sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 – P9171: Memórias de Gabú (José Saúde) (17): Um povo de costumes



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

Camaradas,

Lá vai mais uma das "MINHAS MEMÓRIAS DE GABU". O livro e o prefácio do Luís Graça estão concluídos. Em Março, talvez, será altura para a sua apresentação pública.

UM POVO DE COSTUMES
A TÍPICA MULHER DA TABANCA

Não me perguntem como, onde e porquê a foto veio parar-me um dia às mãos. Não sei! Desconheço, e sou sincero, que sua originalidade, bem como a do seu próprio autor é-me totalmente alheia, tão-pouco nunca soube o seu possível paradeiro. Com a respectiva vénia, coloco-a nas “Minhas Memórias de Gabú” para ilustrar a obra com uma verdade indesmentível a qual constantemente nos deparávamos quando nos cruzávamos no caminho com mulheres que transportavam às costas crianças de tenra idade – filhos, irmãos ou familiares – e com galhardia mostravam ao próximo os seus ousados seios. 

Em Gabú era usual contemplarmos este ilustre quadro. A mãe, às vezes jovem, já era portadora de enormes peitos. Esporadicamente constatávamos cenas surreais. Seios desmedidos que se arrastavam verticalmente aprumados e que caíam na cintura das mulheres. Diziam, e admito que seja a verdade real, que pela forma como transportavam a criança às costas proporcionava o seu respectivo avantajar. O pano que servia de berço para o rebento cruzava os seios da mãe que se viam espremidos pelo peso lançado pelo seu querido filhote. 

A criança, não obstante a marcha da sua progenitora, sentia necessidade em saciar o seu desejo nato e a mãe satisfazia o anseio do seu rebento, colocando-lhe um dos seus seios a jeito para o bebé mamar. A criança chupava que se desunhava ao longo do percurso e a mãe, demonstrando a sua fértil ligação ao fruto que deitara ao mundo, assumia o elo de união entre dois seres que por força do destino viviam sob o tecto da guerra. Restava o cenário: a criança chupava numa das tetas e sossegava. Estava encontrado o mesinho ideal. 

Este velho hábito criou raízes na população e transmitiu-se de gerações para gerações. As etnias quer elas fossem de fulas, de futa-fulas, de mandingas, de papéis, de felupes, de balantas, de bijagós entre outras (os guineenses são originários de 30 e tal etnias ou grupos étnico-linguísticos), seguiam à risca este costume transversal. 

Este era, pois, o normal quadro que no terreno amiúde constatávamos. Vi peitos que jamais ousaria imaginar. Peitos enormes, descaídos, deformados e gente modesta que em nada se preocupava com a sua figura de mulher. Os seios, difusos e bem visíveis, intercalavam-se com corpos esbeltos, caras de meninas lindas que nasceram para procriar e colocar no mundo a verdadeira razão do seu feminismo. 

A mulher guineense surpreendia! Recusava, em geral, falar da guerra. Refugiava-se nos seus velhos costumes. Orgulhava-se com a criança parida, mas nunca vigiada, e jamais assistida por uma equipa médica. O curandeiro ditava ordens e a jovem mãe exercitava o velho saber do homem grande. Acreditava piamente nos ditos populares que os mais velhos proclamavam. 

Na tabanca a mulher, não obstante as suas alterações morfológicas motivadas pelo prazer de ostentar filhos ao mundo, assumia um estatuto ímpar no seio da comunidade. 

Na guerra dos sexos ressalva-se, pois, uma imagem que guardo devotamente no meu memorial e que nos transmite a veracidade das mães guineenses no preciso momento de transportar os seus amados filhos! 

Uma realidade 

Um abraço deste alentejano de gema,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


30 DE NOVEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 – P9120: Memórias de Gabú (José Saúde) (16): Protecção avançada a um avião que trazia novidades… 


Guiné 63/74 - P9170: (Ex)citações (164): Furriel, turra é preto e vaca é branca!... (Henrique Cerqueira)

1. Comentário,  de Henrique Cerqueira  (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), ao poste P9116 (*):

Caros Camaradas:

Na verdade em quase todos os destacamentos havia episódios como o do Ferraz,até porque havia por parte das populações, em especial pelos chefes de tabanca, uma regra, mais ou menos imposta pelo PAGC, para que boicotassem o mais possível o abastecimento de bens aos militares. 


Daí ser muito difícil a compra de galinhas ou outros bens alimentares. Assim sendo,  e de quando em vez, para "desenjuar" da bianda, ou do esparguete, lá se tinha que recorrer à habilidade,tal como aconteceu uma vez no Biambe.

Certo dia ao cair da noite andavam alegres vaquinhas a passear num terreno junto ao arame e um Furriel,  com a sua G3,  apontou,disparou e acertou.

Grande escândalo,  as vaquinhas nunca eram de ninguém, mas nesse dia apareceu o Abdul que era chefe de Milícia,  a reclamar.Todos foram ao Capitão e o Furriel justificou do seguinte modo:
- Ó Abdul, há dias atrás fomos atacados pelo IN,  agora estava a olhar para o arame e apareceu-me um turra e disparei...

E o Abdul, muito espantado,  responde:
-Mas..., Furriel,  turra é preto e vaca é branca!!!
- E depois?...- retorquiu o Furriel.  - Eu de noite não distingo cores.

Bom,  ele,  Abdul,  lá vendeu a vaca morta e o pessoal lá conseguiu uns bifinhos fresquinhos.

Este comentário é uma treta mas é verdadeiro por tal nem sequer é digno de polémicas ou julgamentos. Foi mais uma das nossas aventuras da Guiné. (**)

Um abraço para todos

Henrique Cerqueira

PS - Quanto à dificuldade de comprar animais lá na Guiné,  era mesmo por imposição dos elementos do PAIGC. Pois que em Bissorã e no Biambe haviam manadas imensas e,   sempre que procurávamos os donos,  eles respondiam invariavelmente que eram dum primo de Bissau... 

