segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7357: In Memoriam (64): Hoje faleceu o Alfredo Dinis (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)


1. Amigos e Camaradas, comunico-vos mais uma triste notícia. Faleceu hoje no IPO do Porto o nosso Camarada Alfredo Dinis, que foi 1.º Cabo Enf da CCS do BART 6523 - Nova Lamego -, 1973/74. Era membro da nossa Tabanca Grande, desde Outubro de 2009 (*).


Muito conhecido na zona da Sé do Porto, onde vivia desde miúdo, era um Homem de baixa estatura física mas de grande coração e elevada formação moral, respeitador, educado, amigo dos seus amigos e sempre pronto a ajudar quem mais necessitava.
Acerca de 5 anos foi-lhe diagnosticado um cancro na faringe e parte da língua, tendo sido submetido a oito operações no IPO do Porto.

O Alfredo em pleno tratamento de queimaduras no seu Camarada de Companhia - Filipe (Matosinhos)

Era um lutador,. amigo de viver, muito feliz com a nova casa que a Câmara Municipal do Porto (sua entidade patronal) lhe atribuira recentemente, na zona de Costa Cabral, mas a doença foi mais forte e acabou por derrotá-lo.
Hoje, quando ia visitá-lo por volta das 19h30, recebi a triste notícia de que falecera de madrugada.
Até no IPO era muito estimado, pois ao ver o sofrimento à sua volta e estando de baixa prolongada, dedicava quase todo o seu tempo livre ao voluntariado nesta instituição.
Resta-me dedicar-lhe as seguintes palavras: “Bom Amigo e Excelente Camarada,  até breve, que Deus permita que, no seu maravilhoso e infinito reino, te acolha eternamente junto d’Ele!”


O louvor que o Alfredo recebera, lavrado pelo Comandante da sua CART 6523
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Notas de M.R.:




Guiné 63/74 - P7356: O Nosso Livro de Visitas (104): Hilário Peixeiro, ex-Cap Inf da CCAÇ 2403 (Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato, Mansabá e Bissau)

Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 (1970/72) > 12 de Novembro de 1970 Ataque do PAIGC... Enfermaria militar atingida por munição de canhão sem recuo. A CART 2732 foi render a CCAÇ 2403.

Foto: © Carlos Vinhal (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas. Todos os direitos reservados


1. Comentário de Hilário Peixeiro ao poste P3769:

Caro amigo (julgo poder tratá-lo por amigo) Raul Albino, ex-Alferes da CCAÇ 2402

Comecei, infelizmente há pouco tempo, a frequentar o Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné com muito agrado,  apesar de muitas incorrecções que encontro nos acontecimentos que vivi,  como por exemplo o desastre do Cheche [, em 6 de Fevereiro de 1969]. 

Comandei a CCaç 2403 de que não tenho conhecimento que haja história escrita e interessei-me por ler o que encontrei sobre a CCaç 2402. Como o senhor refere um possível ataque no Olossato à CCaç 2403,  resolvi contribuir com o esclarecimento de que só chegámos ao Olossato em finais de Março [de 1969] depois da Operação Lança Afiada [, no Sector L1, Bambadinca] e, ao fim de pouco tempo, ou seja a seguir ao grande ataque a Mansabá que vocês sofreram, nós fomos para Mansabá e vocês foram para o Olossato. 
É apenas um contributo e uma maneira de comunicar com os companheiros de tempos difíceis.

Um abraço com a garantia de que vou acompanhar as vossas trocas de recordações. Hilário Peixeiro
Então Capitão

 

2. Comentário de L.G.:

Meu caro capitão da CCAÇ 2403, se nos quer "acompanhar" nesta "troca de recordações" , então porque não ingressar na Tabanca Grande e passar a conviver, de pleno direito, com os 460 membros registados, sob o secular e frondoso poilão que nos inspira e protege?

Todos temos um "dever de memória" uns para com os outros, de nós connosco, e nós com os nossos descendentes... Nenhum de nós tem a versão definitiva, acabada, da história da guerra da Guiné, até porque cada um viveu no seu Bu...rako!... Só o nosso ilustre camarada António Lobo Antunes é que faz edições ne varietur (daquelas que são para ser lidas daqui a 5 mil anos, sem mais nenhuma alteração, nem de ponto nem de vírgula)... O nosso projecto é bem mais modesto e sobretudo colectivo: escrevemos a muitas mãos, centenas e centenas de mãos, e às vezes, a pontapé (sobretudo na gramática...).

Será uma honra para nós ter o 1º comandante da CCAÇ 2403 a representá-la no nosso blogue. Para já não temos ninguém que represente essa unidade. Por outro lado, dá-se a coincidência do nosso co-editor Carlos Vinhal ser da CART 2732 (madeirense) que foi render a CCAÇ 2403, justamente em Mansabá... Mas desses tempos ele, como bom "mansabense", poderá falar melhor do que eu... E que espero que possa ser, no futuro, o seu interlocutor privilegiado, aqui no nosso blogue.

