quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7528: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (9): O dia no Xitole e o regresso a Finete


1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Dezembro de 2010:

Malta,
Espero que quem tenha vivido no Xitole venha participar na descodificação das imagens captadas neste dia. Até agora não se encontrou nada tão bem conservado.
O Xitole merecia um projecto da recuperação, em nome da memória de todos nós que ali combatemos. Vamos ver se a ideia pega.

Um abraço do
Mário



Operação Tangomau (9)

Beja Santos

O dia no Xitole e o regresso a Finete

1. O Tangomau levanta-se cedo, a sua preocupação é contemplar o nascer e o capitular do dia, captar as cambiantes de luz, ouvir as vozes dos humanos e as sonoridades da fauna, impressionar-se com aquela bola de fogo que desaparece no horizonte como avião bombardeiro incendiado a despenhar-se na grande e maciça floresta. O dia de hoje era suposto prolongar o de ontem, continuar-se no Cuor. É indispensável espiolhar Finete, falhar com o chefe de tabanca, mesmo que pareça surrealista perguntar-lhe se ele cede terreno para que o anarca Jorge Cabral ali construa uma casa. E para que as peripécias ganhem sumo, pedir orçamento a quem de direito, não basta fazer contas a tijolos de adobe, chapa zincada, ripas de cibe para o travejamento, divisórias para os quartos, cozinha e casa de banho, há que pensar que o glorioso antigo comandante do Pel Caç Nat 63 terá uma cozinha, pisará lajedo, é admissível o conforto de um gerador. Por ora nada mais, quanto a Finete. Mas há Madina de Gabiel, Sansão, Maná e Canturé. Afinal, o Tangomau rende-se ao que o homem grande Fodé Dahaba decidiu, vai-se ao Xitole. Antes, fazem-se compras para o Bairro Joli e acolhem-se surpresas. A primeira, é receber a visita da família de Quebá Soncó, o primogénito do régulo Malã Soncó. Faustosas, apresentam-se Nhali Cassamá e Bantã Aiderá, Nhali estava na bolanha quando o Tangomau visitou Missirá. Fanta, a outra mulher de Quebá, está em Bissau. Falou-se do passado e das amarguras do presente. Nhali sabe que o filho Bacari telefona regularmente de Saragoça para o Tangomau, Nhali pede um presente muito especial ao filho, um telemóvel, toda a gente já tem telemóvel menos ela…

Bantã à esquerda, Nhali à direita, à porta da casa de Fodé Dahaba. Enquanto fomos ao Xitole, elas passaram o dia com Aidjá. Não podiam adivinhar que no dia seguinte o Tangomau iria aparecer de motocicleta em Missirá, vindo de Canturé e Maná. Passou de raspão em Canturé, haverá depois uma visita com pompa e circunstância, ali ia morrendo numa mina anticarro e Canturé é local muito belo, um quase obrigatório ponto de passagem para ir para Mato de Cão ou Finete.


2. Sai-se do Bambadincazinho e o Tangomau teve a vaga reminiscência das colunas de abastecimento ao Xitole. No interior do carro de combate cresce uma gritaria infernal, a comitiva de antigos combatentes rememora episódios de idas ao Cossé e ao Xitole. O importante é que depois de Samba Juli se vai em direcção a Cambessé, ali Dauda Seidi preparou a recepção. Lamentavelmente, perderam-se as duas imagens do evento, uma delas com a família do Dauda, chefe de tabanca e homens grandes.

O que mais impressiona em Dauda Seidi é que parece que o envelhecimento estar centrado nas linhas acentuadas do rosto e no esbranquiçado da barba. O resto, é o mesmo Dauda de há 40 anos, bastou dizer-lhe: “Não te mexas!”, Ei-lo hirto com a sua majestade natural. Parece que com os reis disfarçados de povo é sempre assim.


3. De Cambessé, o carro de combate dirigiu-se para Sinchã Indjai, a tabaca de Albino Amadu Baldé. Chegou o momento de um desabafo muito íntimo: o Tangomau deve-lhe muito, era ele que fazia a gestão efectiva do pelotão de milícias de Missirá. Possui uma comunicação fluída, é um português com as sílabas descascadas, sem nenhum travo do crioulo. Sempre possuiu um olhar místico, de quem regularmente fala com Deus. Era pragmático, jovial, tinha sido professor e educado por missionários. O Tangomau chorou convulsivamente quando se apercebeu da vida miserável que ele leva e a discrição com que esconde os revezes da vida. Levou-lhe livros e escreveu mesmo uma dedicatória muito especial: “Ao Albino, um irmão do coração, da solidariedade de Missirá, a minha dívida não tem fim e a admiração é inesgotável”. Como é habitual nestes eventos, primeiro saúdam-se os homens grandes e a autoridade, a seguir os camaradas reúnem-se com o anfitrião. Inevitavelmente, Fodé discursou, Mamadu Djau pôs-se a seu lado. Albino olha-nos como se estivesse estado todos estes anos à espera de uma justa reparação ou da minha visita.

“Sabia que me trazias livros, mesmo com muita dificuldade, encontro nas leituras o meu alimento preferido. Arranja maneira de me mandar mais livros. Eu prometo escrever-te. Desculpa se te pedir ajuda, tudo é muito difícil, não tenho mais ninguém a quem pedir ajuda”. À despedida, o Tangomau beijou-lhe a testa e ele respondeu: “Domingo vou passar o dia contigo, meu irmão”.


4. É um prazer inexcedível conversar com Albino Amadu Baldé. Ele tem sempre resposta para tudo o que intriga o Tangomau. Do género: “Quando eu digo mãezinha, estou a falar da irmã da mãe que me pariu”; “Está descansado, hei-de descobrir os dois Ieró Djaló, vivem muito longe, vou mandar mensagem”; “Pode-se escrever que o régulo de Taibatá era Carfala Baldé, confirmo que Cherno Baldé era o comandante do pelotão de Demba Taco e o comandante da milícia de Amedalai Mamadu Baldé, todos já morreram”; “Sim, Abás Jamanca era sargento das milícias de Finete, depois da guerra foi viver para Galomaro, desapareceu, tens de ver que depois da guerra procurámos reconstruir as nossas vidas, fomos para as tabancas das mulheres ou dos irmãos, ali tínhamos paz e não fomos perseguidos”.

O Tangomau pediu ao Albino que se pusesse de pé, há que confessar que ao menos se devia ter esperado que Fodé Dahaba tirasse a mão do olho, paciência, salva-se a espontaneidade do momento. Este é um dilecto amigo martirizado, o Tangomau já suspira por domingo, têm tanta coisa para conversar…


5. A próxima etapa é o Xitole. Preparem-se, aqui não se estragou nem uma só fotografia. O que se lamenta é que o guia não identificou claramente todas as instalações visitadas. Ao que parece, o que a imagem regista terá sido uma instalação do comando. Dignidade não lhe falta. O que o Tangomau logo recordou, assim que pôs os pés em terra, foi o ritual da coluna vinda de Bambadinca a chegar ao Xitole, a cabeça da coluna logo se posicionava para o regresso e este edifício foi rapidamente relembrado.

O que o Tangomau mais gosta é o haver na edificação qualquer coisa na casa portuguesa. Mas também qualquer coisa que a memória gravou das vezes que se foi ao Xitole. Só faltou gritar: “O nosso capitão está aí?”.


6. Mas a mágoa vem logo a seguir, não há direito de não aproveitar este espaço, de o habitar, o Tangomau circula por um Xitole fantasma, parece que ficaram ali algumas almas do outro mundo que condenaram estes edifícios à indiferença mortal.

Terá sido caserna? Arrecadação? Ao menos aqueles que viveram no Xitole venham a terreiro e identifiquem a função deste espaço que fazia parte do destacamento. O incrível é que o edifício está telhado, mesmo vazio e sem préstimo aparente. Andava o Tangomau a deambular quando chegou uma motoreta com uma autoridade local. A conversa foi cómica, a autoridade nada sabia sobre o local, parece que o Xitole está à espera que tudo isto apodreça.


