terça-feira, 28 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8478: Notas de leitura (251): Mansas, Escravos, Grumetes e Gentio – Cacheu na encruzilhada de civilizações (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Junho de 2011:

Queridos amigos,
Cacheu é um local incontornável na aproximação entre o colonizador e os autóctones guineenses, desde a primeira hora.
Este livro tem o mérito apresentar comunicações que permitem concluir que não é possível estudar a história de Cacheu apartada de outras estruturas políticas e económicas vizinhas, sobretudo a Gorée (ponto alto do tráfico de escravos), o espaço Kaabunké e a sua vivência específica que permitiu a penetração islâmica. Se há cidade guineense que pode utilizar com propriedade a expressão “cidade antiga” é Cacheu.

Um abraço do
Mário


Cacheu, quando era a jóia da coroa e a encruzilhada de civilizações

Beja Santos

“Mansas, Escravos, Grumetes e Gentio – Cacheu na encruzilhada de civilizações” é o repositório das comunicações apresentadas no IV Centenário da Fundação da Cidade de Cacheu (1588-1988), coordenado por Carlos Lopes, estudioso hoje renomado à escala internacional (INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, 1993).

Trata-se de uma miscelânea de comunicações apresentadas num evento histórico de alto significado. Estruturado em quatro partes, o essencial é acolhido na primeira parte (a dimensão histórica da cidade de Cacheu) e nalgumas das comunicações enunciadas na segunda parte). Os estudos sobre o crioulo e a organização do colóquio são matérias que extravasam, para o caso em apreço, a atenção do leitor.

Porquê mansas, escravos, grumetes e gentio? Por se tratar de categorias sociais indispensáveis para entender como Cacheu foi a alavanca da colonização portuguesa na Guiné. Os mansas são sinónimo da realeza na terminologia Mandinga, uma sociedade em muitos aspectos feudal; os mansas só puderam ter a importância que se lhes atribuiu porque tinham um poder económico e político considerável: o comércio dos escravos, era comum a prática de capturar escravos, este tráfico esteve na origem da prosperidade dos rios da Guiné; os grumetes decorrem da presença europeia, constituem a categoria social que articula a relação social que os mestiços ou próximos da “civilização” estabeleceram com as populações locais, aparecendo como porta-vozes junto do branco ou do cabo-verdiano; o gentio rotula todas as outras populações em torno dos não integrados na “civilização”. Carlos Lopes identifica as principais etapas da história de Cacheu: uma primeira etapa que vai até 1588; uma segunda etapa que se estende até 1878, corresponde à construção de uma fortaleza, à instalação de uma administração portuguesa na costa, já com veleidades de ocupação territorial, corresponde a um período de crises do poder central português, de revoltas permanentes dos autóctones contra os capitães-mores da feitoria; uma terceira etapa, correspondente à instalação da administração provincial em Bolama, na época em que se estabeleceram as fronteiras do território, em que se perde, a favor dos Franceses, a região do Casamansa; uma quarta etapa, posterior ao tratado Luso-Francês (1886 e que vai até à pacificação do território, período em que Cacheu viveu momentos de intensa transformação).

Os participantes que analisaram a dimensão histórica da povoação de Cacheu concluíram que não é possível estudar a sua história sem situar a feitoria em relação às estruturas políticas e económicas vizinhas. Foi nesse contexto que a investigadora Maria Emília Madeira dos Santos interveio sobre a importância dos lançados ou tangomaos (tangomaus, tangomãos ou tangomans). Essencialmente, foram os pioneiros europeus nesta região, no tempo em que a costa da Guiné se estendia entre o Cabo Verde e a Serra Leoa. Era homens de diversos estratos sociais, aventureiros, renegados e cristãos novos que se lançavam no interior, subtraindo-se, na maioria dos casos, às autoridades portuguesas – lançavam-se no desconhecido que era a terra e a lei dos gentios. Havia judeus, mestiços, degredados e até fidalgos. A investigadora dá depois conta das acusações que caiam sobre estes lançados: faziam concorrência ao resgate de embarcações portuguesas, eram tidos por ladrões de fama e do crédito, traidores; foragidos de Portugal, intrusos ou hóspedes em África. Ocuparam-se do comércio da troca: as mercadorias vindas da europa eram fundamentalmente bretãs, mas havia, além disso, contaria da Índia, roupa branca e pintada da Índia; em troca, os lançados entregavam aos comerciantes couros, marfim, cera, goma, âmbar, anil, escravos e ouro. Escreve a historiadora: “Os pontos escolhidos nos tangomaus, para se fixarem eram de preferência a costa ou as margens dos rios com boa navegabilidade que lhes permitissem um fácil acesso ao mar. Este posicionamento facultava-lhes o contacto com os navios europeus e com o sertão. Importa não esquecer que a partir do terceiro quartel do século XVI as naus francesas passaram a aparecer na costa e o rio Grande encontrava-se à mercê dos seus roubos; seguiu-se a chegada dos ingleses. Os lançados comerciavam sem escrúpulos com portugueses, franceses ou ingleses. Isolados, sem lei, sem justiça e sem religião, na dependência do poder africano e dos capitães dos navios, cedo se tornaram dispensáveis e desapareceram sem deixar rasto.

Cacheu é também uma encruzilhada religiosa, para aqui confluem o fervor islâmico, as práticas animistas e as tentativas de missionação. João Vicente, da diocese de Bissau, apresentou uma comunicação sobre “Quatro séculos da vida cristã em Cacheu”. Como é público e notório, a missionação falou no essencial, isto a despeito de, a partir dos anos 30 do século XX, ter havido um grande esforço por parte do bispo de Cabo Verde, nos anos 40 chegou a haver 3 escolas de missões, a catequização foi feita por professores catequistas, muito imperfeita, e Cacheu, a quem se chamou a “Roma da Guiné” não irradiou a mensagem cristã.

Falando dos aspectos económicos e implicações sociais da presença colonial, Daniel Pereira, da Direcção-Geral da Cultura de Cabo Verde, apresentou uma intervenção sobre a fundação da Companhia de Cacheu (1671-1676). É uma exposição luminosa que abarca a situação dos rios da Guiné ao longo de todo o século XVII, detalha pormenores sobre a formação da Companhia e reflecte sobre a política de organização de companhias comerciais em Portugal, relacionando-a com o mercantilismo, em oposição ao comércio livre. A Companhia de Cacheu foi entendida como a única forma de “conservar e instituir e fazer crescer o comércio em benefício da Coroa”. Fez surgir grandes tensões pois veio ferir os interesses dos homens das ilhas de Cabo Verde, habituados como estavam a dispor de ampla liberdade de acção nos rios da Guiné e que vira na Companhia de Cacheu um grave competidor. De acordo com a historiografia, a criação desta Companhia surge num quadro de profunda desagregação do comércio português nos chamados rios da Guiné, a Coroa já não estava em condições de fazer face às investidas dos estrangeiros, a presença dos portugueses era tolerada pelos autóctones desde que pagassem tributo.

Igual importância teve a comunicação de Wladimir Brito, da Universidade do Minho sobre a importância de Cacheu para a instalação da administração colonial da Guiné. O estudioso debruçou-se sobre a evolução dos capitães contratadores para as companhias de navegação e destas para a presença da administração pública da Guiné, mediante companhias coloniais e mais tarde a emergência de uma verdadeira administração pública da colónia. No início do século XIX, Portugal tinha estabelecido na Guiné duas capitanias, a de Cacheu e a de Bissau. Com as alterações que o liberalismo veio imprimir, ocorreram a partir de 1882 alterações de tomo nas estruturas político-administrativas tanto na Guiné como em Cabo Verde. Em 1842 Cacheu voltou a retomar a sua autonomia (deixou de estar dependente de Bissau) passando a depender directamente de Cabo Verde, a situação vai oscilar até 1879 data em que foi criada a província da Guiné, completamente autónoma de Cabo Verde.

