentativa de colaboração. Espero que gostes...

Seguem tambem três fotos para anexares. São duas da Ami - a menina de quem falo - e uma da malta da companhia num dia em que o caçador matou um pangolim. Um espécie de animal pré-histórico que come formigas.

Um Ab. do
António Costa



A Minha Guerra a Petróleo (3)

Gente de Cacoca e Outros


Em 1968, Cacoca era um daqueles lugares onde parecia não haver guerra. Dependente da Companhia sediada em Sangonhá, era um destacamento de nível GCOMB, resumindo-se a uma pequena tabanca com pouco mais de duzentos habitantes. O quartel era um pequeno recinto, quase um quintal, com uma vivenda de alvenaria, tipo colonial, ao centro. Nessa vivenda tinha funcionado uma daquelas lojas que só existiam ou ainda existem em África. Um daqueles estabelecimentos onde era possível comprar livros do Erskine Caldwel ou pregos de meia-galeota; garrafas de vinho verde ou pilhas para lanterna; panos com que as mulheres se cobriam ou tabaco americano que não se encontrava em Lisboa, enfim tudo ou quase tudo...

A loja ou “cantina” pertencera a um comerciante europeu a quem chamavam o Toneca e que, naquela altura, já só tinha estabelecimento em Cacine, onde vivia sem família, encarnando a figura do “lançado” no sertão. Tinha tido mais uma loja em Sangonhá, da qual se desfizera, e outra em Campeane que fora saqueada, logo no início da guerra. O Toneca era um homem só, longe dos seus que, ao que parece, andavam ali por Leiria. Aviava-nos com uma lenta eficácia, desencantando o que lhe pedíamos nas prateleiras junto ao tecto, ou no mais recôndito da arrecadação. Raramente falhava. À noite, a loja era um misto de tasca e café, onde se podia “meter uns copos”, ao balcão, ou tomar ar, em duas ou três mesas colocadas no alpendre. Um daqueles alpendres elevados e altos, tão frequentes, circundando as casas de um só piso. Assim teria sido também a loja de Cacoca que agora era uma instalação multiusos, misto de alojamento para pessoal, posto de socorros, posto de rádio, talvez depósito de géneros... etc., etc... e etc...

Não tenho memória de que tenha sido atacada com armas pesadas ou “ao arame”, com armas ligeiras, embora se situasse a cerca de 2km da fronteira. Nunca mais esquecerei o meu primeiro contacto com essa casa onde, quando entrei para falar com o alferes que comandava o destacamento, se ouvia, num gira-discos a pilhas, o Gianny Morandi a cantar (bem alto) o “Non son degno di te”. A “máquina de fazer barulho” pertencia ao cabo maqueiro que, momentos depois discorria, em voz bastante alta, sobre “Os Operacionais”, como ele, versus os “CêCê-Ésses”, que eram os outros. Via-se claramente que era um operacional pelo modo expedito como remendara um rasgão enorme nos fundilhos das calças do camuflado, recorrendo a um emplastro de adesivo daqueles com orifícios circulares, para a pele respirar... Expedientes de campanha ou o velho “desenrascanço dos portugueses” sempre presente aqui, ali ou em qualquer outro lado.

Quem viesse de Cacine, ao chegar ao “Cruzamento”, virava à direita e seguia paralelamente a uma pista de aterragem de terra batida (pouco operativa, na altura). O terreno era aberto e deixava ver, ao longe, a vivenda, emergindo da tabanca, cujos telhados de capim e cibe formavam uma espécie de arranjo floral de plantas secas à volta de uma flor ainda com viço. À direita e à esquerda a vegetação era densa, com todos os tons do espectro do verde, mas onde surgiam outros tons: de cinzento, de castanho e – para quem olhasse com vagar e detalhe – em salpicos mal semeados, de vermelho e amarelo.

A CArt 1692, à qual eu agora pertencia, guarnecia Cacine, mas antes tinha andado pelo sector de Sangonhá e Cacoca, e o Duarte – alferes da minha companhia, ex-seminarista como outros houve – assegurava que por ali era possível caçar pombos verdes e outras bichezas comestíveis que se manifestavam com certa abundância. A população de Cacoca dava-se bem com os soldados e parecia haver uma certa amizade entre os jovens militares e os habitantes, independentemente das suas idades. Fiquei com a ideia de que a população colaborava na vivência da tropa de modo espontâneo e franco. A actividade operacional resumia-se a garantir a possibilidade de comunicar com a sede da Companhia.