Mais tarde,  em Bissorã,  para comprar uma cabra,  eu dirigi-me ao administrador local e este obrigou um produtor a vender e aí o mesmo me explicou que era mesmo por imposição (clandestina,  claro) que o PAIGC fazia às populações,   ameaçando com represálias.

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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P9169: (Ex)citações (163): A época de Natal foi a sempre a altura que mais me custou a passar... E foram 3 (três) Natais que passei no CTIG... (Luís Dias)

1. Comentário ao poste P9148 (*), enviado por Luís Dias (ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74):




Caro Juvenal:


Foram efectivamente três os natais que passámos na Guiné (**). Três épocas de Natal, que nos retiraram das nossas famílias. Foi este o brinde que calhou ao nosso BCAÇ 3872:


(i) O primeiro foi passado no Cumeré, chegadinhos nesse dia 24 de Dezembro de 1971;


(...) "Desembarcámos do navio Angra do Heroísmo, no Cais de Pidjiquiti, fardados de camuflado e com um calor e humidade que o colavam à nossa pele e ouvindo as bocas de periquito vai para o mato, dos estivadores negros e de quem assistia aos primeiros passos daqueles jovens em terras de África, saídos poucos dias antes da Metrópole e roubados ao sossego das suas vidas. Seguimos em viaturas civis para oCumeré, onde o Batalhão ficaria instalado para o IAO e passaria aquela primeira noite" (...) (**).

(ii) Depois o segundo já o passei no Dulombi;


(...) "Em Dezembro de 1972, depois de ter frequentado o Estágio das Unidades Africanas em Bolama e S. João, sob o Comando do então Major Coutinho e Lima, pessoa que me pareceu um excelente militar e um excelente ser humano, consegui regressar à minha Companhia, a tempo de passar o Natal com o meu pessoal, no nosso Dulombi.  (...) Foi a festa possível, com cânticos e algumas lágrimas de saudade. Estávamos também em alerta, dado que no princípio desse mês o IN atacara fortemente a sede do batalhão (Galomaro). Comemos o famoso bacalhau liofilizado, mas com a esperança – por sinal errada – que seria o último que passaríamos na Guiné e que em 1973 estaríamos no seio das nossas famílias" (...) (**)

(iii) Mas o terceiro, passei-o uma parte em Nova Lamego (onde o meu Gr Comb  estava de intervenção) e depois da meia-noite no mato circundante daquela cidade, em emboscada nocturna.


(...) "Um Natal nestas condições, com o sonho desfeito de voltarmos a casa no tempo previsto, com 24 meses de Guiné já cumpridos e estando fora da Companhia, foram difíceis de gerir e de digerir e os sentimentos que lavravam entre todos nós, eram um misto de revolta e de raiva. Lembro-me que, após a ceia de Natal em Nova Lamego, o Grupo de Combate, pela meia-noite, foi para o mato, substituir outros camaradas que estavam desde o fim da tarde emboscados, para que eles pudessem também vir comer a ceia. Ali ficámos a fazer segurança até ao alvorecer, cada um a pensar, com certeza, na importância de mais um Natal afastado da sua terra, da sua família, dos entes queridos. (....) (**)

A época de Natal foi sempre a altura que mais me custou na Guiné, muito em especial a primeira e a terceira (dado que pensávamos que a passaríamos já em família, pois o tempo da comissão tinha terminado em Outubro).


Se pudéssemos juntar todos os camaradas, as nossas famílias e envolvê-los no Natal que alegria seria! (***)


Obrigado e parabéns pelo que escreveste, pela tua filha e pelo seu aniversário.
Um abraço.
Luís Dias
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9148: O meu Natal no mato (33): Um conto natalício (Juvenal Amado)


(**) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3650: O meu Natal no Mato (16): Os meus Natais na Guiné (Luís Dias)

(***) Último poste da série > 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9160: (Ex)citações (162): Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da política seguida pelo nosso blogue (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P9168: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (30): Cerimónia de homenagem e comemoração dos 50 anos de incorporação das primeiras Enfermeiras Paraquedistas na Força Aérea Portuguesa (Miguel Pessoa)


O grupo das Enfermeiras Paraquedistas presentes junto do CEMFA, Gen. Araújo Pinheiro


1. Mensagem do dia 8 de Dezembro de 2011, do nosso camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), com o seu testemunho da Cerimónia de Homenagem comemorando o 50.º aniversário da incorporação das primeiras Enfermeiras Paraquedistas na Força Aérea Portuguesa*.

CERIMÓNIA DE HOMENAGEM ÀS ENFERMEIRAS PARAQUEDISTAS

No passado dia 7 de Dezembro decorreu uma Cerimónia de Homenagem organizada pela Força Aérea Portuguesa, comemorando o 50º aniversário da Incorporação das Enfermeiras Paraquedistas naquele Ramo das Forças Armadas. Do programa constou uma missa de Acção de Graças e Sufrágio, na Igreja da Força Aérea, a que se seguiu a cerimónia presidida pelo Chefe de Estado Maior da Força Aérea (CEMFA), General Araújo Pinheiro, efectuada nas instalações da Força Aérea em Monsanto.

A cerimónia iniciou-se com uma introdução feita pelo Gen. Paraquedista Almendra, que realçou o mérito da implementação das Mulheres Enfermeiras Paraquedistas nas Forças Armadas, numa época em que estas iniciativas eram encaradas com desconfiança face ao ambiente profundamente masculinizado das Forças Armadas e ao espírito conservador da sociedade portuguesa à época. Por isso, o talento do então Secretário de Estado de Aeronáutica, Ten.Coronel Kaúlza de Arriaga, ao avançar com um projecto tão radical para aquele tempo e ao conseguir impô-lo ao próprio Chefe do Governo. Realçou ainda a forma superior como estas Mulheres souberam responder a este desafio, através da disponibilidade, entusiasmo, espírito de sacrifício e competência postos no desempenho das funções que vieram a executar então, nos hospitais, nos teatros de operações, nas zonas de combate, muitas vezes com risco da própria vida.