Para os nossos leitores, direi apenas que o comandante da CCAÇ 2403 era Cap Inf, de seu nome completo Hilário Manuel Pólvora Peixeiro. Esta companhia foi mobilizada pelo RI 1. Embarcou para a Guiné em 24/7/1968 e regressou a casa em  20/6/1970. Esteve em Nova Lamego, Piche. Fá Mandinga, Olossato,  Mansabá e Bissau. Pertencia ao  BCAÇ 2851 (Mansabá, Galomaro).
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Nota de L.G.:

Último poste desta série 17 de Novembro de 2010 Guiné 63/74 - P7299: O Nosso Livro de Visitas (103): A Tabanca Grande não é para todos? (Eduardo G. Silva / José Marcelino Martins)

domingo, 28 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7355: In Memoriam (63): Partiu para a sua última morada o Aníbal Manuel de Oliveira Farraia (ex-Fur Mil Trms CCAÇ 3549) (José Cortes)


1. O nosso Camarada José Cortes, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74, em 28 de Novembro de 2101, a seguinte mensagem:

Companheiros:
Hoje foi um dia triste. Acompanhei um companheiro à sua última morada.
Neste triste cortejo fui acompanhado pelos camaradas, São Pedro, Eduardo Deus, Daniel Cunha, Alfredo Oliveira (Elsa), Teixeira, Machado, Magalhães, Celestino, Andrade, Barbosa, Lavoura e Mandinga. Que não quiseram deixar de estar presentes.
Foram os que consegui contactar, de certeza que se mais soubessem mais compareciam para se despedirem do Farraia (Aníbal Manuel de Oliveira Farraia), que foi Furriel de Transmissões da CCAÇ 3549.
A família dos “DEIXÓS POISAR”, ficou muito mais pobre sem a alegria que o Farraia punha sempre nos nossos encontros. O Eduardo Deus já não tem quem toque viola para ele cantar o fado. Vão fazer falta as graçolas que o Farraia dizia e que nos deixavam todos alegres.

Já partiu para a sua última morada.
Paz à sua Alma, e que descanse em PAZ.
Obrigado amigo pela alegria com que viveste a tua vida.

José Cortes
Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

26 de Novembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7339: In Memoriam (62): Por quem os sinos dobram hoje, 40 anos depois: Fernando Soares, Joaquim de Araújo Cunha, Manuel da Silva Monteiro, P. Almeida, Rufino Correia de Oliveira e Seco Camará, os bravos do Xime, mortos na Ponta do Inglês (Op Abencerragem Candente) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P7354: A minha CCAÇ 12 (9): 18 de Setembro de 1969, uma GMC com 3 toneladas de arroz destruída por mina anticarro (Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole  > Uma viatura civil, transportando cunhetes de granadas e, em cima, pessoal civil



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Estrada Bambadinca - Mansambo - Xitole  >  Um burrinho com a secção do Humberto Reis, do 2º Gr Comb

Fotos: © Humbero Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas. Todos os direitos reservados



Guiné> Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho> Assinalada, com um círculo a azul, a ponte do Rio Jago onde a GMC, com 3 toneladas de arroz, accionou uma mina anti-carro, no dia 18 de Setembro de 1969.

A distância de Bambadinca a Xitole (hoje uma estrada alcatroada) era, na época (1969/71), de 30 km. As colunas logísticas, de reabastecimento, podiam levar um dia ou até mais (na época das chuvas) a fazer este percurso perigoso (interdito entre Novembro de 1968 a Agosto de 1969 ). A CCAÇ 12 participou em diversas colunas logísticas a Mansambo, Xitole e Saltinho (junto ao Corubal). 



Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça (, foto à esquerda, Bambadinca, 1969).


1. Para se chegar a qualquer uma das unidades de quadrícula do Sector L1, a sul de Bambadinca (Mansambo, Xitole e Saltinho, embora esta já pertencesse ao sector de Galomaro) não havia nenhuma alternativa a não a ser a terrestre (a estrada Bambadinca-Saltinho, que terminava justamente no Saltinho, estando interdita a partir daí).  A estrada de Galomaro-Saltinho às vezes também ficava interdita devido às chuvas e à acção do PAIGC, pelo que as NT ali colocadas também dependiam do abastecimento feito a partir de Bambadinca (o eixo Xime-Bambadinca era a grande porta de entrada de toda a zona leste).


No entanto, a própria estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole estivera interdita entre Novembro de 1968 e Agosto de 1969.  O Op Belo Dia, a 4 de Agosto, já aqui sumariamente descrita,   destinou-se justamente a reabrir esse troço fundamental para as ligações do comando do Sector L1 com as suas unidades a sul. Um mês e tal depois, ainda em época das chuvas,  fez-se uma segunda operação para novo reabastecimento, patrulhamento ofensivo e reconhecimento.


São as peripécias dessa operação (Op Belo Dia II) que se relatam aqui, peripécias que, de resto, não eram muito diferentes do que se passava noutras regiões da Guiné. Mas,  ainda a propósito de meios de transporte, convirá referir que só Bambadinca possuía uma pista, com cerca de 150 metros, permitindo a aterragem de aeronaves como a Dornier. 


No meu tempo o sargento (ou furriel) piloto Honório, caboverdiano, era uma figura muito popular, quase lendária,  entre as NT, porque nos trazia o correio e alguns víveres (frescos). Era conhecido pela sua temeridade, destreza e coragem. Dizia-se que capaz de aterrar numa nesga de terra. Em Mansambo só havia heliporto. No Xitole, também havia pista para avionetas. Fica aqui também uma palavra de homenagem a todos os pilotos (e mecânicos) que aterraram naquelas pistas de terra batida, com sol, chuva e vento (e às vezes "chumbo" do PAIGC).


