quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6899: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (10): Revisitando o passado de Alcobaça, dos anos 40, na Tabanca de São Martinho do Porto


São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto (*) > 21 de Agosto de 2010> Da esquerda para a direita, a anfitriã, Clara Scharz da Silva, a mãe do Pepito, tenda a seu lado a Sra. Levy Ribeiro (sogra do Pepito, mãe da Isabel) e a Júlia Neto


São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010> Da esquerda para a direita, António Pimentel, Luís Graça, Zé Teixeira e Manuel Reis...


São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010> Momento de alegre convívio à volta da mesa e da cachupa da Isabel...




São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010 >  Manuel Reis, Luís Graça e Xico Allen



São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010 Da esquerda para a direita >  Pimentel, a Alice e a Isabel



São Martinho do Porto > Casa do Cruzeiro (e, a partir de agora, sede da Tabanca de São Martinho do Porto > 21 de Agosto de 2010> Dois dos netos de que nos falava o Zé Neto, a Leonor e o Afonso... com uma das três filhas da Júlia.... Um ano e poucos meses antes de morrer, o Capitão Zé Neto confiou-me as suas memórias nestes termos: 

8/1/06 > Memórias de Guilege > "Meu caro Luis: Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte muito significativa das memórias da minha vida militar.

"São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família...

"Já cedi este modesto trabalho à AD do Pepito e conto não o fazer mais, por enquanto. É, como já te disse, uma perspectiva um tanto diferente dos relatos do blogue, mas é assim que sei contar as minhas angústias e sucessos. Diz qualquer coisa. Até breve. Um abraço do patriarca Zé Neto”.
A Leonor, por sua vez, mandou-me em 30/5/2007, às 7h29, a triste notícia da morte, esperada, do seu avô. Este funesto evento marcou-a muito, até hoje. "Assunto: Notícias tristes. Caros amigos: É com enorme dor que vos escrevo para comunicar o falecimento do meu querido avô, Zé Neto. Ainda não sei grandes pormenores, pois soube ontem por volta das 23.45h e a minha mãe foi de seguida para casa da minha avó e passou lá a noite. Não sei se me será possível comunicar-vos via e-mail outros detalhes como o velório e funeral, sendo assim deixo-vos o meu contacto telefónico que estará à vossa inteira disposição: 937317762. Um abraço, Leonor".


Fotos: ©  Pepito (2010). Todos os direitos reservados.


1. Texto enviado pelo JERO, com a seguinte nota (**):



Caro Comandante Luís: Votos de boa saúde e renovados agrdecimentos pela tarde de 21 de Agosto último na Tabanca de São Martinho do Porto.

Só para conhecimento remeto em anexo a postagem M 289 do meu blog, que acaba de completar um ano.

Cumprimentos a tua mulher e um grande abraço deste teu incondicional amigo de Alcobaça,
JERO



2. Blogando e andando > Regresso ao passado em de São Martinho do Porto … (***)
por JERO 


Absolutamente por acaso estive em passado recente – 21 de Agosto  – na Casa de férias da família Scharwz da Silva .


A meio da tarde desse dia 21 o Luís Graça , a quem me une uma amizade muito especial por termos sido ex-combatentes da Guiné, telefonou-me por se ter lembrado que eu poderia estar de férias em São Martinho. E acertou.


O Luís é o coordenador de um blogues mais visitadas de Portugal. O seu blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) teve até ao dia de hoje (25.Agosto.2010) 1.955.885 páginas visitadas!


Estava em São Martinho do Porto com a sua mulher Alice e com diversos amigos ligados à Guiné. Com a Júlia Neto,  viúva do nosso campanheiro Zé Neto (1929-2007), com uma delegação da Tabanca de Matosinhos (Zé Teixeira, António Pimentel e Xico Allen), com Manuel Reis (coordenador da Campanha Angariação de Fundos para a Reconstrução da Capela de Guileje).


Telefonou-me e ao grupo juntou-se o JERO.


Mais tarde – e continuo a aproveitar a postagem 6882 do Luís Graça no seu blog – apareceu o Teco, acompanhado da esposa .O Teco, natural de Angola, de seu nome Alberto Pires, foi Furriel Miliciano  na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964...


Do lado dos donos da casa , estava a matriarca, Clara Schwarz, a nossa 'tabanqueira' com a bonita idade de 95 anos, o seu filho Carlos (Pepito), a esposa, Isabel Levy Ribeiro, e a mãe desta... A Isabel ofereceu-nos uma deliciosa cachupa...


O Pepito estava à espera de um batalhão, ficou decepcionado ao ver apenas meia dúzia de gatos pingados... que o JERO e o Teco reforçaram já a meio da tarde


Continua o Luís Graça em relação a Clara Schwarz «…Que o diga o JERO, que esteve com ela a lembrar coisas da década de 40, quando Alcobaça (e o resto de Portugal) receberam jovens refugiados austríacos...».


Aqui entro eu.


Para meu espanto,  a Dª.Clara e o seu marido, o advogado Artur Augusto Silva, tinham residido em Alcobaça na década de 1940, antes do casal partir para a Guiné em 1949. Mais exactamente entre 1945 e 1949. A Dª. Clara Schwartz tentou-me explicar onde então moravam em Alcobaça mas não deu para entender.


Mas lembrava-se de muita coisa desses velhos tempos ...


Tinham sido amigos pessoais e visitas de casa do Pintor Luciano Santos, de quem fiquei de lhe arranjar um catálogo. Já o encontrei entretanto (é de 1993) e cabe aqui deixar uma pequena nota para recordar quem foi este extraordinário pintor,  alcobacense por casamento.


Luciano Pereira dos Santos [. foto à esquerda, ] nasceu em Setúbal, a 25 de Março de 1911.  Faleceu em Lisboa com 95 anos em 12 de Dezembro de 2006.


Num texto escrito há mais de 50 anos, António Ferro, Director do Secretariado Nacional de Informação (SNI),  pode ler-se sobre o pintor setubalense:

“Há pintores que são modernos (moderno, para mim, significa a verdade que parece mentira…) por simples temperamento; alguns por fria razão intelectual; outros por moda ou snobismo; outros ainda por deficiência de recursos técnicos que não conseguem mascarar com o seu falso vanguardismo; certos, finalmente (às vezes nem sabem nem querem saber que são modernos), por motivos de ordem poética, porque os seres e as coisas, para eles, têm sempre um halo que as transfigura…Luciano pertence, a meu ver, a esta última categoria de pintores.”


Depois saltámos… para advogados do tempo do seu marido Artur Augusto Silva. Recordava-se do Dr. Pinna Cabral e de uma paixão complicada de uma sua familiar próxima ,que muito agitou a sociedade do seu tempo na então pacata vila de Alcobaça.


Já entretanto o Luís Graça me tinha contado da sua ascendência judaico-polaca e da perda de muitos familiares em campos de concentração nazis.

Saiu de Portugal em finais de 1949 devido a perseguições políticas que o seu marido foi alvo por ter defendido alguns prisioneiros do Tarrafal.


Confirmámos na Net (Irene Pimentel, sobre alguns dados sobre o campo de concentração do Tarrafal) que «…terminada a guerra com a derrota dos nazi-fascistas e o desmantelamento dos campos de concentração e de extermínio nazis, descobertos pela opinião pública, e sob o efeito de fortes pressões internacionais, o governo (português) promulgou uma amnistia, que levou à libertação de 110 presos no Tarrafal, onde permaneceram cerca de 52 detidos políticos, entre os quais se contavam os ex-marinheiros da Revolta de 1936.»


Clara Schwarz tem do seu casamento e dos 25 anos que passou na Guiné as melhores recordações. Em Bissau, a Dra. Clara foi professora no Liceu Honório Barreto.


Mas voltando um bocadinho atrás e ao início da nossa conversa em que recordámos acontecimentos da década de 40, para recupera a sua memória sobre os jovens refugiados austríacos que Alcobaça (e o resto de Portugal) então receberam.


Mal a dona da “Casa do Cruzeiro” [, imagem à esquerda, ] referiu os miúdos austríacos lembrei-me (com emoção) do Hans e do Helmutt com quem tinha brincado numa casa da família Raposo Magalhães, que ficava na esquina da Rua Vasco da Gama com a Rua Afonso de Albuquerque, onde moravam os meus pais e avós.”Vi” à distância no tempo dois miúdos altos, que usavam calções compridos.


Clara Schwarz, que fala alemão, descreveu-me ainda uma menina confiada a uma família dos arredores de Alcobaça (Vestiaria???) ,que vivia com muitas dificuldades devido aos fracos recursos da sua família de acolhimento. Essa menina – de que eu não me recordo – veio mais tarde a ser confiada à família de um médico de Alcobaça – Dr. Nascimento e Sousa.


