quinta-feira, 29 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6805: Controvérsias (99): O que é que o País pode dar aos ex-combatentes? (António J. Pereira da Costa)

1. Mensagem de António José Pereira da Costa*, Coronel Art na reserva, na efectividade de serviço, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, com data de 29 de Julho de 2010:

Sobre o discurso do António Barreto

Camaradas
Reporto-me ainda aos Poste do Martins de Matos** sobre o discurso do António Barreto e começo com uma frase que questiona muita coisa, embora não pareça.

... “Sim! Porque deve haver uma ligação qualquer nesta balhana toda! Qual, é que eu gostaria de saber; (...) e explicar porque é que a guerra começou lá e não aqui, ou começou lá sem começar aqui, ou o catano". (in. José Brás, Vindimas no Capim, Pág. 186).

Parece-me que, agora, é fundamental que se responda a duas questões: uma, equacionada pelo discurso do António Barreto e que se pode sintetizar do seguinte modo: o que se entende por ex-combatentes? Outra questão será: o que é que os ex-combatentes querem, devem querer ou será justo que o País lhes dê?

Reparem que não perguntei: o que é que o País pode dar aos ex-combatentes?
Parece-me, também, que se fala muito, por vezes, atingindo altos níveis de demagogia, mas como é habitual, cá com os portugueses, “ficamo-nos um bocado nas covas” e depois ladramos nos corredores. É um pouco o “Espírito Zé Povinho”... Mas isso é com os sociólogos e antropólogos.
Enquanto cidadãos está na altura de tomarmos posições.

Li várias vezes o discurso e achei-o mal conseguido, no mínimo. Dá-me a impressão de que o António Barrento foi adiando a feitura do discurso até à véspera e depois teve que o escrever na madrugada do dia 10, com ideias, mas a cair de sono. De um intelectual que tem vindo, de há uns anos a esta parte, a afirmar-se e a ganhar prestígio com as suas análises ao viver português, eu esperava muito melhor. Está confuso e nem sequer consegue fazer o que parece ser o seu objectivo: a apologia da valentia "em valor absoluto”, (matematicamente falando). Será que pretendia demonstrar que, em qualquer dos campos em confronto – “o bom”(?) ou o “mau”(?) - se pode ser valente? Será que uma decisão qualquer, mesmo resultante da indecisão, pode conduzir à valentia e a uma actuação válida de Homem e Cidadão?

Creio que pretendia louvar a coragem e valentia como qualidades dos homens que tiveram de decidir, num dado momento histórico e com os dados que tinham (ou julgavam ter) na mão, os tais homens que estavam “à esquina errada da História”. É um processo de decisão que tem de ser rápido, porque o tempo (parece que) urge em certos momentos históricos e não há tempo para pedir mais elementos para se poder decidir melhor. E se decidiram desta e não daquela maneira, foi porque a isso foram obrigados. A História dá muitos exemplos desta situação.
Isto para dizer que o discurso não será, nem a apologia de "todos" (independentemente das suas opções), o que até poderá ter o seu quê de justo, nem um louvor e reconhecimento incondicional aos ex-combatentes que muitos quiseram ver nele.

Já houve, no blog, a voz de uma Tertuliana – não sei se viúva se madrinha de guerra de um de nós – a quem o discurso não agradou. Terá razão, pois parece que estamos a estender demasiado o conceito. É que, se calhar, só serão ex-combatentes os que foram à África ou à Índia, em consequência da política do governo da época (desde finais dos anos 50 até 1974 do Séc. passado).
Sobre este tema – “somos todos valentes” (e, se calhar, até somos) – remeto para o Poste 4801 do Vítor Junqueira que equaciona o conceito de ex-combatente em sentido amplo ao afirmar que:

E, no entanto, quero abraçar:

Os compelidos, faltosos e refractários que, à força ou depois de pensarem melhor, lá acabaram a fazer a queda na máscara ao meu lado;
Aqueles que espalhados pelo Mundo, obtiveram junto dos consulados as suas Licenças Militares definitivas, podendo dar continuidade às respectivas actividades profissionais, e remeter para a Pátria, as paletes de francos, marcos, dólares etc., (...)
Abraço também os que por alergia ao teatro de operações, preferiram servir o país de outra forma, como por exemplo, integrarem a frota bacalhoeira (sabiam?);
E, quanto aos desertores, porque tiveram a coragem de arriscar a prisão ou uma vida inteira no exílio, obedecendo a respeitáveis e nobres ideais, ou partiram por amor à pele, atitude que não se revestindo de uma nobreza por aí além, é igualmente compreensível, envolvo-os também no meu amplexo, mas sem direito a aplauso
”.

E continua dizendo que:

Por outro lado, não são meus camaradas:
Aqueles que vestindo a nossa farda, eram objectivamente combatentes do IN, a quem forneciam informações e até segredos de que tinham conhecimento, por força das funções que desempenhavam;
Os que tendo integrado as FA de Portugal e jurado fidelidade à sua bandeira, saltaram para o outro lado da paliçada, oferecendo-se para colaborar activamente em planos que visavam a liquidação física de ex-companheiros de armas, incluindo os amigos;
Todos quantos encapotadamente, tal qual laboriosas toupeiras, se colocaram ao serviço de ideologias, objectivos e interesses de potências estrangeiras e pela escrita, pela palavra ou pela acção conspiraram, visando o desprestígio e aniquilação do exército fascista, nós!
Esses não são meus camaradas.
Mas, notem bem, o facto de não serem meus (nossos) camaradas, não me dá o direito de os julgar sob qualquer prisma e ainda menos de os condenar, cabendo esse desígnio a outras instâncias, entre elas a História, que amparada pelo Tempo há-de apreciar de forma asséptica e distanciada os Homens e os factos do último quartel do séc. XX português
.”

Chamo a atenção para este último parágrafo, que considero importantíssimo e que, em meu entender, se aproxima muito da ideia do discurso do António Barreto.

Por mim penso que, mesmo (todos) estes últimos que o Junqueira não considera seus camaradas, fizeram uma opção e combateram contra algo de que discordavam. Há quem diga que isso deve ser tido em boa conta. O desertor que se passa para o inimigo opta e o espião também. O articulista que, do exílio, por não o poder fazer no interior do seu país, escreve, criticando a acção do “seu” governo, ou desenvolve acções, a nível diplomático e político, junto das instâncias internacionais opta por algo em que acredita ou, pelo menos combate o que acha mal. A História está cheia de casos destes e, muitas vezes, os “traidores” acabam por ter razão e a sua acção ser reconhecida, pelos seus concidadãos. Às vezes é uma questão de momento histórico...

Remeto agora para um Poste meu, subordinado ao tema: “Quem somos nós?”.
Aí procurei caracterizar, na generalidade, quem éramos antes da partida, recorrendo a frases simples e correntes naquele tempo, mas que traduzem indiscutivelmente, “um certo espírito”. Quem nunca disse ou ouviu dizer:

– “Se os outros foram e voltaram, eu também poderei ir e voltar”.
– “E até pode ser que não seja bem assim. Pode ser que o sítio não seja mau e que o tempo passe depressa. No fundo, são só dois anos”.
– “Tenho fé de que comigo vai ser diferente”.

Quem não se recorda de que à chegada ao TO, (...) uns revoltavam-se, outros aceitavam a sua sorte, como algo que não podia ser modificado. Decidiam resistir (embora não se soubesse bem o isso fosse) enquanto pudessem e como pudessem mas, (...) aquilo era outra terra e – porque não dizê-lo? – outro país.

Estava iniciada a prova que tínhamos de vencer, a nossa experiência traumática.

E se realmente não fosse assim como nos tinham dito? E se o país fosse só um, gerido às cegas e prepotentemente, por uma administração central e repartido por várias parcelas no mundo, cada uma diferente, com diferentes gentes, com diferentes anseios? Cada terra com uma História diferente e com um povo ansiando por uma separação política, que tinha como libertadora. Libertação de quê ou de quem e com que resultados, depois se veria... Não faltam precedentes na História Universal: EUA, Brasil e América Latina, para falarmos apenas dos casos tidos como arrumados pela História, já há muito tempo, na altura em que começávamos a nossa aventura.

Reparem na pertinência da questão levantada pelo José Brás. Se calhar a guerra deveria ter começado aqui e não lá... E porque é que não começou cá? E se tivesse começado cá? Na História não há “ses” e o caminho dos homens, marcado pelo tempo, não pára, com bons ou maus resultados.

Peço também que meditem sobre mais estas questões relativamente às populações que encontrávamos de um e do outro lado:

O que queriam? De que lado estavam e porquê? Se recusavam a protecção e a ligação ao inimigo, preferindo o nosso apoio (...), tendo nascido e sempre vivido ali, quais seriam as razões para tal?

E a experiência traumática continuava, pois o tempo escorria no calendário, com as operações (...) as tarefas monótonas de cada dia, as saudades e as notícias ou a falta delas (...) a vivência em espaços pequenos, quase concentracionários, e, acima de tudo, a falta de resposta a uma questão simples: que faço eu aqui?
Era melhor nem pormos esta questão, de tal modo ela era complicada.

Volto a perguntar:

Mas afinal quem éramos? Cidadãos-patriotas? Soldados-heróis? Acomodados à espera que o tempo passasse e jogando na lotaria do “não há-de ser nada! E se for que seja menina para vir para a tropa”, como então se dizia?

Se regressarmos ao passado, havemos de encontrar muitos momentos em que, essencialmente, fomos “paus para toda a colher” e muito mais a que a vida impiedosamente nos obrigava. Sem podermos alterar (...) a situação (...) ficávamos, entregues ao fluir do tempo. Sabíamos que a sua contagem decrescente corria a nosso favor e, até lá, havíamos de nos aguentar...