Se Cacheu avulta como o lugar geográfico-político onde se realizaram os primeiros contactos entre os povos africanos e europeus, e se tornou o ponto de partida à abertura da Guiné à colonização, é uma memória a preservar o papel que exerceu no intercâmbio cultural e é símbolo do sofrimento humano em torno do esclavagismo.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8469: Notas de leitura (250): A Guerra de África 1961 - 1974, por José Freire Antunes (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8477: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (23): Notícias da Maria Arminda e da Aura Teles... E em Agosto haverá um festival com a "promessa de que as enfermeiras páras vão saltar" (J. Pardete Ferreira)

1. Segunda e última  parte da mensagem do novo membro da nossa Tabanca Grande, J. Pardete Ferreira (*):

Data: 26 de Junho de 2011 22:36
Assunto: Desfazendo suposições



Só à laia de despedida: ontem, festejou-se o 24º aniversário da Associação de Pára-Quedistas de Setúbal e, surpresa das surpresas, apareceu, como sempre a Maria Arminda e trouxe a reboque a Aura Teles, a Chaparra de Vendas Novas.

Como sempre, a Maria Arminda traz practicamente sempre uma ou outra Enfermeira Pára-Quedista para a acompanhar... e assim, algumas delas vão continuando vivas nas nossas memórias.

Atenção, está a preparar-se um festival aéreo, em Setúbal/Évora, em 7 de agosto p. f. com a promessa de que as Enfermeiras Páras vão saltar! (**)
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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 27 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8474: Tabanca Grande (292): José Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71)


(**) Último poste da série > 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6920: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (21): Não posso levar a mal... por me/nos tratarem tão carinhosamente (Rosa Serra)

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8476: As nossas melhores fotos (2): O Major Pereira da Silva, num zebro, no Rio Mansoa, com outros oficiais, incluindo eu (J. Pardete Ferreira)


Foto: ©  J. Pardete Ferreira (2011). Todos os direitos reservados.


1. Primeira parte de mensagem do novo membro da nossa Tabanca Grande, J. Pardete Ferreira (*):


De: J. Pardete Ferreira 


Data: 26 de Junho de 2011 22:36
Assunto: Desfazendo suposições.


Há já alguns anos esta fotografia foi publicada no nosso blogue (**). Com a força que a minha presença na foto atesta, posso descrever:


De esquerda para a direita: 


(i) Major Pereira da Silva (Sherlock Holmes dos bigodes);


(ii) [Por detrás do Major, um ] Capitão Miliciano, cujo nome não me lembro, vindo do Pelundo ou de Có, substituir o Capitão Barbeitos;


(iii) Marinheiro,  manobrador do Zebro, [, a navegar no Rio Mansoa, ] com os dois motores Mercury de 40 CV cada, uma bomba para a época; 


(iv) Tenente Coronel Pinheiro, 1º Comandante do BCaç  [2845, Teixeira Pinto, 1968/70] que dava a logística ao CAOP;


(v) Capitão Comando Jorge Duarte de Almeida (abatido no quartel do Batalhão de Infantaria da GNR por um cabo "pirado da mona" - diz-se - mas... uns anos mais tarde;  possuidor de linda voz;  esta de um gajo andar na guerra e não lhe ter acontecido nada de grave e vir a morrer dum tiro é do caraças!);


(vi) [E, por fim, em primeiro plano, à direita,] Este vosso camarigo, qual Ícaro renascido das cinzas, visto que num dos pontos me confundiram com o Alferes [Mil Cav Op Esp, Joaquim João Palmeiro Mosca], que foi morto com os Majores;


(vii) [Fotógrafo, que obviamente não aparece na fotografia, o] 2º Comandante do BCaç da Logística [, BCaç 2845,], Major Guilhermino Nogueira da Rocha.


Sei que a memória já nos vai pregando partidas. Não me considero infalível. E é por isto que a Tabanca Grande tem de continuar: hoje eu digo isto, amanhã tu acrescentas-lhes aquilo... ou apresentas a tua versão dos factos: porque não ?!. (***)

2. Comentário do editor:

O BCAÇ 2845  foi mobilizado pelo GACA 2. Partiu para a Guiné em 1/5/1868 e regressou a 3/4/1970. Esteve em Teixeira Pinto e teve três comandantes: Ten Cor Inf José Martiniano Moreno Gonçalves; Ten Cor Inf Aristides Américo de Araújo Pinheiro [, que aparece aqui na foto]; e Ten Cor Inf Armando Duarte de Azevedo.

Undiades de quadrícula:

(i) CCAÇ 2366 (Teixeira Pinto, Jolmete, Bissau, Quinhamel; Comandante: Cap Mil Art Fernando Lourenço Barbeitos);

(ii) CCAÇ  2367  (Olossato, Có, Teixeira Pinto, Cacheu, Bissau; comandantes. Cap Inf José Júlio da Silva de Santana Pereira; e Cap Inf José Augusto da Costa Abreu Dias); e

(iii) CCAÇ 2368 (Cacheu, Bissorã, Teixeira Pinto: comandante: Cap Inf Manuel Joaquim Sampaio Cerveira).

Fonte: Adapt. de Matos Gomes, C.; Afonso, A. - Os anos da guerra colonial: volume 9: 1978 - Continuar o regime e o império. Matosinhos: QuidNovi. 2009.
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Notas do editor:


Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970. Por lapso, num post anterior, os três majores apareceram por outra ordem, errada.

Foto: Cortesia de Afonso M.F. Sousa (2007)

(***) Último poste da série > 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7632: As nossas melhores fotos (1): O obus 14, Bedanda, 1971 (Amaral Bernardo) e 1972 (Vasco Santos)

Guiné 63/74 - P8475: Ser solidário (110): A Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau, vai realizar um ENCONTRO / CONVÍVIO no próximo dia 16 de Julho de 2011 em Matosinhos (José Teixeira / José Rodrigues)


A Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau, vai realizar um ENCONTRO / CONVÍVIO aberto a todos os seus associados familiares e amigos, no próximo dia 16 de Julho de 2011.

Alguns de nós cruzamo-nos às Quartas-feiras na Tabanca de Matosinhos. Outros há, que por razões pessoais, profissionais, da distância ou outras, raramente se comunicam.

Estamos unidos por laços de amizade e solidariedade que são a razão da existência da nossa Associação. Há que alimentar esta corrente que une tantos ex-combatentes da Guiné.



Assim sendo, vimos por este meio convidar todos os associados, seus familiares e amigos a partilhar o nosso ENCONTRO / CONVIVIO.

Agradecemos a inscrição até ao dia 13 de Julho para:
Zé Teixeira: 966 238 626
Zé Rodrigues: 967 409 449

15 gotas de água por pessoa

Inscreve-te.
Inscrições limitadas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8471: Ser solidário (109): Grupo de sapadores ao serviço de uma ONG continuam a picar a terra na Guiné-Bissau em busca de minas e armadilhas (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P8474: Tabanca Grande (292): José Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71)

1. Há cerca de um mês atrás lançamos,   ao nosso camarada José Pardete Ferreira,  o seguinte convite:

"(...) queremos dirigir formalmente o convite para se sentar, aqui, connosco no bentem da nossa Tabanca Grande, sob o mágico, frondoso, secular e fraterno poilão, onde cabe toda fauna do mundo, desde os morcegos aos irãs, desde os tugas aos fulas, desde os manjacos aos balantas, desde os inimigos de ontem aos amigos de hoje...  Ele próprio já constatou que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande" (*)



2. Há três, a 24 de Junho, mandou-nos a seguinte lacónica mensagem, acompanha da sua foto actual [, à esquerda]:

Alfa Beta! Evacuação Yankee.


3. Ontem, a meio da tarde, mandou-nos um resumo do seu Curriculum Vitae que reproduzimos a seguir.


RESUMO DO CURRICULUM VITAE > José António Pardete da Costa Ferreira [ex-Alf Mil Médico, Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71)

(i) Nascido em Lisboa a 1941.02.15.

 
(ii) Cirurgião – Médico Especialista em Medicina Desportiva.

(iii) Algumas funções desempenhadas:

Director Clínico do Hospital de São Bernardo (Setúbal);


Director do Centro de Medicina Desportiva de Setúbal;

Director do Serviço de Cirurgia II do Hospital de são Bernardo (Setúbal);

Médico da Selecção Nacional de Andebol;

Membro dos corpos gerentes da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva e da Sociedade Portuguesa de Hidatidologia;

Professor da Escola Industrial e Comercial de Setúbal;

(iv) Membro de várias Sociedades Científicas portuguesas e estrangeiras, sendo sócio fundador de algumas delas.