Para complementar esta memória do passado recuperámos parcialmente um texto de FERNANDO MADAÍL (17 Maio 2008):


«Em 1950, centenas de órfãos que viviam em campos de refugiados na Áustria vinham passar mais uma temporada a Portugal. Aquelas crianças austríacas tinham um 'aspecto miserável'  e a 'saúde abalada'. Até parecia que em Portugal não havia imensos miúdos pobres nas mesmas condições.

" 'Mais uma revoada de crianças estrangeiras, vítimas inocentes da guerra, chegaram ontem ao Tejo, no [barco] Mouzinho, para serem confiadas à protecção e carinho de famílias portuguesas', noticiava o DN de 3 de Maio de 1950. 'São 278 meninas e 894 rapazes, de 5 a 13 anos, com os quais se completa o número de 5 500 crianças que, por turnos, durante três anos e meio, vieram gozar férias no nosso país por iniciativa da Cáritas (...)."
Estão passados cerca de sessenta anos…


Para não alongar mais esta ” memória” salientamos a extraordinária lucidez, cultura e sensibilidade da nossa anfitriã, Clara Schwarz... 95 anos, uma vida, uma memória espantosa...– que o Luís Graça quer homenagear (e muito bem) quando completar os seus 100 anos em 2015!


Até lá… muita saúde e o nosso agradecimento pela inesquecível tarde de 21 de Agosto de 2010, um dos melhores momentos que vivi nas férias de Agosto deste ano.



(**) Auto-apresentação do JERO no seu blogue Histórias & Memórias Pessoais  (que, num espaço de um ano, tem já cerca de 300 postes e 18 páginas visualizadas).


JOSÉ EDUARDO OLIVEIRA

Fui militar e orgulho-me disso. Fiz parte da CCaç 675 – que esteve no Norte da Guiné até fins de Abril de 1966. Fui Enfermeiro e fui louvado e condecorado. Estive em todas ou quase! Fui ainda o “cronista” da CCaç 675 escrevendo um “Diário” de 280 pgs - 250 exemplares.
Escrevi e editei em Maio de 2009 o meu 2º. livro, Golpes de Mãos. 500 exemplares. Apesar de reformado, tento manter-me vivo... Vou a todas (ou quase…)! Na Universidade da Vida cursei “cidadania” e participo activamente nas “coisas” da minha terra. Já estive na direcção de variadas instituições. Profissionalmente estive ligado ao M.J. (1958 a 1962 nos Tribunais da Covilhã e Alcobaça), ao Banco Pinto Sotto Maior de 1966 a 1968) e à SPAL - Porcelanas de Alcobaça ,SA. Na SPAL estive 34 anos, tendo tido a responsabilidade de Director Comercial- M. Local.


(***) Último poste da série  >  16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6749: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (9): Se as peças são para antigos combatentes..., não me deves nada!

Guiné 63/74 - P6898: O Mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (25): Festa lusitana... na Tabanca da Lapónia (José Belo)


1. Texto e foto de José Belo, da Tabanca da Lapónia (*)


O MUNDO É PEQUENO E A NOSSA TABANCA É......GRANDE!

Festa na Tabanca da Lapónia, de alguns casais Lusitanos "perdidos" já dentro do Círculo Polar Ártico. Leitores do Blogue de Luís Graca e Camaradas da Guiné, e Amigos do nosso Camarada da Tabanca do Centro, Manuel Reis, em jantarda Viking de salmão curado, para as Senhoras, e com este Lusitano Lapão a tentar explicar os pequenos pedaços de carne nos pratos dos Cavalheiros.

A cerveja local, 3 vezes mais forte que a Lusitana, ajuda a "digerir".

Creio que serão os primeiros de muitos (!) outros dos nossos Camaradas a aqui virem.....perder-se!

Bem Vindos!

Um grande abraço do J. Belo.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6869: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (26): Portugueses na Lapónia... sem distress (José Belo)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6897: Convívios (267): 1º Encontro da Tertúlia “Linha da Frente”, 4 de Setembro de 2010, na Base das Cortes em Leiria (Victor Barata)


1. O nosso Camarada Victor Barata, criador e editor do blogue dos Especialistas da BA12, Guiné 1965/74, enviou-nos uma mensagem em 12 de Agosto de 2010, solicitando-nos a divulgação da primeira festa desta sua Tertúlia:


1º Encontro da Tertúlia "LINHA DA FRENTE"
Caro companheiro Tertuliano.
Aproxima-se o dia 4 de Setembro, data esta que assinalará o 1º Encontro da nossa Tertúlia “LINHA DA FRENTE”.
É um reencontro de antigos e actuais companheiros que nos servirá para mais um momento de confraternização, reviver um passado recente e o recordar de uma vida que começa a caminhar para o “último voo”.
Esperamos ansiosamente pela tua inscrição para tão honroso encontro, pois a tua presença é que nos incentiva para manter sempre a qualidade do "ESPECIALISTAS DA BA12 e OUTROS".
Esperamos receber-te na Base das Cortes, em Leiria, no dia 4.
Saudações Aeronáuticas.
Augusto Ferreira
João Carlos Silva
Jorge Mendes
Victor Barata


NOTA: Por questões logísticas, agradecemos que a inscrição seja feita até ao dia 1 de Setembro
____________
Nota de M.R.:
Vd. também o último poste desta série em:


22 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6883: Convívios (183): Primeiro Encontro da CCAÇ 3327 (Os Nómadas), Coimbra, 17 de Julho de 2010 (José da Câmara)

Guiné 63/74 - P6896: Tabanca Grande (238): Joaquim Sabido, ex-Alf Mil da 3.ª CART/BART 6520/73 e CCAÇ 4641/72 (Guiné, 1974)

1. Mensagem de Joaquim Sabido (ex-Alf Mil Art, 3.ª Cart/Bart 6520/73 e CCaç 4641/72, Jemberém, Mansoa e Bissau, 1974), com data de 11 de Agosto de 2010:

Meus Caros Camaradas:

Aproximando-se o decurso de 36 anos após o meu regresso da Guiné, que se completará no próximo dia 25 ou 26 de Setembro, senti como que uma necessidade em ver, ler e saber mais alguma coisa relativamente aos ex-combatentes, designadamente, no que respeita a camaradas que comigo estiveram no CTIG, entre os dias 3 de Abril e 25 ou 26 de Setembro de 1974 e foi quando tomei conhecimento da existência e posterior contacto com este belo sítio, que em boa hora tiveram a ideia de fazer nascer e criar, com muito muito trabalho, estou certo. "Salta,,  Periquito" já estarão a dizer alguns Camaradas que tenham a paciência para ler esta minha mensagem.

Na verdade, assim aconteceu, contava então 21 anos de idade, pois completei os 22 anos lá na Guiné, concretamente no dia 3 de Agosto de 1974, quando me encontrava estacionado em Ilondé, suponho ser esta a grafia correcta, pois só agora, no decurso da leitura de quanto se relaciona com Jemberém, tive a oportunidade de constatar que, presentemente, se denominará Iemberém (?), para aqueles de nós que tivemos a (in)felicidade de por lá passar, será sempre, seguramente, Jemberém, sendo este o tema que, por ora, me impeliu - para além da imensa saudade desses tempos, a vir à presença dos distintos Camaradas desta Tabanca Grande.

Já agora, entendo ser de bom tom e minimamente exigível proceder à minha apresentação:

Sou o Camarada Joaquim Sabido, que já em 74 residia em Évora e assim ainda acontece, completei há poucos dias os 58 anos de idade. Contra a minha vontade e seguramente que contra a vontade da maioria, fizeram-nos embarcar e levaram-nos (no meu caso) num avião dos TAM [, Transportes Aéreos Militares, ] no dia 3 de Abril de 1974, com destino ao então administrativamente denominado Território Ultramarino da Guiné, tendo chegado ao aeroporto de Bissau cerca das 12 horas desse mesmo dia e aí, ao sair pela porta do avião, tendo sido logo acometido de um enorme sufoco, até me faltou a respiração ainda agora me recordo dessa sensação (no regresso foi pior, pois mandaram-me de barco, no Uíge, o que demorou muito mais tempo) e, de imediato, embarcámos para o quartel do Cumeré, como ocorreu com quase todos os que integraram o Exército, ou seja, os da "tropa macaca".

Do Cumeré, com o BART 6520/73, que formou em Penafiel, partimos para Bolama numa ou em duas Lanchas de Desembarque Grandes (LDG), não me recordo, sendo certo que, até há bem pouco tempo, sempre me recusei a pensar nisso, isto é, nesse período de tempo. Todavia, agora, vejam para o que me está a dar, isto só pode ser da idade.