E, já na nossa terra, continuámos a nossa experiência. Agora, na vivência de simples cidadãos, passámos a alegria breve do regresso, a inserção no mundo do trabalho e a constituição de família (...), sofremos a incapacidade de transmitir, mesmo aos que nos são muito próximos, o que tínhamos passado e (...), a bem da nossa saúde mental, decidimos esquecer o sucedido. (...) agora era necessário viver e desfrutar da luta diária da vida, no fundo a razão pela qual os Homens vivem.

A vida foi correndo (...). Ficámos velhos. E os velhos têm necessidade de recordar, contemplando a vida, para se sentirem gente.
Demos a nossa contribuição, modesta como é sempre é a dos homens do povo feitos soldados.
Dentro em breve ninguém nos recordará. E nem pelo facto de termos sido muitos seremos mais recordados. Sabemos que “os povos têm má memória” e que a cultura e o conhecimento de quem fomos ou somos, como povo, é, cada vez menos, uma prioridade na formação e educação dos nossos jovens, logo do nosso Povo.

E aqui pergunto: Para que serviu o que fizemos? E se tudo não passou de um equívoco? E se o que fizemos não serviu para nada?
Talvez tenha servido para pouco, quase nada ou mesmo nada. Se calhar não passou de um esforço inútil, ao qual fomos coagidos, sem hipótese de fuga. Custa, mas poderemos ter que o admitir, mais tarde ou mais cedo.
Ainda uma pergunta mais dura e inquietante: E se nunca tivéssemos combatido em defesa da Pátria? E se a Pátria fosse outra coisa que não aquilo?
Admito que, na Índia, perante a invasão de uma potência estrangeira, as coisas tenham sido diferentes, mas em África, combatíamos contra portugueses que o não queriam ser e que hoje celebram a sua Libertação e reivindicam para si o título de “Combatentes da Liberdade”. Quem se liberta, liberta-se de alguém ou de alguma coisa. Já se viram no papel de repressores? Sim, quem combate contra “Combatentes da Liberdade” ou é tirano ou é repressor. Ou não será?

Ainda por cima, os velhos não cortam as auto-estradas, não chamam fascista ao Presidente, não fazem gigantescas manifestações, não justificam tempo de antena nas televisões. Entre uma telenovela daquelas de enredo mais retorcido do que um saca-rolhas e um tempo de antena para “os velhotes da tropa” as TV nem hesitam... Estamos agora, cada vez mais, condenados ao esquecimento que o tempo sempre traz, mas, enquanto pudermos, temos de lutar contra isso. Será mais uma tarefa da nossa cidadania. Toca-nos procurar passar aos vindouros uma mensagem. E, se o futuro alguma vez perguntar, a nossa resposta será, com a maior clareza sim ou não, mas, desta vez, com a convicção que só a experiência dá.

Apesar de tudo, devemos sentir-nos orgulhosos. Passámos por uma prova que, esperemos, não se repetirá. E quem sabe? (...) Não temos hoje nada para provar a ninguém nem podemos aceitar que nos censurem por aquilo que fizemos ou não fizemos.
Mais ainda, volto a recordar que fizemos uma guerra pobre, que era pobre a nossa logística e os meios operacionais escassos, como se lembram. Faltava muitas vezes o essencial. (...) Os meios do inimigo (...) não cessaram de evoluir ao longo do conflito. As guerras ou se perdem ou se ganham. E nós perdemos. Perdemo-la, sim. E depois? Alguém esperava ganhá-la? Ninguém. Nem os que a aprovavam(?), naquele tempo, nem os que hoje, por preconceito, saudosismo ou desonestidade intelectual, afirmam que a poderíamos e deveríamos ter ganho.

Somos hoje Portugueses, com cerca de 60 anos (normalmente mais), com uma experiência traumática, de dois anos, vivida com cerca de 20, mas com reflexos (alguns bastante dramáticos) para toda a vida. Estamos ricos com uma mensagem a transmitir!
Foi isso que pretendi demonstrar.

Chegados a este ponto, creio que deveremos precisar o conceito de “ex-combatente”. Neste aspecto e correndo o risco de estabelecer um crivo demasiado estreito, direi que ex-combatentes são os que foram e estiveram na Índia ou em África. Todos os outros que o Junqueira referiu e alguns que poderiam ser acrescentados poderão ser considerados noutras categorias e ter outras designações diferentes: resistentes, anti-fascistas, pacifistas, coerentes com as suas convicções, defensores dos direitos humanos, etc. Não ponho em causa o respectivo mérito, a validade da sua actuação nem proponho epítetos. Mas não são ex-combatentes.
E o que é querem hoje os ex-combatentes? Resumindo, diria que querem um reconhecimento da sua acção. Querem um agradecimento dos seus compatriotas.

Esta questão deve ser muito bem equacionada e deverá ter como ponto de partida o facto de que o ex-combatente, ou lutou pela sua Pátria, ou foi forçado a combater por qualquer coisa que lhe disseram que era válido e que ele aceitou como tal. Quer num caso, quer noutro, passou, nos primeiros anos da sua vida adulta, por uma prova que não voltou nem voltará a repetir-se e que só ele sabe o que lhe custou. Se defendeu a sua Pátria é credor de uma forma de reconhecimento. Se se sacrificou por algo que hoje já não se sabe bem o que foi, dever-lhe-á ser reconhecido o sacrifício e outorgada uma recompensa.

Procuremos agora definir que recompensa, que retribuição será essa.

Antes do mais convém ter em conta que o reconhecimento dos ex-combatentes deverá ser sempre feito pelo povo a que pertencem. É suposto que tenham prestado um serviço ao País e um povo deve reconhecer os que o serviram ou aqueles que passaram por uma prova em seu nome. Será a forma mais justa de homenagem. Porém, só se pode homenagear o que se conhece e aprecia e, como sabemos, somos cada vez menos conhecidos e cada vez mais considerados como “os velhotes da tropa”. É cada vez maior o fosso entre “os novos” e nós “os velhos”.

O reconhecimento ou qualquer forma de homenagem resultará, em grande parte, da acção de quem lidera o País, o que não tem sido uma constante. A primeira geração de democratas dá a impressão de não ter sabido lidar connosco. A segunda, já distanciada, poderá ter ouvido falar vagamente de nós... A terceira geração...

Temos de começar a pensar que, se não formos nós a estimular e definir o que queremos em termos de reconhecimento público, ninguém no-lo dará. Não jogamos futebol, por isso nunca poderemos ter junto de nós uma grande multidão a ovacionar-nos. A bandeira nacional acena mais facilmente perante um penalty marcado com a cabeça do que perante um velho que sofreu aquilo que descrevi. Se o nosso povo, cada vez menos, sabe que existimos só se lhe for explicado quem fomos e o que fizemos poderá, alguma vez, testemunhar-nos o seu apreço. Está nas nossas mãos criar uma cerimónia anual(?) em local significativo, simples, à qual possamos estar presentes, com a necessária sobriedade, evitando aquele folclore dos dolmans camuflados sobre as calças de ganga ou as “condecorações” e distintivos diversos semeados pelas t-shirts. Teremos de admitir a possibilidade de “descentralizarmos” a evocação. Somos velhos e alguns, como sabem, começam a aparecer nos convívios transportados pelos filhos e até pelos netos. Sem diluirmos demasiado a nossa presença teremos de ter esta condicionante incontornável em conta. Depois da evocação/cerimónia (o nome tem de ser definido, adoptado e respeitado) poderemos conviver. É para isso que somos homens e cidadãos solidários, mas devemos evitar aproximar demasiado as duas coisas. Os “críticos” estarão sempre à espera de um deslize para as suas críticas...

Teremos de provocar e marcar que o nosso comprometimento e o reconhecimento que queremos é o dos outros cidadãos e não o deste ou daquele dirigente. O nosso comprometimento, como dizia o Vítor Junqueira, é com a Bandeira e, se calhar, é perante essa e só essa que deveremos desfilar. Alguns de nós, sabe Deus com que dificuldade... Era bom que fôssemos aplaudidos por quem assistisse ou fosse a passar, no momento. E se, todos juntos, cantássemos, berrássemos ou chorássemos (ao sentir de cada um) o Hino? Ou se um clarim nos desse os toques que nunca esqueceremos, no meio de um silêncio “de abrir ouvidos”? Esperemos que, se tal alguma vez acontecer, os nossos compatriotas automobilistas não se lembrem de pedir passagem a quem parou... Por mim discordo que se desfile perante homens...

Será bom que isto venha a acontecer, mas acontecerá durante quanto tempo? À medida que formos desaparecendo a nossa visibilidade vai dependendo, cada vez mais, da devoção e da dedicação de outros e, por fim, apenas da sensibilidade e boa educação de alguns, poucos, como é fácil de calcular.

E, mais ainda: será suficiente esta “consagração” anual? Será justo que se fique por aqui?

Sei que há camaradas que entendem que não, mas as opiniões dividem-se quando é necessário explicitar o que falta. Fica o desafio para que surjam propostas.

Foi-nos concedida uma pensão simbólica (dizem uns). Ridícula (dizem outros). Será que deveríamos receber dinheiro? Quanto? Todos por igual? Só os mais pobres? Qual o método de cálculo? Quais os seus fundamentos? A duração das comissões não deverá servir de base ao cálculo. Poderá parecer uma fasquia demasiado baixa, mas, por mim, creio que ir e ter estado era o justo. O risco variou ao longo da guerra, no mesmo lugar, e de lugar para lugar; a pressão do inimigo não foi constante em cada posição que ocupávamos e mesmo o sacrifício determinado pelas condições logísticas que lhe eram inerentes variou, ao longo do tempo. Vai haver, certamente, camaradas que acham mal que se peça dinheiro. Mas, tanto quanto julgo saber, esta é mais uma forma de recompensa e que tem a vantagem de ser mensurável e claramente poder ser avaliada a justiça com que for feita. Não creio que pedir dinheiro como recompensa de serviços prestados ao País seja pecado. Claro que há crise. E somos muitos. Por isso, mais vale desistir da ideia(?). Mas eu não me recordo de ter vivido em algum momento que não fosse de crise...