(v) Membro das Sociedades Literárias e Artísticas: SOPEAM (Sociedade Portuguesa dos Escritores e Artistas Médicos) e CEB (Centro de Estudos Bocageanos – Setúbal)

(vi) Autor de uma centena de Comunicações científicas (duas das quais premiada).

(vii) Autor de cerca de cinquenta Artigos Científicos publicados.

(viii) Medalha Militar do Ultramar com a menção Guiné 1969/70.

(ix) Medalha dos 25 anos de trabalho no Hospital de São Bernardo (Setúbal).

(x) Vários Louvores, um dos quais em Diário da República.

(xi)  Membro de vários Clubes, Associações e outros Organismos de intervenção Social, tendo feito parte dos corpos gerentes de algumas delas, destacando-se três Presidências do Rotary Club de Setúbal.


(xii)  “Team leader” do IGE com o Distrito Rotário 4.700, Rio Grande do Sul, Brasil, em 2004 (Rotary Foundation).

(xiii)  Presidente da Direcção da Alliance Française de Setúbal.


(xiv) Presidente da Direcção da Federação das Alliances Françaises de Portugal.

(xv) Antigo Bolseiro da ACTIM (Governo Francês), Yale University, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundo Social Europeu.


(xvi) Jornalista de crónica desde 1967 em vários jornais e revistas.

(xvii)  Editorialista desde 1990.

(xviii) Autor de várias poesias publicadas em jornais e revistas portuguesas, Franco-portuguesas e holandesas.

(xix) Autor de várias letras para fado.

(xx)  Autor do Prefácio do Livro "Um Sorriso de Esperança", de Estefânia Campos e José Campos, cujo conjunto traduziu para francês.

(xxi) Traduziu para português a poesia “Canto de Ellen III D 839, de Sir Walter Scott.

(xxii) Autor do discurso proferido na Cerimónia Comemorativa do Dia do Combatente, organizada pelo Núcleo de Setúbal da Liga dos Combatentes, em 9 de Abril de 1998.

(xxiii)  Publicou “ O Paparratos – Novas Crónicas da Guiné – 1969/1971" (romance); Prefácio – Edição de Livros e Revistas, Lda – ISBN: 972-8816-27-8 (DL nº 213619/04).

(xxiv) Publicou “Paris, ir e voltar"  (romance), Prefácio – Edição de Livros e Revistas, Lda – ISBN – 978-989-8022-49-3 (DL nº 266056/07).

(xxv) Vencedor, em 2005, da competição EMS da INTERVIEW-NSS BV (Câmara de Comércio de Amsterdão), com a sua poesia, escrita em português, “Paris, Cidade Luz!”.

(xxvi) Tem no Prelo: "Cadê Papi?" (romance policial).

(xxvii) Criador do Blog 100 bites ou A Revolução das Urtigas (ensaio).

(xxviii) Participou em várias Feiras do Livro, nomeadamente em Lisboa e Vilamoura

4. Comentário de L.G.: 

Estão cumpridas as formalidades (**). Temos mais um camarada médico na nossa Tabanca Grande.  Para além das duas fotos da praxe, acaba de mandar-nos um texto em que comenta uma das nossas fotos em que aparece o malogrado major Pereira da Silva, um dos três majores mortos em 20 de Abril de 1970 no massacre do chão manjaco. Esse texto será oportunamento publicado. Ao nosso novo membro da Tabanca Grande ( o nº 505), desejamos-lhe  as nossas mais entusiásticas boas vindas e muitas luas ao pé de nós. Um grande alfa bravo,  meu e dos demais editores. Luís Graça

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8313: Os nossos médicos (26): J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Med (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71), criador literário do Paparratos

(**) Último poste da série > 22 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8461: Tabanca Grande (291): Teresa Reis (1947-2011), foi aos nossos quatro primeiros encontros, e falhou o último, o VI, porque teve um encontro inesperado com a morte... Hoje vela por nós, sob o nosso sagrado, secular, mágico, frondoso, fraterno poilão...

domingo, 26 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8473: (Ex)citações (140): Todo esse material bélico a desmontar pelos sapadores é tanto nosso como do PAIGC (Carlos Silva)

Comentário deixado pelo nosso camarada Carlos Silva* (ex-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71), co-fundador e dirigente da ONGD Ajuda Amiga, no Poste 8471:


Aqui no Post tu vens dizer que “...O Sané… Hoje, integra um grupo de sapadores que com o apoio de uma ONG vocacionada para a desmontagem de minas e armadilhas, dedicam o seu tempo a procurar e desmontar as milhares de minas, armadilhas e bombas QUE FICARAM NO TERRENO, desde o tempo da guerra. A mata do Cantanhez é ainda um terrível ninho dessas fábricas de morte.”

De facto é verdade e não é só na zona do Cantanhez, aliás nós em 2008 aquando do Simpósio de Guiledje, até vimos granadas de obus e de morteiro na zona, que hoje servem para o MUSEU, creio eu.
No entanto, todo esse material bélico tanto é nosso como do PAIGC, aliás eles próprios já nos vários conflitos, incluindo o de 1998 espalharam milhares delas no Território como testemunha o ex-embaixador americano na Guiné, cujo artigo aqui insiro. Portanto, o mal não está só do nosso lado.

Foto: Julia Richtey / VOA, com a devida vénia
O ex-embaixador americano na Guiné-Bissau, John Blacken, mostra algumas das 126.000 minas que a sua organização, HUMAID, retirou do país.


Guiné-Bissau sem minas terrestres dentro de um ano

Uma organização dedicada à remoção de minas terrestres na Guiné Bissau indicou que o país ficará livre de minas no ano de 2012.

O grupo HUMAID indicou estar prestes a concluir as operações na Guine Bissau, uma nação de um milhão e seiscentas mil pessoas, localizada entre o Senegal e a Guiné Conakry.
O antigo embaixador dos Estados Unidos na Guiné Bissau, John Blacken, que dirige aquela organização, ma infestou a esperança de remover as minas anti pessoais e anti tanque, espalhadas pelo norte e o sul do território a meio do próximo ano.

Cerca de mil e quinhentas pessoas foram mortas pelas minas, deixadas ao longo de três conflitos, incluindo a guerra de Libertação na década de setenta, a guerra civil dos finais dos anos noventa e a rebelião de Casamance de 2006.

A prioridade da HUMAID foi a cidade capital de Bissau, que se transformou em zona de guerra durante o conflito civil de 1998 e de 1999.
Milhares de civis tiveram de fugir da violência e ao regressarem à cidade, desconheciam a colocação de minas nos arredores de Bissau, a linha da frente do conflito.

Blacken sublinhou que se sentiu motivado a ajudar o país, onde tem vivido desde de se ter reformado do serviço diplomático nos finais dos anos oitenta.
“Não tínhamos dinheiro, mas oito de nós, começamos a recolher munições que não tinham explodido, e que se encontravam no centro da cidade”.

Blacken obteve o dinheiro que necessitava para adquirir mais equipamento e obter o pessoal, e tem tido suficiente apoio financeiro de doadores internacionais.
Bissau foi declarada livre de minas em 2006.
A maioria da equipa de Blacken são antigos soldados que foram re treinados na desminagem. Trata-se de um processo perigoso e lento que envolve em estabelecer um perímetro baseado na detecção de minas e de entrevistas com os locais.
O pessoal divide a área e trabalha em blocos de um metro de lado, espetando varetas no solo para tentar encontrar os explosivos.

A HUMAID já destruiu, desde o ano dois mil, 126 mil 709 minas, sem nunca ter um acidente. A HUMAID está a operar nos campos de mina da guerra de libertação com Portugal.
Blacken destaca que quando a sua equipa começou a trabalhar na área os locais disseram que evitavam acidentes não atravessando os terrenos adjacentes às suas casas.
Mil e duzentas pessoas foram vitimadas pelas minas, um número sem conta de vacas, que estavam a pastar.

Blacken destaca que no caso de o explosivo estar em condições, a mina pode ficar activa durante décadas, tornando-se mais frágil com a passagem do tempo.
“Temos muita satisfação no que fazemos. Satisfação cada vez que retiramos uma mina, pois retiramos uma ameaça à vida de alguém”.