Após completarmos a tal IAO, em Bolama, cidade de segui em directo a noite de 24 para 25 de Abril, pela radiotelefonia, naturalmente, as notícias que nos iam chegando através da BBC, já que, quando partimos, tínhamos perfeito conhecimento do que iria ocorrer, só desconhecíamos quando e a que horas, em Penafiel, à época, estava o Sr. Capitão de Artilharia Dinis de Almeida e, por outro lado, havíamos estado uns 6 meses na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, onde tivemos oportunidade de contactar com muitos Srs. Capitães e Tenentes do Q.P., e, por isso, de algum modo fomos tendo conhecimento do estado da Nação, no que às Forças Armadas e também em matéria de Guerra Ultramarina dizia respeito.

De Bolama, seguiu o Batalhão 6520/73, para Cadique e, a 3.ª CArt desse Bart, à qual eu pertencia, comandando o 2.º pelotão, enquanto Alferes Miliciano de Artilharia, foi colocada em Jemberém, local onde, assim que lá chegámos, o PAIGC nos recebeu, dando-nos as boas vindas com um bombardeamento. Não sei nem queria saber de que armamento se tratou, sei que apenas queria era sair dali, durante os 2 meses em que lá permanecemos, ainda embrulhámos mais umas 7 ou 8 vezes, sendo que, nos ataques posteriores, já conseguíamos ir para a vala e responder com os 3 obuses 10,5 que lá se encontravam. Valeu-nos, aquando dos festejos de boas-vindas, a disponibilidade e o conhecimento do pessoal de uma CCaç (não sei quantos) composta por Camaradas Madeirenses que lá se encontravam há cerca de 6 meses (*).

Chegamos então à partida de Jemberém, que como já acima referi, é o motivo pelo qual venho à vossa presença.

Foi superiormente determinado que Jemberém seria o primeiro "buraco", digo, aquartelamento, a ser evacuado, então, aqui este vosso Camarada, que se encontrava a comandá-lo, com a concordância de outros Camaradas, resolvemos, com as cerca de 150 granadas de obus 10,5 que restavam, dispô-las pelo perímetro junto ao arame farpado, bem como os restantes explosivos que restavam e fizemos, então, a nossa despedida, rebentando com aquilo tudo, certamente que lá terá ficado uma cratera bem visível através dos satélites.

Nesta parte, não posso deixar de referir que tivemos a ajuda do Sr. (então 1.º Tenente Fuzileiro Naval) Benjamim [ Lopes de Abreu], um Senhor que teve a gentileza de me "adoptar" como seu amigo, mas que, infelizmente, devido a acidente de viação ocorrido há alguns anos, quando era o Comandante dos Fuzileiros, já não está entre nós, já que prematuramente nos deixou. (**)

Fomos os dois últimos militares das Forças Armadas Portuguesas a pisar o local onde se encontrava instalado o aquartelamento de Jemberém, e fomos ambos a carregar no detonador ao mesmo tempo, cada um de seu lado na caixa do "interruptor" que era em "tê". Em Gadamael Porto estremeceu tudo, e em Cacine parece que tinha ocorrido um sismo de grau bastante elevado, conforme me foi relatado por Camaradas que ali se encontravam. Em Cadique então, parece que foi uma coisa tremenda.

Por isso que, os Camaradas que por lá têm ido estranham ou não reconhecem o local e outros que têm vindo dizer que aquilo não era assim, etc..., estou certo de que não têm sido levados ao local onde se encontrava o aquartelamento e as seis ou sete habitações dos nativos que por lá estavam. Reparem, o memorial dos Galos do Cantanhez que por lá haviam estado, teve que ser reconstruído e colocado num outro local, vê-se nitidamente pelas fotografias publicadas que ali não se encontra há muito tempo. Tivemos o cuidado em não dispor explosivos junto aos memoriais, isso é certo, aquilo que pretendemos foi, no essencial, não deixar lá nada que se aproveitasse, não andámos a trocar galhardetes com o pessoal do PAIGC.

Isto não é uma crítica a ninguém, apenas refiro isto porque na minha perspectiva e no meu modo de ser e de estar, à época não dava para tal, pelo menos em razão da memória de quantos por lá tombaram, era impensável constituir qualquer relação de amizade com o pessoal do PAIGC. Se assim for entendido pelos Camaradas editores, dando-me luz verde para escrever mais alguma coisa, explanarei, quanto a esta matéria, como foi a minha relação que se pautou apenas sob o ponto de vista institucional, com o pessoal do PAIGC, com quem passei a contactar dia sim, dia não, em Bissau, isto porque era quando me encontrava a comandar a guarda ao Palácio do também já falecido Sr. Brigadeiro Carlos Fabião (igualmente, um grande Homem, na minha modesta opinião), e que por inerência de funções, quando o PAIGC, se instalou em Bissau, numa vivenda numa rua lateral ao Palácio com eles tinha uma reunião matinal, agora parece que é um briefing.

Anexo uma fotografia tirada no Jardim do Palácio, em dia de folga, pois estava o Camarada Alf Mil Brás, da 4641, de serviço nesse dia.

Assisti e vivi por dentro o complicado processo para desarmamento do Batalhão de Comandos Africanos, um grande abraço para o (então) Sr. Capitão da Força Aérea Faria Paulino, Ajudante de Campo do Sr. Brigadeiro, se ele ler este sítio. Ao que sei, encontra-se a residir e a trabalhar na Ilha da Madeira. Porque no sítio não consigo encontrar qualquer referência a outros Senhores que então lá conheci, aproveitava para, daqui enviar as minhas saudações e respeitosos cumprimentos aos seguintes Grandes Militares e Homens que, fizeram o favor de ser meus amigos, pelo menos nesse período de tempo e tanto quanto vou sabendo, pois vou sempre perguntando, encontram-se com saúde e recomendam-se:

(Com as patentes de então)

Sr. Comodoro Almeida Brandão, Comandante Naval da Guiné, Senhor que sempre que eu tinha fome e ia à messe da Marinha, tinha a gentileza de me convidar para a sua mesa, já que eu era uma visita, e me perguntou na primeira vez que lá me viu o porquê da minha presença naquela Messe, tendo desde logo compreendido que a fominha era mais que muita e desde então passámos a ter conversas interessantíssimas versando diversos temas, que ora eram da ordem do dia, ora eram de ordem cultural, pois atendento aos vastos conhecimentos do Sr. Comodoro, actualmente Almirante, com ele muito aprendi; (***)

Sr. Comandante Patrício (capitão-tenente FZ), à época comandante do COP 5, sediado em Gadamel Porto, onde me levou a passar 5 dias com ele e com os seus acompanhantes, que eram os cabos FZ:

Srs. Edgar, Pedras, Guiné, que ao que sei se reformaram no posto de sargentos e, ainda, o já falecido Moscavide, que afinal era alentejano de Mértola;

Sr. Capitão Pára-quedista, Valente dos Santos, ou deverei dizer Astérix, que era o seu nome de código quando se encontrava em operações, na mata, por intermédio de quem tive o gosto de conhecer o Sr. Capitão Marcelino da Mata, bem como outros elementos que pertenciam ao seu grupo de combate e que, por lá abandonámos...;

Sr. Capitão Miliciano de Infantaria Amândio Fernandes, que reside na bela cidade da Guarda, local onde, em Setembro de 2009, me recebeu e a outros Camaradas da 4641 (que esteve em Mansoa), para um bom almoço de cumbíbio; a outros Camaradas da 4641, espero vir a reencontrá-los no segundo fim-de-semana de Setembro, para mais um almocinho e então abraçá-los-ei; não posso deixar de referir e agradecer a forma como todos quantos integravam a CCaç 4641 me receberam e trataram em Mansoa, por tudo isso, o grande Bem-Hajam, do periquito;

Sr. Capitão Imaginário, que tive o grato prazer de conhecer em Gadamael Porto, aquando da minnha visita ao local;

Sr. Capitão de Cavalaria Bicho, também alentejano, que eu já conhecia de Estremoz e que, talvez por isso, não acatou a ordem do então Sr. Coronel Afonso Henriques, chefe do Estado Maior, que para ele telefonara directamente no sentido de que me prendesse no COMBIS, numa noite em que ali fui detido por sua ordem para esse efeito;

A todos os Camaradas do Bart 6520/73, que apareçam e digam alguma coisa, designadamente:

(i) Os Alf Mil Brito, de Lisboa, Av.ª de Roma; o Celestino, o Frade, de Lavacolhos; o Milheiro, do Alto do Pina, o Ramos, o Pereira,

(ii) os Fur Mil Marcelino, de Coimbra, o Ferraz e o Pereira, do Porto, e não me recordo de mais nomes, nem do nome do Capitão Mil da minha Cart já me recordo.