O CEMFA dirigiu então palavras de apreço às homenageadas, referindo a sua satisfação e honra por estar associado a um projecto tão significativo em que se pretendeu homenagear o esforço, a disponibilidade e a competência deste reduzido grupo de Mulheres Enfermeiras Paraquedistas, de que resultou prestígio para o próprio grupo, para o Corpo de Tropas Paraquedistas (CTP) a que pertenciam, para a Força Aérea Portuguesa – onde o CTP se integrava – e para o País.

Após esta singela mas significativa homenagem decorreu um almoço na Messe da Força Aérea em Monsanto, onde a Enfª Maria Arminda Pereira Santos – 1ª classificada do 1º curso de Enfermeiras Paraquedistas – teve ainda oportunidade de falar em representação de todas, agradecendo esta homenagem e realçando o forte vínculo que deste sempre se estabeleceu entre o grupo a que pertenceu e a Força Aérea Portuguesa, vínculo que ainda hoje está presente nas reuniões que periodicamente as enfermeiras paraquedistas organizam.

O Chefe de Estado Maior da Força Aérea, General Araújo Pinheiro, ladeado pela Enfermeira Maria Arminda Santos

A Enfermeira Maria Arminda Santos, em representação das Enfermeiras Paraquedistas presentes, dirigindo algumas palavras de agradecimento pela homenagem

Duas das tertulianas presentes, Maria Arminda Santos e Giselda Pessoa

Foi uma bonita homenagem que muito sensibilizou este grupo de Mulheres, que tanto deram de si mas tão poucas vezes foram lembradas ao longo destes 50 anos que já se passaram desde a sua formação.

Miguel Pessoa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8998: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (28): Comemoração dos 50 anos dos cursos de 1961 das Tropas Pára-quedistas (Rosa Serra / Maria Arminda)

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9158: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (29): O acidente aéreo em Chitado, Angola, 10 de Novembro de 1961: 18 mortos, entre os quais 2 oficiais generais (Maria Arminda / Aniceto Carvalho)

Guiné 63/74 - P9167: Memória dos lugares (167): A localização do destacamento ou aquartelamento de Polibaque (em 1973) não é a mesma da antiga tabanca de Polibaque ( Jorge Picado, ex-Cap Mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, 1970)





Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAC 2885 (1969/71) > Posição relativa da antiga tabanca de Polibaque (no Google, a vermelho).

Infogravuras: Jorge Picado (2011).


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Jorge Picado [, engenheiro agrónomo, na vida civil, reformado, residente em Aveiro (e, no verão, na Costa Nova); na vida militar, ex-Cap Mil (CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, (1970/72)]:Data: 7 de Dezembro de 2011 22:32
Assunto: Polibaque

Caro amigo Carlos:





Acabo de ler o Poste do camarigo Mexia Alves em que fala sobre Polibaque (*), que o nosso Grande Chefe Luís procura situar.

Evidentemente que nada sei sobre os tempos posteriores à minha saída de Mansoa, mas envio em anexo um Mapa que reconstrui das Cartas de então, daquele concelho e a correspondente actualização (obtida creio que nos princípios deste ano) do Google onde se vê o traçado da nova estrada.

Ora acontece que o topónimo Polibaque das Cartas antigas fica muito longe do traçado da estrada "nova" [, Jugudul - Porto Gole - Bambadinca,] que os camarigos andaram a proteger durante a sua construção e mesmo da "antiga" via [, Bissau - Bafatá,] que só com muitos sacrifícios poderia ser "transitável" no meu tempo.

Aliás Porto Gole era abastecida directamente de Bissau, pelo Geba,  e não pelo BCaç 2885. Polibaque, aliás como todas as tabancas dessa área, com excepção do Destacamento de Bissá e mais para oeste Bindoro, tinham sido há muito abandonadas.

Quando aparece citado Polibaque, nas acções ou operações das NT no meu tempo, isso refere-se mais à região entre as bolanhas do rio Bará e as bolanhas a este, dum afluente desse rio e a antiga estrada onde, na carta de Mamboncó está assinalado FOBA (marco geodésico) [, ao canto inferior esquerdo da carta].

Não creio que para proteger a construção da estrada nova o "Destacamento" fosse "lá em baixo", mesmo no sitio de Polibaque da carta, pois todos esses terrenos eram baixos alagadiços na sua grande maioria.

Isto é o que me ocorre dizer assim a correr. (**)

Abraços para ti e todos.

Jorge Picado

PS - No Mapa [, croquis,], Polibaque é o n.º 53. No extracto do Google assinalei com ponto vermelho. Espero que não me tenha enganado ao "sacar" os anexos. 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9150: Memória dos lugares (165): Polibaque, na estrada Jugudul-Portogole-Bambadinca (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, CCAÇ 15, Mansoa, 1973)

(**) Último poste da série > 9 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9166: Memória dos lugares (166): a paliçada de troncos de palmeira do Cachil (José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)

Guiné 63/74 - P9166: Memória dos lugares (166): a paliçada de troncos de palmeira do Cachil (José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Cachil > Março de 1964 > CCAÇ 557 (1963/65) Construção do aquartelamento de Cachil na sequência Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > À boa maneira do faroeste americano... Em Polibaque, na região do Oio, o Joaquim Mexia Alves também viu, em 1973, um aquartelamento assim, formado por uma paliçada (*) 


Foto: © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves:

Obrigado,  caro José Colaço. Pelos vistos o destacamento do Polibaque não era o único forte na Guiné!

Reencaminho para a Tabanca Grande para lhes dar conhecimento da existência de mais fortes na Guiné.

Um abraço amigo e grato do
Joaquim Mexia Alves

2. Mensagem do José Colaço (ex-Soldado Trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65):

Camarigo Mexia Alves:

Em relação ao poste P 9150 (*): Junto em anexo uma foto com muito pouca qualidade, mas era o que havia na altura (e para agravar foi reproduzida de um slide de um DVD).