2. Setembro/69 (II Parte): Uma GMC destruída por uma mina anticarro

Na segunda quinzena de Setembro (*) realizar-se-ia outra operação a nível de batalhão afim de escoltar uma coluna logística do BCAÇ 2852 para as companhias de Xitole e Saltinho (Op Belo Dia II).


Dois Gr Comb [Grupos de Combate] da CCAÇ 12 (2º e 3º), um da CART 2339 [Mansambo] e o Pel Caç Nat 53 (que seguiria depois com o Dest B para o Saltinho) formavam o Dest [Destacamento] A cuja missão, além da picagem do itinerário, era escoltar a coluna até ao limite da ZA Zona de Acção da CART 2339 [Mansambo] onde se efectuaria o transbordo da carga para outra coluna da CART 2413 [Xitole].


O Pelotão de Caçadores Nativos nº 53, normalmente sediado em Bambadinca, estava, na altura, em reforço temporário ao Saltinho. Havia mais outros Pel Caç Nat no Secor L1: 52 (Missirá), 63 (Fá)...
Desenrolar da acção:


A coluna que chegou a Mansambo às 17.30 do dia 17 de Setembro, proveniente de Bambadinca, prosseguiria no dia seguinte, tendo-se processado sem incidentes de maior até à ponte do Rio Jago, a cerca de 3 km a sul do aquartelamento de Mansambo, altura em que se fez um alto para recompor a carga da viatura que seguia em 3º lugar (onde eu ia).


Ao retomar-se a marcha, o rodado intermédio direito da 4ª viatura, uma  GMC, de matrícula MG-17-21, que vinha imediatamente a seguir ao meu Unimog 404, GNC essa que pertencia à frota da  CCAÇ 12, accionou uma mina A/C (anticarro) reforçada, tendo-se voltado espectacularmente. A viatura ficou muito danificada, tendo-se inutilizado parte da sua carga de 3.000 kg de arroz. 


Em virtude de ter sido projectado, ficou gravemente ferido um 1º cabo do Pel Caça Nat 53 . O condutor, soldado Dalot, meu camarada,  saiu ileso. Por milagre...
A mina não fora detectada pela equipa de 12 picadores (!!!), seguida de 2 Gr Comb que progrediam na frente.


Alguns quilómetros à frente, junto à ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas mais 3 minas A/P que deveriam fazer parte do campo de minas implantado pelo IN posteriormente à Op Belo Dia I, e das quais 7 já sido levantadas até então.


Pelas 13h do dia 18 de Setembro deu-se finalmente o encontro dos 2 Dest (A e B), tendo-se procedido ao transbordo da carga, uma operação sempre e penosa.


No regresso a coluna foi sobrevoada várias vezes por uma parelha de FIAT  cujo apoio estava previsto na ordem de operações. Mansambo foi atingido pelas 17 h, depois de se ter armadilhado a viatura cuja remoção se verificou ser impossível com os meios disponíveis na ocasião. 


Durante anos, a Guiné-Bissau foi um cemitério de sucata, como viaturas (militares e civis) abandonadas pelas NT, destruídas por minas e roquetadas... Não tenho a certeza se esta viatura, a GMC MG-17-21, foi posteriormente desarmadilhada e rebocada para Bambadinca... Os custos de uma tal operação eram sempre elevados.


Já não me lembro, mas devemos ter ficado nessa noite em Mansambo, dado o estado adiantado da hora, se bem que o percurso até Bambadinca fosse mais seguro. É provável que tenhamos regressado ainda a Bambadinca, nesse fim de tarde.


Recorde-se, por outro lado,  que o nosso Fiat era um avião a jacto, subsónico, monolugar, que equipava a nossa força aérea (O Fiat G-91 era fabricado pela FIAT). A sua presença no céu era sempre tranquilizante. 


O IN também se manifestaria no regulado do  Cuor, flagelando duas vezes Missirá e atacando Finete, um destacamento de milícia situado a 3 km a NW de Bambadinca, do outro lado do Rio Geba. 


O ataque, efectuado ao anoitecer do dia 20 por um bigrupo, durou cerca de uma hora, obrigando o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 a intervir em socorro do destacamento. Tendo combado o rio em canoas, a força de intervenção foi progredindo ao longo da estrada da bolanha, nalguns pontos com água quase pela cintura, e quando chegou a escassos 500 metros da tabanca, começou a bater com morteiro 60 e bazuca as posições do IN que estava instalado do lado de Maladin, e que ripostou, aliviando a pressão sobre o destacamento. 


Apoiados pelo morteiro 81 que fazia fogo do quartel de Bambadinca (nessa época, Bambadinca não dispunha de artilharia, só mais tarde, mas já não no meu tempo, passou a ter um pelotão de artilharia com obuses 14), os grupos de intervenção acabaram por silenciar as posições do IN, obrigando-o a retirar. As NT tiveram apenas um ferido (milícia).


Entretanto, uma semana antes, a 12 de Setembro, durante um patrulhamento levado a efeito com o Pel Caç Nat 52 na região de Missirá-Biassa-Nascente do Rio Biassa – Chicri – Gambana – Maná, o 4º Gr Comb da CCAÇ 12 surpreendeu no trilho de Chicri um grupo de carregadores que vinha da direcção de Nhabijões.