7. Súbito, Calilo Dahaba grita: “Velho, parece que está aqui uma daquelas coisas que andas à procura!”. Temos finalmente sinal de vida, uma inscrição da CCaç 1551. Isto facilita as coisas. Quem pertenceu à CCaç 1551 que se apresente e fale, as imagens vão dar vida e cor às suas memórias. Do lado do visitante, ponto final.

Foi um trolha que, à semelhança dos construtores das catedrais da Idade Média, deixou este sinal incisivo para a posteridade, à entrada de uma porta. Não se encontrará no Xitole outra marca parecida.


8. Prossegue a deambulação, mais um edifício do quartel. O guia é categórico: “Não sei para que servia, mas que era do quartel era”. O Tangomau está confiante, em breve vão aparecer comentários esclarecedores, talvez o comandante de companhia aqui desse despacho, nunca se sabe.

Fica-se com a ideia que há presença humana neste Xitole do passado, alguém se aproveita deste arvoredo frondoso. Há até mesmo a secreta esperança de que o Xitole poderá vir a ser recuperado, exibido como um quartel da guerra que mudou a vida a dois países. Vestígios não faltam e o Xitole já existia, já tinha importância muito antes da guerra.


9. Terá sido um refeitório, houve mesmo quem dissesse que a cozinha estava ao lado, o guia mostrou os restos de um abrigo, a pouca distância. Quem viveu no Xitole tem um imperativo de nos ajudar, a interpretar este vestígio arqueológico, o edifício já se esboroou, o desaparecimento total é uma questão de anos… ou de meses.

A Natureza é uma entidade superior, os edifícios demolem-se, apodrecem, as árvores crescem, imparáveis. Mamadu Djau comentava que era mesmo um refeitório e havia uma cozinha, o Tangomau aquiesceu.


10. Não é de mais insistir que os itinerários estão alterados, o que aqui se vê é a entrada de Canturé, hoje Gã-Turé. Neste sombreado explodiu uma mina que fez várias vítimas, uma delas mortal. Mamadu Djau reconstituiu para todos os presentes o que se tinha passado no final daquele dia 16 de Outubro de 1969. Quem vê estas fotografias não pode imaginar o tanto sofrimento havido. O Tangomau só se lembrava de Cherno Suane, que aqui desapareceu e ressurgiu. E rezou por Manuel Guerreiro Jorge, as fotografias não revelam o som dos gritos dos moribundos.

A explosão da mina anticarro deu-se exactamente no canto direito do querentim, a vedação típica feita com os caniçais. O fundo é um belo arvoredo, é uma avenida de poilões que vai até Finete. Mais bonito, mais esplendoroso, só a entrada do Enxalé, onde o Tangomau irá amanhã, antes de ir conhecer em tempo de paz Cabuca, Madina e Belel.

Perderam-se as imagens do regresso a FInete, o Tangomau di-lo abertamente, com o coração contrito. O que se perdeu: a ladeira de Finete para Canturé, com Malandim à esquerda; o registo da nova tabanca e a conversa com o actual chefe de Tabanca; a casa do Sr. Biloche, um dinâmico empreendedor e conhecido construtor civil a quem se pediu orçamento logo que o chefe de tabanca de Finete garantiu que oferecia o terreno para a casa do Jorge Cabral. Pois ficas a saber, meu estimado anarca, que a tua casinha em adobe, com uma boa cobertura de cibe e chapa zincada, as paredes interiores todas cimentadas, o chão ladrilhado, uma cozinha e uma casa de banho, pelo menos 4 janelas bem rasgadas, a porta da rua e a porta para a horta, é qualquer coisa como 5 mil euros. Depois, tens que contar com o gerador, o equipamento de cozinha e o da casa de banho, põe mais 2 ou 3 mil euros. Obviamente, tens que pensar no transporte, na governanta, na dama de companhia e no guarda-nocturno. É bem possível que vivas ali muito mais barato do que em Lisboa, com vista desafogada, a 70 quilómetros de Bafatá e a 2 horas de Bissau. O ideal é que vás escolher o terreno, marcas a data da viagem, o Sr. Biloche explicar-te-á tudo ao pormenor…


11. E assim se regressou a Bambadinca. Chegaram mais visitas, vou fotografar Califo Djau, da secção de Bacari Soncó. Ele recordou ao Tangomau um pormenor: trouxe uma carta que o coronel Mamadu Jaquité, de Madina, lhe deixara em Canturé, a anunciar que o iria matar. Curiosa é a coincidência, esteve hoje no local em que o carrasco esteve quase a praticar a execução. Calilo Dahaba apresentou ao Tangomau Lânsana Sori, um jovem da Guiné Conacri que tem motoreta e se oferece para o levar a Madina e a Belel, amanhã. Fodé Dahaba está furioso, esta independência do Tangomau é quase intolerável. Anoitece, chegou a hora de regressar ao Bairro Joli, os anfitriões querem saber sempre ao detalhe como se passou o dia. O Tangomau está excitado, Madina é o grande mito não revelado dos lugares míticos. A grande aventura está prestes a acontecer, é só uma questão de horas. E pela primeira vez na sua vida, o Tangomau vai atravessar a savana numa motocicleta.

Obrigado por teres vindo, Califo Djau. Obrigado por me teres lembrado o bilhete do coronel Mamadu Jaquité. Já tinha deixado outro bilhete na fonte de Cancumba, dizendo algo como isto: “Meu grande alferes de merda, andas a desinquietar a vida do nosso povo, vou tratar de ti. Se voltares vivo para a tua Pátria, será grande vergonha para mim. Prepara-te para o castigo. Nem Deus te salva. O meu nome é Mamadu Jaquité, fica sabendo”. O Tangomau apresentou-se no Cumeré, cerca de 20 anos depois. E fizeram uma festa, depois de se ter contado a história daqueles bilhetes: “Sr. Coronel, venho cumprimentá-lo, eu sou o alferes de merda, o de Missirá, não me matou, mas fez-nos sofrer muito. Agora venho abraça-lo”.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
__________

Nota do editor

Vd. último poste da série de 27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7511: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (8): O primeiro dia no Cuor (continuação)

Guiné 63/74 - P7527: Blogoterapia (171): Caminante no hay camino (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 29 de Dezembro de 2010:

Desculpa Carlos, se te envio isto a ti.
Por um lado porque me dá isso prazer e por outro porque não vejo outro... caminho

Abraço e força para 2011
José Brás


"CAMINANTE NO HAY CAMINO"

Cego sou
...e surdo
porque passas tão perto
e não te oiço
nem vejo
fazendo o teu caminho
no poema de Machado
prolongamento
apenas
de ti próprio


Está a terminar o meu segundo ano de Blogue e como em todos os caminhos, mesmo os que abro todos os dias, caminhando como no poema, dois horizontes posso alcançar com estes olhos que deus me deu, um, real porque feito já, em folga ou duro andar, certo e concreto mas irrepetível (um rio não corre duas vezes no mesmo lugar), e outro adivinhado apenas por entre a aparência do que me mostra em frente, incerto no por fazer ainda, pouco seguro de cumprir desígnios e sonhos, mas exaltante nas suas possibilidades de andarilho e de futuro.

Dizem que importante não é a chegada mas o caminho que se faz para a alcançar. Não estando totalmente de acordo com o dito (talvez a penas de avançada idade), entendo muito bem a quem o diz e, durante anos, acho, foi o que senti e esbravejei, arriscando o pêlo tantas vezes em futilidades.

Falando do meu andar aqui na Tabanca Grande, aceitando sem dificuldades que algumas vezes fui um pouco além do que devia e, digo-o sem complexos nem renúncias, além mesmo do que eu próprio acho que podia, ainda assim, fecho as contas e acho saldo positivo.

Nas polémicas que mantive, algumas vezes sem que o antagonista sequer perceba, foi comigo próprio que me engalfinhei. Com um outro eu que todos temos e que, se não morreu, frequentemente se põe em causa, nas dúvidas, nos (des)entendimentos, na necessidade da zaragata que todos temos também nesta imperfeita humanidade, feita à imagem de deus, diz-se, caminhando no seu fim, mas dele sempre muito distante.