Aceitem todos os Camaradas as cordiais saudações do Camarada

Joaquim Sabido


2. Comentário de CV:

Caro Sabido, as nossas desculpas por só agora a tua mensagem, de 11 de Agosto, estar a receber o tratamento devido. De todo o modo estás já apresentado à Tabanca Grande (****), logo poderás começar a trabalhar quando quiseres.

O período, que viveste, logo a seguir ao 25 de Abril,  até à independência da Guiné, foi um tanto conturbado e complicado para os militares portugueses. Pelo que tenho lido, aqui e ali procedeu-se a cerimónias mais ou menos oficiais de entrega de quartéis ao PAIGC, enquanto os políticos assobiavam para o ar, esquecendo-se do que o que estava em causa era a solução política da guerra, há muito desejada por ambos os contendores.

Como muito bem fizeste, os militares portugueses não tinham que entregar nada a ninguém, apenas retirar em segurança, deixando aos políticos a sua missão de assinar os papéis e conceder aos novos países a soberania por que há muito lutavam.

Esperamos que nos contes como viste e sentiste essa época e o modo como agimos em relação ao PAIGC.

Tens já alguns temas para desenvolver, mas antes que me esqueça, se algum dia resolveres deixar-nos, por favor não te enerves nem armadilhes o Blogue. Calma, homem que temos arquivos muito, mas muito valiosos. É que não gostámos da tua despedida de Jemberém, só violência...

Caro Joaquim, com esta brincadeira passo às despedidas, endereçando-te o habitual abraço de boas-vindas da tertúlia. Instala-te e fica à vontade.
__________

Notas de CV / LG:

(*) Até Fevereiro de 1974, esteve em Jemberém a CCAÇ 4942/72, madeirense, os Galos do Cantanhez. Foi substituída, no subsector de Jemberém,  pela CCAÇ 4946/73, tamnbém madeirense.

(**) "O Comandante Benjamim Lopes de Abreu, natural da Freguesia de Chãos, Ferreira do Zêzere, Santarém, nasceu em 11 de Março de 1945, tendo sido incorporado a 24 de Fevereiro de 1967 na Reserva Naval na Classe de Fuzileiros.

"Frequentou os Cursos de Formação de Oficiais de Reserva Naval (CFORN), obtendo a classificação final de 'Cota de Mérito', Curso de Fuzileiro Especial da Escola de Fuzileiros em 1967. Fez parte do Destacamento de Fuzileiros Especiais Nº 12 na Guiné de 1967 a 1969, como 4º Oficial. Fez também parte do Destacamento de Fuzileiros Especiais Nº 22 de Novembro de 1970 a Dezembro de 1971 tendo participado na Operação Mar Verde, de resgate de prisioneiros na República da Guiné - Conacri e tendo sido colocado posteriormente no Centro de Operações Especiais de Bolama.


"Da sua Folha de Serviços constam numerosos Louvores e Condecorações atribuídas pelas mais altas entidades do Estado, nomeadamente, a Cruz de Guerra de 2ª Classe, a Cruz de Guerra de 3ª Classe, a Militar de Serviços Distintos com Palma e as Medalhas Militares Comemorativas das Campanhas das Forças Armadas Portuguesas com as Legendas 'Guiné 1967-71' e 'Guiné 1972-73'.


"O Capitão-de-mar-e-guerra FZE Benjamim Lopes de Abreu foi casado Com a Sr.ª D. Maria Odete Spencer Salomão de Abreu.


"Faleceu a 08 de Janeiro de 1997, na estrada nacional do Algarve – Lisboa".

Fonte: Corpo de Fuzileiros > 10 de Julho de 2010 > Homenagem ao CMG FZE Benjamim Lopes de Abreu   (com a devida vénia...)

(***) Contra-almirante reformado, faleceu em 2009.

(*****) Vd. poste de 22 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6884: O Nosso Livro de Visitas (98): Joaquim Sabido, ex-Alf Mil da 3.ª CART/BART 6520 (Jemberem e Mansoa, 1973/74)

Vd. último poste da série de 23 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6890: Tabanca Grande (237): Jorge Silva, ex-Fur Mil At Art, CART 2716 (Xitole, 1971/72), e BENG 447 (Bissau, 1972/73)

Guiné 63/74 - P6895: Blogoterapia (155): As horas de convívio na nova Tabanca de São Martinho do Porto foram das melhores coisas que me aconteceram neste Verão (JERO)


Tabanca de São Martinho do Porto > Casa de férias da família Scharwz da Silva > 21 de Agosto de 2010 > Convívio, já obrigatório, anual, com membros da Tabanca Grande > Da esquerda para a direita, o régulo da nova Tabanca, o Pepito; o JERO (que tem casa em São Martinho há mais de 40 anos, foi nesta pérola da Costa de Praia que arranjou a sua bajuda, professora do ensino básico);  e eu,  dono da máquina fotográfica que tirou esta foto (...mas o fotógrafo foi o Xico Allen, o seu a seu dono!).


1. Comentário do JERO ao poste P6882:

Caro Luís

Por estar envolvido na minha qualidade de jornalista de O ALCOA (onde faço tudo menos varrer o chão da Redacção) só hoje tropecei na tua excelente reportagem do convívio da Tabanca de São Martinho do Porto, onde estive graças ao teu convite. Mais uma que te fico a dever...

Foi um convívio excelente,  ficando, no que me diz respeito, marcado pela extraordinária Senhora Dª. Clara Schwarz, Mãe do Pepito. Foi emocionante reviver as histórias dos miúdos austríacos em Alcobaça, (no final da década de 40) de que ainda recordo os nomes - Hans e Helmutt.

Depois, como diz o Hélder Valério,  no seu comentário, a amizade que expontaneamente brota - e nos une - poucos minutos de nos conhecermos. Foi o que me aconteceu em relação ao Pepito e o Teco (e respectivas esposas). 

As horas de convívio na  nova Tabanca de São Martinho (*)  foram das melhores coisas que me aconteceram neste Verão.

Aceitem um abraço do tamanho da Baía.

JERO

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Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 22 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6881: Blogoterapia (154): Encontrei no Blogue seres humanos extraordinários, que admiro, preso e considero amigos, apesar de só os conhecer virtualmente (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P6894: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (8): Ébano Febre Africana, de Ryszard Kapuscinski (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Não há melhor boa vida que estar em férias e ler, regressar, escrever e voltar para o folguedo.
Fui até à Arrábida no rasto do Sebastião da Gama e tive sorte com o tempo, a amenidade da paisagem, visitei o convento e andei à procura do Manuel de Oliveira, John Malkovich e Catherine Deneuve. Não os encontrei mas segui-lhes as pegadas. Para quem não conhece, aquele convento é uma jóia preciosa cercada de flora mediterrânica, vale a pena ir até lá. E acabei em Moura, com mais de 40º à sombra, também confirmei que a nova Aldeia da Luz é uma beleza.

Um abraço do
Mário


Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (8)

Beja Santos

Ébano, 40 anos de reportagens em África para entendermos os homens,
Sabermos ler da descolonização para o presente


“Ébano, Febre Africana”, de Ryszard Kapuscinski, é uma obra-prima, uma dissertação avassaladora sobre a situação africana ao longo das décadas que vão da descolonização ao presente, um recado e um contributo indispensável para entender os itinerários políticos por onde passaram aqueles que acreditavam na revolução, na vontade soberana, no bem-estar dos povos.

Seria impossível imaginar leitura mais poderosa para este final de férias em Casal dos Matos, ali na fronteira entre Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra. O dia despertou e sente-se no ar que caminhamos para uma frigideira, ouve-se a cega-rega das cigarras, recolho-me na biblioteca. Ontem, suspendi a leitura quando John Okello, de 25 anos, conquistou o poder em Zanzibar. Está cercado de jornalistas, mas também ali se acotovelam outras dezenas de pessoas no quartel do marechal de campo, era o mínimo que se poderia esperar deste jovem ditador. Vejamos como Kapuscinski descreve a situação: “Okello, que se encontra num grande átrio oriental, está sentado numa poltrona de ébano, a fumar um cigarro. Ele, que possui uma pele muito escura e uma cara larga de feições pouco delicadas, tem na cabeça um boné de polícia, que lhe está manifestamente pequeno – assaltaram uns armazéns da polícia onde encontraram umas carabinas e alguns uniformes. À volta do boné tem enrolado um pedaço de pano azul. Okello parece ausente, como se estivesse em estado de choque, e nós ficamos com a sensação de que nem dá pela nossa presença. Há muita gente à volta dele, as pessoas empurram-se, falam todas ao mesmo tempo, gesticulam, o caos é total e ninguém tenta contrariá-lo. Nós queremos apenas pedir-lhe autorização para prolongar a nossa estadia na ilha. Okello diz que sim, com a cabeça. Mas, de repente, alguma coisa lhe passa pela mente, pois apaga o cigarro e toma providências para nos mandar embora. Tem uma velha carabina ao ombro e outra na mão. Com a outra mão arranja a pistola que tem no cinto e, a seguir, pega ainda numa outra pistola. Depois, armado desta forma, empurra-nos à sua frente até ao pátio, como se nos quisesse fuzilar”. Chega entretanto uma notícia surpreendente: no Quénia, no Tanganica e no Uganda os exércitos fizeram golpes militares. Começa a odisseia de encontrar transporte para ir ao encontro do nosso manancial de notícias, parece que há coisas mais importantes que o marechal Okello.