Não são muitas as ONG´s que podem dizer que ficaram sem trabalho após terem cumprido o seu mandato, e Blacken afirma-se orgulhoso do que a sua equipa obteve.

Foto e texto VOA NEWS.COM PORTUGUÊS, com a devida vénia.

Com um abraço amigo
Carlos Silva
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Notas de CV:

- Negrito da responsabilidade do editor

(*) Vd. poste de 5 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8223: Convívios (322): 24.º Encontro do pessoal do BCAÇ 2879 (Guiné, 1969/71), dia 28 de Maio de 2011 em Pombal (Carlos Silva)

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8321: (Ex)citações (139): Comentário ao Post 8318 - Notas de Leitura - Porque Perdemos a Guerra, de Manuel Pereira Crespo (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P8472: Controvérsias (127): Ser ou não ser combatente ou ex-combatente (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil do 4.º GCOMB/3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74):

Caro Carlos Vinhal
Vou escrever um artigo de opinião, e como de costume deixo ao teu critério o interesse da publicação do mesmo.

Há alturas em que não consigo calar aquilo a que chamamos consciência adquirida com a experiência dos anitos. Vai daí escreve-se aquilo que nos vai na alma, ainda pelo facto de termos este nosso próprio local onde aceito as regras impostas.

Bom agora vou mesmo passar ao assunto e até lhe vou dar título.


EX-COMBATENTES

Caros Camaradas tertulianos,
Não era minha intenção de falar sobre este assunto de ser ou não Ex-Combatente pela "Pátria", mas não há como escapar, é que a minha consciência não pára de dizer: - Vá lá Henrique diz alguma coisa, não te cales...

O que se passa é que eu não me considero Ex-Combatente nem Combatente pela "Pátria" de então só pelo facto de ter ido à Guiné como militar e até ter estado envolvido em combates. Vou tentar explicar.

Quando embarquei para a Guiné no dia 19 de Junho de 1972, por acaso dia do meu aniversário, nenhum dos responsáveis do país, autoridades superiores ou seja ninguém me perguntou se queria ir defender a "Pátria", numa região de que eu nada sabia, nem entendia, região de onde nem eu ou meus familiares usufruíamos de algo. Aliás para toda a "nossa suposta África" sempre que se queria emigrar tinha de se ter Passaporte, Carta de Chamada, amigos na PIDE ou noutras organizações afins, etc., etc., etc.

Assim sendo e como estava a dizer, no dia do embarque eu jurei que iria tudo fazer para sobreviver e tudo fazer para voltar vivo e inteiro à "minha Pátria".
Daí todos os meus dias em dois anos foi sempre sobreviver... sobreviver.

Já escrevi antes que nunca fui bom militar, ou como quiserem Combatente, ou outra coisa qualquer que alguns gostam muito de se gabar. No entanto fui sempre que possível cumpridor das ordens hierárquicas, respeitador de colegas e civis, mas sempre que permitido eu vestia as minhas roupas civis. É que eu fui um dos milhares de entre os civis que foi obrigado a combater por algo que não era a nossa Pátria, o que se veio a demonstrar com as independências, não é?

Aproveito a onda para dizer que eu não apoio as caridadezinhas que se vêm fazendo um pouco por toda a Guiné. Cada um é como cada qual. No entanto penso na população a quem chegam algumas migalhas, que são enviadas de modo efémero, pois quando a nossa geração, que lá esteve, morrer toda, e já não falta muito, essas migalhas vão faltar, e os povos que entretanto foram castrados do seu poder reivindicativo, até se esqueceram porque quiseram a sua legitima independência. Mas isto foi um parêntesis, voltemos ao assunto.

Eu não quero nada da Pátria para me confortar os anos "inúteis" e arriscados que passei nessa Guiné da altura, por tal não sou ex-Combatente nem Combatente dessa causa, mesmo que tenha estado envolvido em combates, tiros, minas e essa treta toda que hoje em dia só serve para dar algum colorido às nossas fantásticas Histórias da Guiné. Só lamento os nossos camaradas mortos e estropiados, muitos dos quais infelizmente não conseguiram sobreviver, eles, tal como eu, combateram pela Pátria que não a deles.

Também não preciso que a Pátria eduque os meus descendentes dando exemplos de patriotismo passado. Não, não quero. Eu educo os meus seguindo os princípios da moral e bons costumes, sem ter de recorrer a caridadezinhas ou autorecriminações por numa época em que nada era decidido por nós próprios, mas sim imposto pelo medo e repressão.

Na minha modesta opinião, só considero Combatentes, os que combatem por uma causa, os profissionais e pouco mais, os restantes combateram mais para sobreviver aqueles dois anos obrigatórios, e salvo raras excepções, é que continuavam a "combater".

Quero reafirmar que tudo que escrevi é a minha opinião, e só a manifesto porque respeito integralmente as outras opiniões e tal como o Mexia Alves escrevo com a "caneta e o coração próximo da boca", daí que possa eventualmente ferir algumas pessoas de ideias contrárias.

Também é verdade que quem não é escritor se arrisca a ser mal entendido, mas paciência, pelo menos agora somos donos das nossas acções e por isto sim eu sou um fervoroso combatente.

O desabafo está para já terminado.
Um abraço a todos os tertulianos.
Henrique Cerqueira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3848: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (2): Eu, a NI e o Miguel em Biambe, para um almoço de batatas fritas (Henrique Cerqueira)

Vd. último poste da série de 23 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8467: Controvérsias (126): E no meio disto tudo isto... onde estão os combatentes, os tais que a Pátria devia contemplar? (Joaquim Mexia Alves)

sábado, 25 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8471: Ser solidário (109): Grupo de sapadores ao serviço de uma ONG continuam a picar a terra na Guiné-Bissau em busca de minas e armadilhas (José Teixeira)

José Teixeira e seus filhos Joana e Tiago com o grupo de sapadores que estavam no Cantanhez a levantar minas e armadilhas.

O Dr. Tiago Teixeira com um grupo de crianças da Guiné, para quem a guerra já faz parte da história.



1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2011:

Caríssimos amigos editores
Junto um artigo sobre os perigos das minas e armadilhas semeadas no tempo da guerra que continuam a sua triste façanha de matar vidas.

Abraço fraterno
Zé Teixeira


Conjunto de granadas levantadas durante uma semana no Cantanhez.


MINAS E ARMADILHAS

A morte provocada por minas e armadilhas ainda espreita na Guiné-Bissau.

Nesta visita à Guiné-Bissau, mais propriamente em Iemberém cruzei-me com o Sané. Homem simpático e bem disposto que me chamou a atenção por não ter um braço.

- Fui soldado português na CCaç 6 de Bedanda - disse-me com felicidade estampado no rosto quando se apercebeu que eu era um antigo combatente português.

Uma roquetada fez desaparecer o seu braço direito. Esteve oito meses em Lisboa e depois... voltou para a guerra.
Com orgulho apresenta-nos o seu filho mais novo, um garotito de 8/9anos, que nos vem cumprimentar delicadamente e fica ali a ouvir o pai a falar da sua guerra ao lado dos portugueses

A conversa atira-nos para o seu passado na guerra colonial; os seus amigos soldados brancos, o Capitão X ou o Alferes Y. Grandes amigos…
A guerra ao lado dos portugueses, sem rancores, bem pelo contrário. As grandes operações em que esteve envolvido. O fim da guerra e as complicações que advieram para os que se bateram por Portugal.
A felicidade por encontrar um português, antigo combatente...

Hoje, integra um grupo de sapadores que com o apoio de uma ONG vocacionada para a desmontagem de minas e armadilhas, dedicam o seu tempo a procurar e desmontar as milhares de minas, armadilhas e bombas que ficaram no terreno, desde o tempo da guerra. A mata do Cantanhez é ainda um terrível ninho dessas fábricas de morte.

Não se pode afirmar haja o perigo de rebentarem, pois com o andar dos tempos, o risco da espoleta estar ativa é quase nulo. Podem tornar-se um perigoso brinquedo nas mãos de uma criança, ou até um adulto que desconhecendo o risco pode provocar o rebentamento. A matéria explosiva estará sempre ativa e… a morte continua a espreitar em qualquer sítio.