Naturalmente que não acabaram aqui tais diferenças nem esta minha forma de as expressar, apenas porque 2010 deu o berro e já mal respira na eminência do 2011.

Quem leu o que escrevi, sabe que a par essa quase truculência de palavra e de disputa, se equivale a um outro esforço sempre afirmado, não apenas de aceitação das diferenças mas mesmo da fundamental necessidade delas na harmonia quase telúrica da perenidade do mundo e dos viventes.

Bastas vezes tenho teimado nessa vertente do nosso convívio, recolhendo nisso a compreensão dos comentários recebidos na volta do correio, não apenas porque somos uma comunidade larga mas fechada, mas porque nela ache que devemos estar como no mundo que nos pariu e nos levará um dia.

Por mim, acho que sempre reagi apenas em situações extremas, contra afirmações que nos negam este cristianismo de que somos portadores, na abrangência do olhar sobre o mundo e sobre as gentes que nele sonham e trabalham, por vias diferentes buscando a felicidade que vislumbram e a que se julgam com direito só porque nasceram, a liberdade, a autonomia como seres individuais, comparsas de grupos em terras próprias onde nasceram e esperam que seja sua.

A dignidade de cada homem é a única propriedade verdadeira que tem de defender, a par do próprio direito à vida e ao sonho.

E neste modo de pensar, hão-de perdoar-me, julgo que é muito pouco importante se perdemos uma batalha ou até uma guerra, face à grandiosidade desse olhar divino sobre a história do caminhar do homem global.

E por pensar assim, pouco tempo perco com o relato esmiuçado das circunstâncias do combate, da valentia de cada combatente, esteja ele num ou no outro lado da peleja, da vitória ou derrota episódica.

Por exemplo.

Não sou insensível às qualidades individuais dos nomes grandes dos navegadores que nos levaram daqui aos confins do mundo por entre dificuldades e sacrifícios quase inumanos. Acho mesmo que sem eles não teríamos na nossa história essa saga gloriosamente exemplar e o fantástico contributo de que nos orgulhamos ter dado ao mundo para que a civilização pudesse dar um salto em frente.

Contudo, vejo isso mais como um feito de um povo que, cercado em determinadas circunstâncias, se abalançou à tarefa e à função gloriosa, cumprindo um desígnio qualquer que era indispensável para que a história pudesse avançar.

Outro exemplo.

Leio hoje um magnífico e dorido relato do camarigo Jero sobre minas e mortes e dessa escrita, pedindo já desculpa de o fazer, mesmo que sem intenção negativa, separo uma parte que cito:

«...Meio-dia e trinta.
..............................................................................

Embora paralisados momentaneamente pela surpresa os nossos homens têm uma reacção fortíssima que faz calar em poucos momentos o inimigo.
............................................................................................................

Quantas vezes nos sucedeu isso na Guiné? Quantas vezes demonstrámos superioridade militar perante o adversário que nos confrontava mas dessa vitória retirámos apenas, verdadeiramente significativo no plano do humano, desgosto e dor?

E ainda assim, desgosto e dor, sabendo que tiveram milhares de portugueses ao perseguirem um fim de que mal sabiam em naus-caravelas, por tempestades e hostilidades, mas de que hoje podemos dizer como Fernando Pessoa "tudo vale a pena quando a alma não é pequena".

E é nessa fenda entre a grande e a pequena alma que me encho de preocupação, entendendo eu que foi muito grande quando partimos, descobrimos, ocupámos, desbravámos, maltratámos também, mas fizemos avançar o mundo em tempo certo da história, e foi pequena quando noutro tempo, forçámos a história, inventando conceitos e direitos que nessa altura já estorvavam o bom caminhar do mundo.

2011, visto daqui, com três ou quatro dias para chegar, não nos parece grande coisa.

Contudo, quem sabe não venha a ser, nessa perspectiva do poema de Machado, ou nessa "filosofia" do verdadeiro significado do caminho, escavando, terraplanando e compactando avenidas ou vielas que nos levem a um futuro novo e merecedor dos quase mil anos de idade que ostentamos.

No blogue, a quem tenho de agradecer esta possibilidade de conviver na dinâmica que sempre dá forma a grupos de gente que se junta por afinidades gerais e separa nas diferenças, espero continuar a acertar e a errar, na presunção de que mesmo de adversários circunstanciais, terei o abraço de camaradagem que também lhes reservo sempre, para além das palavras.

A todos, coragem e força para aceitar e enfrentar o novo ano.

Ao Luís, ao Carlos, ao Magalhães Ribeiro, ao Briote e tantos que fazem andar isto e garantir a sua qualidade, o meu agradecimento maior.

José Brás
__________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 23 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7493: (Ex)citações (122): Palavras e Balas (José Brás)

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7505: Blogoterapia (170): A Casa da Praia (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P7526: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (27): Votos de Feliz Ano Novo... e mais umas coisitas (Vítor Junqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Vítor Junqueira (ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), com data de 29 de Dezembro de 2010:


Votos de feliz Ano Novo… e mais umas coisitas.

E a páginas tantas, neste quase final de ano, um vago imperativo de consciência impôs-se. No mínimo teria que dirigir um olá, simples e fraterno, aos amigos que possuo nesta Tabanca. Em especial, aos camaradas ex-combatentes que envolvo num caloroso abraço virtual. E a todos quantos quiseram sublinhar a sua consideração e amizade enviando-me os seus votos de Boas Festas.

Acabámos de celebrar mais um Natal. Para a maioria de nós, civilizacionalmente cristãos, esta é uma quadra festiva, a mais aguardada do ano dizem alguns. Muito “complexa” direi eu, dada a amálgama de sentimentos que em nós desperta. Por isso, as pessoas da minha geração chegam a achá-la pesada. Foram-se a excitação incontida da meninice e as alegrias da juventude. Agora a saudade aguilhoa. Como num filme, recordo outros Natais bem mais felizes; diante dos meus olhos passa uma multidão de rostos de pessoas que fizeram parte da minha vida ou de simples conhecidos. À frente vem o do meu pai que não voltarei a ver, a lembrar-me a efemeridade da vida.

Em compensação, estamos mais serenos e felizes pelo simples facto de nos ter sido concedida a graça de passarmos estes dias com a família e amigos, longe da cadeira de rodas ou de uma cama de hospital. Para aqueles que nesta época foram traídos por periclitante saúde, particularmente os nossos camaradas de guerras passadas, elevo o meu pensamento numa súplica sincera, fazendo votos de um de um breve regresso ao activo.

Por mim, que me iludo pensando que ainda estou para as curvas, este foi mais um Bom Natal. Acredito que ninguém foge às suas origens e as minhas estão no mundo rural. A bicharada e as plantas são a minha paixão, a minha família é a aldeia que viu nascer os meus antepassados e onde vivo. Por isso, Natal também é tradição, convivialidade, festa. E a lembrar-mo não faltou o reboliço causado pela criançada (filhos e netos) aqui em casa!

Mas, camaradas, algo de muito estranho se passa comigo. Parece-me que estou a metamorfosear e já estranho o animal prestes a escapulir-se da minha casca. Aquela serenidade dos mais antigos a que me referi, por mim desconhecida há apenas uns anitos, parece estar a dar lugar a uma espécie de amolecimento. Amoleci e prontos, tenho que me conformar! Por exemplo, dou comigo a apreciar a minha solitude (e não solidão!), talvez mais preocupado com as coisas da alma, comovo-me até à lagrimita com certa passagem do livro ou cena de filme, coisa que me faria sentir embaraçado quando era mais novo. A tragédia alheia traz-me desconforto, passei a contribuir para campanhas de recolha de alimentos (e outras) quando no passado respondia irritado às meninas que me estendiam o saco “… e os meus impostos, para que servem?”. Mas, por outro lado, sinto-me um traste por achar que não sou suficientemente solidário.