Os golpes de Estado são acontecimentos comuns em África. Em 1966, Kapuscinski voa para a Nigéria onde caiu mais uma dinastia corrupta, uns abatidos à bala, outros são dados como desaparecidos, o povo bate as palmas ao militares que são bem aproveitar-se da ganância e da insaciabilidade dos políticos e a desilusão dos populares. A uma elite militar ou a uma guarda pretoriana sucede-se outra, o mesmo é dizer que em cada golpe de Estado acumula-se gente desocupada que sobrevive no gangsterismo e no simples roubo. O repórter põe-se a caminho no deserto, atravessa o Sara. Outra descrição impressionante: “Uma viagem através do Sara representa uma aventura perigosa, uma constante lotaria, uma eterna incógnita. Num percurso cheio de crateras, buracos, desabamentos de terras, coberto de pedras e rochas, dunas movediças e montes de entulho, os carros avançam a uma velocidade de caracol, de apenas poucos quilómetros por hora. Nestes camiões, cada roda tem tracção própria e, metro a metro, cada uma delas tem de encontrar o seu ponto de apoio; por isso, avança e pára logo depois, em face de um novo obstáculo, que tanto é um penedo como um buraco. Mas é a soma destes esforços e destas lutas, permanentemente acompanhados pelos gritos do motor sobreaquecido e pelo baloiçar arriscado da caixa, que permitem ao camião ir avançando”. E assim chegamos à Etiópia em pleno caos. Em Adis Abeba, à volta do repuxo onde a água cai num suave murmúrio, rodeado de viçosas buganvílias de tom vermelho escuro e forsítias amarelo-vivo, é difícil imaginar que a escassas centenas de quilómetros se morre em massa. Vive-se uma das maiores secas africanas de sempre, o gado morreu, não há pastagens, não há água, os nómadas vendem as peles que arrancam dos cadáveres dos animais. À volta de Adis Abeba instalou-se a pirataria, toda a gente reivindica dinheiro e pede esmola, a começar pela polícia. Por uma questão de prestígio, o homem que derrubou o imperador Hailé Selassié, o major Mengistu, um marxista muito estimado em Moscovo, recusa a ajuda internacional, numa altura em que já morreram um milhão de pessoas. É uma situação absolutamente indescritível. Mas o que é que em África não é indescritível? Quem é que pode acreditar em Idi Amin o tirano sanguinário do Uganda? Ou em Bokassa, na República Centro-Africana? A descrição de Kapuscinski, por abreviada, torna qualquer tirania um cenário de pechisbeque: “O domínio de Amin durou oito anos. De acordo com diversas fontes, o marechal terá assassinado durante a sua vida entre 150 000 e 300 000 pessoas. Depois foi ele quem se conduziu a si próprio para o abismo. Uma das suas obsessões era o ódio ao presidente da vizinha Tanzânia, Julius Nyerere. Em finais de 1978, atacou aquele país. O exército da Tanzânia reagiu. Os soldados de Nyerere invadiram o Uganda. Amin fugiu para a Líbia, depois instalou-se na Arábia Saudita, que o recompensou pelo seu esforço de divulgação do Islão. O exército de Amin desfez-se, uma parte voltou para casa, a outra passou a viver de assaltos. Nessa guerra, o que o exército da Tanzânia perdeu foi um tanque”.

Na aparência, todos estes actos violentos são corriqueiros, repetem-se com uma certa similitude, seja qual for o local em que ocorrem. É verdade que por detrás deles estão questões tribais, a partida precipitada das forças coloniais, a avidez dos novos dirigentes, incapazes de programar e fundamentar as bases sociais de apoio. Mas há acontecimentos que extravasam as dimensões da pura brutalidade: será o caso do que aconteceu no Ruanda, um morticínio que escapa a qualquer lei da compreensão das guerras étnicas. Kapuscinski descreve com rigor as castas de Ruanda, em poucas páginas ficamos a perceber o que separa radicalmente os tutsis dos hutus, como, a seguir à independência do Congo, o pesadelo ruandês se foi avolumando. Só por estas páginas alucinantes é indispensável ler o Ébano, ficamos a conhecer as mortandades, as ditaduras militares feudais, as explosões de ódio, as intervenções estrangeiras e o massacre de Abril de 1994. Esta a África dos feiticeiros, das superstições, dos políticos venais, da ajuda humanitária indecente, dos cooperantes que enriquecem à custa da miséria alheia. Mais umas horas, e ao fim do dia regresso. No término destas férias, a pretexto de uma canícula, embrenhei-me em leituras numa biblioteca onde ardi de curiosidade. Falta-me ainda ir ao Sudão, à Libéria e despedir-me na alucinante Eritreia. Não sei o que é um livro paradigmático. Mas se me perguntassem se existe um livro onde se fala das explicações do imobilismo africano, da permanente ameaça da sua ruína total, de como se chegou à desesperança e à corrupção incomportáveis, não hesitarei em sugerir a leitura de Ébano.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6872: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (7): Ébano Febre Africana, de Ryszard Kapuscinski (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6893: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (13): Relação dos donativos recebidos até 26 de Junho de 2010 (Manuel Reis)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, 1972/74), com data de 23 de Agosto de 2010:

Amigo Carlos:
Venho solicitar-te que publiques a relação dos camaradas que contribuíram com donativos para reconstrução da Capelinha de Guileje.
Não sei se te lembras, mas já tínhamos acordado neste ponto há cerca de um mês.
O Luís publicou a mini-acta que elaborámos, mas julgo ser da maior importância publicar a lista para que não surjam mais questões sobre o assunto.
Peço-te desculpa por esta maçada.

Obrigado.
Um abraço.
Manuel Reis

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Notas de CV:

(*) Vd. poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5999: Grupo dos Amigos da Capela de Guiledje (12): Doação de imagem de Nª Sra. de Fátima, pelo António Camilio e o Luís Branquinho Crespo

Guiné 63/74 – P6892: Armamento (4): Metralhadoras Pesadas (Luís Dias)

1. O nosso Camarada Luís Dias*, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos em 18 de Agosto de 2010, a segunda mensagem desta série iniciada no poste P5690:

Camaradas,

Junto vos remeto a IIª parte (metralhadoras pesadas), que foram utilizadas na Guerra Colonial da Guiné, no período compreendido entre 1971 e 1974.

Desejos de continuação de boas férias, para quem as está a gozar e que as nuvens que às vezes atravessam as boas gentes desta nossa Tabanca Grande se desvaneçam e a paz e acalmia que tanto ansiávamos quando estávamos naquelas terras quentes da Guiné, prevaleçam e nos ajudem a esquecer as agruras dos incêndios que têm devastado o nosso país e a política que tarda em resolver a crise económica, que se reflecte em todo o nosso tecido social e nos traz amargurados e de mau humor.

Um abraço do tamanho do Rio Corubal para todos (em particular para os nossos sempre atentos editores; Luís, Vinhal, Virgínio e Magalhães).

Chegastes meninos! Partis Homens!
General António Spínola



O Alf Mil Luís Dias


Dedicado a todos aqueles que como combatentes palmilharam as matas, trilhos, bolanhas, picadas, estradas e rios das terras quentes da Guiné, durante a Guerra Colonial.