Malta da CART 1692 segura um pangolim abatido

A chegada do General Spínola à Guiné alterou profundamente a condução da guerra e as visitas que realizou a todos os aquartelamentos, por diminutos que fossem, ouvindo os “residentes”, como nunca tinham sido ouvidos, causaram boa impressão, embora constituíssem, para quem expunha os problemas, como que uma espécie de exame prático das soluções adoptadas.

Havia chegado há pouco tempo quando foi a Cacine e eu assisti a uma conversa com o capitão Veiga da Fonseca em que pretendeu saber, naquele sector, quais as posições que deveriam ser abandonadas, se pretendesse recuperar tropa “de quadrícula” para dispor de mais unidades “de intervenção”. O nosso Batalhão – o BArt 1896 – tinha, então, seis Companhias no terreno – Cacine e Cameconde, Sangonhá e Cacoca, Gadamael e Ganturé, Guileje, Mejo e Gadembel e Ponte do Balana (acabados de construir) – e, obviamente, a CCS sediada em Buba. O capitão respondeu-lhe que, para não perder o controlo da estrada para Guileje e depois Mejo, não deveria abandonar nenhuma posição, mas se a ideia era aquela, então que abandonasse Cacoca e Sangonhá. A decisão veio alguns dias depois e passámos a “fazer sector” com a unidade de Gadamael. Os quartéis de Cacoca e Sangonhá foram simplesmente abandonados e a população aceitou bem a decisão (pareceu-me, pelo menos,) e repartiu-se, segundo as suas afinidades e desejos, entre Gadamael e Cacine, o que levou à realização de mais de 30 colunas em 20 dias, com as viaturas ajoujadas de carga e passageiros. Transportámos tudo o que se podia mover. Com os homens, mulheres e crianças, seguiram as mobílias, as roupas e os alimentos, os animais domésticos e até os telhados das casas (capim e as rachas de cibe). Uma autêntica migração realizada prioritariamente para Cacine, onde havia mais recursos, espaço e melhor protecção contra as actividades dos guerrilheiros.

Num daqueles dias, a coluna estava a organizar-se em Cacoca. As viaturas, colocadas paralelamente à pista e já viradas para rolarem em direcção ao “cruzamento”. Por cima das bagagens amontoadas nas caixas de carga, as famílias procuravam concentrar-se e instalar-se o mais comodamente que fosse possível. Quando já não houvesse mais ninguém para subir para as viaturas de carga, eu daria o sinal de partida. Naqueles últimos minutos, distraía-me a olhar a paisagem, à qual um dia sem sol parecia querer diminuir a beleza. A atmosfera, húmida e carregada de tons de cinzento, deixava prever que a chuva tropical não tardaria a chegar. Estávamos sentenciados a chegar a Cacine encharcados, mesmo que nos apressássemos a partir. Senti, então, um toque no braço. Quando me virei para ver quem era, ela disse:

- Meimuna, pariu um fio qui tin dez dia. Quer pa nossalfere arranja mim lugar sintada.

Transportava nos braços, com grande cuidado, um enrolamento de mantas que deveria conter qualquer coisa de precioso. Eu não vi o que fosse, mesmo quando mo emprestou, por alguns segundos. Acompanhei-a ao Unimog onde eu iria e ajudei-a a subir para o lugar ao lado do condutor. Encostei o embrulho ao peito e ela apoiou-se com dificuldade naquela espécie de degrau circular que a roda da viatura tinha, depois no próprio pneu, usando o meu ombro como corrimão. Sentou-se no banco de lona e eu passei-lhe o pacote que deixou calor no meu peito. Ali perto, um grupo de homens – dos grandes – assistiu à cena e eu, ainda hoje, rendo homenagem àquela mulher que fez valer os seus direitos de mãe, mesmo sem o apoio daquele grupo de “respeitáveis”.

Fiz a coluna em pé entre a Meimuna e o “Alcochete” o condutor. Nesse dia choveu bastante durante o percurso e chegámos a Cacine molhados “até aos ossos”. Vim depois a saber que era a mulher de Alfa Bá, caçador muito hábil, que abastecia de carnes a CArt 1692.