Também estou cada vez mais inclinado a concordar que na gestão de conflitos a arte da punhada está em desuso. Contudo, não fico feliz quando constato que na nossa comunidade (Blog) há palavras que são atiradas como se fossem zarabatanas. É mau, só pode dar cu de boi. Estas beliscadelas não raramente desencadeiam vetos, invocação de direitos de resposta, acusações de censura, mal-estar mais ou menos contagioso. É verdade que quando entrei para o “Luís Graça e Camaradas” pela mão do Sousa de Castro - nunca me canso de referi-lo -, blogar era muito mais simples e despretensioso, um pouco naif, atrevo-me a dizê-lo. Com o tempo ocorreu uma espécie de profissionalização e o Blog atingiu um nível demasiado elevado (sem ironia!) para muitos de nós, número de que eu próprio não me excluo. Apareceu gente de altíssima craveira, tanto do ponto de vista académico como das fontes a que tem acesso. Munida com documentação inquestionável e vasta bibliografia, dixit e… fez-se luz! Porém, todo o êxito tem o seu preço.

Interrogo-me se tanta erudição não poderá ter conduzido a uma certa retracção de alguns participantes de antanho que tanto aprecio e tenho visto menos por aqui. Eu gosto do formato actual embora tenha as minhas preferências. Os textos que mais me interessam são aqueles que suscitam resmas de comentários, por oposição aos que passam aparentemente despercebidos, pese o seu valor e extensão. Não tenho dúvidas de que em muitos casos, a cotação de um post depende tanto do seu valor intrínseco como da qualidade dos comentadores. Eis a razão da minha preferência.

No vertente caso de sucesso, a certa altura, o Boss não teve outro remédio senão arrear (parcialmente) a giga e pedir a colaboração de três excelentes oficiais às ordens, o MR, CV e VB que se tornaram seus co-editores. Desde então, pelo menos que eu o saiba, não tem havido reclamações quanto a extravio de material, atrasos na respectiva publicação ou acusações de atribuição de prioridade em função de favoritismo ideológico. Sábados, domingos, feriados, pontes e períodos de férias não significam folga para os editores e julgo que não se passou um único dia sem que material novo desse à estampa. Sempre acompanhado de elucidativas notas sobre o autor e respectiva produção no Blog. Foram milhares de páginas de texto e quase outras tantas de fotografias primorosamente revistas e editadas, muitas vezes com links para outros trabalhos. Sem esquecer o tratamento dos comentários suscitados, como é óbvio nem sempre do agrado dos respectivos autores! Ora tudo isto tem dado muito trabalho como está à vista. Para fruição de todos nós e remunerado a leite de pato. Devemos-lhes respeito e gratidão e torna-se necessário manifestá-lo claramente e não ficar pelas encolhas. Da minha parte segue uma referência bem simples, à minha moda: Obrigado, rapazes!

Na minha relação com “Luís Graça e Camaradas”, tenho privilegiado o canal CêVê. Por três ordens de razão, sendo a primeira a empatia, a segunda porque militou numa Companhia que se não era irmã da minha, era no mínimo sua prima e a terceira, porque essa unidade comandada por outro amigo, o Jorge Picado, connosco combateu a mesma guerra e pisou o mesmo terreno. Então para o Carlitos Vinhal (Carlos, perdoa-me a familiaridade!), aqui vai uma receita que poderá ajudá-lo a pôr na ordem os exaltados que lhe causam azia. Trata-se de um pó muito eficaz, como se segue.

Numa vibrante manhã de Primavera, dois amigos passeavam pelo campo. De repente um deles desata a espirrar que nem um bode. Perante a inquietação do parceiro, esclarece ranhoso e lacrimejante:

- Sabes, pá, isto é por causa do pó.

- ???

- Sim, meu. O pó dos fenos. Sou alérgico. Mas há outros, como o pó da casa, o pó de talco, o pó de arroz que também …

- Olha, e o pó caralho, conheces?

Eu não acho, tenho a certeza de que em certas ocasiões é o melhor remédio!

Para todos os amigos, ou camarigos como diz o Mexia Alves, aqui vai este lugar-comum carregado de afecto:

Abaixo a crise, abaixo as guerras e Feliz Ano Novo com muita saúde para todos.

VJ
__________

Notas do editor

(*) Vd. último poste de 25 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7498: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (16): Um receita energética para os entrevados, by-passados, disrítmicos ou algo incapacitados tabanqueiros... (Vítor Junqueira)

Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7524: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (26): Ano Velho, Ano Novo (Joaquim Mexia Alves)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7525: Notas de leitura (181): Tempestade em Bissau, Ano 1970, de Mário Gonçalves Ferreira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2010:

Queridos amigos,
Que eu saiba, é o primeiro médico a afoitar-se nas incursões literárias da guerra da Guiné. Não é uma grande lançada em África mas dá para saudar as reconstituições de atmosferas e vivências militares.

O autor centra-se em Tolentino Menezes, o que certamente o fascina é mostrar como nestes períodos de mudança o ser humano defende-se ignorando o que vê à volta. Depois morre e não pode participar na tempestade…

Um abraço do
Mário


Tempestade em Bissau (ano 1970)

Beja Santos

Mário Gonçalves Ferreira, cardiologista, nascido em 1937, foi médico do BART 2917, em Bambadinca. Iniciou a sua actividade literária com o romance “Tempestade em Bissau (ano 1970)”, Pallium Editora, 2007.

Sem nunca iludir que se trata de pura ficção, o autor faz desfilar, com jocosidade e uma acidez temperada personagens da vida civil e militar que todos conhecemos na atmosfera da guerra: a pesporrência e a vacuidade de alguns discursos: a chegada e a partida de tropas no mítico cais do Pidjiquiti; a encenação da vida dos funcionários coloniais, as suas cumplicidades e o seu quadro de ambições; a vivência dos oficiais e suas famílias em Bissau… recorrendo a um discurso retórico e a uma efabulação grotesca, fazendo irradiar a acção à volta do obscuro Tolentino de Sá e Menezes, o autor risca os traços mais pronunciados do drama desse funcionário colonial que vai perdendo referentes e se ausenta da realidade da evolução de uma guerra onde ele não encontra lógica nem adaptação.

Tolentino nasceu em Goa, veio cedo para Bissau, tomou posse do lugar de 3º escriturário do Tribunal Civil. Aprendeu a curvar a cerviz, a fechar os olhos a mais ou menos graves ilegalidades, apaixonou-se pela lavadeira Famatá Sanhá, dessa relação irão aparecer André e Lamine Sanhá Menezes. A irmã de Famatá imiscui-se na vida de Tolentino, vai crescer uma relação conjugal triangular. 

Chega a guerra, alterou-se a pacatez daquele pequenino cosmopolitismo, progressivamente vamos assistindo a divisões ideológicas, à consciencialização das asperezas daquela guerra. André até vai a Bambadinca visitar membros da família e conhece um primo guerrilheiro que o impressiona com a sua determinação. A saúde de Tolentino deteriora-se, assolado pela diabetes. André partirá para a guerrilha, Tolentino para a metrópole, vai fazer exames, é submetido a tratamentos rigorosos. 

O autor engrossa a escrita colocando episódios bélicos, assistimos até ao Natal do soldado e ao envio de saudações para as famílias em Portugal. Um certo alferes Gonçalves envia uma carta para a namorada e depois vai a Fá Mandinga encomendar uma peça de ourivesaria. O artesão disse-lhe: “O que eu tenho de mais valioso é esta peça de prata fina que tem incrustada uma moeda de oiro. Mas para a trabalhar a uma semana e usar o saber de muitos anos de uma experiência acumulada”. 

A viagem de regresso vai culminar numa tragédia, o Unimog pisará uma mina, o condutor e o jovem alferes morrerão. E sobre o alferes Gonçalves fica escrito: “Tinha um lenço atado à volta do coto que restava da sua perna esquerda. E no bolso foi encontrado um colar feito de prata fina, com uma medalha em filigrana onde estava incrustada uma moeda de oiro que tinha, em relevo, as seguintes gravações: Victoria D: G: Britannia R: Reg: F: D:, com a efigie da rainha; na outra face ostentava, também em relevo, a imagem de um cavaleiro a matar um dragão e uma data: 1884; e, por baixo, artisticamente desenhado, um nome: Lena.”. 