E ao II Grupo de Combate da C.CAÇ 3491, os meus dilectos camaradas de armas, de “Alma Forte” - os lenços azuis do Dulombi.
ARMAMENTO E EQUIPAMENTO DAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS E DOS GUERRILHEIROS DO PAIGC NA GUERRA COLONIAL

GUINÉ
1971 - 1974

IIª PARTE
1. ARMAMENTO MÉDIO E PESADO

1.1. AS METRALHADORAS PESADAS

1.1.1 AS FORÇAS PORTUGUESAS

Na década de 1860 e durante a Guerra Civil Americana surgiram em combate as primeiras metralhadoras, devido ao trabalho do norte-americano Richard Gatling (embora fosse licenciado em medicina, ele preferiu continuar a sua actividade de inventor, em vez de exercer a profissão de médico).
A sua Gatling patenteada em 1862 (cujo modelo terá tido origem no desenho da “mitrailleuse” do exército belga), perdurou durante muitos anos no exército dos EUA, tendo sido considerada obsoleta em 1911.
No entanto, não se tratava de uma arma automática, porque o seu sistema operativo era manual, com recurso ao uso de diversos canos, dispostos circularmente.
Mais tarde, o conceito da Gatling veio a ser retomado nos anos 40/50, devido à necessidade de se obter maiores cadências de fogo, em especial nas aeronaves, com posterior recurso a motores eléctricos para circular rapidamente os diversos canos.
De facto, uma arma de um só cano que tivesse uma cadência de 500/600 tiros por minuto (tpm) já era bastante razoável, mas a Gatling já podia fazê-lo com a mesma capacidade, mas com diversos canos (por exemplo 6x500 tpm).
Com a utilização moderna e com recurso a calibres que podem variar entre o 5,56 mm e o 37mm essa capacidade aumentou grandemente.
O canhão M61-Vulcan, de 20mm, de 6 canos, da General Dynamics, é capaz de lançar 6 000 projécteis por minuto. É também conhecido o canhão GAU-8 Avenger, no calibre 30mm, de 7 canos, colocado em aviões de ataque ao solo (A-10 Thunderbolt II – “Warthog”), utilizado para destruir carros de combate. O Gatling foi também uma referência na Guerra do Vietname, colocado em helicópteros, usando fitas de 4 000 cartuchos e também com a capacidade de disparar 6 000 tpm (Minigun M134, no calibre 7,62mm).
Napoleão III seguiu com interesse o progresso da arma Gatling, tendo mandado desenvolver em França uma metralhadora capaz de efectuar disparos múltiplos. Surgem, assim, as metralhadoras Reffye (com 25 canos de 13mm cada) e a Christophe-Montigny (com 19, 31 ou 37 canos).
Portugal, possivelmente depois de 1872, adquiriu algumas metralhadoras Montigny (há um modelo de 37 canos no Museu da Academia Militar - a Armada recebeu um modelo de 31 canos).
De notar que o conjunto da metralhadora, reparo de rodas e duas caixas de munições pesavam pouco mais de uma tonelada (!).
A arma, com pessoal bem treinado era capaz de efectuar entre 220 a 250 tpm. Enquanto a repetição do disparo, no caso da Gatling, se fazia através de um movimento manual de uma manivela ou alavanca, fazendo girar os canos envolta de um feixe central, conseguindo que os mesmos procedessem às diversas operações de extracção, introdução e percussão, outras, como no caso da Montigny, o efeito era o mesmo mas através de um feixe de canos fixos, sendo o disparo obtido por uma alavanca e no caso da Nordendelt (inventada em 1873, pelo engenheiro sueco Helge Palmcrantz), com recurso a canos dispostos em paralelo, o disparo dava-se, também, por efeito de uma alavanca, sendo que os cartuchos percutidos caíam pela força da gravidade (mais tarde a metralhadora ligeira dinamarquesa Madsen, usada no nosso país pelas unidades de cavalaria, iria adoptar um sistema semelhante na extracção das cápsulas detonadas).
Portugal adquire as metralhadoras Nordenfeldt, no calibre 25mm, em 1880, que foram aplicadas na corveta-couraçado Vasco da Gama, servindo como defesa contra torpedeiros.
Com o início das Campanhas de África de Pacificação na década de 1890, a Nordenfeldt, alterada muitas vezes para os calibres das espingardas (11mm, depois 8mm e mais tarde 6,5mm), foi usada quer por forças da marinha de guerra, quer pelo exército, conjuntamente com a Gardner e a Gatling (normalmente utilizadas pela Armada).
No período de renovação militar do tempo do final do reinado de D. Carlos, a metralhadora Vickers-Maxim é a seleccionada para o Exército Português.
A Maxim é já uma arma revolucionária, porque é a primeira metralhadora automática, de um só cano, com apenas 20 kg e capaz de disparar 600 tpm.
O seu inventor foi o norte-americano Hiram Maxim, que conseguiu tornar obsoletas as metralhadoras então existentes, com o seu modelo, introduzido em 1884.
A arma que veio para Portugal tomou o nome da Maxim m/906, no calibre 6,5mm e foi construída na Inglaterra, depois de Maxim se ter unido à fábrica inglesa Vickers.
Com a entrada de Portugal no primeiro conflito mundial a Inglaterra fornece a metralhadora Vickers à Força Expedicionária (1917), no calibre 7,7mm (m/917) ficando a Maxim na metrópole e sendo também enviada nas expedições que partem para África. Após a Iª Guerra Mundial a Vickers irá substituindo, definitivamente, a Maxim.
A Vickers foi evoluindo os seus modelos e Portugal foi acompanhando esta evolução adquirindo os modelos melhorados (m/930, no calibre 7,7mm, m/937, no calibre 7,7mm e m/939, já no calibre 7,9mm).
A partir de finais dos anos 30 inicia-se um processo de renovação para adquirir outra metralhadora pesada, mas a Vickers irá perdurar, especialmente em África, onde ainda será usada no início da Guerra Colonial.
Em finais dos anos 30, a partir do modelo da metralhadora pesada Breda de 13,2mm, esta fábrica italiana desenvolve um modelo que disparava o cartucho 8mm Breda para consumo interno e outro que disparava o cartucho 7,9mm para exportação.
Em 1938, o nosso país decide-se pela compra desta metralhadora pesada, com tripé, a fim de completar as armas que usavam o cartucho 7,9mm mauser (ou 7,92mm), como a metralhadora ligeira Dreyse e espingarda Mauser.

Metralhadora pesada Breda m/938

Características desta arma
  • ORIGEM: Itália
    CALIBRE: 7,92 mm
    DATA DE FABRICO INICIAL: 1937
    ESTRIAS: 4 no sentido dextrorsum
    COMPRIMENTO: 1, 270 m
    VELOCIDADE INICIAL À BOCA DO CANO: 776 m/s
    APARELHO DE PONTARIA: Linha de mira lateral, de alça rectilínea com cursor e ranhura em “V”, graduada dos 3 aos 30 hectómetros. Ponto de mira de secção trapezoidal
    ALCANCE MÁXIMO: 4000 m
    ALCANCE ÚTIL: 3000 m
    ALCANCE EFICAZ: 3500 m
    PESO: 11,30 kg
    ALIMENTAÇÃO: Lâmina/Pente com 20 alvéolos
    CADÊNCIA DE TIRO: 240 tpm (c/12 lâminas), mas podendo chegar a 400 tpm
    MUNIÇÃO: 7,92 mm Mauser, de percussão central
    SEGURANÇA: Imobilização do gatilho
    FUNCIONAMENTO: Arma automática, de tiro automático, com tomada de gases num ponto do cano e com regulador de tomada de gases
No final da Iª Guerra Mundial (1918), John Brownin, de origem norte americana, um dos mais famosos e produtivos inventores de armas de fogo, desenvolve, a partir do modelo da sua metralhadora ligeira M1917, que tinha o calibre .30-06, uma metralhadora para o poderoso calibre .50 BMG (12,7 mm), que será conhecida pelo alcunha de “La Deuce” ou “Fifty-cal”.
A arma foi usada em veículos, aeronaves, navios, desde 1923 e tomou em 1933 a designação actual de Browning M2HB, depois de ter passado da inicial refrigeração a água, para refrigeração a ar e ter sido redesenhada por Samuel Green. Com exclusão da pistola Browning M1911A1, no calibre .45, a metralhadora Browning é a arma que mais tempo se tem mantido ao serviço das forças armadas americanas.
A Browning 12,7 mm entrou na maior parte dos conflitos do século XX e XXI, como a IIª Guerra Mundial, a Guerra da Coreia, a Guerra da Indochina, a Crise do Canal do Suez, a Guerra do Vietname, a Guerra do Cambodja, o Conflito das Ilhas Falkland, A Invasão do Panamá, a Guerra do Golfo, a Guerra Civil da Somália, a Guerra do Iraque e a Guerra do Afeganistão.
A chegada da Browning M2 ao nosso país dá-se depois da nossa entrada na NATO e da assinatura do Acordo de Defesa de 1951.
Dado ter-se tratado da primeira arma que possuíamos neste calibre, implicou a revisão da tipologia de atribuição às armas. Por exemplo, a Breda passou a ser vista como metralhadora ligeira.
A arma foi recebida em múltiplas variantes (fixas, em tripé, em reparos AA, em veículos, em aviões e em reparos quádruplos) e tomou a designação de, metralhadora pesada 12,7mm m/955 Browning M2.
Mais de 50 anos depois de a termos recebido a M2 é ainda a metralhadora pesada padrão das nossas forças armadas.