Convém lembrar que a idade média de vida na Guiné-Bissau é de 47 anos, o que quer dizer que mais de oitenta por cento das pessoas que viveram a guerra já passaram para o outro lado da vida. Para os mais novos, sobretudo as crianças e jovens, a guerra já faz parte da História. Não é possível sensibilizá-los para os perigos que a mata esconde.

Há cerca de um ano morreram duas mulheres que se serviram de uma granada de morteiro para fazer de martelo e, esta adormecida há quarenta e tantos anos, rebentou, roubando duas vidas.

Os sapadores sabem o risco que correm, mas continuam a sua missão. Ainda há muito trabalho a fazer. Procuram sensibilizar as pessoas para os informarem, se por acaso encontrarem algum explosivo. Tentam saber através de antigos combatentes, os locais onde escondiam o armamento e as munições. Hoje a vegetação descaracterizou o terreno, pelo que a missão é ingrata e difícil. Há mesmo quem sabendo mais ou menos o local onde há munições escondidas se recusa a passar a informação. Quer alvíssaras que ninguém pode pagar.

Segundo me informou o Guia que nos levou a dar os bons dias aos Chimpanzés de Iemberém, nessa visita, atravessamos uma área onde consta que outrora havia um hospital de campanha e mesmo ao lado parece que ainda há um paiol subterrâneo, que não foi possível localizar até à data.

Os guerrilheiros combatentes da Pátria são como nós, antigos combatentes, uma espécie em extinção. O seu desaparecimento está a ser muito mais rápido. Com eles, morre muita informação fundamental para o desarmadilhamento da Guiné.

O Governo local, por inércia e falta de meios, desligou-se do problema, ou não lhe dá a dimensão que merece.
Resta um grupo de corajosos que ao serviço de uma ONG continuam a “picar” a terra em busca das máquinas assassinas.

Zé Teixeira

Um grupo de ex-milícias, camaradas de José Teixeira em Mampatá Forreá.

Tiago Teixeira com dois dos filhos do falecido alferes da milícia e Chefe de Tabanca de Mampatá Alui Baldé.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8444: In Memoriam (83): CART 6250 - Unidos de Mampatá - Unidos pela vida e pela morte (José Teixeira / José Manuel Lopes)

Vd. último poste da série de 11 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8401: Ser solidário (108): Na Guiné-Bissau, fora do umbigo do mundo (Joana Teixeira)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8470: Em Busca de... (166): Precisa-se de depoimentos para fazer a História da Pensão Central da Dona Berta (Hélder Sousa / José Ceitil)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 24 de Junho de 2011:

Caros camarigos
Em anexo envio-vos um "apelo" que me chegou por um amigo, um vilafranquense, o José Ceitil, pai da Marta Ceitil, jovem cooperante e trabalhadora na Guiné e de que já vos enviei algumas das suas experiências na "terra sabi".

Esse "apelo", como podem ler, tem a ver com a tarefa a que ele se propôs, de fazer a "História da Pensão Central" e para tal pretende obter mais alguns depoimentos de camaradas que por lá tenham passado, que tenham as suas recordações 'em dia' e que não se importem de as partilhar.

Se entenderem que tem cabimento, peço então que o façam ter visibilidade.

Abraço
Hélder Sousa

Era assim a Pensão Central em 1997, fora retocada, pintada de branco imaculado, agora está de azul e há muita ferrugem à mostra. Ainda é possível andar num destes táxis azuis, com um ou até quatro passageiros. Importa não esquecer o bem que aqui se fez a quem chegou com fome e à procura de abrigo, de todas as partidas do mundo (foto retirada do site: www.guinee-bissau.net, com os devidos agradecimentos).


Apelo para contributo para a história da “Pensão Central”

Caros camaradas, amigos e outros
Calculo que não é estranho para nenhum dos que “vivem” ou visitam este nosso espaço que uma figura incontornável da História da Guiné-Bissau, da actual mas e principalmente da ‘do nosso tempo’ é a figura da D.ª Berta, intimamente ligada à “Pensão Central”, em Bissau.

Julgo ser do conhecimento geral que a D.ª Berta se encontra bastante doente, que veio há alguns meses (já este ano, salvo erro) para Portugal, que está em tratamento, que se tem aguentado, embora a ‘lei da vida’ não permita alimentar esperanças de eternidade, pelo menos ‘nesta vida’.

Deste modo, um amigo meu, José Ceitil, de seu nome, que também teve o previlégio de conhecer essa grande senhora em Bissau aquando das visitas que fez à sua filha Marta (da qual já dei conta aqui no Blogue de algumas das suas observações enquanto cooperante e trabalhadora na Guiné) e que ganhou por ela uma estima e consideração notáveis, propôs-se fazer a “História da Pensão Central”, partindo das suas memórias.
O José Ceitil é autor de um livro comemorativo dos 90 anos de “Os Belenenses”.

O objectivo deste apelo é para que todos aqueles que tenham como referência a “Pensão Central”, com a memória de episódios ali vividos, ou o relacionamento com a D.ª Berta, que possam e queiram, que entrem em contacto com esse amigo a fim de se poder considerar o contributo para o conteúdo da “História”.

Para além dos que se voluntariem a fazer esse contacto há, para já, um grande interesse em encontrar o “Comandante Pombo”, de que o José Ceitil me disse a D.ª Berta falar bastante, assim como um tal “Cartaxo”, que não sei exactamente se é nome próprio ou referência à eventual terra de origem.


Guiné-Bissau, 18 de Novembro de 2010 > A Avó Berta e Mário Beja Santos.
 Foto de Mário Beja Santos, com a devida vénia

Para contactar o José Ceitil pode-se usar o mail joseceitil@gmail.com

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil TRMS TSF
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8336: Blogues da nossa blogosfera (44): Construção da Ponte de S. Vicente - Guiné Bissau, um Blogue formado por trabalhadores de uma empresa de construção civil, hoje com saudades da Guiné-Bissau (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8442: Em Busca de... (165): Malta do BCAV 757 “Sete de Espadas”, BCAÇ 4514/72 e Pelotão de Caçadores Nativo 64, Bafatá (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P8469: Notas de leitura (250): A Guerra de África 1961 - 1974, por José Freire Antunes (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2011:

Queridos amigos,
Não sou devoto da história oral mas também não denigro os seus méritos: um conjunto de protagonistas presta declarações ou passa a escrito o que viu, o que experimentou, como comenta a evolução da guerra. José Freire Antunes teve a rara felicidade, em meados da década de 90, de fazer convergir para este objectivo testemunhos indispensáveis como Carlos Fabião, Alpoim Calvão no seu melhor e Marcelino da Mata (como é sabido, este controverso oficial raramente presta declarações públicas). Obviamente que recomendo a sua leitura, pela galeria de testemunhos de gente experimentada e de diferentes quadrantes políticos.

Um abraço do
Mário


A guerra de África, segundo volume, por José Freire Antunes (2)