Levantei esta questão, sabendo que corro o risco de me atacarem e de me censurarem por falar de uma recompensa, em “vil metal”. Fica a ideia, que vale o que vale, como mais uma solução para o problema. Só quero lembrar, contudo, que estamos a falar de um grupo de cidadãos que passou por um sacrifício “em defesa da Pátria” ou em nome de valores que lhe apresentaram como um imperativo de cidadania.

Mas há outras soluções que me parecem mais correctas.

Acho que há momentos e situações da vida em que o apoio do Estado se deverá materializar. Estamos a falar de cidadãos com quase ou bastante mais de 60 anos. Lembro, só por exemplo, os nossos camaradas que, após o regresso se incapacitaram para o trabalho e foram reformados por invalidez. Não será possível adicionar à sua reforma os 4 anos (o dobro do tempo legal de uma comissão) à reforma que tenha que receber. Não é a mesma coisa ser-se reformado, por invalidez, com 16 ou 20 anos de trabalho! Embora haja certas taxas e emolumentos que os reformados e idosos (>65 anos) não pagam ou pagam com desconto, porque não estabelecer um conjunto de bens e serviços de carácter social que os ex-combatentes não pagassem. Terá de ser algo de palpável, claro e imediato. E, acima de tudo, que não se mascare com burocracia e lentidão de procedimentos a concessão de algo que se prometa. As regalias – chamem-lhe o que quiserem – ou se dão ou não se dão. Talvez um cartão de ex-combatente, emitido com rapidez e eficácia por entidade responsável. Depois, vem o mais difícil: encontrar as vantagens que o cartão teria.

Vai longo o paleio e, por isso vou ficar-me por aqui. Procurei definir o conceito de ex-combatente e propor formas de homenagem/reconhecimento para os que, por dever de cidadania ou de serviço à Pátria são credores de algo.

Um Alfa Bravo do
António Costa
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6614: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (3): Gente de Cacoca e outros

(**) Vd. postes de:

10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6574: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (1) (Inácio Silva / Joaquim Mexia Alves)

12 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6582: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (2) (Amaro Samúdio / Felismina Costa)

13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6591: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (3): O dia do ex-combatente devia ser comemorado noutra data (Ana Duarte)

20 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6618: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (4): No separar é que está o ganhar (António Martins de Matos)

9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6705: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (5): Não há nada a fazer! (António Martins de Matos)

13 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6725: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (6): É tempo de dizer BASTA! (António Martins de Matos)

Vd. último poste da série de 24 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6781: Controvérsias (98): Quem não se sente... não é filho de boa gente (Carlos Nery)

Guiné 63/74 - P6804: Blogpoesia (77): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (4) (Manuel Maia)

QUISERA EU... (4)

Quisera eu prolongar minha experiência,
poder lá retomar velha vivência,
um mês que fosse a respirar seu ar...
Mirar bolanha/vida tão intensa,
e vislumbrar lá longe a mata densa,
que acobertava o IN p´ra atacar...


Queimado por comandos,se renova,
telhado das moranças, palha nova,
desesperança ali não faz escola...
A cada punição realizada,
renovam intenção consolidada,
e outra operação se desenrola...


Espreitar Cafal, mirar seu laranjal,
rever local da absurda e surreal
vivência feita lar, em covas nuas...
Mostrar ao "grande herói", tão afamado,
anota Bruno, AB, que o "tal farpado",
apenas protegia as costas suas...


Lá longe no bem-bom da vida calma,
da cama limpa, "um aconchego d`alma",
Bissau do luxo e ar condicionado...
"Negreiro a quem os homens corajosos,
comandos africanos, mui briosos,
garantem o seu dólmen medalhado...


Que um pingo de vergonha `inda lhe sobre,
p`ra ter na vida um gesto, digno, nobre,
de retratar-se ìnda antes de morrer...
P´ra instituição à qual está agregado
a honra e dignidade são legado,
que o berço desenvolve e faz crescer...


Quisera sentar junto ao Cumbidjã,
no cais improvisado, p`la manhã,
que a pescaria cedo "é de bom tom"...
Sentir peixe picar, algo emotivo,
sem medo de ali estar, é positivo,
relaxa, acalma a alma, é um sonho bom...


Tomar, sob a caleira a chuva fria,
p´ra eliminar coceira, que arrelia,
foi prática antilíquen, Deus me acuda...
Banhar, sem enxugar, corpo dorido,
melhor seria o mar, é bem sabido,
à falta de melhor, a chuva ajuda...


Quisera ter de um Deus toda a sageza,
p`ra recriar um Éden de beleza,
que ali me inspiraria p`ra fazer...
Viçosos seus mangueiros e arrozais,
frondosos cajueiros, palmeirais,
bajudas, corpos lindos de morrer...


Manuel Maia*
__________

Notas de CV:

(*) Manuel Maia  foi Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74.  

Vd. último poste da série de 19 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6763: Blogpoesia (76): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (3) (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P6803: Contraponto (Alberto Branquinho) (13): Cambança com Caronte, ou A última viagem do soldado


CONTRAPONTO (13)

CAMBANÇA COM CARONTE
OU A ÚLTIMA VIAGEM DO SOLDADO


No meio de toda aquela confusão – tiroteio, gritos, bazucadas, roquetadas… – ouviu um grande estouro. Depois foi o silêncio.

....................................................................................

Agora navegava. O rio era escuro, fundo, espesso. A canoa avançava, a impulsos do remador. O remo à ré. Água sempre escura. Céu não havia. Uma luz ténue a afastar-se, longe.

A canoa penetrava no escuro, aos solavancos. O homem, deitado, adivinhava o vulto do remador, os oscilar das vestes, o capuz que lhe cobria o rosto, os braços que repetiam os gestos.

Havia um grito agudo e angustiante, que não sabia se estava dentro da cabeça ou se o ouvia ao longe.

Não havia tempo. Ou o tempo não estava ali.
Por entre o grito, ouvia vozes graves, profundas. Ora próximas, ora distantes. Talvez, também, murmúrios de quem reza.

Assim ficou. A canoa suspensa sobre a água. Vozes. E o grito. Vozes, vozes. Perto. Perto. Durante muito tempo.

Sentiu que abria os olhos. Por entre um manto vermelho, para além tudo era branco.

Porquê? Porquê? – perguntou-se. Sentiu uma grande angústia. Fechou os olhos.

A cabeça batia com força. Por dentro. E o grito aumentava, aumentava. Ouviu berrar. Chamar alguém. O remador empurrava-lhe o peito, ao ritmo de quem rema. Tentou gritar. Não conseguiu. O grito ficou encalhado na garganta.
Depois tudo foi ficando escuro, escuro e quedo. E acabou.
NUNCA MAIS.

Alberto Branquinho*
__________

Notas de CV:

(*) Alberto Branquinho foi Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6778: Contraponto (Alberto Branquinho) (12): Duas visões do Almirante Américo Thomaz

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6802: Notas de leitura (137): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Julho de 2010:

Queridos Amigos,
É um livro importantíssimo.
Por isso mesmo vamos completá-lo com a recensão do livro anterior do António Duarte Silva.

Um abraço do
Mário




As Constituições Bissau-guineenses:
Caminho lundjo inda de ianda


por Beja Santos

O livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau”, de António Duarte Silva (Edições Almedina, 2010) propicia ao leitor interessado um grande manancial de informações sobre a história da província da Guiné, sobretudo desde o século XIX até à Independência, procura chaves explicativas sobre o fenómeno nacionalista e apresenta a via da libertação nacional, nomeadamente a doutrina do PAIGC. Este último ponto merecerá um amplo comentário quando se fizer a recensão de outra obra de António Duarte Silva A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa (Afrontamento, 1997). A última matéria que importa agora abordar prende-se ao estado das constituições bissau-guineenses, como se segue.

A Constituição do Boé foi aprovada em 24 de Setembro de 1973, em Lugajol, junto de Béli. Foi essencialmente redigida por Amílcar Cabral. Divide-se em cinco partes: fundamenta a declaração da independência; proclama o estado da Guiné-Bissau; enuncia os princípios fundamentais da nova República; precisa que a Guiné-Bissau corresponde ao território que no passado era a Guiné portuguesa; apela a todos os estados independentes para reconhecerem a República da Guiné-Bissau. Aprovada a Constituição, a assembleia constituinte designou os titulares do Conselho de Estado e do Conselho dos Comissários de Estado e aprovou a lei relativa à transição dos ordenamentos jurídicos. A Constituição foi imediatamente saudada pela grande maioria dos estados africanos, asiáticos, árabes e do bloco comunista. Em dois de Novembro, a Assembleia-Geral da ONU, numa resolução inédita aprovada por 93 votos a favor, 30 abstenções e 7 votos contra felicitou o novo estado soberano. Esta Constituição tem traços originais: aparece como resultado de uma libertação nacional; assume o estatuto de um Estado-Nação, combinando vários modelos; define o Estado como uma República soberana e democrática e proclamou o princípio da unidade Guiné-Cabo Verde. Consagra o princípio da hegemonia do PAIGC e o princípio da democracia nacional revolucionária, com francas parecenças com o constitucionalismo soviético. Em Outubro de 1974, o PAIGC instalou-se em Bissau onde a Assembleia Nacional Popular (ANP) passou a reunir a 1.ª Legislatura; a 2.ª Legislatura decorreu de 1977 a 1980. Em Maio de 1979, Luís Cabral anunciou a revisão constitucional. Um dos países mais pobres do mundo defrontava-se com gravíssimos problemas: perversão do poder; desaparecimento da participação popular; fracasso da política económica e do desenvolvimento rural; desmobilização radical do PAIGC; concentração do poder em meia dúzia de pessoas, etc. Em 10 de Novembro de 1980, a ANP aprovou o texto da nova Constituição centrada no reforço da unidade interna e da construção da unidade Guiné-Cabo Verde, era uma Constituição-irmã da de Cabo Verde. Terá sido esta a última gota que fez transbordar o copo de água. A 14 de Novembro Nino Vieira capitaneia o golpe de estado que afasta os cabo-verdianos e prepara a separação entre a Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Este golpe militar apresentou-se como um “Movimento Reajustador”, uma segunda libertação dos guineenses. Era liderado por um Conselho da Revolução, órgão predominantemente militar. Este “Movimento Reajustador” comprovou que o centro do poder não residia essencialmente no PAIGC mas no seu braço armado, as FARP. O regime político continuou a ser de partido único, retomou-se o discurso tribalista e os muçulmanos voltaram a ganhar influência. Deu-se o I Congresso Extraordinário do PAIGC, expulsaram-se Aristides Pereira, Luís Cabral e outros dirigentes cabo-verdianos e recomendou-se uma revisão constitucional.