A secção do Pelotão de Milícia de Finete (**), que reforçava as NT, abriu fogo precipitadamente e sem ordem expressa, tendo feito feridos confirmados. Na fuga, o IN que muito provavelmente não trazia escolta armada, abandonou todo o carregamento, constituído por esteiras, tabaco em folha, mosquiteiros e aguardente de cana, além de uma certa quantidade em dinheiro (***).


Por outro lado, as constantes patrulhas de reconhecimento aos núcleos populacionais de Nhabijões, sob duplo controlo, não obstaram a que a tabanca de Bedinca (balantas mansoanques) fosse assaltada em 23, à 1 hora da noite, por um grupo IN que teria espancado alguns nativos e roubado arroz e gado, segundo a versão do chefe de tabanca.


Feito o reconhecimento no dia seguinte, verificou-se apenas que o grupo IN (bastante numeroso) retirara para norte, tendo cambado o Rio Geba em canoa na direcção de S. Belchior.


A 10 de Setembro, o 3º Gr Comb e o Pel Rec Info da CCS / BCAÇ 2852, reforçados por 1 secção do Pel Caç Nat 53, tinham realizado um cerco e rusga à tabanca de Nhabijão Bulobate, sem resultados nem vestígios do IN, tendo capturado no entanto 3 homens balantas que se verificou apenas serem “ladrões de gado” no Enxalé (Op Grampo).


Durante o mês, a CCAÇ 12 (a 2 Gr Comb) efectuaria ainda um patrulhamento ofensivo, com as forças da CART 2339 (Mansambo) a fim de detectar vestígios IN na região de Boló (Op Glutão).


Fontes consultadas:


História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: CCAÇ 12. Cap. II. 13-16.


Diário de um Tuga, de Luís Graça (arquivo pessoal)


Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série


(Continua)
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Notas de L.G.

(*) Último poste desta série > 

Guiné 63/74 - P7353: Blogpoesia (90): Peregrinação (Manuel Maia) (2): Regimento das Beiras, Montes Hermínios, RI 14 de Viseu



1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  26 de Novembro de 2010:

Carlos,
Aqui seguem mais umas quantas sextilhas sobre a "guerra" cá dentro...
abraço
manuelmaia



Sé de Viseu



PEREGRINAÇÃO -2

Prazer de dormir fora é inenarrável,
tornando a tropa assim mais suportável,
quartel, como trabalho, era entendido...
Depois da janta, às sete, era esta a hora,
a vida começava porta fora,
Algarve, "um mundo novo" ali estendido...


Especialidade chega ao fim,
melhor do que a recruta, quanto a mim.
Para os Hermínios montes sou mandado...
Catorze, tem por nome o Regimento
das Beiras Centro de Recrutamento
para ensinar mancebo a ser soldado...


Em muitos episódios ocorridos,
alguns, talvez por serem mais vividos,
gravados para sempre os quis comigo...
Recruta que lá dei foi a primeira,
e o frio ali não é p`ra brincadeira,
Inverno por Viseu, só por catigo...


Bem linda é no entanto esta cidade,
de antiga traça e muita urbanidade,
de gentes fino trato, hospitaleiras...
Bem-haja é expressão de cortesia
usada p`lo beirão no dia a dia,
em toque a distinguir boas maneiras...


Um dia de Sargento à Companhia,
e Sargento da Guarda (não podia...)
com titular dali "desenfiado"...
Alarme disparou, de madrugada,
gerando o caos, a "confusão danada"
tão logo ao Comandante fui chamado...


Ao ver-me perguntou porque aqui estás?
Chamei homem da guarda, meu rapaz.
-Sargento me incumbiu desta função...
-Interruptores há dois e um é meu,
se o não premi, o que é que aconteceu
explica porque usaste lá o botão...


Por sorte, comprovou electricista
que um curto fora a causa, mais que vista,
do ruidoso alarme então sentido...
Em paz, "regresso à base", aliviado,
Sargento acabaria castigado,
meu rumo p`ra Guiné foi decidido...

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Nota de CV:

Vd. Primeiro poste da série de 25 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7337: Blogpoesia (89): Peregrinação (Manuel Maia) (1): Recruta e Especialidade

Guiné 63/74 - P7352: Memória dos lugares (114): Fajonquito, fotos de Sérgio Neves, ex-Fur Mil Mec Auto da CCAÇ 674, 1964/66 (2) (Constantino Neves)

Continuação da publicação de fotografias do espólio de Sérgio Neves que foi Furriel Miliciano da CCAÇ 674 (Fajonquito, 1964/66), irmão do nosso camarada Constantino Neves.

Foto 8 > Sérgio Neves acompanhado de dois jovens

Foto 11 > Foto tirada com camaradas. Em todas elas está um grande amigo dele, chamado Faria, que residia em Sobral do Monte Agraço, tão amigo, que pôs ao filho o nome de Sérgio. Há já algum tempo que perdi o contacto dele. Gostava muito de o rever.