Tolentino adoece gravemente em Lisboa, aqui vai falecer. Na celebração das exéquias na catedral de Bissau uma tempestade sacode Bissau.

O que sobressai do relato é o pendor para exibir as misérias do mundo e a incapacidade de fazer a leitura das mudanças à nossa volta. As descrições de Mário G. Ferreira são pouco lisonjeiras para as individualidades do regime, para os militares em Bissau, para os esteios administrativos guineenses. É uma mordacidade que não se dissimula. É uma tempestade que muitos recusam ver. A prosa é barroca, a linguagem privilegia o obnóxio, o discurso espalhafatoso, os guerrilheiros heróicos e ingénuos. Vamos ficar à espera da continuidade literária deste médico de Bambadinca que tomou gosto pela escrita.
__________

Notas do Editor:

(*) Vd. último poste de 28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7514: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (6): Dia 24 de Novembro de 2010

Vd. último poste da série de 25 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7501: Notas de leitura (180): Poemas, de Vasco Cabral (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7524: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (26): Ano Velho, Ano Novo (Joaquim Mexia Alves)


1. O nosso camarigo Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, enviou em 22 de Dezembro de 2010 a seguinte mensagem de Ano Novo:

ANO VELHO, ANO NOVO

Meus camarigos

É fim de ano e começo de um Novo Ano, logicamente.

Olho para a nossa Tabanca Grande, leio-a, e… já não sei o que dizer!

Este fim de ano foi um “não acabar” de respostas e contra respostas, de polémicas e quezílias, a maior parte, (que me desculpem os intervenientes), sem grande sentido.

Multiplicam-se as “picardias”, os ditos “encapotados”, os “desditos” disfarçados, que acabam num ambiente de cortar à faca.

Claro que eu, (e quem sou eu para querer alguma coisa), não queria uma Tabanca, onde todos sentados à volta do poilão, fossem acenando afirmativamente com a cabeça, quando alguém diz alguma coisa de sua justiça.

Mas queria que, sentados na mesma Tabanca à volta do tal poilão, fossemos capazes de acordar, quando é caso de acordar e de discordar, quando é caso de discordar, mas tudo com principio, meio e fim, e sobretudo, que este fim fosse sempre o de melhorar, construir, unir, em vez de piorar, demolir e dividir, pois para isso chegam bem alguns “out siders” que por aqui passam de quando em vez, tentado lançar a cizânia.

Posto isto, começo logo por humildemente pedir desculpa por todas as vezes que me deixei levar pela irritação em vez do bom senso e respondi a alguém com mais pedras na mão, do que com a colher de pedreiro, para assim construir alguma coisa de útil e bom para todos nós.

É que, meus camarigos, volto a repetir, a nossa desunião é a fraqueza das nossas exigências à Nação, sobretudo para aqueles de entre nós que ainda hoje sofrem diariamente na pele, e na bolsa, os tempos passados na Guiné.

E existem verdadeiramente razões para estas picardias que muitas vezes roçam o insulto fácil?

Não, eu acho que não!

Há razões para discordarmos em certos assuntos, sem dúvida!

Mas muito mais do que aquilo que nos divide, é aquilo que nos une.

A verdade é que a união acontece muito mais na adversidade, do que na facilidade, e de adversidade nós somos peritos.

Eu sou da direita e tu és da esquerda, (o que quer que isso seja), com certeza, mas na Guiné defendemo-nos uns aos outros sem cuidarmos de saber o que éramos ou não, politicamente.

Muitas vezes, meus camarigos, interpretamos as palavras escritas pelos outros à nossa maneira, sem fazermos um esforço para percebermos se é isso mesmo que o outro quer dizer, apenas para termos argumentos para contestarmos e abrirmos polémica, onde ela provavelmente não existia.

E volta e meia, meus camarigos, há comentários e textos de uma tal densidade de conceitos e trocadilhos, que só com um dicionário ao lado é possível entender e mesmo assim, corremos o risco de não alcançarmos o que nos queriam dizer.

Somos nós “obrigados” a gostarmos todos uns dos outros por igual?
Guiné 63/74 - P7521: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (25): a nossa Sra. Dra. Cátia Félix

Claro que não, pois cada um tem o seu feitio, as suas ideias, que são sempre melhor recebidas por aqueles que têm o mesmo feitio e as ideias semelhantes.

Agora o que temos é de nos respeitarmos uns aos outros exactamente como gostamos de ser respeitados, e por isso mesmo devemos medir as palavras que escrevemos, que, se para alguns não constituem qualquer problema, para outros podem ser consideradas insultuosas.

Sobretudo quando “fulanizamos”, “pessoalizamos”, os nossos comentários críticos e utilizamos expressões que sabemos bem no nosso íntimo, vão magoar o outro, porque nos aproveitamos de algumas das suas “particularidades”.

E depois… depois apresentamos uma “carinha laroca”, inocentinha, como a dizer:
Quem, eu? Caramba eu não disse nada de mais, nem de ofensivo!

Com isto que aqui escrevo, volto a repetir, que não quero uma Tabanca unânime no pensamento e na prática, mas gostaria de estar numa Tabanca unida na diversidade e construtora de algo bom para nós, (sobretudo aqueles que ainda sofrem), e também que pudesse mostrar aos historiadores, (alguns deles entre aspas), que a história da guerra não é aquela que eles querem ou idealizam, mas aquela que nós fizemos.

Não quero uma “paz podre”, mas sim uma paz activa que se vá fazendo todos os dias nas diferenças e nas parecenças, e sobretudo na camarigagem que nos une por tudo o que passámos e ainda vemos alguns de nós passarem.

Para isto, contem comigo!

Aproveito para lembrar neste momento todos aqueles camarigos que durante este ano partiram desta vida.
Que Deus os receba no seu eterno descanso.

E com todo este paleio quero desejar a todos um Ano Novo cheio das maiores venturas para cada um e suas famílias, ou como dizíamos tantos de nós na Guiné nas mensagens de Natal, um Ano Novo cheio “das maiores propriedades”!

Um abraço forte, camarigo, para todos e para cada um individualmente, lembrando os nossos editores que aturaram durante este ano todas as nossas manias, irritações, tristezas e alegrias.

Monte Real, 29 de Dezembro de 2010
____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
29 de dezembro de 2010 >

Guiné 63/74 - P7523: Blogpoesia (98): Cafal-Balanta antes de aramar (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  25 de Dezembro de 2010:

Carlos,
Hoje estou produtivo.

Aqui vão mais quatro referentes a Cafal-Balanta, o tal resort onde vivíamos "refustelados" escondidos atrás do arame farpado, segundo a douta opinião do homem do ar condicionado e pose de Rambo, coleccionador de medalhas ganhas por outros, conhecido por anota bruno, militar de subida honra e lhaneza de carácter, incapaz de cometer o mais pequeno atropelo...

Claro que nos três ou quatro primeiros dias, (antes de conseguirmos aramar) não nos escondíamos, antes convivíamos com o IN numa amizade digna de encómios, fazendo inclusive alguns pic-nics como é do conhecimento geral dos camarigos.

Foi lá que fizemos, eu e os camarigos que partilhavam o resort que tive oportunidade de vos mostrar em tempos, que acabaria por merecer a especial atenção do nosso primeiro Pinto de Sousa, bem como de Severiano o então ministro português nascido guinéu e uma pleiade de homens do risco de reconhecida qualidade internacional onde destaco Sisa Vieira, Alcino Soutinho,Tomás Taveira entre outros.

Sem o pretender, estava a incidir de novo a vossa atenção nesse trabalho arquitectónico que já conheceis, e minha não era a intenção.

Voltemos pois às sextilhas...


Manuel Maia nos bons velhos tempos em que usufruia das melhores condições do Resort de Cafal-Balanta, tendo ainda direito a remuneração 


Cafal-Balanta antes de aramar

Machado à mão direita o tronco corta,
pancada após pancada, n`árvore morta,
espreita de um buraco verde cobra...
Um salto à rectaguarda é instintivo,
ao ver sair dali ser repulsivo,
que em rota de fugida faz manobra...