A Constituição aprovada em Maio de 1984 tem a sua principal fonte na frustrada Constituição de 1980 com pequenas alterações. Foi muito influenciada pela Constituição do Boé, pela Constituição Cubana de 1976, pelo trabalho dos constitucionalistas da RDA e pela Constituição portuguesa. O executivo por ela preconizado não correspondia a um executivo no sentido ocidental, antes se assemelhando aos órgãos superiores administrativos de tipo soviético. Tratava-se claramente de um constitucionalismo pendendo para um regime presidencialista, autoritário e de partido único. A insatisfação acentuou-se com novas tentativas de golpe de estado que vai culminar, em Julho de 1986 com o fuzilamento de importantes dirigentes como Paulo Correia e Viriato Pã.

Dos anos 80 para os anos 90, a Guiné-Bissau negoceia com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, liberalizando a economia e depois o sistema político. Surgem leis de revisão constitucional em 1991, suprime-se o sistema de partido único e abrem-se as portas ao pluripartidarismo, adoptando-se os princípios da democracia representativa e do estado de direito. No plano formal, a Guiné-Bissau abria-se aos direitos fundamentais e à economia de mercado. Com estas leis de revisão, e dado o carácter da transição proposta pela revisão de 1993, pode falar-se de Constituição de 1993, com alterações substanciais: a Guiné-Bissau como república soberana, democrática e unitária. Com o reconhecimento do princípio do Estado de direito e a adopção da democracia representativa. O Presidente da República torna-se a chefe do sistema de governo enquanto a ANP se define como o supremo órgão legislativo e de fiscalização política.

O resto, é história por de mais conhecida. Eleições presidenciais em 1994, e Nino Vieira derrota Koumba Yala. Temos depois imensas andanças no governo. Mais adiante regista-se uma rebelião militar, depois a fuga de Nino e novas eleições. O autor fala na segunda vigência da Constituição de 1993, na Carta de Transição Política de 2004 e na terceira vigência da Constituição de 1993 e no aparecimento no Estado paralelo. Resultado: o caminho a percorrer é ainda longo.
__________

Nota de CV:

Vd. postes de:

25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)
e
27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6801: O Nosso Livro de Visitas (96): António Inverno, ex-Alf Mil Cav Op Esp, S. Domingos, 1973, amante da "bela" Kalash



1. Foto e mensagem, de hoje,  do nosso leitor António Inverno:


 António Inverno, Alferes miliciano de operações especiais, num afluente do rio Cacheu, em S. Domingos,  1973, eu e a minha inseparável Kalash.

António Inverno
Sumol + Compal
Fábrica de Almeirim
Técnico de service desk local
Estrada Nacional nº 1182080-023 Almeirim

Tel: 243 5944654 Fax: 243 594650

http://www.sumolcompal.pt

2. Comentário de L.G.:

É lacónico este nosso camarada (*). Não nos diz, por exemplo, a que unidade ou subunidade pertenceu e por onde andou... Através do blogue do nosso querido co-editor Eduardo MR, ficamos a saber que o António Inverno pertenceu ao 2º curso de Op Esp de 1972, esteve na Guiné entre 72 e 74, e gostaria de publicar aí uma fotografia,  no blogue Coisas do MR. "Estou aí a vêr fotos de gajos do meu curso, como o Casimiro e o Martins"...

Vejo, pela foto, que o António pertencia à arma de cavalaria, além de ser "ranger"... Fica convidado a ingressar no nosso blogue e a explicar as razões do seu amor pela "bela" Kalash... pondo os c... à "fiel" G3, um tema já aqui polemizado  (**).

_______________

Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série > 7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6794: O Nosso Livro de Visitas (96): Quem se lembra do Dr. Noronha (de Bafatá), Toscano de Almeida, madeireiro, do Dias Saboeiro, figuras que povoam a minha infância ? (Maria Augusta Antunes, que cresceu no Xitole, na década de 1950)

(**) Vd. poste de

17 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)

Sobre a Kalash, vd. os seguintes postes publicados no nosso blogue, I Série:

17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?" (David Guimarães)

Vd. também o descritor AK47

Guiné 63/74 - P6800: (In)citações (4): A lavadeira Lisboa e o tocador de harmónica Sene Coiaté, com a Júlia Neto, na inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje (Pepito, AD - Acção para o Desenvolvimento)




Inauguração da Capelinha de Guileje, reconstruída, como parte integrante do Núcleo Museológico Memória de Guileje. 20 de Janeiro de 2010. Na foto, reconhece-se a Júlia Neto, viúva do capitão José Neto (1929-2007), ao lado do tocador de harmónica de Guileje e, na ponta esquerda, a lavadeira Lisboa (*)... Vídeo de Pepito / AD - Guileje, que nos chegou às mãos por cortesia da Júlia Neto, representante do nosso blogue na cerimónia de inauguração acima referida.


Vídeo (''26): © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009)  . Alojado em You Tube > Nhabijoes 






 Inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guileje,   incluindo a Capelinha de Guileje, reconstruída. Guiné-Bissau, região de Tombali, Guileje. 20 de Janeiro de 2010.  À ponta esquerda, a lavadeira Lisboa...De alcunha Lisboa, a lavadeira de Guileje, ao tempo da tropa portuguesa  que abandonou o aquartelamento de Guileje, em 22 de Maio de 1973, ensaia uma dança relacionada com o lavar da roupa da tropa...

Vídeo (''22): © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009). Alojado em You  Tube > Nhabijoes


1. O Pepito, que já está em Portugal, para passar o seu mês de férias com a família, já respondeu às minhas perguntas sobre o tocador de harmónica, antigo milícia_

Luís:

 Aqui seguem os dados do tocador de harmónica: 

Nome: Sene Coiaté;
Idade: 57 anos;
Natural: tabanca de Quebo Setuba (Sector de Bedanda);
Filiação: Sori Sufa Coiaté e Sira Camará 

Já cá ando por Portugal numa roda viva a resolver projectos da AD. Logo vos contactarei a partir de S.Martinho.

Abraços
 pepito


________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

Guiné 63/74 - P6799: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (9): Estar lá, estando cá

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 26 de Julho de 2010:

Caros camarigos editores
Com a força do calor aqui vai mais um escrito para a série.

Por acaso às vezes vem-me uma saudade da cerveja fresquinha que o Festas, (o encarregado do bar no Xitole), me trazia depois de uma "caminhada" pela mata.
Tinha um sabor que não mais encontrei!
Devia ser devido às circunstâncias, claro, e à arca frigorífica e petróleo!!!

Um abraço camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (9)

ESTAR LÁ, ESTANDO CÁ

O olhar fito no longe,
o pensamento vazio,
na procura de um momento,
um momento único,
e fugaz,
que me afaste da vida,
que todo ele seja paz,
que me traga pelo vento,
os ruídos e os cheiros,
que lá longe, bem longe
um dia deixei para trás.


Não quero sequer perceber,
o porquê desta saudade,
tão estranha,
e tão sentida,
de algo que eu não queria,
mas que morde o meu viver,
que me agarra àquela terra,
onde deixei a idade,
toda gasta numa guerra.


Onde estão agora,
o que fazem?
Será hora de sair,
ou será tempo de ficar?
Será tempo de suar,
o medo duma saída,
ou será tempo de repensar
num só momento,
uma vida?


Porque que é que sinto este desejo
de estar ali,
de onde me libertei,
ali com eles,
à volta de coisa nenhuma,
numa terra tão distante,
de gentes tão diferentes,
e no entanto tão perto,
tão perto do coração
que ali aprisionei!


Que coisa é esta tão estranha,
que me leva a querer estar,
num lugar que em cada dia,
ambicionava deixar!


Será verdade o que dizem,
que África é como um vírus,
que se agarra à nossa pele,
se faz todo sentimento,
se faz saudade e tormento,
que nos chama,
nos impele,
a querer lá viver,
sem lá estar,
e estando lá,
querer partir.


É curioso pensar,
que só os qu’ inda lá estão,
aqueles que por lá passaram,
e os que para lá partirão,
percebem tudo o que eu digo,
percebem até melhor,
o que eu guardo,
e nunca conto.


Ah, terrível ansiedade,
que se gera no meu peito,
se lá estou,
quero ir embora,
se parto,
quero voltar!
Será que não há modo,
nem jeito,
de estando aqui,
lá estar,
de estando lá,
regressar?


O olhar fito no longe,
o pensamento vazio,
na procura de um momento,
um momento único,
e fugaz,
que me afaste da guerra,
me traga de volta á terra,
à terra que me viu nascer,
e me envolva na paz.


07.01.1992
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

terça-feira, 27 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (24): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3489/BCAÇ 3872 (1971/74) > Aquartelamento de Cancolim

Foto: © Rui Baptista (2009). Direitos reservados



1. Comentário de Fátima Amado, deixado no dia 26 de Julho de 2010, no Poste 3126 (*), dirigido ao nosso camarada Juvenal Amado (**):

Caro Senhor,
As minhas mãos tremem à medida que avanço na leitura do seu relato, procuro há décadas alguém que me conte uma história de embalar, digo de embalar porque o meu coração não sossega.