Pertenciam a uma família curiosa, em parte já residente em Cacine. Eram voluntariosos e activos, mas não se empregavam em nenhuma actividade relacionada com a guerra. A essa família estava também ligado o ferreiro de Cacoca. Era um hemiplégico. Arrastava-se pelo chão, vestindo uma espécie de calções de cabedal donde lhe emergiam as pernas finíssimas, e sentado numa almofada também de cabedal. Da cintura para cima tinha o físico clássico de um ferreiro. À sua volta, funcionalmente dispersas pelo chão, as ferramentas de que necessitava e a fornalha engenhosamente montada no chão. Assim podia acendê-la, atiçá-la e alimentá-la, quando necessário, graças a um fole também apoiado no solo. A bigorna estava cravada no chão, a pouco mais de um palmo de altura e nem abanava quando a utilizava. Aquele homem era um exemplo de tenacidade. Lembro-me de o ver a trabalhar sob um telheiro de colmo e, o que mais me admirava era a certeza dos seus movimentos, que eu não supunha possíveis para quem trabalhava numas condições tão invulgares. Contudo, a adaptação das ferramentas que utilizava à sua condição deficiente – como hoje diríamos – não ia muito além dos cabos dos malhos que eram um pouco maiores do que o habitual.

A essa família pertencia um alfaiate já residente em Cacine, antes da “migração de Cacoca” cuja mulher tinha uma profissão muito vulgar, naquele tempo: lavadeira da tropa. Sei de casos em que esta profissão de tempo de guerra foi considerada uma forma de colaboracionismo. É discutível e jamais alguém conseguirá dizer onde termina a simples luta pelo pão-de-cada-dia (e mais ainda em tempo de crise ou guerra) e onde começa e o que era, naquelas circunstâncias, o colaboracionismo. E muito mais “numa luta em que uma parte da população enfrenta as autoridades de direito ou de facto constituídas”. O marido sofreu um contratempo grave e não sei que marcas lhe terá deixado. Por volta de Março ou Abril de 1968, começámos a abrir à esquerda da estrada, como quem vai para Cameconde, uma área desmatada, com cerca de 50 metros de largura destinada a evitar que o inimigo conseguisse instalar-se a curta distância da estrada. Já tinha havido e voltou a haver, depois da nossa saída, emboscadas às colunas que iam de Cacine a Cameconde. Aqueles 8 quilómetros de estrada eram diariamente percorridos: todas as manhãs e nos dois sentidos, por um pelotão de milícia, e pela coluna auto que saía e retornava a Cacine, sem horários marcados. A população colaborava diariamente, com mais ou menos vontade, nos trabalhos de desmatação com o objectivo de criar uma área de terreno cultivável e sob a vigilância de um grupo de combate, lá ia, formada em linha, cortando e abatendo tudo o que fosse vegetação. Num desses dias de trabalho, o alfaiate afastou-se do grupo de capinadores e, sem dizer nada a ninguém, internou-se no mato. Tanto bastou para que o “Lameiras” lhe caísse em cima e o prendesse por suspeita de ir contactar com alguém. Em vão protestou que apenas ia ariau u cauça (arriar as calças) mas, de pouco lhe valeu. As coisas teriam ficado por ali não fosse a presença em Cacine de um inspector da PIDE que, no terreno, pretendia colher informações que pudessem orientar as acções da 5.ª de Comandos e da CArt na tentativa de combater o inimigo. É que, nesse tempo – passados cinco anos sobre o início da guerra – e naquela zona, os campos já estavam divididos e quem apoiava o PAIGC, mesmo residindo em Cacine, fazia-o platonicamente ou de um modo muito clandestino e quem preferia a tropa já renunciara a contactos mesmo com os amigos ou conhecidos que tinham optado de modo diferente. Por conseguinte, era muito complicado obter informações. O inspector tinha muito tempo de África e, ao que parece, vinha de S. Tomé, o que não era um cartão de visita muito abonatório. Num grupo de cinco militares onde me inclui, fomos, um dia à tarde prender o alfaiate. Fiquei no exterior da casa atento a uma possível fuga, dele ou de alguém que com ele estivesse, enquanto três entravam e o outro passava para as traseiras. Enfim, tudo como mandavam os livros. Estava concentrado no que se ia passando e, subitamente ouvi uma restolhada, como se alguém mexesse em palhas. Virei-me e apontei a arma na direcção do ruído. Era uma criança que arrastava uma esteira. Uma menina linda que não devia ter mais de quatro anos. A partir daí ficou a temer-me e não o escondia, mesmo quando eu falava com alguém da família dela, quer fosse o alfaiate, a mulher dele, o Alfa ou outra pessoa. Era a Ami Silá de quem guardo uma fotografia e que nunca me perdoou a arma que lhe apontei.