Mais rápido que o vento, camarada,
na dita então desfere catanada,
que dividiu ali ofídeo em dois...
O p`rigo da picada era mortal,
segundo se dizia por Cafal,
e confirmado algum tempo depois...

Chegados aos buracos de Cafal,
sem protecção d`arame, o pessoal,
dormir não conseguia face ao medo...
Terceiro dia, creio, surge então,
farpado para a delimitação,
alívio no gatilho faz o dedo...

Mui duro foi derrube com machado,
o meio, remedeio, ali usado
p`ra abate dos suportes p`ro arame...
Cafal tem moto-serra sem usança,
é inútil procurar na vizinhança,
demora ajuda o IN, vil infame...
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7515: Blogpoesia (97): Guiné... diferenças (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7522: Facebook...ando (4): O nosso camarigo Francisco Palma, em Canquelifá (CCAV 2748, 1970/72)




Foto do Mural do Facebook da página do nosso camarigo Francisco Palma



Francisco Palma, ex-Sold Cond Auto da CCAV 2748 (1970/72), camarigo: explica lá ao pessoal da Tabana Grande e demais leitores do nosso blogue, o melhor que souberes e puderes.  o que fazia esta aeronave (bimotor) da Air Senegal que "no dia 1 de Janeiro de 1972 aterrou em Canquelifá , com uma série de Suecas (e Suecos) a bordo"... Acrescemtas tu (ou alguém que comentou a foto) que, "depois do susto inicial foi um alvoroço naquele aquartelamento que não fazem ideia (que o diga o Fur Mil At Cav, Melo e Castro .... e não só")... Julgo que ainda não contaste esta história no blogue... 






Nesta foto, também,da sua página do Facebook, vemos o Francisco a convidar-nos a beber a um cervejinha à Porta da Mercearia do Pais (Caboverdiano)...O Francisco Palma, residente em São João do Estoril, Cascais, ex-condutor auto, é hoje DFA, com mais de 30% de deficiência, em consequência de uma mina A/C, accionada em Abril de 1972. É membro da nossa Tabanca Grande desde Novembro de 2007. Também faz parte dos nossos amigos do Facebook.


Fotos: © Francisco Palma (2010). Todos os direitos reservados (Editadas e reproduzidas por L.G. com a devida vénia...)

________________


Nota de L.G.

Último poste desta série > 14 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7433: Facebook...ando (3): Uma dramática ida de Buba a Gandembel (Raul Brás, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 2381, Buba, 1968/70)

Guiné 63/74 - P7521: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (25): a nossa Sra. Dra. Cátia Félix


1. Da nossa amiga Cátia Félix (com o novo visual para 2011, !"que te fica tão bem, querida Kat"... camaradas, mais respeitinho, Sra. Dra. Cátia Félix!)
  

Olá, Luís.


Vi agora o post no blog e fiquei muito comovida(*). Já deixei um comentário :) eheh
Vou enviar-lhe em anexo uma foto minha, pois penso que ainda não enviei assim nenhuma toda catita :)

Beijinhos e tenha um optimo final de ano e um excelente começo do novo ano.


Cátia Félix

Nota de L.G.:


(*) vd. poste de 27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7510: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (22): Cátix Félix, a nossa futura farmacêutica, e nossa menina de ouro, amiga de Cidália Nunes, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, morto no Quirafo


(...) Oh Luís,  agora quem ficou comovida fui eu :)
Conhecer-vos foi das melhores coisas que me podia ter acontecido e, claro que não me esqueci de nenhum de vocês neste dia tão especial.
Neste momento estou embrenhada nos meus estudos pois vou ter os meus últimos exames. Em Fevereiro vou começar a estagiar :) Mal possa vou começar a enviar as minhas fitas para que o máximo de camaradas assinem, mas depois combino melhor com vocês. Em Maio prometo que envio uma foto minha com a minha cartola roxa, pois sei que os meus guerreiros vão ficar muito orgulhosos da pequena :) Beijinhos enormes e entrem com o pé direito no novo ano (...)


Guiné 63/74 - P7520: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (24): Mensagens do José Romão, Orlando Pinela, Sílvio Abrantes e Torcato Mendonça

1. Do nosso camarada José Romão (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73):





Camarada Carlos Vinhal:
Ainde te lembras desta mascote do Programa das Forças Arrmadas, na Guiné (O PIFAS)?



Um feliz ano novo para ti e para todos os nossos camaradas.
Zeca Romão

2. Do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69):




O Solstício vai trazer a luz






Ou para que o mundo não seja deserto de ideias, o Pai Natal vai trazer um Feliz Natal e um Bom Ano de 2011:


O Inverno 

Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.
Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,
O chão onde passa
Parece um lençol.
Esqueceu as luvas
Perto do fogão:
Quando as procurou,
Roubara-as um cão.
Com medo do frio
Encosta-se a nós:
Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.

Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.



Eugénio de Andrade (1923-2005)


(imagens e poema copiados do Google)

3. Do Sí­lvio Fagundes de Abrantes, mais conhecido no BCP 12 como o Hoss [, foto à direita, empunhando a MG 42]: 

 Começo por pedir desculpa pelo atraso, mas vale mais tarde do que nunca. Venho assim desejar a todos os tertulianos um Santo e Feliz Natal e que o Ano Novo vos traga tudo de bom, que seja ainda melhor do que o 2010.

E para o pessoal que está em baixo que levante essa cachola e há que seguir em frente, deixem as dores para o vizinho, que se amanhe com elas. Para os que se encontram doentes ou hospitalizados.  umas melhoras rápidas. São os votos do Hoss

4. Do Orlando Pinela, ex-
1º Cabo Reab Mat da CART 1614/BART 1896, Cabedú, 1966/68.

 Aqui vão os meus votos  de desportiva amizade, extensivos a toda a Família da TABANCA um SANTO NATAL e BOM ANO 2011


Saudações
OP
____________________


Nota do editor


Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7516: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (23): Encontro de 1º grau na Tabanca de Matosinhos, no Milho Rei, 4ª feira, 29, às 12h30, para quem puder e quiser... (Luís Graça / Álvaro Basto)

Guiné 63/74 - P7519: Parabéns a você (194): Luís Fernando Moreira, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 2789/BCAÇ 2928, Bula, 1970/72 (Editores)


1. Completa hoje 62 anos de idade o nosso Camarada Luís F. Moreira, que foi Fur Mil TRMS da CCAÇ 2789/BCAÇ 2928, Bula, 1970/72, e assim dedicamos-lhe esta singela e fraterna mensagem:

A bordo do Carvalho Araújo > Saida da Barra de Lisboa > Da Esq para a Dta. > ???, Luís Moreira, ??? e ex-Fur Vaguemestre Cameiro da CCAÇ 2789 que esteve em Bula de 5 de Dezembro de 1970 a 29 de Setembro de 1972, natural de Rio Maior, penso que, infelizmente, já falecido.

Frente e verso da Ementa do primeiro jantar (!) servido a bordo do T/T Carvalho Araújo, a caminho da Guiné com os autógrafos de diversos camaradas, entre eles o nosso aniversariante de hoje

2. Em nome do nosso Camarada Luís Graça, colaboradores deste blogue e demais elementos desta tertúlia “tabancal” desejo que, no festejo de mais este aniversário, sejas muito feliz junto da tua querida família e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

Que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa enviar mensagens idênticas a esta e às que hoje lerás no “cantinho” reservado aos comentários. Estes são os sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, com um grande abraço fraterno.
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P7518: (In)citações (23): Guiné-Bissau, país de história e de cultura: O Festival Quilombola Cacheu, Caminho de Escravos, Novembro de 2010 (AD - Acção para o Desenvolovimento)

(**)


Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > Título: Jovem quilombola de regresso à terra dos seus tetravós... > Data de publicação > 12 de Dezembro de 2010 >Data da fotografia > 21 de Novemnro de 2010 > Legenda:
"A jovem Maria do Carmo Ribeiro Baima, quilombola de 8 anos de idade, veio à Guiné-Bissau para conhecer os seus irmãos, tios e avós de quem se tinha separado há mais de 400 anos.