Em Março de 1964 alguns dos militares da CCaç 557 [ empenham-se] na construção da paliçada do quartel no Cachil. Era assim toda a paliçada e tudo o que servia de paredes, casernas e arrecadações. Os telhados era só chapa de bidões.

Um abraço.

Colaço

PS: O Camarigo Mário Dias ao quartel do Cachil chama-lhe a Fortaleza de troncos de palmeiras !

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Nota do editor:

Ultimo poste da série > 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9150: Memória dos lugares (165): Polibaque, na estrada Jugudul-Portogole-Bambadinca (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, CCAÇ 15, Mansoa, 1973)

Guiné 63/74 - P9165: O nosso fad...ário (6): Fado Canção da Fome: Livrou o autor de levar uma porrada do célebre Pimbas (Manuel Moreira, CART 1746, Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 1746 (1968/69) >  Destacamento da Ponta do Inglês > Em primeiro plano, do lado direito, o ex-1º Cabo Mec Auto Manuel Vieira Moreira... Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu o seu fado, Canção da Fome...

Por detrás dos militares da CART 1746 (unidade de quadrícula do Xime), à mesa, partilhando uma refeição, vê-se uma parede revestida a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordem do Com-Chefe, em Novembro de 1968, desguarnecendo a posição estratégica que era a foz do Rio Corubal... (LG)

Foto: © Manuel Moreira (2009). Todos os direitos reservados






Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Margem direita do Rio Corubal > Foz do Corubal, tendo à direita a Ponta do Inglês, de triste memória para muitos de nós... Mais acima, na margem esquerda, Ganjauará, perto de Gampará, de triste memória para o Vitor Tavares e os seus  camaradas da CCP 121/BCP 12 (Mapa de Fulacunda, Escala 1/50000 (detalhes).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011).

 
1. Texto do Manuel Moreira, um dos fadistas da nossa Tabanca Grande, natural de Águeda, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69), com data de hoje, com mais um magnífico contributo para a série O Nosso Fad...ário (*)

Camarada e Amigo Luís

O porquê da Canção da Fome já foi dito, agora vai a história :

O meu fado, Canção da Fome,é baseado na música do fado gingão Tempos que já lá vão,  de Manuel de Almeida. Mas eu canto-o de forma diferente de modo a dar-lhe o sentido próprio da situação vivida. Foi gravado em bobines de fita, porque na altura não havia cassetes, e acompanhado por duas violas tocadas pelo Alf Mil [Gilberto]Madail e pelo [Soldado] Corneteiro Agostinho Pacheco Moreira.

Fez sucesso por todos os Destacamentos onde esteve colocada a CART 1746, como sendo: Ponta do Inglês, Taibata, Demba Taco, Amedalai e Galomaro.

Foi de Galomaro que apanhei o maior susto quando o Comandante do Batalhão de Bambadinca [, Ten Cor Pimentel Bastos, do BCAÇ 2852, 1968/70] fez visita a Galomaro em Março de 1968. O gravador do Fur Melo estava a passar a Canção da Fome e quando se apercebeu da sua presença correu a desligar o aparelho. De seguida, foi admoestado pelo Comandante por ter feito o que fez e pediu para ligar o aparelho onde ficou a ouvir com atenção e repetiu...

Quando se ouvia o meu nome no final, o então guarda costas do Comandante, já falecido, que era de Águeda,  de seu nome Emanuel Carvalho, disse que me conhecia e ficou incumbido de me convidar a fazer uma visita ao Gabinete do Comandante.

Quando a comitiva se retirou, logo o Fur Melo enviou uma mensagem via rádio para o Xime a contar o sucedido para que eu fosse avisado. E então o Cabo de Transmissões Laurentino Ribeiro, que é de Barcelos, veio ter comigo à Oficina e começa por me dizer, bem à moda do Minho:
- Ó Moreira, estás fodido, pá !

Ao que eu respondi:
- Pois estou,  e já há muito tempo e só acaba quando for embora daqui ... - Mas ele muito sério repete e diz :
- O Comandante  do Batalhão ouviu a tua Canção da Fome e quer que vás ao Gabinete dele responder. - Por isso, aí eu pensei e disse:
- Estou fodido mesmo !

Demorei bastante tempo a ir a Bambadinca a ver se o tipo se esquecia mas não, estava sempre a perguntar ao Emanuel Carvalho por mim.

Depois de vários comentários deste,  com os meus camaradas mecânicos do Xime, lá me convenceram a ir a Bambadinca e qual o meu espanto, quando o Comandante [, o Ten Cor Pimentel Basto,]queria só e apenas que eu cantasse para ele gravar e levar para casa e mostrar aos netos...

Aí eu acreditei. Eu só tinha medo da PIDE.

E tive sorte porque, precisamente em Galomaro,  no dia 5 de Março de 1968,  aquando da rendição de Secção por Secção, o condutor João Medeiros ausentou-se com o Unimog sem autorização e conhecimento,  levando a minha G3 junta com a do Alf Madaíl no banco direito, mecânico e oficial de coluna, que eram as únicas que iam e vinham. Fui beber umas aguardentes de cana e na vinda, depois de vários saltos nos buracos da estrada, a minha G3 caiu e passou-lhe por cima ficando em três pedaços. Ora, auto às costas... Auto que estava nas mãos do Comandante do Batalhão que o arquivou,  graças à Canção da Fome.

O Madaíl não cantava o Fado mas dava uns toques na viola. Eu sempre cantei e canto, de tudo. Cantar faz bem e espanta as tristezas !

Um Abraço Amigo

Manel Moreira
CART 1746

2. Letra do fado Canção da Fome (**)

[Adpat. de Tempos que já lá vão,  de Manuel de Almeida, n. 1922; música do Fado Corrido]

CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da Guiné.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:
Manuel Vieira Moreira.