Foto 12 > Um dos muitos miúdos que nos acompanhavam nos aquartelamentos

Foto 13 > Sérgio Neves junto a um velho poilão

Foto 14 > Sérgio Neves junto a um bagabaga

Foto 15 > Sérgio Neves e um camarada em cima de uma autometralhadora Daimler

Foto 16 > Sérgio Neves junto a viaturas Unimog 404
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7341: Memória dos lugares (112): Fajonquito, fotos de Sérgio Neves, ex-Fur Mil Mec Auto da CCAÇ 674, 1964/66 (1) (Constantino Neves)

sábado, 27 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7351: Controvérsias (112): David Costa, da CART 1660 (Mansoa, 1966/68): Déserteur malgré-lui ? / Desertor à força ? (Jorge Lobo, ex-1º Cabo, CART 1660)

1. Comentário, de 24 do corrente, de um leitor, nosso camarada, que se assina por Jorge (simplesmente) ao poste P3371 (*):


Fui colega do David Costa na CART 1660,  em Mansoa,  e assisti ao vivo e a cores ao incidente que levou o rapaz a desertar do quartel e, bem assim, acompanhei o caso até ao meu embarque para a metrópole, tendo mesmo escoltado [ o David Costa] e assistido ao vivo ao seu julgamento no Tribunal Militar de Bissau.



Tudo começou na caserna. O cabo enfermeiro Chantre vinha-se queixando não ter recebido duas cartas de datas diferentes, ambas com foto da namorada.


Quem por norma trazia o correio era o David Costa, mas, naquele dia (trágico para o David), não tinha sido ele a ir a Bissau trazer o correio onde, mais uma vez, a namorada enviava ao Chantre uma 3ª foto sua dentro da carta.


Desta vez, então, o Chantre recebeu a carta e feliz com a foto, mostrava-a aos colegas de caserna.


Porém, uns dias antes, o David... tinha mostrado a um dos colegas uma foto igualzinha à que o Chantre acabava de receber e mostrava a esse mesmo colega que já tinha visto a outra foto nas mãos do David.


Daí até se descobrir que tinha sido o David quem violou as cartas com as fotos anteriores, foi um pequeno passo. Ao ver-se descoberto, o David desapareceu do quartel e, a partir daí, só ele mesmo sabe o que se passou.


Depois dele ter regressado, três meses depois do início da sua odisseia, contou-nos lá em Mansoa a versão da sua aventura de forma diferente, a uns e a outros dos colegas. (Isto já em prisão, claro).


Sinceramente,  eu passei a desacreditá-lo e mais descrédito [me inspira] hoje em dia, depois de ler em diversos blogues da Internet versões diferentes, segundo parece deixadas por si ou com o seu conhecimento.


Há coisas que não coincidem. Nuns lados ele diz que passou por uns locais e noutros porém fala em outros bem diferentes... Num lado diz que dormitava quando foi capturado pelo IN, e noutras ele diz ter-se esbarrado de frente com os guerrilheiros do PAIGC.


Também me parece estranho como é que ele foi parar a Morés, quando ele tinha dito que, ao sair de Mansoa, tinha entrado na estrada de Bissorã a qual o levaria a um destino bem diferente de Morés.


Estas e outras contradições tornaram o seu livro pouco credível. [Vila Nova de Gaia, Editora Ausência, 2004].(*) (**)

2. Julgo que é o mesmo Jorge, Jorge Lobo, ex-1º Cabo da CART 1660, que tinha dirigido, um dia antes,  a seguinte mensagem ao David Costa [, David Ferreira de Jesus Costa, natural de Fânzeres, Gondomar: incorporado em Julho de 1966, regressaria a casa só em finais de Agosto de 1971]
 (**):

Caro David Costa, sou o 1º Cabo Lobo, da Cart 1660, e presenciei toda a cena da carta com a fotografia da namorada do Chantre, isto na caserna da Cart 1660 em Mansoa. Sabia vagamente o que te aconteceu mas não com todos esses pormenores. Em Bissau quando de cabo de dia antes da partida para a Metropole, cheguei a levar-te as refeições ao presidio.

Desejo do coração que tenhas já esquecido a pior parte dessa tua odisseia e que sejas muito feliz na companhia dos teus. (***)

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Notas de L.G.:

Guiné 63/74 - P7350: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (21): Cap Teixeira Pinto e as guerras de pacificação

1. Texto de Cherno Baldé:


Data: 23 de Novembro de 2010 12:43
Assunto: Cap Teixeira Pinto e as guerras de pacificação na Guiné (*)

Caro Luis Graça (*),

Como deves saber, nós africanos, pelo grande respeito que dá-mos a idade e aquele que nos é mais velho, nunca nos podemos considerar iguais aos mais velhos, é uma questão cultural, sim senhora, mas também filosófica, metodológica, antropológica etc. 


Nunca posso esquecer o facto de que, quando eu ainda deambulava quase nú no quartel,  já alguns de vocês eram oficiais do exército. Sobre isto nada se pode sobrepor, nada, nem a idade entretanto adquirida, nem a experiência acumulada, nem a formação académica. O respeito e admiração que tive por vocês ficou gravado para sempre na minha memória.
Lembro-me que nós reproduziamos nas nossas brincadeiras o comportamento das hierarquias militares tal qual observávamos no quartel:


(i) O Capitão era o mais sério, o mais corajoso, o primeiro que seguia para a frente do combate no seu pequeno Jipe,  em pé,  ao lado do condutor (esta era a reprodução da figura do Cap Carvalho); quando passeava punha sempre uma das mãos, normalmente a esquerda,  atrás das costas ou copiando o General Spínola, tinha uma bengala ou chicote na mão direita;


(ii)  O Alferes era o que sempre estava muito perto do Capitão,  pronto para o substituir em caso de...