O meu nome é Fátima Amado, filha de João Amado, o soldado que morreu...

Tenho por fim um relato desse dia malfadado que me roubou o meu querido pai, esse menino soldado... e embora não seja esta uma estória de embalar, 38 anos depois responde a algumas perguntas... morreu rápido, tão rápido como viveu, e eu hei-de honrá-lo e amá-lo para além do infinito.

Se alguém conheçeu o meu pai e por delicadeza queira partilhar comigo algum relato, deixo aqui o meu contacto de e-mail, mailro:fatima-amado@hotmail.com, fico-vos eternamente grata.

Fátima Amado


2. Este comentário foi enviado pelos editores ao nosso camarada Juvenal Amado, para conhecimento:

Caro Juvenal
Para teu conhecimento e uma palavrinha amiga.


3. No dia 27, Juvenal Amado dirigia-se assim à nossa leitora Fátima Amado:

Minha querida senhora
Não vou mentir que os olhos se me encheram de lágrimas ao ler o seu e-mail.

Leio e releio, e a dor das suas palavras, cavam dentro de mim um buraco onde cabem as minhas lágrimas de hoje e as que chorei há muitos anos atrás.

De facto eu não o conhecia pois estávamos no início da comissão e era das primeiras vezes que eu visitava aquela Companhia. Mais tarde convivi com muitos camaradas dessa Companhia e passei lá muitas noites de ansiedade, felizmente sem a gravidade dessa que nos marcou com um ferro em brasa.

Dirá hoje como foi possível com o mesmo nome e não termos conhecido pessoalmente, mas na verdade só se veio a falar desse pormenor depois.

Se buscarmos no passado não será difícil encontrarmos parentesco entre nós, pois Amado é um nome com árvore genealógica e as suas raízes são fundas.

O seu pai morreu combatendo como um homem, que esteve no seu posto e pagou com a vida uma dívida que não tinha contraído.

Mas se de alguma forma poderei ajudar a mitigar a sua dor, não havendo forma de adoçar essa taça de fel, acredite que foi rápida a sua desdita.

Já estive por diversas vezes no monumento onde o seu nome está gravado. Nunca poderemos esquecer os nossos.

Quanto a colegas do seu pai é bastante difícil, pois essa Companhia não se reúne nunca. Há no entanto um ex-furriel que também já escreveu para o blogue que eu procurarei para lhe enviar um link.

Se quiser dar-me o prazer de a conhecer, falaremos pessoalmente daquele tempo.

Despeço-me respeitosamente, bem haja pela memória e o nome de seu pai.

Ao seu dispor atentamente
Juvenal Amado


4. Resposta de Fátima Amado ao nosso camarada Juvenal:

Caro amigo,

Lembro-me quando era pequenina e esperava junto à lareira com as mãos enfiadas nas mangas, pelo dia de Natal, ia de certeza comer chocolates nesse dia, nem que fossem aqueles que enfeitavam a pequena árvore e se misturavam com o algodão. Essa espera fazia-me saltitar todo o dia, corria de um lado para o outro como se o relógio pudesse correr também, olhava a chama do fogo que bailava à minha frente e aquele era o único calor que havia em todo o lar.

Hoje estou novamente junto à lareira à espera do dia de Natal, não para comer chocolates mas para lhe poder dar um enorme abraço, e vou correr tanto que o relógio vai ter que correr comigo e trazer o dia de Natal mais cedo.

Seria para mim uma enorme honra e prazer poder conhecê-lo pessoalmente.

Um dia um amigo levou-me a passear nos jardins de Belém, enquanto caminhávamos e conversávamos descontraidamente, surge junto a mim o monumento aos heróis da guerra, fiquei regelada, durante segundos os meus pensamentos voaram, até então não sabia a data da sua morte, percorri cada sentimetro daquela pedra com as minhas mãos e acariciei todos aqueles nomes que se esculpiram para toda a eternidade.

À medida que percorria, ia dizendo baixinho "meu pai onde estás tu" e, de repente, ele estava mesmo ali diante dos meus olhos, entre os meus dedos, foi como se lhe tocasse e o vento me abraçasse.

Anos mais tarde erigiram um outro monumento aos heróis do concelho da Marinha Grande, onde por vezes passo junto com os meus filhos, e digo-lhes que o avô foi um herói.

Hoje, quando digo ao meu pequenino que ele é o meu herói, ele pergunta-me se é herói como o avô do jardim.

Escreveu o senhor num dos seus poemas que em tempo de paz são os filhos que enterram os pais, em guerra enterrei o meu pai, naquele dia morreu também a minha mãe que vive sem querer ou saber porquê, aquele maldito morteiro ceifou-lhe o marido e o seu grande amor, com ele morreu-lhe a esperança.

Moro na Marinha Grande, perto de Leiria [...], espero ansiosamente junto à lareira pelo dia de Natal.

Um forte abraço e mil obrigadas por se dispor a ajudar, estou-lhe eternamente agradecida, a si e aos demais.

Fátima Amado


5. Comentário de CV:

Mau grado alguns comentários depreciativos de alguns penetras, o nosso Blogue vai cumprindo o seu destino, ser um repositório de memórias e experiências de antigos combatentes da Guiné que se expõem com nome, posto e rosto (fotografias) para que nos possamos conhecer e falar (escrever) olhos nos olhos. Umas largas dezenas até já se conhecem pessoalmente e convivem nos Encontros anuais.

O Luís criou uma série com o título sugestivo de "O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande" (***).

Na verdade esta página tem proporcionado momentos de felicidade no reencontro de antigos camaradas que perderam contacto por via dos desencontros da vida e muitos filhos de camaradas se nos dirigem em nome de seus pais no sentido de encontrar velhos companheiros de luta.

Temos ainda o privilégio de ter entre a tertúlia senhoras que de algum modo se sentem ligadas a nós, velhos camaradas de seus maridos, afilhados de guerra, amigos, etc.

Este poste traz ao conhecimento da tertúlia um caso interessante de uma filha de um camarada nosso, João Amado, Soldado Auxiliar de Cozinheiro, CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, infelizmente falecido em combate durante um ataque ao aquartelamento de Cancolim (****).

Um poste do Juvenal Amado  e uma filha que encontra relatado o trágico momento da morte de seu pai. As mensagens dizem o resto.

Cara Fátima Amado, considere-se a partir de hoje filha adoptiva (adoptada) desta tertúlia, onde pontificam velhos camaradas de seu pai, que tiveram a sorte de sair vivos, mais ou menos incólumes daquela guerra que devastou a juventude da nossa geração.

Por que podendo ser nossa filha, não me acanho, antes de terminar, em mandar-lhe um beijinho em nome dos meus camaradas.

Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:


(*) Vd. poste de 10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3126: Estórias do Juvenal Amado (14): Morteiro no meio da Parada de Cancolim

(...) Não sei quanto tempo durou [ o ataque a Cancolim,], mas sei que foi demais. Pouco a pouco, a violência do ataque abrandou. O fumo, o pó e o cheiro, manteve-me muito tempo sem me mexer. Espreitava pelo bordo da vala para ver se descortinava o que se passava. Havia mortos e feridos, foi a noticia que começou a correr pelas valas.

A madrugada com a sua luz redentora, mostrou-nos a destruição e os estilhaços espalhados por todos o lado.


(...) Estavam três camaradas mortos dentro de uma vala. Uma granada tinha rebentado dentro. Os seus corpos destroçados foram, como possível, depositados nos sanitários em construção.

(...) é em memória deles esta estória.

José António Paulo - natural de Mirandela
João Amado - natural de Vieira de Leiria
Domingos de E. Santos Moreno - Natural de Macedo de Cavaleiros (...)


(**) Vd. último poste da série Estórias do Juvenal Amado >  11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães

(***) Vd. último poste da série de 4 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6533: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (24): You made my day. Encontrei o Xico (Nelson Herbert)

(****) João Amado, natural de Carvide, concelho de Leiria, Sol Aux Cozinheiro, nº 03858869, mobilizdao pelo RI 2, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, morto em 2/3/172, sepultado em Vieira de Leiria, segunfo preciosa informação do portal Guerra do Ultramar: Angola, Guiné, Moçambique > Mortos na Guerra do Ultramar > Concelho de Leiria

Guiné 63/74 - P6797: V Convívio da Tabanca Grande (17): Caras novas (Parte IV): A Manuela Campos, nortenha, mulher do Eduardo
















(...) Depõe-se as armas,
despem-se os camuflados,
tiram-se as pinturas de guerra,
e apresenta-se um ar “normal”!
É que durante umas horas,
quase sem ninguém se dar conta,
esteve a Guiné toda inteira,
um dia em Monte Real!



Monte Real > Palace Hotel > V Encontro Nacional da Tabanca Grande Grande > 26 de Junho de 2010 >  O Eduardo e a Manuela Campos... Outras personagens: O José Manuel Lopes (o fabricante de néctares dos deuses) (3ª foto a contar de cima), o Sousa de Castro, o Manuel Amado e o Hélder de Sousa, de costas (na última foto).

Fotos: © Luís Graça(2010). Direitos reservados


O único facto insólito poderia ser a presença delas... ao lado deles, dos seus homens e dos amigos e camaradas dos seus homens. Mas não, não faltam, não falham, algumas desde o já longínquo 1º Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-O-Novo, em 2006... Umas vêm pela primeira vez, este ano... E, à despedida., dizem:  Foi bom, gostei, pensava que só falassem de tropa e de guerra, p'ró ano, se Deus nos der vida e saúde, cá estaremos de novo... 

Pois é, elas são as nossas mulheres... A das fotos de cima, aqui apanhada em flagrante delito de ternura é a mulher do Eduardo Ferreira Campos... O Eduardo foi 1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74) e esteve, em Abril na Guiné, numa viagem de turismo de saudade. ("Gostei de tudo, fui a quase todo o sítio, a única decepção foi... a tua Bambadinca"...).