A pequena Ami Silá

O alfaiate foi interrogado pelo PIDE e torturado no posto administrativo, quase em público, com um cipaio que lhe dava reguadas nas mãos com uma “menina-de-cinco-olhos”, como havia nas escolas desse tempo, mas esta tinha uns dois centímetros de espessura. Depois ficava de mãos no ar enquanto respondia às perguntas que lhe eram feitas. Não tinha grande coisa ou nada mesmo a dizer. Por isso voltava a apanhar e a ficar com as mãos no ar. Os resultados foram desanimadores e o homem da PIDE acabou por desistir. Terá continuado as suas investigações por outras vias e acabou por fazer uma descoberta sensacional e que surpreendeu toda a gente: o bazookeiro do 4.º Pelotão negociava em fotografias pornográficas. Quem diria?

O mais insólito sucedeu no dia em que fomos atacados da ponta Cabascane. Devido às suas luzes, Cacine referenciava-se bem de longe e os serventes do PAIGC estavam inspirados, naquele fim de tarde. Por isso, algumas morteiradas caíram dentro do quartel. A flagelação teve lugar imediatamente antes do jantar, na altura em que, na varanda da vivenda que servia de messe, estávamos a apanhar fresco e beber um aperitivo. Cada um fugiu para o seu sítio e o gravador Akai do capitão continuou a tocar indiferente à flagelação. Era um gravador de fitas, com duas colunas grandes que davam um som óptimo (para o tempo). A mesa onde comíamos estava colocada a um canto da casa (um sítio bastante seguro) e o PIDE, sem lugar definido em caso de ataque, acabou por entrar em casa e esconder-se debaixo da mesa. Dali gritava para que alguém lhe “apagasse a música”. Porém, ninguém voltou atrás para essa tarefa. Depois do ataque, ao jantar, explicava que “não se deve brincar com a providência” e que aquela música, no meio das explosões, o enervara sobremaneira. Daí a sua respiração ainda resfolegante...

As casas para a população de Cacoca e Sangonhá foram construídas, na área da antiga “Missão do Sono”, então desactivada pela erradicação da doença. O auxílio muito empenhado do pessoal da companhia foi essencial e foi a primeira vez que vi casas cuja construção começou pelo telhado. Tudo começava com a construção de uma estrutura que suportava o telhado. Depois, este ia sendo construído e coberto de capim. Por fim, eram as paredes que resultavam de um espécie de rede de paus mais curtos e espetados no solo que faziam ângulos de rectos com outros mais compridos dispostos na horizontal. No recticulado que assim se formava iam sendo colocadas, pela face interior, “chapadas” de lama que, secando, iam constituindo as paredes das habitações**.


O quartel de Cacoca ficou incluído no nosso sector e, de vez em quando íamos para aqueles lados. Até para que o In não o tomasse como seu. Como era um ponto bem marcado no terreno e observável desde “o cruzamento” utilizámo-lo uma vez numa regulação de precisão de fogos de artilharia, com observação terrestre. Como observador avançado, instalado numa árvore, eu ia transmitindo as observações e tinha ordem para suspender o tiro logo que fossem visíveis efeitos no alvo. Assim ao primeiro tiro que atingiu o objectivo, dei a regulação por terminada. Não sei como é que a guerra continuou a passar por ali, mas já vi o estado da região, no “google”, e fico feliz por aquela terra ter voltado a ser ocupada.

Que será feito da “cantina” do Toneca?
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6462: Humor de caserna (19): Nha Carlota, uma mulher de armas (António J. Pereira da Costa)

(**) Vd. poste de2 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3013: Reordenamentos (1): Gadamael, o primeiro, na sequência da retirada de Sangonhá e Cacoca em meados de 1968 (António J. Pereira da Costa) 

Vd. último poste da série de 12 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5803: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (2): Os guias e picadores, mandingas, do Xime, Malan e Mancaman: duas maneiras diferentes de ser e de estar na guerra...