(iii) Os furriéis eram os mais aprumados, impecáveis, bem parecidos, mulherengos... 


(iv) Os Sargentos eram identificados com a figura do Vagomestre, um pouco mais velhos, maus por norma e barrigudos, era raro encontrar um Sargento que fosse também bom atleta; eram mais ou menos solitários, mais ou menos melancólicos, cara de poucos amigos, até os soldados fugiam deles, nem oficiais nem subalternos, uma posição complicada, eram bons na aplicação de castigos. 


Perdíamos horas a fio nessas brincadeiras de figurinos teatrais do comportamento da tropa metropolitana. Por serem nossos, desvalorizávamos os milícias que não passavam de réplicas sem grande jeito, mas quando era preciso ir para a guerra, socorrer uma aldeia, sabíamos que eles é que iam a frente. 

No intuito de seguir o teu conselho e ver alguns trabalhos sobre o Cap Teixeira Pinto,  acabei por cair no poste P1615: Historiografia da presença Portuguesa(5): Capitão Diabo, herói do Oio, João teixeira Pinto (1876-1917). 


[ Foto à esquerda: João Teixeira Pinto (1876-1917), com barbas compridas e os galões de alfres; foto com uma dedicatória manuscrita do oficial português "à sua querida mulher com um beijo do seu marido muito amigo. 27 de Maio de 19__(?). Oferece João Teixeira Pinto".]

[ Foto«: © A. Teixeira-Pinto (2007). Direitos reservados.]

Penso que há um erro de localização do Sancorlá na frase que diz: "Fulas Forros de Sancorla (No Cuor, a nordeste de Missirá". Aqui, com toda a certeza,  faz-se referência ao regulado que mencionei nas minhas memórias, da casa real de Canhámina, cujas ligações com a minha familia também falei. 


O Boram Jame do texto é o Patriarca e régulo de Sancorlá, nosso avó comum (Buran Djame ou Braima Djame) dos tempos do Administrador de Geba, Calvet de Magalhães. Durante o seu reinado, o regulado de Sancorla foi um aliado fiel da administração colonial e amigo do Governador Muzanty, tendo combatido ao lado desta entre os rios Geba e Cacheu, com Sousa Lage (1891-1892) contra Mussa Molo, Graça Falcão (1897) no Oio/Morés e João Teixeira Pinto (1913-1915) em toda a Guiné.


Tudo o que sei de concreto sobre o Cap Teixeira Pinto, encontrei em livros, com destaque para o livro, história da Guiné,  de René Pelissier. As nossas fontes tradicionais,  além de escassas (os griots são os fieis depositários), normalmente, são mitológicas e algo deformadas com o passar dos tempos. 


Contam-se muitas histórias sobre estas guerras e há referências a certos locais e pessoas que se destacaram numa ou outra batalha, em especial a última repressão aos Canhabaques (Bijagós) mas sem muito rigor nem datas e locais precisos. Seria preciso fazer uma vasta colecta e depois comparar as narrativas de diferentes fontes orais.   

Com um grande abraço,
Cherno Baldé

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Nota de L.G.:

(*) Na sequência de comentários ao poste de 21 de Novembro de 2010

(i) Comentário do Cherno Baldé:


Caros amigos,

Desculpem a intromissão em assuntos de mais velhos mas, na minha opinião, Portugal, cometeu erros estratégicos na Guiné por não ter dado a devida atenção as lições do Capitão Teixeira Pinto.

Eu sei que o contexto não era o mesmo mas ele teve o mérito de, em pouco tempo, fazer uma avaliação correcta da situação e decidir que, para o caso da Guiné não precisava de batalhões de tropas metropolitanas nem de muitos Grumetes a mistura. Claro que esta decisão teve suas consequencias boas e más, todavia ele foi eficaz e os efeitos foram, de certo modo, duradouros.

De resto, todos estamos de acordo que a solução final só podia ser política. Cherno Baldé.



(ii) Comentário de L.G.:


Cherno:

A Tabanca Grande é uma "sociedade de iguais"... onde não há a classe dos "mais velhos" (com excepção do Rosinha, mas só por graça...) nem dos "djubis" (com excepção de ti, por que para nós serás sempre o Chico de Fajonquito, "menino e moço"...).

Humor à parte, conta-nos lá a "tua" história sobre o Capitão-Diabo (como ficou conhecido entre os guineenses) (...).
 

Último poste da série > 18 de Setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7349: Kalashnikovmania (6): Eu tive três amores, a G3, a HK21 e AK47 (J. Casimiro Carvalho)

1. Comentário do J. Casimiro Carvalho ao poste P7334:

Ó Torcato e Graça :

Ele há coisas que não têm explicação.

Uma delas  são as armas.
Eu, em Lamego, adorava a G3.
Na Guiné adorava a HK 21 
e falava com ela
e ela compreendia-me,
pois eu conhecia.
Comigo a gaja não encravava.

Posteriormente, já em Gadamael, 
apaixonei-me por aquela outra gaja, a AK 47.
E foi amor duradouro, caramba,
mas a gaja era mesmo boa,
que me perdoe a minha querida G3, 
pois não sou gajo de  traições.

Portanto, temos três gajas,
todas elas boas,
com as suas particularidades,
convenhamos.
Como as mulheres, né ?!