A Manuela, que vive na Maia (com o Eduardo, e vice-versa...) é periquita nestas andanças,  pelo menos ao nível dos nossos encontros bloguísticos. Mas esteve à altura dos acontecimentos. E daí merecer esta sequência fotográfica (que até nem saiu mal ao fotógrafo de serviço, que não se pode queixar, já que a matéria-prima era/é boa: eles são fotogénicos, espontâneos, bem dispostos, divertidos, palradores, nortenhos)... O Eduardo, por sua vez, já não é estreia absoluta, contrariamente ao que ficou dito, por lapso, no poste P6669 (*).

Eles formam um casal que está bem na vida e sobretudo está bem com a vida...O Eduardo reformou-se da sua actividade empresarial como construtor: O casal tem duas filhas, formadas...  A Ana Carvalho, esposa do  J. Casimiro Carvalho, é mana do Eduardo Campos: que fique registado isso em acta, para evitar embaraços futuros ao escriba de serviço.

Para mim, foi uma honra privar um poucochinho mais com o camarada Eduardo e a sua Manela...Entretanto, soube há dias, na passada 4ª feira, no almoço da Tabanca de Matosinhos, pela boca do próprio Eduardo, que a Manela tinha tido  entretanto um problema de saúde, e que a família tinha apanhado um susto... Mas, felizmente, já recuperou e está bem. Daqui, vai um chicoração para ambos, com votos de novos e felizes encontros.

Luís Graça
__________

Notas de L.G.:

(*) 9 de Julho de 2010  > Guiné 63/74 - P6703: V Convívio da Tabanca Grande (13): A Guiné em Monte Guardado Real ou um Encontro de camarigos (Joaquim Mexia Alves)

Vd. ainda:

 3 de Julho de 2010  > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)

2 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6669: V Convívio da Tabanca Grande (11): Caras novas (Parte II): Jorge Araújo, Acácio Correia, Manuel Carmelita, Eduardo Campos, João Malhão Gonçalves, Júlia Neto, Arménio Santos.. (Luís Graça)

30 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6662: V Convívio da Tabanca Grande (10): Caras novas (Parte I) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6796: Ser solidário (82): Arrancou da melhor maneira a campanha de fundos para se abrir um poço em Medjo (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teuxeira, com data de 25 de Julho de 2010:

Caríssimos
A campanha para abrir um poço em Medjo já está em marcha.
Agradecia que publicassem um poste com o texto que se segue
Zé Teixeira


Sementes e água potável para a Guiné-Bissau

Arrancou da melhor maneira a campanha de fundos para se abrir um poço em Medjo.

Para dar continuidade ao Projecto SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL PARA A GUINÉ-BISSAU, agora que Amindara já tem água, vamos avançar com o projecto de abrir um poço em Medjo, tabanca por onde passaram muitos dos combatentes da Guiné.

Para o efeito, realizamos um ARRAIAL DE BENEFICÊNCIA* em que as estrelas foram a sardinha assada e o frango de chabéu aprimoradamente confeccionados pelo Emílio Ferreira e pela Gi. O Emílio que nunca esteve na Guiné, foi trazido para a Tabanca pela mão do seu irmão o Vitor. A Gi, guineense de gema, radicada no Porto, especialista em pratos típicos da sua terra.

Aconteceu no passado dia 17 em casa do Mário Graça ao Monte dos Burgos. À vontade de trabalhar de alguns, correspondeu uma vontade danada de saborear os petiscos por parte dos sempre bem-dispostos 74 convivas que por lá apareceram.

As sardinhas foram oferecidas pelo Jorge Cruz. À sua excelente qualidade, correspondeu um assador de alto gabarito com tecnologia de ponta – a técnica do vinagre, que lhe emprestou um aspecto e um sabor divinal.

Os frangos vierem gratuitamente dos talhos dos camaradas Casimiro e do Horácio. A Gi transformou-os num pitéu de requinte, que levou toda a gente a correr apressadamente aos tachos, apesar de já se terem consumido mais de 400 sardinhas.

Não fosse o “pito” voar e os convivas ficarem a chuchar no dedo. Felizmente a quantidade foi mais que suficiente. Deu para repetir e ainda sobrou.

O vinho, como sempre tem origem na Régua pela mão do Zé Manel, com a participação activa do Eduardo Moutinho Santos que não quis ficar atrás e nos presenteou com um saboroso néctar a concorrer com o já conceituado Pedro Milanos.

A fruta veio da Feira de Custóias, oferecida por um camarada que não pôde estar presente.

A doçaria, foi aparecendo pelas mãos de dedicadas companheiras de alguns dos convivas.

As alfaces arrancadas pelo cedinho da manhã da horta do Pacheco estavam fresquíssimas e saborosas. Foi um “ver se te avias” como complemento digestivo.

De Moncorvo, vieram pela mão do Moita o pão, o azeite e as azeitonas. Pena foi que o Moita “sonhasse“ com um jantar e só aparecesse no fim, depois de ser alertado por alguém que notou a sua ausência.

O Nelson, encarregou-se de adquirir o material de logística, como copos, pratos, talheres a que juntou as bebidas.

Os trabalhos de arranjo do espaço e complementos alimentares estiveram a cargo de uma equipa, onde pontificaram o Vítor, o Zé Rodrigues, o Emílio, a Chico Allen, o Carlos Teixeira, o Pires, o Xico Dias, sem esquecer o Manuel Graça, que esteve em todas, para além de ceder o espaço. Perdoem-me se falta alguém.

As cadeiras e mesas em falta apareceram como por encanto por mão dos manos Vítor e Emílio, que “desenrascaram” uma arca congeladora e o grelhador, para que nada faltasse.

Um grupo de senhoras disponibilizaram-se a dar um toque feminino a toda a festa. Foram incansáveis, como aliás toda a gente que se envolveu.

Não há palavras que cheguem para agradecer tanta generosidade e disponibilidade, pelo que vou usar a mais comum: OBRIGADO MINHA GENTE.

De realçar que o nosso Presidente, Álvaro Basto estava em festa. Neste dia contava sessenta e uma primaveras, pelo que teve direito a justa homenagem, com bolo champanhe, uma recordação e sobretudo o carinho e afecto dos presentes que em coro animado, lhe cantaram os Parabéns.

Por último registo a presença amiga de vários elementos do Clube Lions da Senhora da hora e da Trofa, nossos irmãos no ideal de servir os mais carenciados. Trouxeram com elas as ofertas recolhidas na Semana da Guiné que recentemente o Clube Lions da Trofa realizou para enviar para as crianças da Guiné-Bissau.

Os primeiros convivas começaram a chegar às 10 horas da manhã. Pelas 10 horas da noite, o Graça conseguiu fechar a porta. Deste modo se pode ajuizar do prazer com que se conviveu neste dia memorável.

Para encerrar com chave de ouro, apareceu já ao fim da tarde, uma jovem linda como o sol da primavera, a filha do Emílio que nos presenteou com dois lindos fadinhos, cantados à capela, por falta dos habituais guitarristas. Tem uma voz maravilhosa e promete voltar na próxima actividade do género que já está a ser preparada.

Registe-se que o objectivo desta actividade era iniciar o pecúlio monetário para fomentar a abertura de um poço de água potável em Medjo na Guiné-Bissau, cujo custo está orçado em 4.000,00€.

O objectivo de 1.000,00€ foi ligeiramente ultrapassado, pois obtiveram-se 1.036,00 €

A campanha vai continuar para que rapidamente se consiga o total da verba necessária. Como sempre contamos com a generosidade dos combatentes da Guiné e de todas as pessoas de boa vontade. Actualmente já ultrapassamos um terço da verba necessária.

Deposita a tua comparticipação na Associação Tabanca Pequena-Grupo de Amigos da Guiné-Bissau - NIB 0036 0086 99100057222 24

Zé Teixeira


__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6656: Ser solidário (78): Arraial de Beneficiência, dia 17 de Julho de 2010, Monte dos Burgos - Matosinhos (Álvaro Basto)

Vd. último poste da série de 20 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6768: Ser solidário (81): A água já corre em Amindara (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P6795: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (4): A cabra do Berguinhas

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Julho de 2010:

Olá Camaradas
Para registo nas "Memórias boas da minha guerra", junto a história da "Cabra
do Berguinhas".


Em anexo vão algumas fotos para aproveitarem. O protagonista é o furriel
Faria, identificável de pé, "animado", com o António Rijo (grande figura do voleibol) à sua esquerda.


Um abraço e desejo de boas férias do
Silva da Cart 1689



Memórias boas da minha guerra (4)

A cabra do Berguinhas

A nossa Cart 1689 - Os Ciganos - era uma Companhia de Intervenção. E como tal, passou a maior parte do tempo de serviço em Operações Militares ao longo da Guiné.

Em muitas dessas operações atacávamos acampamentos e muitas vezes trazíamos cabritos e galinhas, usando de “truques especiais” para que uns não fizessem “mé-mé” e outras não cacarejassem. Numa operação, lá para os lados de Gubia (Empada), o Furriel Enfermeiro Faria, mais conhecido por Berguinhas ou por Pastilhas ou, ainda, por Doutor ( assim chamado na zona de Canquelifá, devido às “curas milagrosas” que conseguia), trouxe, ao colo, uma cabra ainda muito nova.
Tratava a cabra como se fosse um filho. Lavava-a amiúde, medicava-a e a comida nunca lhe faltava. Além disso, deu-lhe tanto carinho que se tornaram inseparáveis. Era a sua Princesa.

Estávamos em Catió, a comida não abundava e o apetite era grande. A gestão da messe pertencia, normalmente, àqueles sargentos que tudo fazem para amealhar mais uns cobres, tal como no rancho geral e quase sempre com a cobertura do respectivo oficial. Foi ali que conheci a Sopa 365, à qual num dia se acrescentava água, no outro arroz, estrelinha, etc. e, assim, dava para todo o ano. Conheci também um prato, assiduamente servido - Arroz com Arroz e Arroz e… algumas rodelas de salsicha.