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9144: O nosso fad...ário (5): Fado Brito que és militar (Letra de Tony Levezinho, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

(**) Vd. poste de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Guiné 63/74 - P9164: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (17): Kennedy, Salazar e as "nossas colónias"


1. Mensagem do nosso Camarada António Rosinha, com data de 2 de Dezembro p.p.: 


Era melhor outros fazerem a guerra por nós?



Ouvi,  na SIC, novamente uma solução pacífica e fácil para uma descolonização sem fazermos guerra.

Não prescindo de ouvir a opinião de ninguém, no que toca à guerra que nos calhou.

E a opinião que com mais frequência se ouve, era a solução americana que foi oferecida ao Salazar pelo Kennedy. E hoje, dia 21 de Novembro, ouvi novamente na SIC, essa ideia como a melhor maneira de Salazar não precisar de mandar a juventude impreparada, fazer a guerra.

Essa solução era e é defendida pela maioria daqueles que foram para a Europa, não os que foram para o «bidonville» assentar tijolo, mas os que foram com mesada dos paizinhos ou com alguns estudos, foram para as universidades europeias, quando chegavam à idade militar.

Regressaram com essa ideia encasquetada, aquando o 25 de Abril.

Foi hoje na SIC que o escritor João do Céu Silva, na apresentação de um livro seu, disse que Salazar podia ter seguido o que Kennedy dizia, e de quem todos gostávamos tanto.

Claro que nós (ele) gostava muito, foi pena que quem lhe deu o tiro em 1963 não era da mesma opinião.

Parece que o seu vizinho Fidel, também não simpatizava muito.

E aquele soviético que queria instalar os mísseis em Cuba também não alinhava com ele.

Mas que o jovem presidente era simpático lá isso era, mas não deixava de ser americano como aqueles americanos que fizeram duas Coreias, que fizeram dois Vietnames, mais tarde apoiaram a ocupação de Timor pela Indonésia, sem falar que foi no reinado e nas barbas de Kennedy que se construiu o Muro de Berlim, que no reinado de Kennedy não souberam os americanos o que fazer com Cuba.

Quando Kennedy foi assassinado, todos se lembraram que apoiou a UPA, em Angola, com fins bem definidos.

E quem conhecia as circunstâncias internacionais e africanas, estava no mínimo  preparada uma Angola do Norte e outra Angola do Sul como as Coreias e os Vietnames, se os americanos liderassem os destinos de Angola... Jamais os Angolanos aceitavam a figura que chefiava a UPA.

Nessa altura já tinha sido liquidado Lumumba e o secretário-geral da ONU, derrubado de avião quando se ia avistar com Tchombé. Tudo com a extrema sensibilidade "política"  de Kennedy.

Salazar não deixou os americanos fazerem a guerra por nós, só após a morte de Salazar é que os americanos ao lado de Sul-africanos se digladiaram em Angola contra Cubanos e soviéticos.

Enfim, penso que nessa altura, com muito sacrifício nosso, garantimos a futura integridade de quase todas as fronteiras coloniais, o que jamais era garantido se tivéssemos tido o critério de outras potências coloniais que optaram por entregar independências a tiranos protegidos por "legiões" e "mercenários internacionais".

Disso nunca ninguém nos poderá acusar, proteger tiranos, embora após o 25 de Abril alguns militares da nossa revolução e alguns civis, tenham tomado partido naquela guerra fratricida angolana.

Faz anos dia 22 de Novembro que em Dallas assassinaram o "desejado" de alguns portugueses. Embora haja dúvidas quanto ao assassinato de Kennedy… Salazar nunca foi suspeito.

Eu também não acreditava em Salazar, quando com aquela voz fininha, a tremer, dizia "as nossas colónias são muito invejadas".

Se fosse hoje, não lhe chamava os nomes que lhe chamávamos. A única mentira que o ditador dizia, era o Portugal de "Minho a Timor".

Afinal era só até ao Funchal.

Os meus cumprimentos
Antº Rosinha
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Notas de MR:

Retrato oficial de John F. Kennedy, pintado a óleo por Aaron Shikler (1970). Imagem do domínio público. Fonte: Wikipedia.

Foto de Salazar, em 1940. Autor desconhecido. Imagem do domínio público. Fonte: Wikipedia.

Vd. o último post desta série em:

9 DE MARÇO DE 2011 > Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só comCarta de Chamada

Guiné 63/74 - P9163: Patronos e Padroeiros (José Martins) (25): Anjo Custódio de Portugal

 


1. Em mensagem do dia 7 de Dezembro de 2011, o nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais um Patrono.





PATRONOS E PADROEIROS XXV

Anjo Custódio de Portugal

Anjo Custódio do Reino
Escultura de Diogo Pires, o Moço (séc. XVI) 1518-1520, calcário
Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra, Portugal.
© Foto: O Portal da História, com a devida vénia.


Santo Anjo da Guarda de Portugal

O Anjo de Portugal é, até hoje, o único Anjo da Guarda, de um país e com culto público oficializado e foi o único Anjo Guarda de uma nação que apareceu aos homens.

Foi em 1504 que, a pedido do monarca português D. Manuel I, e bispos portugueses, o Papa Leão X (n. 11 de Dezembro de 1478, eleito a 19 de Março de 1513, † 1 de Dezembro de 1521), com base de que já era um culto antigo em Portugal, instituiu a festa oficialmente.

Com esta oficialização, D. Manuel manda expedir instruções para todas as Câmaras Municipais, indicando que as festas, ao Anjo Custódio, devem ter a participação de todos, desde as autoridades e instituições, das cidades e vilas, assim como todo o povo, assim como devem ser celebradas com toda a solenidade.
Esta festividade tinha lugar no terceiro Domingo do mês de Julho, só equiparada a Festa do Corpo de Deus, a maior festa em que a nação afirmava a sua Fé na presença de Cristo na Eucaristia, manteve-se desde o Século XVI até ao Século XIX, altura que o país conhecem mais um dos seus piores períodos.