Um abraço deste vosso camarigo,
J. Carvalho







O José Casimiro Carvalho foi Fur Mil Op Esp da CCAV 8350, Piratas de Guileje, e da CCAÇ 11,  Lacraus de Paunca, tendo passado por Guileje, Gadamael, Guileje, Nhacra e Paúnca,entre outros sítios, entre 1972 e 1974. Nas três fotos, vemo-lo "afagando" a G3 (em Lamego), a HK21 (em Guileje) e AK47 (em Gadamael ?)... LG

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.
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Nota de L.G.:

Ultimo poste da série > 25 de Novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7348: (Ex)citações (113): Achas para a fogueira, ou a influência dos movimentos independentistas na política interna de Portugal (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 26 de Novembro de 2010:

Caros camarigos
Aqui vão “achas para a fogueira”!

Leio repetidamente a exaltação dos Movimentos Independentistas em armas da Guiné, Angola e Moçambique, como os grandes precursores do 25 de Abril, que levou Portugal à democracia e ao desenvolvimento.

Mais uma vez e sempre nos colocamos de cócoras e deixamos aos outros a razão da nossa História, amesquinhando-nos e fazendo dos Portugueses o povo que mais mal diz de si próprio na Europa e muito provavelmente no mundo.

Tudo nos serve para tal desígnio, até as doutas opiniões de estrangeiros, que pouco ou mal nos conhecem, ou relatórios internacionais, sempre de duvidosa imparcialidade e normalmente controlados pelas forças dominantes.

Mas o que sobre gostaria de realmente reflectir é o seguinte:
Então e se esses Movimentos não tivessem pegado em armas, obrigando o país a consumir a maior parte dos seus recursos no esforço de guerra, o que seria Portugal hoje?

Com isto não estou a colocar em causa o direito desses povos encontrarem a sua independência, o seu destino, ou pelo menos não o pretendo fazer, porque concordo que esse objectivo era e é perfeitamente legítimo e deve ser alcançado.

Sabemos que por aqueles tempos a economia portuguesa crescia sem problemas e que foi o esforço de guerra a par com alguma conjuntura internacional, (esta ultrapassável), que veio condicionar fortemente esse crescimento e desenvolvimento.

Então, se esse monumental esforço financeiro e não só, que Portugal despendeu na guerra, fosse utilizado não só no continente, mas também no, então todo Português, que país teríamos, o que seriamos hoje?

É que, acredito que com o desenvolvimento então possível, com o acesso cada vez maior à educação, proporcionado por esse desenvolvimento e pela pressão da sociedade, o regime de então iria ser substituído, mais tarde ou mais cedo, (tal como foi em Espanha), sem as consequentes convulsões, gerando uma estabilidade que hoje se reflectiria seguramente nas nossas vidas.

Pois, logicamente podemos invocar que houve a necessidade imperiosa desses povos pegarem em armas, mas também podemos tentar perceber que, se tivessem trabalhado apenas no campo político, Portugal poderia ter dado outra resposta ao desenvolvimento desses territórios, e mais tarde, por força da mudança operada no próprio país como acima refiro, para além da pressão internacional, ter realizado uma descolonização em que as estruturas do poder desses novos países estivesse garantida, não pela força das armas, mas pela força das palavras.

Sim, já sei que virão dizer que o regime nunca cederia, mas a verdade é que nenhum regime como aquele cede quando é atacado, pelo contrário fortalece-se, mas o desenvolvimento que já se estava a notar, (a par com o “cansaço” que também já tão bem se notava e a longevidade do líder), poderia por dentro, levar à mudança estruturada, que iria dar origem a um novo país, a novos países, sem que tantos tivessem morrido para que tal acontecesse.

Enfim, um exercício impossível de concretizar hoje, mas já que falamos tanto do passado, não nos fará mal nenhum pensarmos nisso.

Realmente eu devo ser um pouco masoquista, porque já adivinho a quantidade de “porrada” que vou levar se os editores quiserem publicar este texto, o que deixo inteiramente nas suas mãos.

Um abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7344: Convívios (201): 7º Encontro da Tabanca do Centro (Joaquim Mexia Alves/Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7319: (Ex)citações (112): O Simples e o Erudito (na Tabanca Grande) (José Brás)

Guiné 63/74 - P7347: Notas de leitura (177): Marcelino Marques de Barros, um sábio guineense (Mário Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
O padre Marcelino Marques de Barros acompanha-me há décadas.
Estudei-o na Faculdade, com a preciosa ajuda do então comandante Teixeira da Mota. Dava logo para perceber que se tratava de uma personalidade excepcional que o país não assimilou mas que tinha deixado uma memória profunda na Guiné.
A homenagem que lhe prestaram no colóquio internacional “Bolama Cidade Longe” foi significativa e vale a pena deixar um apanhado sobre os seus vastíssimos conhecimentos.

Despeço-me até Dezembro,
Mário


Marcelino Marques de Barros, um sábio guineense

Beja Santos

Há, felizmente, uma grande consideração pelo talento, criatividade e obra científica de um padre guineense que viveu na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX. Nas actas do colóquio internacional “Bolama Caminho Longe”, que se realizou em Novembro de 1990, numa tentativa, inglória, de constituir uma das peças para um movimento mais vasto que tinha por principal objectivo a recuperação da cidade, o padre Marcelino foi alvo de uma comunicação que torna claro que a sua personalidade é obrigatória para o estudo da cultura, da missionação na Guiné, da etnografia, da filologia e da antropologia da Guiné Bissau.