O que nos valia, muitas vezes, eram os peixinhos da Bolanha em escabeche, pescados por nós (Silva, Valente, Faria…) as rolas do Valente, “domesticadas” com a G3 e os cabritos e galinhas, embora nem sempre se apanhassem nas operações e que, em Catió, não se conseguia comprar.

A Princesa cresceu, ganhou formas e pôs-se bonita. Era aloirada, de olhos claros com pestanas escuras e algumas madeixas na cabeça. A sua silhueta era esbelta onde se destacavam o longo pescoço bem como as pernas e ancas bem proporcionadas. Andava sempre junto do Berguinhas e ele acariciava-a tanto que o Valente exclamou: - Ó Berguinhas não me digas que és tu que lhe vais tirar o cabaço? - Solta a gaja para fora do quartel e deixa-a arranjar macho – disse eu. Mas o Cepa, com o habitual sentido racional , observou: - Ela já dá uma boa cabritada. - Ó Filhos da puta! – gritou logo o Berguinhas – Ai de quem lhe toque, que eu mato-o.

Mal ele a soltou, ela começou a aparecer muito bem acompanhada. E porquê? Porque, para além da sua beleza, o Berguinhas passou a investir fortemente no sabonete Cadum. Ele lavava a cabra, punha-a cheirosa, escovava-a. Depois levava-a à entrada do quartel (Porta de Armas), dava-lhe umas palmadas no traseiro, empurrando-a para fora e dizia “Vai minha puta. Vai, vai e trás um que seja jeitoso”.

Passaram a ser tempos abastados. Ela passava junto à messe com os mais variados pretendentes. Então, um do grupo dos Furriéis dizia para o Berguinhas, de forma a ser ouvido pelos outros militares alheios ao grupo: - Podes abater o castanho, que é meu. E logo outro acrescentava: - E para a próxima, pode ser o meu, o malhado.
Auxiliado pelo pessoal da cozinha, o Berguinhas, pendurava pelas patas traseiras, os apaixonados da cabra jeitosa. E foi assim que muitos cabritos foram bem aviados.
Mas houve um que nos fez tremer. Foi o caso do cabrito do Administrador. Por ser tão grande, nem parecia um cabrito. Mais parecia um touro. Era conhecido por toda a população e como era o Cabrito do Administrador, ele passeava o seu corpanzil e o seu apetite (sexual incluído) por onde queria. Entrava nas casas dos nativos e estes até tinham medo de o enxotar.

Ora este, quando descobriu a Princesa bem cheirosa, não a largou mais e os outros cabritos inibiram-se ou amedrontaram-se, deixando o caminho livre para o corpulento conquistador. Por coincidência, a nossa Companhia estava para, mais uma vez, para ser transferida, agora para Cabedu. E o Berguinhas não resistiu à tentação. Quando viu a cheirosa chegar, acompanhada pelo matulão, chamou-a para a zona do limoeiro onde, bem ajudado, rapidamente o agarrou e pendurou o referido meloso. Ficou com a cabeça inclinada, por estar a tocar no chão. Foram feitas fotografias, mostrando essa posição.

Parecia que tudo tinha corrido bem, mas, o sururu que os trabalhadores negros da construção da nova messe fizeram, quando viram a morte do gigante, deve ter passado as paredes do quartel.

Passava das treze horas quando o nosso grupo já havia rejeitado o prato (alternativo…) do almoço que, desta vez, era Esparguete com Esparguete e Esparguete e… algumas rodelas de salsicha. O assado estava propositadamente atrasado a fim de se evitarem quaisquer reacções hostis, enquanto os outros comiam. E quando estávamos na mesa, junto da porta, já de ferramenta nas mãos, ficámos boquiabertos ao vermos aproximarem-se o nosso Comandante de Batalhão e o Administrador de Catió.
E ouvíamos o nosso Comandante: - Oh Senhor Administrador, olhe que até lhe fica mal, uma coisa destas. Então o Senhor não sabe que a Companhia de Intervenção traz cabritos e galinhas das Operações?

- Mas, oh Senhor Comandante, toda a gente conhece aquele cabritão e os empregados viram matá-lo lá atrás da messe, respondia o Administrador.

- Por favor, Senhor Administrador, não caia no ridículo, tenha calma. A essa Companhia não faltam cabritos. Coitados, é uma pequena compensação de tanta porrada que têm tido- insistia o comandante, que agora lhe colocava a mão sobre um ombro e procurava desviá-lo. – Vamos beber um whisky.

Foram rodando e baixando o tom do diálogo. Então o Machado, que era dos que sofria mais do “frio nos dentes”, ordenou em voz alta: - Saia cabrito!

O Administrador ainda deu uma olhadela para trás e terá visto que já ninguém tinha as mãos vazias e que ninguém usava as ferramentas. Grande petisco!

Alguns dias depois, já em Cabedu, fomos surpreendidos com a descida de uma avioneta. Estava de passagem e trazia o correio de Bissau. E como viram nela um acompanhante, logo se ouviu o Miranda a gritar: - Foge Berguinhas que vem aí o Administrador.
Mas foi alarme falso.

A Princesa acompanhou-nos, além de Catió, por Fá, Cabedu, Canquelifá, Bambadinca e Bissau. Sim, em Bissau, no Quartel General! O Furriel Faria, devidamente fardado, levou a Cabra amarrada por um cordel, desde o cais da Amura, pela Avenida, até ao QG – Quartel General das Forças Armadas da Guiné, para onde a nossa Companhia foi transferida no final da comissão.

Nesta foto: da esquerda para a direita - Dias, Valente, Silva, Faria (Berguinhas) e Machado.

O Berguinhas andava triste. Aproximava-se o dia do nosso regresso e ele não sabia que fazer com a cabra, que ali vivia em instalações secretas, embora de primeira classe. Pedia conselhos mas também ninguém sabia dá-los. Trazer uma cabra da Guiné era impossível. Vendê-la, seria uma traição para quem tanto nos tinha ajudado.

Dá-la, não havia quem a merecesse. Ninguém queria ser injusto com aquela querida Princesa mas, veio ao de cima a racionalidade daquele grupo, que tantas privações e desgostos havia sofrido. Tal como acontecera em dia de morte de colegas, lá teríamos que beber mais uns copos para esquecer. E, embora desta vez o luto não fosse assim tão grave, é certo que a tristeza também nos invadiu. Ao contrário do barulho das outras patuscadas, esta foi em silêncio, como se tratasse de uma cerimónia religiosa.

Não foi o Berguinhas que a imolou, mas quando estava a (tentar) comer, as lágrimas escorriam-lhe pelas faces. E todos nós, que até nem bebíamos mal, tivemos que beber muito mais para que o ambiente geral melhorasse.

(Silva da Cart 1689)
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 23 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6777: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (3): Os sonhos do Farinha

Guiné 63/74 - P6794: O Nosso Livro de Visitas (95): Quem se lembra do Dr. Noronha (de Bafatá), do Toscano de Almeida, madeireiro, do Dias Saboeiro, figuras que povoam a minha infância ? (Maria Augusta Antunes, que cresceu no Xitole, na década de 1950)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Novembro de 2000> Uma das mais belas tiradas pelo Albano Costa (ou seu filho, Hugo Costa), aquando da sua visita à Guiné-Bissau... Mulheres e crianças tomando banho nos rápidos do Saltinho... Poucos de nós tiveram o privilégio de, em tempo de guerra, contemplar uma cena idílica, quase bíblica,  como esta... Na época o Rio Corubal era um dos sítios onde o tuga não se atrevia a tomar banho, com excepção do Saltinho... É dos rios míticos que, quais fantasmas, nos povoam a memória... E que deve ser familiar à nossa leitiora Maria Augusta Antunes, que viveu lá perto até ao início da década de 1960...

Foto: © Albano Costa (2006). Direitos reservados


1. Comentário da nossa leitora Maria Augusta Antunes (*), com data de hoje, ao poste P6434 (**)

Por favor, algum dos soldados que chegaram à Guiné em 63, se lembra do Dr. Noronha, de Bafatá? Do Sr. Toscano de Almeida, madeireiro, que ajudou a levar tantos colonos para a Guiné? Do Dias Saboeiro?

Porque não li nada sobre eles e julgo que deviam dar a conhecer estas pessoas a quem brancos e negros desse tempo tanto devem... Eu era pequena e pouco sei deles... mas gostaria de aprofundar as suas origens e até conhecer os seus descendentes para lhes contar o que me lembro deles. Eles povoam as memórias da minha infância.


2. Comentário de L.G.:

Cara leitora, e já nossa amiga do Xitole: 

Obrigado pela sua "visita" (***). Aqui fica, com visibilidade, o seu comentário ao poste do nosso camarada Beja Santos, em que se faz a recensão do livro do António Estácio, guineense, pessoa do seu tempo, nascida em Bissau. 

Se quiser adquirir o livrinho dele (Nha Carlota), sugiro que lhe telefone (219229058 ou 962 696  155). Trata-se de uma edição de autor. (Infelizmente, o nosso camarada e amigo António Estácio, faleceu em 2022. LG).

O Toscano de Almeida é citado várias vezes nesse livro de memórias. O António Estácio faz parte da nossa Tabanca Grande. Clique aqui para saber mais... 

Apareça sempre que quiser e puder. Inclusive fica convidada para ingressar no nosso blogue, como membro de pleno direito. Seria uma honra para nós podermos partilhar mais memórias da sua infância na Guiné. Mantenhas. Luís Graça

PS - Convido-a a ver um vídeo de 6 minutos sobre o Xitole, posto no You Tube pelo nosso camarada Álvaro Basto... Foi feito por Hugo Costa, filho do nosso camarada Albano Costa (de Guifões / Matosinhos) aquando de uma visita em grupo à Guiné-Bissau, em Novembro de 2009. O vídeo também pode ser visto no blogue Xitole, poste de 12 de Dezembro de 2007.