Beja Santos

Carlos Fabião foi indiscutivelmente um dos oficiais do quadro permanente que melhor conheceu a Guiné, aqui viveu um total de 12 anos, antes e depois da luta armada. O seu depoimento em “A Guerra de África”, segundo volume, por José Freire Antunes, Círculo de Leitores, 2011, começa exactamente pela referência aos acontecimentos do Pidjiquiti, deu-se o incidente estava ele no aeroporto. A seguir a estes acontecimentos fez uma comissão em Angola e volta à Guiné entre 1965 a 1967 como comandante de uma companhia de intervenção. Neste tempo criou o Comando Geral das Milícias, tal como ele explica: “Organizei as milícias dentro do conceito de ligar as tropas às próprias terras de onde eram naturais. Havia, por exemplo, uma tabanca que era necessário defender, e eu criava uma unidade com os homens dessa tabanca (…) Chegámos a ter 9000 homens na Guiné. Estávamos organizados em companhias e pelotões. A cada companhia correspondia um regulado. A ideia era de que os régulos mandassem nas suas áreas. Eu ia a essas áreas, entrava em contacto com o régulo e criava uma companhia que tinha o nome do regulado a que correspondia”. Reflectindo sobre esse período, não é complacente: “De 1965 a 1967, a situação na Guiné tornou-se bastante má. Tínhamos perdido o controlo de uma série de áreas, havia sítios onde praticamente já não entrávamos. Já havia muita gente nossa na Guiné mas havia áreas, como o Morés, o Sara Sarauol, o Boé, Quitafine, Cantanhez, onde estávamos mal (…) O PAIGC estava melhor armados do que nós. Eles utilizavam o RPG e nós não tínhamos nenhuma arma com as características do RPG (…) O comandante-chefe Arnaldo Schulz, estava diminuído pela doença. Foi um homem que descentralizou muito, mas aquilo não dava para descentralizar. Estava a correr mal, para não dizer muito mal, em todos os aspectos (…) Spínola chegou à Guiné e correu com muitos incompetentes”. Mais adiante, levanta o véu sobre a compra de armas: “Os russos prestavam auxílio ao PAIGC mas também o mesmo em relação a nós, se quiséssemos. Vendiam armas a quem lhes pagasse. O circuito era feito à boca dos aviões. As armas russas eram vendidas através da Norte Importadora, do Zoio, e destinavam-se formalmente à polícia do Uruguai mas eram descarregadas em Lisboa. Comprei também armas à França. Vejo que toda a gente que andou metida nisto está rica, e eu não”. Confessa que apoiou as teorias de Spínola e que considera que a sua eleição em 1972 como presidente da República teria mudado o curso dos acontecimentos. Di-lo abertamente: “A solução que Spínola tinha conseguido na altura seria extraordinária e o futuro mostrou que ele estava cheio de razão. Podíamos ter resolvido a questão em 1972 e não a resolvemos porque Caetano disse claramente a Spínola que aceitava um desastre militar mas nunca uma cedência política”.

Passa-se por alto os testemunhos de Carlos Azeredo e o desempenho de Cecília Supico Pinto à frente do Movimento Nacional Feminino, a segunda está profusamente documentada, nada há de novo neste depoimento constante neste segundo volume. Do maior interesse tem o testemunho de Alpoim Calvão, seguramente o mais detalhado e coeso que dele se conhece, tanto o que revela sobre a operação Mar Verde como a operação Dragão Marinho e Plano Carpa, manobras urdidas para desorientar e envenenar a opinião pública afecta ao PAIGC.

O depoimento de Luís Cabral anda muito próximo do que escreveu em “Crónica da Libertação”. Mas é curiosa a sua reflexão no final do testemunho: “A nossa luta foi sempre avançando. A retaguarda é que criou os elementos fracos. Queriam viver em Conacri, onde tínhamos armazéns cheios. Como lá havia carência de tudo, começavam a desviar coisas para o mercado negro. Para arranjar mulheres e arranjar casas. Foi essa retaguarda que forjou toda a conspiração contra o partido e contra o Amílcar (…) Tínhamos já um grupo de militantes que estavam a ser treinados para pilotos na União Soviética. Foram para lá ainda em vida do Amílcar. Era para pilotar em aviões MiG. Seriam a base da Força Aérea da Guiné independente”.

Marcelino da Mata, um supermedalhado do Exército, detentor da Torre e Espada é o responsável pelo último testemunho deste segundo volume. Relata um sem número de façanhas e queixa-se amargamente: “Fomos traídos, abandonados. Eu estava no Regimento de Comandos da Amadora, em 1974, a comandar uma companhia, a 123, e obrigaram-me a pedir a nacionalidade portuguesa. Será que eu era mercenário aqui dentro? Um militar fardado, dentro de uma unidade a comandar uma companhia, a fazer todos os serviços que fossem precisos, e obrigarem-no a requerer a nacionalidade! Mas eu nunca renunciei a nacionalidade portuguesa (…) Quantos milhares de pessoas mataram na Guiné depois do 25 de Abril? Foram 7447 mortos, número que nunca houve durante a guerra. Na Guiné, quando a tropa ia para o mato, os pretos é que iam na frente a picar a estrada, quando rebentava uma mina morriam duas ou três pessoas, mas debaixo de fogo era raro alguém morrer. Eu vim para cá deitado numa maca. A Guiné tinha as companhias africanas, de comandos africanos, destacamentos de fuzileiros e milícias especiais. Eram vinte e tal companhias que seriam suficientes para assegurar o referendo. Mas a única preocupação que o Estado português teve na Guiné foi desarmar o Exército africano e entregá-lo ao PAIGC. Se o general Spínola continuasse mais dois anos na Guiné, o PAIGC entregava-se (…) O PAIGC só entrou dentro da cidade de Bissau depois das tropas dos comandos e fuzileiros serem desarmadas. Quem desarmou os comandos foi o Carlos Fabião. A 15ª companhia, em Mansoa, não aceitou o desarmamento. A maioria deles foi fuzilada”.

Recorde-se que este trabalho de José Freire Antunes é uma aplicação da história oral, que teve muita voga até aos anos 80, hoje está profundamente desacreditada. Assenta num conjunto de testemunhos, narrativas, provas documentais, etc. que, de acordo com um guião pré-estabelecido pelo coordenador, são apresentados em sequência, não se usa o contraditório e, em muitos casos, os protagonistas não são instados a apresentar provas factuais das suas declarações. Há que reconhecer, porém, que nunca se foi tão longe no levantamento de testemunhos como neste empreendimento de 1994 e 1995. Naturalmente que outros factos e outros testemunhos iluminaram o acervo documento alinhado por este autor, aos historiadores compete agora interpretar estas múltiplas peças do mosaico e continuar a investigar as inúmeras lacunas e discrepâncias.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8456: Notas de leitura (249): A Guerra de África 1961 - 1974, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8468: Parabéns a você (277): Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912 (Tertúlia e Editores)

PARABÉNS A VOCÊ

DIA 24 DE JUNHO DE 2011

VASCO JOAQUIM

NESTE DIA DE S. JOÃO E DE ANIVERSÁRIO PARA O NOSSO CAMARADA VASCO JOAQUIM, A TERTÚLIA E OS EDITORES VÊM POR ESTE MEIO DESEJAR-LHE AS MAIORES FELICIDADES E UMA LONGA VIDA COM SAÚDE, JUNTO DE SEUS FAMILIARES E AMIGOS.
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Notas de CV:

Vasco Joaquim foi 1.º Cabo Escriturário na CCS/BCAÇ 2912, que esteve em Galomaro nos anos de 1970 a 1972

Vd. último poste da série de 22 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8458: Parabéns a você (276): António José Pereira da Costa, Coronel Reformado na efectividade de serviço, Guiné 1968/69 e 1972/74 (Tertúlia / Editores)

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8467: Controvérsias (126): E no meio disto tudo isto... onde estão os combatentes, os tais que a Pátria devia contemplar? (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 21 de Junho de 2011:

Meus camarigos editores
Eu sou assim!
Escrevo com a caneta do coração!
Se calhar sou injusto com algumas pessoas.
Que me perdoem!
Mas estou-me a ver envelhecer, (e a todos nós), e receio muito que as gerações vindouras tenham de nós uma imagem deturpada e depreciativa.
E dói-me saber que alguns de nós, que juraram a bandeira de Portugal, "vindos de todas as partes", estão abandonados à sua desgraça, e nós que somos tantos ainda, nada ou pouco fazemos.
Será que não conseguimos juntar uns milhares, entre combatentes e familiares, e dizermos chega! a quem de direito, sobretudo pensando naqueles de nós que vivem na rua propriamente dita, ou na rua das suas doenças e desesperos?

Como sempre fica ao vosso discernimento a publicação.

Um abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves


E NO MEIO DISTO TUDO… OS COMBATENTES???

Têm sido dias férteis em actividades “culturais” e outras, à volta dos combatentes.

Vai-se explorando o filão, agora “recentemente” descoberto, pois afinal ainda há muitos combatentes e para além do mais os “gajos” até têm família e portanto um “mercado” a explorar.

E ouvem-se estes e aqueles, ouvem-se as mulheres, (verdade seja dita parte vivida, integrante e importante de toda a problemática dos combatentes), reúnem-se livros e antologias, mas não se vislumbra minimamente uma verdadeira preocupação com os combatentes, com a sua dignidade, sobretudo com aqueles abandonados, pela “Pátria que os devia contemplar” e não contempla.