Vários acontecimentos se sucedem neste país desde a Guerra das Laranjas, com a perda de Olivença; Invasões Francesas: Lutas Liberais, escaramuças breves mas frequentes em África, não só com os autóctones, mas também com forças externas; Conferência de Berlim e consequente corrida a África, Campanha de Pacificação, entre outras.

A festividade e o culto ao Anjo Custódio alcançaram grande brilho, especialmente nas cidades de Braga, Coimbra e Évora, celebrada no dia 9 de Julho. Porém, durante o pontificado de Pio XII (n. em 2 de Março de 1876, entronizado em 12 de Março de 1939, † 9 de Outubro de 1958), a festa do Anjo de Portugal foi restaurada, passando a celebrar-se no Dia de Portugal.

Com a viragem do século e a entrada do novo, o 20.º do calendário romano, volta a falar-se no Anjo da Guarda de Portugal: o Anjo aparece a três crianças, na Loca do Cabeço, perto de Fátima. Essas três crianças, dois irmãos e uma prima, que naquele ano 1916 pastoreavam o gado pertença da família, como era uso e costume das populações rurais.
Eram Francisco de Jesus Marto (n. Fátima, Ourém, 11 de Junho de 1908 † Fátima, Ourém, 4 de Abril de 1919), Jacinta de Jesus Marto (n. Fátima, Ourém, 11 de Março de 1910 † Lisboa, 20 de Fevereiro de 1920), beatificados em 13 de Maio de 2000, pelo Papa João Paulo II e Lúcia de Jesus dos Santos (n. Aljustrel, Fátima, Ourém, 28 de Março de 1907 † Coimbra, 13 de Fevereiro de 2005), que, de acordo com o seu testemunho, um Anjo apareceu-lhes e identificou-se como: "Eu sou o Anjo da Guarda, o Anjo de Portugal".

Em muitos monumentos que imortalizam os nossos heróis, aparece uma figura alada, que protege o Soldado Português, e em muitos deles colocando-lhe, sobre a cabeça, uma “coroa de louros”, enaltecendo o seu espírito de sacrifício e patriotismo.

Miniatura do Anjo de Portugal, inserido no Grupo escultórico inaugurado na Loca do Cabeço, Fátima, em 12 de Agosto de 1958, da autoria da escultora Maria Amélia Carvalheira da Silva
Colecção de Maria Manuela Martins
© - Foto José Martins
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9156: Um novo Monumento aos que tombaram pela Pátria, aos que construíram uma terra (2) (José Martins)

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9023: Patronos e Padroeiros (José Martins) (24): São Martinho de Tours, militar que se tornou santo

Guiné 63/74 - P9162: Notas de leitura (310): De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2011:

Queridos Amigos,
Conclui-se assim a recensão sobre as memórias do comandante Bobo Keita. Importa reconhecer o seu olhar peculiar sobre a vida da guerrilha em que esteve envolvido tantos anos. Envolveu-se em controvérsias, desamores e não esconde ressentimentos. É claramente desprimoroso com as tropas portuguesas no Leste, após o reconhecimento da independência, carece de contraditório. E se a caso se vier a demonstrar que Osvaldo Vieira abençoou a conspiração de Janeiro de 1973, em Conacri, é escusado continuar a bater no ceguinho de que a PIDE foi o braço-longo e o cérebro da operação.
Seria bom que pessoas responsáveis e que ainda estão vivas, caso de António Fragoso Allas, o dirigente da DGS em Bissau, viessem depor com documentos na mão. Compete a portugueses e a guineenses apresentarem provas, ambos estão comprometidos com a verdade histórica.

Um abraço do
Mário


Bobo Keita: do assassinato de Cabral à entrada em Bissau, em 1974

Beja Santos

O que o comandante das FARP Bobo Keita nos conta em “ De Campo em Campo, Dos Estádios de futebol à luta de libertação nacional dos povos da Guiné e de Cabo Verde” (edição do autor, 2011) quanto ao período próximo do assassinato de Cabral poderá ter a maior importância caso venha a ser confirmado por outros testemunhos. Mas há uma relativa nebulosa ou vontade de não comentar em profundidade tudo quanto estava a ver quando chegou a Conacri, vindo da União Soviética. Diz que a situação estava caótica mas não explica porquê. As coisas não estavam bem em Conacri e aponta imediatamente para os nomes de Momo Turé e Aristides Pereira, dá-os como recrutados por Spínola e mobilizadores de todos aqueles que tinham sido castigados. Em Conacri recebe uma informação de que fora designado como novo comandante dos tanques anfíbios, sucedendo a Inocêncio Cani, comprovadamente o conspirador que primeiro atirou sobre Amílcar Cabral, na noite de 20 de Janeiro. Recebido na véspera do assassinato pelo próprio Cabral, este revela-lhe que tinham acabado de sair do seu gabinete os embaixadores da Tanzânia e da Argélia que lhe deram a informação que as autoridades de Bissau tinham fechado a zona de Cacine e preparavam um novo golpe contra a República da Guiné, era um plano que incluía a eliminação da sua própria pessoa.

Em 20 de Janeiro, Bobo deixa Conacri na companhia de José Pereira, representante do PAIGC em Boké, é para ali que ambos se dirigem. De madrugada, foram convocados pelo governador de Boké, são informados do assassinato do líder e que entretanto um barco saíra de Conacri levando a bordo Aristides Pereira, feito prisioneiro. Deu-lhes a entender que esse barco se dirigia para Cacine e deveria passar por Boké. O que nos relata sobre o assassinato de Cabral é o que já consta de outros testemunhos, Norberto Tavares de Carvalho cita abundantemente Oleg Ignatiev que, como veremos oportunamente, é parcialmente contraditado por outros testemunhos como o de Oscar Oramas, o embaixador cubano em Conacri.