___________

Notas de L.G.:

(*) Nascida em 1948, no concelho de Tomar. Imigrou ainda bebé com os pais para a Guiné, donde regressou aos 12 anos [c. 1960]. Fonte: Comentário ao blogue Fundo da Rua > Domingo, 14 de Dezembro de 2008 > Um Ministro em Paio Mendes

Vd. também 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro)

 (**) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)

(...) Uma das singularidades da Nha Carlota foi o seu salazarismo indefectível, proibia que se falasse mal de Salazar. Fez sociedade com um dos filhos do antigo Presidente da República António José de Almeida, Manuel Alexandre Toscano de Almeida (confesso que de algum modo me baseei nesta personagem para criar o primeiro marido da Benedita, Albano Toscano, do meu livro “Mindjer Garandi”).


Este Manuel Toscano era opositor ao regime de Salazar, participou na sublevação da Guiné de 17 de Abril de 1931, foi demitido da função pública e depois enveredou pelos negócios. Viajou várias vezes a Portugal, numa delas, já perto do final da sua vida, foi recebida por Salazar. Nessa audiência ofereceu ao ditador um retrato dele próprio feito a carvão com a seguinte dedicatória: “Um homem tão grande para um país tão pequeno”. (...)

(***) Último poste desta série > 18 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6757: O Nosso Livro de Visitas (95): Cassiano Reginatto, um nosso leitor no Brasil que gosta de África

Guiné 63/74 - P6793: Notas de leitura (136): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2010:

Queridos amigos,

Continuo deliciado, a ler e a rever um livro bem reflectido, bem estruturado e útil para pensarmos a Guiné onde combatemos e onde o imprevisível, na actualidade, não pára de nos surpreender.

Nós constamos da bibliografia deste autor, que nos trata com muito apreço.
Todos os confrades, permitam-me a sugestão, terão tudo a ganhar com esta leitura aliciante de alguém que escreveu um livro de história e ciências jurídicas numa linguagem muito clara e acessível.

Um abraço do
Mário


Do nacionalismo à luta armada, Che Guevara e Amílcar Cabral

por Beja Santos

Continuamos à volta do portentoso livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” de António E. Duarte Silva (Edições Almedina, 2010)*.

No texto anterior, procurou-se dar uma panorâmica dos principais eventos do século XIX ao século XX, na óptica dos grandes vectores da colonização, tendo em consideração a obra incontornável de Sarmento Rodrigues.

Nesta viagem que nos levará, no próximo texto, à apreciação das diferentes constituições bissau-guineenses, vamos agora resumir as principais etapas que vão do nacionalismo até à luta armada (a história da luta armada será encarada na recensão de outro livro de António E. Duarte Silva,  A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Afrontamento, 1997).

É o governador Raimundo Serrão quem sucede, em 1949, a Sarmento Rodrigues. Serrão teve uma governação pálida. Praticamente limitou-se a inaugurar as obras encetadas por Sarmento Rodrigues. Por este tempo, terão surgido os primeiros movimentos políticos de contestação ao poder colonial. Revelar-se-ão insignificantes. O PCP terá tido alguma influência junto da pequena burguesia que contesta o colonialismo graças à farmacêutica Sofia Pomba Guerra. Crê-se que terá sido ela a apresentar Aristides Pereira e Osvaldo Vieira a Amílcar Cabral.

Nesta época, guineense e “activo” do PCP era Vasco Cabral. A seguir a Raimundo Serrão vem um governador polido e de modos aristocráticos, Diogo Mello e Alvim, isto numa altura em que Amílcar Cabral e a mulher publicam artigos alusivos à agricultura na Guiné Portuguesa no Boletim Cultural.

Também por esta época alargam-se os quadros da PIDE mas quem dá informações sobre as manifestações de “subversão” é a PSP. Cabral aparece ligado à tentativa de uma associação desportiva e recriativa, autorização que foi negada. Em 1955 é criado o clandestino MING – Movimento para Independência Nacional da Guiné. O PAI – Partido Africano da Independência terá sido constituído a 19 de Setembro de 1956, o pensamento de Cabral está em marcha, insere-se na vaga pan-africana. As elites crioulas, os mestiços, os pequenos quadros, os comerciantes, empregados públicos, manifestam simpatia pelos princípios do PAI.

Cabral aproveita-se das boas relações que desenvolvera em Lisboa no Centro de Estudos Africanos, contacta outros grupos que pretendem a libertação das colónias portuguesas. Os chamados “civilizados” guineenses, sempre hostis aos cabo-verdianos, decidem formar um Movimento de Libertação da Guiné que se diluirá quando, em plena década de 1960 a Organização da Unidade Africana reconhecer o PAIGC como o único movimento de libertação de toda a Guiné.

As autoridades portuguesas continuam impassíveis, não se apercebem da crescente contestação e das suas diferentes orientações: é uma longa calma que precede a tempestade. Nem o massacre do Pindjiquiti (o autor privilegia a ortografia tradicional, era assim que se escrevia e é assim que se escreve hoje).

Ainda há muitos dados sobre este massacre por esclarecer mas parece incontornável que houve uma péssima gestão negocial do gerente da Casa Gouveia, o conhecido historiador António Carreira, e a PSP perdeu o controlo da situação chacinando os amotinados, atirando sobre manifestantes fugitivos, liquidando implacavelmente os feridos.

Valerá, a tal propósito ler, o que escreveu o nosso confrade Leopoldo Amado em http://guineidade.blogs.sapo.pt/arquivo/1019191.html. [Mas também Mário Dias, o único de nós que esteve lá nesse dia...]

Os partidos políticos estão em formação tanto o MLG como o PAI, os nomes sonantes são os de Rafael Barbosa e Amílcar Cabral. Cabral, no exterior, procura mobilizar a consciência do movimento de liberação. Em 1960, Cabral já está instalado em Conacri e o PAI dá lugar ao PAIGC. A luta pelo reconhecimento internacional ia começar. No interior, de 1960 a 1962, a luta política ganha consistência.

O MLG lança-se declaradamente na guerra em Julho de 1961, atacando São Domingos e depois Susana e Varela. MLG e outras organizações operam a partir do Senegal e da Guiné Conacri. No essencial, nunca se entenderão, o problema cabo-verdiano é o grande óbice, os cabo-verdianos fingem ignorar este dado primordial ou julgam-no ultrapassável.

Por essa época, em Dakar, o diplomata Luís Gonzaga Ferreira tenta uma aproximação entre os guineenses e Salazar, revelar-se-á um insucesso, Salazar escolhera o seu caminho. A subversão alastra rapidamente, o PAIGC apostava com bons resultados na propaganda e na separação das populações. Em Janeiro de 1963, ainda deficientemente equipados e com a maior parte dos quadros ainda em formação sobretudo na China e na Checoslováquia, começou a luta armada com um ataque a Tite, o que veio desorientar as Forças Armadas Portuguesas. Em Julho desse ano a guerra atingia o Oio e o PAIGC instalou-se no Morés; o sul da colónia entrou em convulsão, foi aqui que se deu o mais rápido separar das águas. As autoridades portuguesas não sabiam o que fazer.

Para o brigadeiro Louro de Sousa, comandante militar da Guiné, a guerra estava perdida. Em Maio de 1963 é capturado um sargento da Força Aérea, trata-se do primeiro importante prisioneiro de guerra. De Janeiro a Março de 1964 vai ter lugar a chamada batalha de Como, a Operação Tridente. Teve imensos custos para o lado português serviu para muito pouco já que o PAIGC se ia espalhando com sucesso pelas penínsulas do Cantanhez e do Quitafine.

É nesta região, em Cassacá, que o PAIGC irá realizar o seu congresso, reorganizar a luta armada, reformular as estruturas partidárias e julgar os camaradas acusados abertamente de crimes inqualificáveis e até abomináveis crimes contra o povo. Foram julgados e fuzilados vários dirigentes.
Ainda hoje não está claro que crimes cometeram e à ordem de quem.

1964 foi o ano decisivo no alargamento da luta de guerrilhas. O PAIGC avançou para a região de Bissau mas a guerra não chegou ao interior da península como não chegará aos Bijagós, à ilha de Bolama e mesmo ao “chão fula”. Os grupos do PAIGC passam a actuar praticamente em toda a região Sul, abaixo do Geba e a oeste do Corubal. Em Abril, Arnaldo Schultz é nomeado como governador e comandante militar.

Schultz apercebe-se que o PAIGC fora bem sucedido no Sul e que tem um relativo controlo na região do Morés, actuando com subtileza em diferentes corredores que garantem o abastecimento das bases instaladas no interior. Por esta época as FARP estão em reorganização e o seu equipamento está, no mínimo, em paridade com as forças portuguesas. Os movimentos de libertação da Guiné, Angola e Moçambique passam a afinar posições, junto dos comités da ONU mas é indiscutivelmente o nome de Cabral que sobressai em todas as assembleias, pela sagacidade, conteúdo, leitura do futuro.

Quando Che Guevara percorre alguns pontos de África, já se tinha encontrado com Cabral. Os meios de comunicação não deram projecção a este encontro em que Guevara prometeu o envio de armas. Segundo Óscar Oramas (que virá a ser nomeado embaixador cubano, em Conacri) Guevara terá comentado que Cabral “era o dirigente africano de maior talento e que mais o tinha impressionado”.

A ajuda cubana virá, como é sabido. Será aliás em Cuba que em Janeiro de 1966 a I Conferência de Solidariedade dos povos da África, da Ásia e da América Latina e será aqui que Cabral terá ensejo de proferir uma das suas mais importantes intervenções ideológicas, inovando conceitos de matriz marxista, orientando-os para a realidade africana.

(Continua)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6782: Notas de leitura (134): Invenção e Construção da Guiné-Bissau, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6790: Notas de leitura (135): Rui Patrício: A vida conta-se inteira, de Leonor Xavier (Mário Beja Santos)