E vamos lendo e sabendo de colóquios sobre a Guerra de África, homenagens diversas por este país fora, um monumento aqui, outro ali, uns discursos mais inflamados e outros nem tanto.

E muitos de nós, (eu muito provavelmente), vamo-nos deixando embalar nestes “cantos de sereia”, convencidos, (ou tentando convencermo-nos), que somos alguém e que o país, as letras e as artes, se preocupam connosco.

Não há melhor forma de adormecer a revolta, a indignação, que é ir falando das suas causas, dando razão, “passando a mão pelo pêlo”, e nada fazendo, enquanto os revoltados, os indignados, (nos quais me incluo), vão lambendo as feridas, cansados de tanto combate, tentando convencer-se de que têm alguma força, mas verdadeiramente e no fundo, se vão deixando dividir em teias politicas, em opiniões “politicamente correctas”, em “distribuições partidárias”, em narcóticas “manifestações artísticas”, a maior parte das vezes incompletas e de tendências politicas bem marcadas.

Será que os lucros de alguma destas obras, que nós combatentes tão afanosamente compramos, revertem no todo ou em parte, para aqueles de entre os combatentes, que abandonados pela sociedade, pelo país, pelo estado, apenas sobrevivem, e mal, às imensas dificuldades, provações e doenças que a própria guerra lhes acarretou ao serviço do seu país.

E com isto não me refiro obviamente às obras “particulares” de alguns autores, que têm todo o direito a receber a paga do seu trabalho e engenho, mas sim a certas obras, subsidiadas, financiadas, assentes no trabalho de outros, alguns combatentes, e que afinal nada trazem de ajuda àqueles que tanto precisam.

E eu também concordo que não sou nenhum ex-combatente, mas sim um combatente.
Faz parte do meu passado e o meu passado é o meu todo com o meu presente e o meu futuro.
Assim como se tivesse um nome familiar quando era criança, (que por acaso não tinha), do tipo “Quim”, ou outro qualquer, e que agora, não era por já não ser criança que passava a “ex-Quim”.

E isso também nos leva a perceber que estivemos ao serviço de Portugal, e não de um qualquer regime.
Os regimes passam, as Nações ficam, ou deviam ficar.
E se ficam, a responsabilidade das Nações para com os seus filhos permanecem.
Não podemos apenas querer reter as partes boas, e as riquezas, temos também de aceitar as dificuldades e as pobrezas.

Mas o que mais me revolta, para além da minha indignação total por causa dos combatentes abandonados, (e refiro-me aos da “Metrópole” e das então “Províncias Ultramarinas”), é que no fundo e de uma maneira geral, as coisas não mudam e nós “embarcamos” em panegíricos e elogios sobre certas obras, trabalhos, actividades e discursos que no fundo se servem de nós, mas se estão verdadeiramente “borrifando” para nós.

Alguma vez os organizadores/editores desta tão “proclamada” Antologia se permitiriam amputar sem licença um poema de Manuel Alegre, por exemplo?
Mas com toda desfaçatez, (e não compro a teoria do erro), fizeram-no a um poema do José Brás!

Explico-vos então porque não acedi a que a letra do Fado da Guiné, fosse publicada nesta Antologia.

É que ao ser contactado, logo informei e dei como muito útil para uma verdadeira Antologia deste tipo que tivessem em conta tantos poetas anónimos, (em que o nosso blogue é fértil, por exemplo), que tendo vivido a guerra na sua própria pele, dela escreviam em verso, como só quem viveu pode escrever.

Foi-me respondido que só fariam parte da Antologia, obras já publicadas, o que logo me fez perceber o “filme” da Antologia.
Mais do mesmo!

Poderia ficar aqui a escrever sobre toda esta revolta e indignação que teimam em viver em mim, como na maior parte de nós, mas talvez noutro dia continue estes pensamentos em voz alta, para “acordarmos” do torpor em que nos deixámos cair, a começar por mim próprio.

Deixo esta ideia.



Esta obra compro-a de muito boa vontade, não só para mim, mas para dar de presente em tantas e tantas ocasiões em que tal se proporciona.

Perdoem-me o arrazoado de palavras e se sou injusto com alguém, que me perdoe também, mas estou farto de ser espezinhado na pessoa daqueles que comigo lutaram na Guiné, Angola, Moçambique, e que o meu país, a sociedade do meu país despreza, embora de vez em quando deles se aproveite.

E estou zangado, sobretudo comigo próprio, que tão pouco faço, e tão impotente me sinto para mudar as coisas.

Um abraço para todos do
Joaquim Mexia Alves
Alf Mil Op Esp
Guiné - 1971/73
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8446: Convívios (349): 12º Encontro da Tabanca do Centro, 29 de Junho (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8440: Controvérsias (125): As feridas da guerra (José Firmino)

Guiné 63/74 - P8466: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (8): O grande choque (1)

1. Em mensagem do dia 20 de Junho de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais uma das suas Outras Memórias da Guerra.


Outras memórias da minha guerra (8)

O grande choque

A “grande cambança” Metrópole/guerra no Oio foi um choque enorme. Mesmo afastando aquelas anomalias ditas de preparação militar para a guerra, pois que, em pouquíssimos meses, se passou do gelo para o braseiro, da capacidade de resistência ao frio para a “resistência” ao calor, do conforto dos lares para o desconforto permanente da realidade militar (imposta), do afago das nossas queridas para a repulsa a novas conquistas. Sentimos, também, aquela diferença entre o “aprazível cruzeiro” Lisboa/Bissau e o passeio de 1 de Maio de Bissau para Bambadinca, onde fomos expulsos da embarcação a pontapé pelos “velhinhos” que aguardavam há 15 dias a nossa chegada para o seu feliz regresso.

Esses, mal nos vislumbraram no rio, ainda longe, começaram a gritar:

- O barco é nosso, o barco é nosso! Saiam daí periquitos .

Nós olhávamos para eles (alguns bem bebidos) a saltar, a cantar e a dançar e ficávamos ainda mais afectados negativamente. A gritaria aumentava à medida que nos aproximávamos. E logo que a lancha se aproximou da margem (esquerda) do Rio Geba, eles vieram, como malucos, lançados pelo ar e cairam em cima de nós. Alguns estavam tão descontrolados que não respeitavam ninguém e empurravam-nos borda fora, aos gritos contínuos de “fora daqui periquitos” e de “o barco é nosso”, para além de alguns cumprimentos insultuosos “à moda do Puerto”. E foi assim durante todo o tempo em que decorreu o desembarque.

Na barcaça subindo o Geba para Bambadinca (Machado, Silva e Faria)

Pouco tempo depois fomos despejados em Fá Mandinga, sem palavras e sem ânimo para reagir. Sentíamos um aperto tão grande nos corações que nos deixava (quase) imobilizados.
Os pensamentos eram incontáveis e metralhavam constantemente a cabeça. Sem experiência de tanta pressão, revia o passado recente como filmes entrecruzados uns nos outros, cheios de problemas pendentes sem solução à vista e um futuro de incertezas, sobrecarregado de prováveis fatalidades.

Fá > Sentado - Triste

Com o calor, não conseguia adormecer. Sentei-me no degrau de cimento à entrada dos quartos, respirei fundo algumas vezes, olhei para o céu de estrelado diferente e tentei baixar aquela pulsação de cavalo que não me largava há mais de uma semana. Procurei ordenar tudo dentro da minha cabeça, desde as “não despedidas” de casa e dos amigos e do adeus de Viana do Castelo. E, então, pensava: - Que grande filme!


Domingo, dia 23 de Abril de 1967.

Acreditei que o lisboeta Machado, que acabara o seu serviço de Sargento-de-Dia e porque não se iria ausentar, poderia aguentar o meu turno, iniciado às 8:00. Os meus amigos Bernardino e Isilda foram levar-me e aproveitamos para almoçar juntos no Restaurante Naval, ao lado da ponte Eiffel sobre o rio Lima. Os pais da minha futura mulher não autorizaram que ela me acompanhasse até Viana do Castelo. O Bernardino, aguardava a chamada para a tropa e ela esperava o seu namorado José Ribeiro (Inhecas), irmão do Bernardino, quase a regressar da Guiné, para casar no dia 6 de Maio. Faria um mês de férias. - Quando te encontrares com ele no dia 1, em Bissau, não te esqueças de lhe dizer que venha rapidamente – dizia ela – porque tenho muitas saudades dele.