"O tráfico negreiro transatlântico levou os seus antepassados desta costa da Guiné, para o Maranhão, no Brasil. De um lado e de outro ninguém mais soube o que aconteceu aos que ficaram e aos que partiram: Resistiram? Chegaram ao Brasil? Casaram? Tiveram filhos?... Hoje, Maria Baima, veio contar o que aconteceu aos que foram para o Brasil e saber o que fizeram e como ultrapassaram a dor da perda, os que ficaram na Guiné.
"Porque a força dos tambores permaneceu, ela dança a música de tina, ao som doce saído das cabaças tocadas pela mandjuandade das mulheres de Calequisse".

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010) (com a devida vénia...) 


No quadro do seu programa “Vamos contar a nossa História”, a AD participou na organização do Festival Quilombola “Cacheu, Caminho de Escravos”, que decorreu  [, entre 18 e 25 de ] Novembro de 2010, [, com o patrocínio da Comunidade Europeia e o Instituto Marquês Valle Flôr, de Portugal]

A adesão das comunidades locais, grupos de mandjuandades (*) artistas e grupos culturais de raiz étnica, foi um dos aspectos mais marcantes deste Festival, pelo que o governo guineense decidiu passar a promovê-lo anualmente, sempre nesta data.

Para os guineenses foi um grande orgulho poder apresentar e ver consagrada a sua cultura diversificada, aparecendo aos olhos de todos como um país de História e Cultura, elemento de unidade e de reforço da identidade nacional.



_________________

Notas de L.G.:


(*) Mandjuandades, na Guiné-Bissau, são "organizações associativas, [femininas],  de base voluntária e igualitária, sustentadas pela solidariedade e partilha de interesses individuais e coletivos"...O fenómeno parece-me ter algumas parecenças com a Kixikila amgolana, termo que, em kimbundu, quer dizer contribuição, em dinheiro, para um dado fim colectivo. Em África, em geral, e em Angola, em particular, é aquilo que se designa pela expressão inglesa Rotating Savings and Credit Associations (ROSCA), um sistema informal de poupança e crédito, um grupo de ajuda mútua, liderado em geral por uma mulher, a "mãe de kixikila". O pequeno grupo, de cinco a dez elementos, tende a ser constituído por pessoas que estão ligadas entre si por laços de amizade, parentesco, vizinhança ou profissão. Cada elemento faz periodicamente uma determinada contribuição para um fundo comum que é depois utilizado rotativamente por cada um, com uma taxa de juro nula ou de valor reduzido. Na ausência de sistemas de crédito bancário acessíveis à generalidade da população, o kixikila voltou aos hábitos dos kaluandas como forma de atenuar ou reduzir o impacto da pobreza. O kixikila está hoje vulgarizado, não só entre as vendedeiras, quitandandeiras e kinguilas, mas também nos serviços públicos e nas empresas (vd. Neto, S. - Kixikila não é uma lotaria.Economia & Mercado. 19 (Maio-Junho de 2004). 40-42). Vd. também: Ducados, H.L.; Ferreira, M.E. (1998) - O financiamento informal e as estratégias de sobrevivência económica das mulheres em Angola : a Kixikila no caso do município do Sambizanga (Luanda). Lisboa: CEsA - Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento. Instituto Superior de Economia e Gestão. Universidade Técnica de Lisboa. 1998 (Documentos de Trabalho, 53). 


terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 – P7517: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (35): Morte a vinte e oito… na CAÇ 675




1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675,
Binta
, 1964/66), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:

Camaradas,

No rescaldo de mais um Natal mando-vos mais uma história da "minha guerra", num dia que nos marcou a todos: o primeiro morto em combate na C.Caç. 675.

Faz hoje, dia 28 de Dezembro, 46 anos. Era o meu melhor amigo e fui então incumbido de reunir todos os seus bens pessoais (livros, cartas, rádio, gravador e roupas) para os mandar para os seus pais. Assim fiz e troquei cartas bastantes emotivas com o seu Pai, Rebelo Mesquita, que era ao tempo Director do Jornal de Famalicão. Nos dias de hoje colaboro com esse jornal. Os acasos da vida.

MORTE A VINTE E OITO…

Correndo o risco do “lugar comum” poder-se-á dizer que todos nós temos na vida datas marcantes.
A data em que escrevemos este apontamento – 28 de Dezembro de 2010 – é para nós particularmente marcante por neste mesmo dia – passados que estão 46 anos – ter morrido um grande amigo: o Furriel Miliciano Álvaro Vilhena Mesquita.
Aconteceu no Norte da Guiné em 28 de Dezembro de 1964. Entre Udasse e Binta.
No “Diário da C.Caç. 675” esse trágico dia era assim descrito:
«…Meio-dia e trinta.
Um estoiro medonho, um rebentamento de violência extraordinária, faz parar a coluna. A segunda viatura, um Unimog, estava envolta numa fumarada espessa e começava a arder.
Simultaneamente de um dos lados da estrada, emboscado no mato, o inimigo começava a disparar.
Embora paralisados momentaneamente pela surpresa os nossos homens têm uma reacção fortíssima que faz calar em poucos momentos o inimigo.
Há uma pausa. Os oficiais disciplinaram o fogo e todos procuram saber o que se passa lá à frente.
A viatura sinistrada incendiara-se e há feridos que gemem e que correm perigo junto das chamas que podem provocar uma explosão no depósito do “Unimog” e incendiar o capim das bermas do caminho.
A mata fechada, a fumarada da viatura incendiada, a estrada multo estreita, mais complicam a situação e há dificuldades nos primeiros momentos em avaliar a extensão e gravidade da ocorrência.
Sob o pneu direito da retaguarda da viatura que seguia em segundo lugar, tinha rebentado um engenho explosivo de grande potência. Uma mina anti-carro.
Todos os homens que seguiam na viatura tinham sido projectados pelos ares.Com violência.
O médico e os enfermeiros acorrem à frente.
«Há um morto!».
A notícia corre ao longo da coluna e faz estremecer aqueles que a ouvem, abalando-os mais que o violento estampido de há momentos atrás.
«O furriel Mesquita está morto.»
O médico e os dois enfermeiros, auxiliados por alguns soldados, multiplicam-se em esforços para socorrer os feridos.
Há 8 feridos e o estado de alguns inspira sérios cuidados.
O “Unimog” atingido pela mina arde completamente, transformado num autêntico braseiro donde sai um fumo espesso que atinge dezenas de metros de altura. Alguns metros à sua volta há um calor horrível, mas é mesmo ali que têm de ser tratados os feridos.
É pedido um helicóptero.
Aqueles momentos infernais parecem prolongar-se indefinidamente.
A viatura destruída, que com o rebentamento, ficou atravessada no meio da estrada, é encostada à berma direita, seguindo a coluna para a frente, para uma região mais despida de vegetação, onde se aguarda o helicóptero pedido.
As palavras não poderão dar uma ideia pálida dos momentos que se viveram no dia 28 de Dezembro.
Ele ficará assinalado na existência de todos os homens da «675» como um dia trágico que não se esquecerá jamais.
As nossas tropas tiveram as seguintes baixas:
Furriel Mil. Álvaro Manuel Vilhena Mesquita, com lesões internas graves que lhe provocaram morte instantânea.
Feridos em combate:
Alferes Mil. Costa, 1.º cabo atirador n.° 2069/63, Marques, 1.º Cabo atirador n.° 2231/63, Craveiro, Soldado atirador n.° 1909, Santos, Soldado atirador n.° 2085/63, Filipe, Soldado Transmissões n.° 2978/63, Nunes e Soldado atirador n.° 6/63/U da 1.ª C. C. Nhastima Dum.»
Quarenta e seis depois por um acaso da vida, que consideramos “singular”, estamos de novo ao lado Álvaro Mesquita numa das páginas do “Jornal de Famalicão”. O jornal da sua terra natal fundado pelo seu Pai.