Metralhadora pesada Browning M2HB m/955

Características desta arma
  • TIPO: Metralhadora pesada
    PAÍS DE ORIGEM: EUA
    CALIBRE: 12,7 mm Browning
    DATA DE FABRICO INICIAL: 1921
    NÚMERO DE ESTRIAS: 8
    ALCANCE MÁXIMO: 6 750 m
    ALCANCE PRÁTICO EM TIRO TERRESTRE: 2 380 m
    ALCANCE PRÁTICO EM TIRO ANTI-AÉREO: 700 m
    COMPRIMENTO DA ARMA: 1,650 m
    COMPRIMENTO DO CANO: 1,140 m
    PESO: 38,1 Kg
    VELOCIDADE INICIAL DO PROJÉCTIL À BOCA DO CANO: 893 mps
    ENERGIA DO PROJÉCTIL: Cerca de 17000 joules
    MUNIÇÃO: 12,7x99 mm Winchester
    CADÊNCIA DE TIRO: 400 a 600 tpm
    ALIMENTAÇÃO: Fita de elos desintegráveis com capacidade variada
    SEGURANÇA: Os modelos antigos não possuem, mas o ainda actual M2E2 tem junto ao gatilho um fecho manual de segurança
    FUNCIONAMENTO: Arma de tiro semi e automático com curto recuo do cano, disparando no sistema de culatra fechada
A metralhadora pesada Browning M2HB, colocada em reparo duplo, num navio de guerra
Em algumas unidades de cavalaria, em especial as que tinham blindados de origem inglesa existiu ainda a metralhadora média BESA, fabricada naquele país (baseada no modelo checoslovaco ZB-53, de 1936, desenhada por Vaclav Holek), no calibre 7, 9mm.

1.1.2. AS FORÇAS DO PAIGC

As forças de guerrilha do PAIGC estavam bem equipadas no que concerne a metralhadoras pesadas, especialmente fornecidas pela antiga URSS e países satélites; as Goryunov SG-43 e SGM, no calibre 7,62x54 mmR, que foram construídas durante a IIª Guerra Mundial e que se mantiveram ao serviço dos russos até aos anos 60, as Degtyarev DShK, no calibre 12,7mm, de 1938, reformuladas em 1946 (DShKM – m/38-46) e, especialmente, as Vladimirov KPV, no calibre 14,5 mm, que entraram ao serviço da URSS em 1949.
Metralhadora Pesada Goryunov SG-43
Características desta arma
  • ORIGEM: URSS
    CALIBRE: 7,62 mmR
    DATA DE FABRICO INICIAL: 1942
    COMPRIMENTO: 1,15 m
    VELOCIDADE INICIAL À BOCA DO CANO: 800 m/s
    PESO: 13,8 Kg, 41 Kg com reparo de rodas
    ALIMENTAÇÃO: Fitas de 200 OU 250
    CADÊNCIA DE TIRO: 500 a 700 tpm
    MUNIÇÃO: 7,62X54 mmR
    FUNCIONAMENTO: Arma automática, a funcionar por gases


Metralhadora pesada Degtyarev DShK

Características desta arma

  • ORIGEM: URSS
    CALIBRE: 12,7 mm
    DATA DE FABRICO INICIAL: 1938
    COMPRIMENTO: 1,625 m
    VELOCIDADE INICIAL À BOCA DO CANO: 860 m/s
    ALCANCE PRÁTICO EM TIRO TERRESTRE: 2000 m
    ALCANCE PRÁTICO EM TIRO ANTI-AÉREO: 1000 m
    PESO: 35,5 Kg
    ALIMENTAÇÃO: FITAS DE 250
    CADÊNCIA DE TIRO: 540 a 600 tpm
    MUNIÇÃO: 12,7X108 mm
    FUNCIONAMENTO: Arma automática, a funcionar por gases

Metralhadora pesada Vladimirov KPV
Características desta arma
  • ORIGEM: URSS (Krupnokaliberniy Pulemyout Vladimirova)
    CALIBRE: 14,5 mm
    DATA DE FABRICO INICIAL: 1944 (protótipos) ENTADA AO SERVIÇO DO EXÉRCITO EM: 1949
    COMPRIMENTO: 2 m
    VELOCIDADE INICIAL À BOCA DO CANO: 990 m/s
    ENERGIA DO PROJÉCTIL: Entre 30 a 32000 joules
    ALCANCE PRÁTICO EM TIRO TERRESTRE: 1100 m
    PESO: 49,1 Kg
    ALIMENTAÇÃO: Fitas 100
    CADÊNCIA DE TIRO: 600 tpm
    MUNIÇÃO: 14,5X115 mm
    FUNCIONAMENTO: Arma automática, de curto recuo do cano, com tomada de gases num ponto do cano e arrefecimento a ar

Metralhadoras Vladimirov KPV, constituídas em quadrupla (bateria anti-aérea – ZPU-4)
1.1.3. OBSERVAÇÕES

A Breda era uma arma que necessitava de rigorosa limpeza sempre que era disparada, em especial na zona de tomada de gases e também de cuidados com os seus pentes/lâminas de 20 cartuchos, que serviam para alimentar a arma, pois qualquer amolgadela ou deformação, mesmo que ligeira, poderia causar interrupções no tiro.
As lâminas transportadoras dos cartuchos podiam ser ligadas umas às outras, havendo a curiosidade de não ejectarem os invólucros detonados que eram cuidadosamente repostos na lâmina (uma preciosidade limpa e muito ecológica!).
Cada metralhadora vinha acompanhada de uma máquina de carregar as lâminas.
A Breda foi usada amplamente nas ex-colónias e ainda viu o início da guerra colonial, vindo a ser substituída por outras de munição NATO, a partir de 1963.
Na Guiné, embora a Breda possa ter sido utilizada anteriormente em viaturas (semi-blindadas ou não), a sua melhor utilização terá sido na defesa dos aquartelamentos. Nos anos a que me reporto (1971-74), existiam ainda metralhadoras Breda em alguns aquartelamentos, contribuindo para a sua defesa imediata.
A metralhadora Browning M2HB (.50 – cartucho de 12,7 mm desenvolvido pela fábrica Winchester), é uma das mais fantásticas armas de guerra fabricadas até hoje. Foi criada por John Moses Browning (um dos mais produtivos inventores de armamento de sempre) e, juntamente com a Kalashnikov, são consideradas das armas mais difundidas mundialmente.
A Browning pode ser utilizada como arma anti-aérea, terrestre e também naval, em tiro directo ou indirecto. Pode usar munições perfurantes, explosivas, tracejantes, incendiárias e perfurante anti-tanque.
Pode ser colocada em reparos e posições apropriadas para aviões, viaturas blindadas ou não e em diverso tipo de barcos/navios, etc.
Com larga utilização na IIª Guerra Mundial, a Browning M2HB, foi sendo actualizada e entrou em todas as guerras em que os EUA estiveram envolvidos, nomeadamente na Guerra da Coreia, do Vietname, do Camboja, das intervenções no Panamá e na Somália, nas Guerras do Golfo, do Afeganistão e do Iraque. Terão sido produzidas mais de 3 milhões desta fantástica arma.
Muito provavelmente a partir de 2011 uma nova metralhadora, a GD-LW50MG, com o peso de 18 kg (+ 10 kg com tripé), fabricada pela firma norte-americana General Dynamics será introduzida nas forças armadas americanas, para substituir as Browning.
A Browning foi utilizada na Guiné em posições de defesa de aquartelamento, em veículos semi-blindados, nas lanchas e nos aviões F-86 Sabre, que estiveram presentes no início do conflito, tendo sido retirados por pressão dos EUA, por serem considerados material NATO (os Harvard T-6 no teatro da Guiné e no tempo em referência, usavam foguetes de 37 mm ou serviam de bombardeiros de ataque ao solo, lançando bombas de 2x50 Kg ou 6x15 Kg. Em outros teatros operacionais (Angola e Moçambique) operavam também com metralhadoras Browning M30, no calibre 7,62 mm e em outros países utilizavam Brownings calibre 12,7 mm (esta preciosa informação foi-nos prestada pelo camarada Miguel Pessoa).
Em meados 1973, o meu Grupo de Combate (IIº GC da CCAÇ 3491) esteve colocado de reforço ao Batalhão de Piche onde, entre outras actividades, participávamos na escolta e protecção aos trabalhos da TECNIL, na estrada entre Piche e Buruntuma.
Nessas acções éramos acompanhados por elementos do Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria, com viaturas “Chaimite” e “White” e, nestas últimas, estava montada uma metralhadora Browning 12,7 mm em cada uma delas, para além de HK´s-21, morteiro 60 mm e dilagramas, se bem me lembro.
Operacionalmente pudemos apreciar a forma de trabalhar desta arma, quando numa emboscada do IN a uma coluna, ouvimos o seu cantar, enquanto as viaturas do esquadrão percorriam a área sob fogo do IN, ripostando com eficácia.
Num dos locais alvejados pela Browning, estaria um elemento do PAIGC, o qual ao sentir que poderia ser atingido, largou as calças, para se desembaçar das ramagens que, possivelmente, o prendiam e o não deixavam fugir mais depressa.
Na brincadeira, nós pensávamos, o que é que terão dito os outros guerrilheiros ao verem chegar o seu “camarada” sem as calças, em pelota. O barulho da arma era impressionante e galvanizava o nosso lado.
As metralhadoras pesadas do PAIGC foram mais utilizadas como armas anti-aéreas, mas também em defesa directa das suas bases e, nalguns casos, em ataques e flagelações aos nossos aquartelamentos.
Numa das operações que realizámos, já não me lembro se na área de Piche, se na de Nova Lamego encontrámos uma munição nova de 14,5 mm, num dos trilhos, sinal de que, pelo menos, o IN teria transportado uma arma desse calibre por aquela zona.
Das metralhadoras pesadas existentes a Vladimirov KPV, no calibre 14,5mm, era a mais famosa, em especial quando, constituída em posições duplas ou quadruplas [existiam as ZPU-1 (1 cano), ZPU-2 (2 canos) e ZPU-4 (4 canos)], atiravam contra os nossos aviões. Primeiramente foi construída como arma de infantaria, mas a partir dos anos 60 passou a ser utilizada como arma anti-aérea e, na versão KPVT (Tankoviy), como arma dos blindados BTR-60 e BTR-70 e dos BRDM.
Foi também utilizada em navios de patrulha e reconhecimento da marinha de guerra russa.
Recentemente a China melhorou a munição 14,5mm (núcleo em tungsténio), dando-lhe uma velocidade de saída entre os 1000 /1030 metros por segundo e com uma energia de 32000 joules (o dobro do calibre 12,7mm), capaz de perfurar uma chapa de 32cm de aço a uma distância de 500m e uma de 20 cm a uma distância de 1000m.
Estrada Piche - Buruntuma – 1“Chaimite” e 2 “Whites” do Esq. Rec. de Cavalaria, estacionado em Bafatá e em Piche-1973
Notas do autor:
  • Brevemente enviarei a parte respeitante aos morteiros médios e pesados e também sobre os canhões sem recuo.
  • Na recolha para este trabalho foram coligidos elementos, material e fotos, com a devida vénia, da Wikipédia/Internet; How stuff Works.com; Infantry Weapons of the World, da Brassens, Editor J.L.H. Owen; Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Edição Diário de Notícias; Modern Firearms & Ammunition Encyclopedie; Armamento do Exército Português, Vol. I – Armamento Ligeiro, de António José Telo e Mário Álvares, da Prefácio; Armas de Fogo, seus Componentes, Capacidades e o seu Uso pelas Forças Policiais, de Luís Dias (PJ - Maio de 2004) e apontamentos e fotos diversas do próprio autor