José Ribeiro e namorada em Esmoriz, durante as férias de embarque para a Guiné (fim do verão 66). Eu seguiria para os Rangers

Fui ao quartel do Castelo da Barra, onde estávamos aquartelados, Estava tudo muito calmo e, segundo me disseram, o Machado não tinha lá estado, mas não sentiram a falta do Sargento-de-Dia. Estavam muito poucos militares no quartel, pois era do último Domingo na Metrópole. Fui para a casa da praça que havíamos alugado e fui preparando as minhas coisas, para os dias seguintes – os dois últimos em Viana do Castelo.


Segunda-feira, dia 24 de Abril de 1967

Fomo-nos reencontrando em casa e no quartel, à medida que o tempo passava. Seguimos para a Parada e reparamos que ninguém tinha arma, porque o quarteleiro ainda não tinha aparecido. Batemos à porta onde ele deveria estar, insistimos, insistimos até a rebentar. Estava enforcado, pendurado pelo cinto, amarrado aos ferros da cama superior do beliche, fardado, mas sem botas.
Como eu não tinha participado qualquer falta nas refeições ou na formatura do recolher, levei com um processo, que me trouxe algumas chatices.


Terça-feira, dia 25 de Abril de 1967

Já havia uns tempos que tínhamos (eu e mais alguns) sido promovidos a Furriel. Porém, como ninguém nos dizia nada, passei a andar sem as divisas de Cabo-Miliciano. Como estava a comandar o Pelotão na formatura geral, o Capitão notou essa pequena anomalia. À frente de toda a gente, obrigou-me a ir buscar a identificação da graduação militar. Como eu não pensava utilizá-las na guerra (“coisas” herdadas dos Rangers) também não as tinha comprado. Valeu-me o Sargento Bigodes, que me emprestou umas divisas de fundo negro, para logo aparecer promovido diante de toda a atenção da Companhia (o que também não agradou ao Cmdt).

O Capitão comandante da CCS, conhecido por “Ternicotim-Ternicotão”, fez-se de instrutor do processo do enforcado quarteleiro e veio chamar-me. Ninguém se faz pelas suas próprias mãos mas, para mim, um homem de metro e meio, nunca deveria sacrificar-se, voluntariamente, entregando-se ao ridículo entre tantos jovens de estatura normal e avessos à guerra. A dada altura, face às minhas incertezas sobre o suicídio, já me interrogava como se eu fosse o possível assassino. Como eu não correspondia à importância que ele desejava atribuir ao processo, chegou a dizer-me:

- Você é indigno do posto que ocupa nas nossas Forças Armadas!

Nunca mais liguei com essa coisa rara, chamada de “Ternicotim-Ternicotão”.

Tive ainda tempo para fazer algumas compras e ir buscar as fotos que tinha tirado num estúdio fotográfico, perto da nossa residência. Porque gostaram do trabalho, ampliaram a minha foto, encaixilharam-na e colocaram-na na montra. Digamos que me favoreceram de tal maneira, que nem parecia eu.

Foto que esteve em exposição na montra do fotógrafo de Viana do Castelo

Era grande a azafama, porque estava programado sairmos à meia-noite.


26 de Abril de 1967

Depois das respectivas chamadas e algumas esperas, deslocámo-nos para a Estação dos CF, onde nos esperava um comboio especial.
Penso que eram cerca de 2h30 quando o comboio arrancou lentamente, depois de uns apitos lancinantes que pareciam chamar-nos para a morte. Ouviam-se choros e gritos, misturados com a cadência crescente do ruído característico dos comboios. À nossa direita, víamos as pessoas nas varandas e janelas, em pijama, a acenar-nos num último adeus. Gostei muito de Viana do Castelo e esta imagem marcou-me sentimentalmente.
(No meu primeiro Domingo, após o regresso, fui com o meu maior amigo, o Inhecas, já tetraplégico, a Viana e corri tudo, inclusive o cume do monte que liga Sta. Luzia a Vila Praia de Ancora).

Cansado, já dormitava no comboio quando parámos em Campanhã. Ouviam-se gritos enormes de jovens, namoradas, mulheres e mães dos militares. Foram mais de 15 minutos para arrastar dos trilhos do comboio algumas dessas pessoas desesperadas. Mal me apercebi desse espectáculo horroroso, fechei os olhos e tapei os ouvidos, para suavizar tais memórias.
O resto da viagem, até Lisboa foi de um silêncio arrasador. Apenas o tac – tum , tac-tum, tac-tum, tac-tum… das rodas do comboio nos martelava a cabeça. Ao amanhecer assistiamos ao movimento das pessoas e viaturas mais ou menos automatizadas, que não reparavam, nem se apercebiam do nosso ingrato destino.

O navio Uíge estava perigosamente inclinado para o cais. Os militares colocaram-se todos do mesmo lado da embarcação, enquanto se ouvem os seus apitos agoirentos a anunciar a largada. Todos querem ver, pela última vez, as pessoas a acenar e a augurar-nos um bom regresso. Imagens dramáticas de tanta gente a gritar e a acenar o adeus, enquanto que outras desmaiavam ou desesperavam vendo os seus entes queridos a afastarem-se para irem para a guerra. Quase todos choravam e outros, como no meu caso e de alguns dos meus amigos, fazíamos tudo para que parecesse divertido. Porém, as lágrimas também não nos largavam.
Não demorou muito tempo e já estávamos sentadinhos à mesa a ser principescamente servidos. O pior foi que a malta não estava habituada ao baloiço do barco e logo havia enjoos e, uns a seguir aos outros, a correrem, de boca fechada, para as casas de banho. Depois, foram três ou quatro dias de lazer e de muita escrita amorosa. Lembro o Mariz, que havia prometido escrever todos os dias uma carta para a sua namorada, em Anadia.

Primeiro almoço no Uige > Rodrigues, Machado, Mariz, Valente, Miranda, Silva, Belmiro e Campos

Raiou o dia 1 de Maio de 1967. O barco parou longe do cais. O que se via era muito pouco e não se distinguiam bem as pessoas ou as coisas de menor dimensão. Apenas um aglomerado de casas baixas, misturadas com algumas árvores. Pensei que o meu amigo Inhecas, que vinha de férias para casar, lá estivesse à minha espera conforme havíamos combinado. Porém, não o vi, porque entrámos directamente do navio para uma embarcação, que nos levaria, pelo Rio Geba acima, para o interior, para Bambadinca.

- Que se passa, Silva? Estás bem? – Perguntou o Campos, Vagomestre da Companhia, que se aproximou, vindo de trás. Respondi-lhe:

- Sei lá. Estou tão atordoado e tão triste que não auguro nada de bom. Ao que ele respondeu:

- Eu também sinto um aperto que receio que me dê alguma coisa. Não me sai da cabeça a minha Rosita a despedir-se e a chorar lá em Viana. Também não me sai da cabeça aquela loucura dos gajos que nos esperavam. Fiquei sem nada, levaram-me os sacos. E ao Capitão, também levaram um. Voltei eu:

– Se me dissessem para eu regressar, ficaria louco de alegria, de certeza absoluta. Respondeu ele:

- Olha vamos ali ao depósito de géneros que há lá qualquer coisa fresca para nos acalmar. – E pondo-me a mão nas costas, concluiu: - Se um dia isto começar a correr mal, fugimos para a Bélgica, para junto do meu irmão, que já lá está à minha espera.

Silva da Cart 1689

Nota: Cinco dias depois, 6 de Maio de 1967 (dia anunciado para o seu casamento), quando recebi a primeira correspondência, fui informado que o meu maior amigo (José Ribeiro) havia levado um tiro na coluna, na noite de 29/30 e que fora evacuado para Lisboa.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8393: Convívios (343): A CART 1689 comemorou os 44 anos da chegada à Guiné no dia 30 de Abril de 2011 na Póvoa de Varzim (José Ferreira da Silva)

Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8078: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (7): Operação Inquietar II - Manga de Ronco