O relato imprevistamente descamba nas negociações entre autoridades portuguesas e o PAIGC e depois Bobo dá a sua opinião, muito crítica, sobre a alegada clivagem entre guineenses e cabo-verdianos, desmente-a categoricamente, não deixando porém de referir que os cabo-verdianos têm, todos eles, missões de desempenho muito elevado, desde artilharia passando por mísseis terra-ar, direcção política e outras actividades que requeriam elevada formação ideológica ou militar. Estiveram nas frentes de combate mas em lugares seleccionados, di-lo explicitamente: “Lembro-me de uma vez, quando atacámos Gadamael em força, estavam ali eles, ao nosso lado, a manejar com perícia os morteiros 120. Quem esteve presente e não se lembra de João José (o Jota Jota) no assalto a Guileje? Este cabo-verdiano, hoje radicado nos EUA, deu mostras e provas de um espírito de combatividade e de técnica no manejo das peças de artilharia que contribuiu para que Guileje não resistisse às nossas forças. O Julinho de Carvalho esteve sempre ao pé das Katyuissas e dos morteiros. O Tchifon tratava por tu tudo o que era artilharia. O Manecas era também especialista no manejo das Katyuissas e dos morteiros”. Depois o relato volta aos acontecimentos do assassinato, Cani chega a Boké, afinal não foram os barcos soviéticos que o detiveram no alto-mar, como por vezes se vê escrito, foi detido ali. Cani, segundo Bobo Keitá, iria a Boké ajustar contas com José Pereira, fora este que investigara os actos ilícitos que teriam levado à sua expulsão do Comité Executivo da luta do PAIGC, tempos atrás. O livro é outra vez reconduzido a Oleg Ignatiev e a um conjunto de fantasias como a não comprovada implicação da PIDE em Lisboa na chamada operação “Rafael Barbosa”, de que não existe qualquer indício ou prova documental.

O relato volta a dar uma guinada, vai para aviões de caça, mísseis o relato da independência unilateral, a operação “Amílcar Cabral” que envolveu Copá, Guidaje e Guileje e, por arrastamento, Gadamael Porto. E dá nova guinada para críticas a Nino Vieira com quem se incompatibilizou à volta do golpe de Estado de 1980. Estranhamente, parece ignorar o que se passou de facto na morte dos três majores no Jolmete, em 20 de Abril de 1970 e estamos chegados aos acontecimentos posteriores ao 25 de Abril.

Em Agosto de 1974 é assinado o acordo de Argel. Bobo regressa à Frente Leste e afirma desabridamente: “Eu resolvi fazer uma astúcia. Escolhi o quartel de Buruntuma. Preparámos a operação e organizámos um assalto em simulacro. Fizemos tudo para que a tropa portuguesa tivesse conhecimento da operação. Mandámos avisar a população e os elementos do Partido para que abandonassem Buruntuma pois íamos atacar aquela população”. O comando de Buruntuma não percebe o que se está a passar, contacta o PAIGC, dentro do bluff Bobo comunica que as tropas portuguesas têm duas horas para sair. No dia seguinte, as tropas portuguesas saem para Piche, só lá fica a milícia. Bobo Keita, recorrendo a este estratagema, diz ter conseguido libertar seis pequenos quartéis e que entretanto começaram as dissensões entre oficiais superiores e Carlos Fabião. Adoptou, diz ele, uma postura agressiva, estende a Bafatá e a Bambadinca o controlo de carros. Em Pirada, tendo sido informado da sublevação das milícias, procede a execuções. Afirma ter dado ordens ao oficial de Pirada. E não esconde que há populações e tropas africanas que se põem em fuga para o Senegal. Em Setembro, entra em Bissau, foi nomeado Comissário Político da região e afirma: “Eu é que organizei a retirada definitiva de Bissau dos últimos elementos do exército português”.

Assim termina o relato na primeira pessoa do singular. Segue-se uma listagem de guerrilheiros que caíram em combate, o posfácio do nosso camarada António Marques Lopes, que teve a gentileza de me enviar esta obra para recensão. Em anexo, consta o texto dos acordos de Argel e uma cronologia de factos e feitos da história da Guiné.

Estamos perante um testemunho que nalguns pontos-chave carece de contraditório: se é facto que Osvaldo Vieira passou uma boa parte do dia 20 de Janeiro de 1973 na companhia de Inocêncio Cani, e que razões determinaram a saída daquele guerrilheiro histórico da direcção do PAIGC; o guerrilheiro, à semelhança de outros depoimentos, refere que Conacri, ao tempo da conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral, era um local irrespirável quanto a intrigas e a rumores de conspirações, mas não se dá substância à natureza do que se fala, os nomes que se põem na mesa são os de Momo Turé e de Aristides Barbosa, ninguém acredita que estes dois quadros em estado de “regeneração” prepararam e executaram uma conspiração que envolveu largas dezenas de quadros guineenses; e porque continua ausente uma resenha histórica de tudo quanto se passou na Guiné entre 25 de Abril e a saída das tropas portuguesas, ao menos que os protagonistas que viveram os tais episódios que Bobo Keita refere em Buruntuma e outros locais nos transmitam a versão dos acontecimentos, parece essencial começar a clarificar o que foi de facto o entendimento sobre os acordos de Argel no território guineense, como se viveu esse período tão conturbado.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9137: Notas de leitura (308): De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9153: Notas de leitura (309): Guillaume Apollinaire, de George Vergnes (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P9161: Parabéns a você (349): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73) e Armandino Alves, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9154: Parabéns a você (348): Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil Art do Pel Canhão S/R 2054 (Guiné, 1968/70)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9160: (Ex)citações (162): Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da política seguida pelo nosso blogue (José Teixeira)

1. Em mensagem do dia 7 de Dezembro de 2011, o nosso camarada José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), membro da Direcção da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau (ONGD), enviou-nos este...


REFLECTINDO…

Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da "política" seguida pelo nosso blogue.
Desde a primeira hora e eu sou dessa hora, afirma que pretende criar condições para que a história da guerra colonial seja contada pelos autores e em simultâneo atores dessa guerra ou seja nós e... os nossos adversários à data dos acontecimentos. Caso contrário a história ficará mal contada.