Um abraço,
Luís Dias
Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
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Notas de M.R.:

Vd. a primeira parte desta matéria no poste:

23 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5690: Armamento (2): Pistolas, Pistolas-Metralhadoras, Espingardas, Espingardas Automáticas e Metralhadoras Ligeiras (Luís Dias)

Vd. último poste desta série em:

31 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5736: Armamento (3): A célebre, irritante e temível costureirinha, a pistola-metralhadora PPSH, usada pelo PAIGC (Luís Dias)

Guiné 63/74 - P6891: Parabéns a você (143): António Fernando Marques, ex-Fur Mil da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) (Editores)

Postal de aniversário de autoria do génio Miguel Pessoa



No dia 24 de Agosto do ano da graça de 2010, completa 64 anos de idade o nosso camarada António Fernando R. Marques, (ex-Fur Mil da CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Não podia a Tabanca deixar passar este dia sem vir homenagear o nosso camarada Marques, que é um dos que ultrapassaram as dificuldades e o sofrimento causados por ferimentos graves em combate, da forma mais cruel, vítima de uma mina.

Porque merece mais que ninguém, vimos desejar-lhe uma longa vida junto da família que constituiu e dos amigos que granjeou.

Hoje o dia é de alegria, pelo que vamos todos beber uma taça pela saúde e longevidade do Marques, combinando que estaremos por aqui a acompanhá-lo nesta árdua tarefa de somar anos à vida, nunca tirando vida aos anos que nos vão faltando pela frente.

Aqui ficam algumas fotos do nosso aniversariante.


No passado, em Bambadinca, CCAÇ 12, 1970.  Da esquerda para a direita, os Furriéis Milicianos António Marques e Luís Graça (Henriques)

No presente, Lisboa, Janeiro de 2010, António Fernando Marques e Luís Graça de novo juntos.

Óbidos, 22 de Maio de 2010, 16.º Convívio do Pessoal de Bambadinca 1968/71. O António Marques e o Gabriel Conçalves (ex-1.º Cabo Cripto, CCAÇ 12, 1969/71).

António Marques acompanhado pela esposa, a sua companheira na vida.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5698: Tabanca Grande (199): António Fernando R. Marques, ex-Fur Mil da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)

Vd. último poste da série de 22 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6879: Parabéns a você (142): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1970/72 (Os Editores)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6890: Tabanca Grande (237): Jorge Silva, ex-Fur Mil At Art, CART 2716 (Xitole, 1971/72), e BENG 447 (Bissau, 1972/73)



Blogue do Jorge Silva, Amigos do Xitole... O Jorge foi Fur Mil, de rendição individual (1971/73), tendo prestado serviço na CART 2716 (Xitole, 1971/72) e no BENG 447 (Bissau, 1972/73).




Aspecto da passagem de uma coluna de reabastecimentos na estrada Bambadinca-Xitole, antes da Ponte dos Fulas. Vê-se uma viatura militar com tropas nativas (CCAÇ 12) e, de pé, à esquerda, um elemento da CART 2716 que fazia a segurança da estrada.  (JS)


Foto (e legenda): © Jorge Silva (2010). Todos os direitos reservados
1.  Mensagem de Jorge Silva, que vive em Ermesinde, Valongo, enviada no dia 18 do corrente: 

Assunto: Guiné - Xitole

Os meus melhores cumprimentos. Chamo-me Jorge Silva, ex- Furriel Miliciano, atirador de artilharia. Mobilizado em rendição individual, estive na Guiné entre 01/05/71 e 24/04/73.

De 1971 a 1972 estive no Xitole (CART 2716), juntamente com o David Guimarães, entre muitos outros. Como a CART 2716 regressou em Março de 1972, ingressei (milagrosamente) no Batalhão de Engenharia de Bissau (BENG 447). Depois de aceder ao seu blogue (e a outros que se lhe ligam) resolvi puxar pela memória e escrever algo, à medida que vai saindo.

Em breve terei fotos (minhas) e da época para partilhar. Como não sabia como fazer para utilizar o seu blogue (se tal é possível), resolvi criar um, Amigos do Xitole (http://cart2716.blogspot.com/) onde já publiquei 2 temas.

Caso tenham algum interesse,  poderá utilizá-los como bem entender. Não me lembro se nos encontrámos em terras da Guiné, mas creio que sim. Um abraço, Jorge Silva


2. Comentário de L.G.:

Meu caro Jorge (foto à direita):

É mais do que provável termo-nos encontrado, nomeadamente no Xitole (mas também em Bambadinca), na sequência de colunas logísticas da CCAÇ 12 e de operações conjuntas no Sector L1... Atravessei, diversas vezes, a Ponte dos Fulas que tu evocas tão bem no blogue que acabas de criar. Percebo o teu interesse em partilhar connosco as memórias desse tempo e lugar. E louvo a tua iniciativa de criar o teu próprio blogue, com um nome tão sugestivo, Amigos do Xitole: Em nome do passado, o Xitole merece ter futuro... 

É também o nosso lema: a Guiné-Bissau e os nossos amigos e irmãos guineenses merecem ter futuro... 

Vens juntar-te à nossa Tabanca Grande (*), de que o David Guimarães, teu camarada, foi/é um histórico, remontando a sua entrada logo ao início, em Maio de 2005, se não me engano... Conheces as nossas regras do jogo já que acompanhas tanto o nosso blogue como o blogue da Tabanca de Matosinhos... Gostaria, entretanto, que me mandasses uma foto tua actual.  Com a tua entrada, passamos a ter 439 tabanqueiros...

Entretanto, da CART 3492 (que foi substituir a CART 2716) temos muito mais camaradas, como tu sabes, a começar pelo Álvaro Basto, co-fundador e co-administrador do blogue da Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné.

Um Alfa Bravo para ti. Luis
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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 20 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6875: Tabanca Grande (236): Bernardino Rodrigues Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365/BCAV 3846 e CCAÇ 16 (S. Domingos e Bachile, 1971/73)