Nascido em 1844, em Bissau, veio estudar no Seminário Patriarcal de Santarém e no Real Colégio das Missões Ultramarinas em Sernache do Bonjardim. Se cada um de nós é o que é e a circunstância da sua vida, não se pode entender o trabalho científico deste prelado fora do contexto em que viveu: Conferência de Berlim, acordo luso-francês para a definição de fronteiras, separação da Guiné de Cabo Verde, a Guiné como palco de lutas étnicas em que os Fulas derrotaram os Mandingas na batalha de Kansala, cobiça britânica sobre a Senegâmbia portuguesa (questão de Bolama), falta de missionários para trabalhar na Guiné. Marcelino Marques de Barros sai de Sernache em 1866, estão bem identificadas as etapas do missionário: pároco em Bissau, pároco em Ziguinchor, em Bolor e Cacheu, Vigário Geral da Guiné (1873-1888). A par desta laboriosa actividade, na maior parte dos casos, sozinho, revelou-se um escritor compulsivo e um investigador que merece bem que a Guiné-Bissau e Portugal estudem afincadamente os seus conhecimentos aprofundados.

A sua correspondência é admirável. No colóquio “Bolama Caminho Longe” foram passadas em revista algumas das suas muitas informações que foi dando aos seus leitores: descrições de rios; análise dos usos, costumes e línguas dos povos da Guiné; recolha de contos, cantigas e parábolas. Publicista infatigável, colaborou nalgumas das principais publicações do seu tempo, caso da Revista da Sociedade de Geografia de Lisboa, Revista Portuguesa Colonial e Marítima, A Tribuna, Revista Lusitana, etc. Definitivamente em Portugal, trouxe consigo várias lembranças que dão conta das suas preocupações com a ciência e o seu acrisolado amor pelas coisas da Guiné: 200 exemplares de sementes e plantas recolhidas em Bolama e nos Bijagós, devidamente catalogadas e enriquecidas com notas explicativas que entregou ao Conde de Ficalho; notas sobre línguas e a dialectos da Guiné que ofereceu a Carrilho Videira e a Hugo Schuchardt; 30 poesias em crioulo e fotografias que foram publicadas na revista As Colónias Portuguesas; notas para uma coreografia da Guiné; vocabulário da língua felupe, etc. etc. Era poliglota, conhecia perfeitamente o crioulo, foi autor do primeiro dicionário do crioulo guineense. Tentou impulsionar a criação de uma biblioteca pública em Bolama, previu mesmo um museu junto dessa biblioteca onde pudessem ser expostos os “valiosíssimos produtos da história natural superabundando em todas as costas ocidentais da África e especialmente na Senegâmbia portuguesa”.

Guiné e Cabo Verde separaram-se em 1879. Nos anos seguintes, houve fomes em Cabo Verde e o Cónego Marcelino Marques de Barros tomou a iniciativa de sensibilizar a população guineense publicando em 31 de Outubro de 1883: A Fraternidade, Guiné a Cabo Verde, folha destinada a socorrer as vítimas da estiagem da província cabo-verdiana. Foram impressos 10 000 exemplares e saiu um único número. Sensibilizados, os cabo-verdianos agradeceram o socorro financeiro.

A correspondência do padre Marcelino é, a todos os títulos, notável. Vou ficar-lhe devedor para toda a vida pelos esclarecimentos que ele me deu nas coisas da Guiné. Aliás, ele vai aparecer numa citação no meu livro “A Viagem do Tangomau”, é o padre Marcelino quem vai ilustrar a impressão que provoca esse magnificente rio que é o Geba, assim: “Duas enormes serpentes, que perseguindo-se deixam no solo um rasto de mil curvas, dão a lembrar as águas do Geba, que multiplicando as voltas, rompem por bosques e campos de verdura – Que festa não é o viajar por um rio assim, embarcado n’uma canoa toda embandeirada! Verdade é que, à noite só tem o viajante a contemplar o céu carregado de brilhantes, a terra de sombras e fantasmas, o ar de cacimbas; e o silêncio, que aumenta apenas perturbado com o saltar de peixinhos, e com o ressonar dos grumetes estirados nas latas.

Mas, ao amanhecer, que quadros e hinos não o cercam! Renques de palmeira no horizonte coroados de luz da aurora; um crocodilo saindo da margem do rio desce escorregando pelo lamaçal abaixo; palram em volta dos seus ninhos as aves de mil cores. É então que os grumetes seguindo a sua viagem, jogam os seus remos ao som do “bombalão”, sem se incomodarem muito com o hipopótamo, que, de quando em quando, mostra à proa a sua cabeça de mostro marinho. No tracto por onde o rio corre desassombrado de arvoredos, acham-se manadas de gazelas que pascem nos prados; e é de ver como a tiro de clavina se põem todas em debandada, e como fogem algumas garças brancas, que se vão poisar sobre a verde folhagem das árvores como flocos de neve!”.

Morreu em Lisboa, em Março de 1929, com 85 anos.

Este padre Marcelino foi um sábio que necessitamos de reencontrar. Para a glória dos dois países que ele tanto amou.
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Notas de de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7340: Bibliografia de uma guerra (58): Opúsculo da Bibliografia sobre o Fim do Império (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7326: Notas de leitura (176): Tempo Africano, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)