Desde há alguns meses que dois antigos camaradas do Álvaro – o Belmiro Tavares, ex-Alferes Miliciano e o Oliveira, ex-Furriel Miliciano – colaboram no “Jornal de Famalicão, que é agora dirigida por sua Irmã Teresa Mesquita.
Na vida e na morte… amigos até ao fim .E fiéis ao lema do emblema da sua Companhia da Guiné.
NUNCA CEDERÁ.
Um grande abraço de Alcobaça.
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
PS: Nesta data escrevi à irmã e ao sobrinho do Álvaro Manuel Vilhena Mesquita.

“Boa noite Teresa,Recebi hoje o "nosso" jornal e confesso-lhe toda a minha emoção ao ver o meu texto lado a lado com a evocação dos 46 anos do falecimento do Álvaro.
As voltas que o mundo dá!?
Quem é que me havia de dizer que algum dia na vida eu voltaria a estar tão perto do meu querido companheiro de Binta?

Mas aconteceu e é muito bonito. Digo até que é uma das páginas mais bonitas da minha vida. Para si e para o Chico toda a minha consideração e estima.
José Eduardo Reis de Oliveira”
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P7516: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (23): Encontro de 1º grau na Tabanca de Matosinhos, no Milho Rei, 4ª feira, 29, às 12h30, para quem puder e quiser... (Luís Graça / Álvaro Basto)


1. Camaradas (...de armas), amigos e camarigos (sobretudo os da região de Portu Cale (*), nome primitivo da cidade do Porto em latinório...) :

Os Natais (o Natal por excelência, com letra maiúscula, e os outros) foram bons, cá em casa (Leia-se: no Hotel de Charme, SPA e Clínica da Madalena). 


Traduzida em números (já que sabemos do que somos melhor em numeracia do que em literacia), avaliação foi chapa 7, isto é,  numa escala de 1 (Péssimo) a 10 (Excelente), os natais, cá Madalena, foram 7 (Bons... podiam ter sido  8, Bastante bons,  9, Muito bons ou até 10, Excelente, mas o 10 é só reservado aos deuses e... aos professores, que os tipos mais somíticos que eu conheço; não confundir com semítico, que tem uma conotação racista...). 


Dar 10 nos tempos que correm é, além de pornográfico,  um insulto a quem não tem trabalho, passa mal, passa fome, vê o futuro negro, como acontece com muitos compatriotas nossos aqui à nossa volta, do Minho ao Algrave, da Madeira aos Açores, ou de outros homens e mulheres da nossa aldeia global, por exemplo de S. Domingos a Iemberém, na Guiné-Bissau, onde a maior parte das crianças, como a Alicinha de Farim do Cantanhez, não têm sequer água potável para beber.... Portanto, 7 só pode ser a classificação, bem ponderada, de um cliente do Hotel de Charme, Spa e Clínica da Madalena que, além de ser tratado como um nababo,  se acha (presunção...) um homem decente, razoavelmente optimista/otimista e feliz q.b., pese embora a ciaticazinha que o atormenta estes dias....


 Claro que na escala de 1 a 10, o 1 é Péssimo, o 2 é Muito mau, o  3 Bastante mau, 4 é  Mau,  5 Mais mau do que bom e o 6 Mais bom do que mau, e por aí fora….

 De Bom (7), porquê ? A ciática deixou-me sentar à mesa de Natal... mas a minha enfermeira cortou-me... na "ração de combate"... Em contrapartida, eu tenho a janela para o mundo, que é o meu portátil...e outras pequenas mordomias, as do afecto, as tais que o dinheiro não pode pagar...

Também ouvi contar outras notícias (boas ou menos más) dos tabanqueiros que andavam por baixo ou com baixa;  enfim, com o tempo a "coisa" melhora...(Cuidado, com o falar desta Naçom, que "coisar" é colher ou garfo ou faca para toda a obra; para "coisar", não há gente como a do norte; estão sempre de pau feito para o trabalho, do solstísicio do inverno para o do verão, tanto para a porrada como para a reinação, para a festa, a qualquer pretexto,  dentro e fora de portas, enfim, estão sempre afins para todas as coisas da vida, que são afinal as que importam, as que contam... Que as da morte, essas é com outro departamento (de que Deus nos livre... tão cedo!)...

Meio encalhado no estaleiro da Madalena (que eu já descrevi como misto de hotel de charme, spa e clínica, embora com  metade do pessoal engripado; não vou dar  a morada para não fazer concorrência desleal com outros camarigos que têm os seus negócios neste ramo, como o Jakim de Monte Real ou o Zé Manel da Régua...), já falei com os régulos da Tabanca de Matosinhos, e embora o negócio esteja presumivelmente fraco na 4ª feira, 29,  (depois das pantagruélicas festividades do Natal cá de cima, em que se gastou o pré de Dezembro de 2010 mais o de Janeiro de 2011...).  há sempre uns heróis que se mantêm no seu posto de combate, em terra, no ar e no mar. os tais que morrerão de pé como as árvores, a bandeira e o pau da bandeira...São os indefectíveis do Milho Rei, quer caia chuva, picaretas, ou morteiradas...

Eu e a Alice (de Lisboa), o Joaquim Peixoto  e a Margarida (de Penafiel), o Pimentel (o figueirense mais nortenho que eu conheço; não confundir com o Vasco, que é de Buarcos), o Zé Teixeira (,o Esquilo Sorridente do Cantanhez, cidadão do mundo), o Álvaro (que é o régulo dos régulos das tabancas do Norte), e mais uns tantos camarigos, paisanos ou "mulitares" da tropa como o Paulo Salgado e a São (os nossos africanistas da saúde, ontem na Guiné, hoje em Angola, com casa em Vila Nova de Gaia onde vieram passar o Natal), vamos lá, ao Milho Rei (**),  à hora do almoço, nem que mais não seja para beber um chá preto, rosé ou branco da Quinta da Senhora da Graça... Contamos lá estar à hora da bianda, antes das 12h30h... Já combinámos pelo telefone uns com os outros....


O resto, a malta do costume, essa tem sempre lugar cativo.



Obrigado a todos a todos/as pelas boas festas natalícias que enviaram à Tabanca Grande, à Tabanca de Matosinhos, à Tabanca dos Melros, à Tabanca do Centro,  e a todas as demais tabancas de Portugal, da diáspora, da Guiné-Bissau e do resto da blogosfera (da Linha, de São Martinho do Porto, de Candoz, de Piche & Arredores, do Montijo, da Lapónia, de Guilhomil, etc.) incluindo aqueles/as que desejaram melhoras e bom humor aos doentinhos, aos tristinhos, aos coitadinhos, e demais inhos... 


Um ganda xicoração e até amanhã do Luís e do Álvaro (que é o dono da casa).
_________________


Notas de L.G.


 Vd último poste desta série > 27 de Dezembro de 2010 >Guiné 63/74 - P7510: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (22): Cátix Félix, a nossa futura farmacêutica, e nossa menina de ouro, amiga de Cidália Nunes, viúva do nosso malogrado camarada António Ferreira, morto no Quirafo

(*) Já que o saber não ocupa lugar, aqui fica a resposta do meu querido  Ciberdúvidas da Língua Portuguesa a uma pergunta sobre o origem do nome ou topónimo Portugal:

O nome de Portugal, segundo o Dicionário Onomástico e Etimológico de José Pedro Machado (Editorial Confluência), vem do latim "Portucale", designação primitiva da cidade do Porto. "Portucale" resultou da aglutinação de Portu- + Cale-, do acusativo "Portum Calem", forma vulgar de "Cales Portus".
De acordo com este dicionarista, "Cales" era povoação (de origem obscura, talvez celta) junto do Douro.
José Pedro Machado, noutra entrada do dicionário (Gaia), indica que a origem de Vila Nova de Gaia "ainda não está esclarecida; provavelmente será pré-romana, de "Cale", "Cala", donde "Gaa" > Gaia. J.C.B. :: 23/03/2000

(**) Localização do restaurante Milho Rei:  R. Heróis França,  721 Matosinhos, MATOSINHOS, PORTO 4450-159 / Telef. 229 385 685