Há uma frase slogan que espelha este espírito "Não deixes que outros contem a tua história"...

- Houve uma guerra que alguns querem que seja a guerra do ultramar e outros a guerra das colónias. Estes ficam até ofendidos. Afirmam que Portugal não tinha colónias, mas províncias ultramarinas. Pois... mas quando fui para escola as tais províncias eram colónias e Portugal tinha um império colonial de que o Estado Novo se orgulhava. Mas... mudam-se os tempos… e os nomes por conveniência política. A carne vira peixe, para se poder comer na Quaresma sem se cair em pecado. Será?

Ainda há dias ao procurar numa livraria do Porto tabuadas para enviar para a Guiné, a pedido de guineenses vi um mapa do glorioso império português do Minho a Timor datado de 1946, o ano em que vi a luz deste mundo.


- Fomos chamados a combater. Diziam que era pela Pátria. Fomos arrebanhados à força ou será que todos fomos voluntários para "carne para canhão"?

Eu confesso que não fui, mas parti convencido que a minha Pátria tinha a Razão do seu lado. Porém, rapidamente verifiquei o quanto estava errado ao ser acolhido pela forma como fui. Afinal não eram selvagens e comunistas que viviam na Guiné, mas… pessoas com valores e contra-valores como todos os povos do mundo. Com uma cultura muito própria que merecia ser respeitada pelo poder instituído e tal não acontecia. Felizmente nós, os militares e guerrilheiros à força demos lições de civismo a par das lições de guerra que éramos forçados a dar, talvez para sobreviver (não éramos nenhuns santos tal como os “turras”) e hoje somos recebidos em festa.

Confesso que deixei fugir lágrimas de emoção e raiva quando vi um chefe de posto amarrar um homem a um poste e ordenar que lhe fossem dadas 50 chicotadas, só porque outro o acusou de algo, sem ouvir o presumível réu. Só que o queixoso era “português” fiel e o outro era um simples homem do mato.


- Lutar por quem, contra quem e porquê!

Esquecemo-nos dos anos que antecederam o ano de 1640 na luta dos portugueses pela independência contra Castela. Pois é. Já lá vão muitos anos.

Será que aqueles povos não tinham o direito de lutar para o bem ou para o mal por um direito que todo o mundo lhes dava, excepto o regime que vigorava em Portugal?


- Creio que toda agente sabe como eram arrebanhados e instrumentalizados os guerrilheiros do PAIGC. Tal como nós ou pior ainda. Entravam pelas tabancas dentro e levavam todos quantos tivessem idade para irem para a luta.

Em 2008 conversei com uma guerrilheira que com doze anos era a rádio telegrafista do PAIGC dos grupos de combate que cercaram Guiledje. Apenas 14 aninhos! Será que estaria lá de boa vontade, voluntária?

Hoje, é uma mulher grande algures numa tabanca na mata do Cantanhez. Será que não deve merecer o nosso respeito?

Um outro guerrilheiro, ao saber as terras por onde andei procurou-me para localizar possíveis encontros. Efectivamente tivemos vários. Foi muito gira a nossa conversa, a qual começou por um humilde pedido de desculpas por parte dele, logo que descobrimos e contabilizamos as vezes que nos encontramos frente a frente: “Discurpa. Guerra é guerra, mas caba há manga di tempo, dá um abraço”. Chamou amigos e família para me conhecerem e fez comigo um pacto: “Quero ser teu ermon” - e não me largou mais nos dias que estive em Bissau.

Este homem que seguia o Nino para todo o lado. Tinha sido “mobilizado” pelo PAIGC com 16 anos numa visita relâmpago à sua tabanca . Era o especialista de minas e armadilhas do terrível trilho “carreiro da morte” no Cantanhez. De uma vez só levantamos 87 minas em Tchangue Laia, montadas por ele.

Hoje, melhor, acabada a guerra, regressou à sua tabanca e é um humilde trabalhador do campo.

Será que não deve merecer o nosso respeito, tanto quanto nós merecemos o respeito dele, daqueles povos que hoje nos recebem em festa? Ou será que nós fomos uns santinhos que por lá apareceram?!

Os nossos aviões, por exemplo, despejavam toneladas de trotil sobre Tabancas em poder do IN, possivelmente pessoas apanhadas entre dois fogos, sem possibilidades de defesa. Ou será mentira?

E quando as nossas tropas, sobretudo as de elite avançavam sobre as tabancas consideradas inimigas?…

Note-se que não pretendo fazer juízos. Guerra é guerra, como disse o Baldé e eu também lá estava.

Antero, o guineense que gosta de ouvir o Hino Nacional

- Acabada a guerra, da qual saímos de uma forma inglória, como era de esperar, pois nenhuma guerra pela independência em qualquer parte do mundo foi favorável ao opressor, há que fazer passar à História os acontecimentos que marcaram aquela época de luta, sangue suor e lágrimas por parte das duas frentes em contenda. Para tal é no mínimo necessário tentar ouvir intervenientes de ambas as partes e reconhecer os soldados que se evidenciaram, que os houve naturalmente, e nós temos felizmente muitos. O PAIGC também os terá e há que reconhecê-lo, tanto quanto eles admiram por exemplo o Spínola, o Carlos Fabião e possivelmente outros que lhes merecem no mínimo o respeito pela forma como lhes fizeram frente.

Para finalizar recordo o Ernesto. O motorista que me acompanhou no ano passado durante alguns dias pelo interior da Guiné. O toque do seu telemóvel era… o Hino de Portugal.

- Eu gosto muito de ouvir o Hino Nacional - justificou-se...

Deixemos o blogue cumprir a sua missão. Fazer História, mesmo que nos doa. Deixemos que os intervenientes contem a sua história. Apenas peço o cuidado de tentarem respeitar as susceptibilidades dos outros camaradas ou ex-inimigos.

Não nos esqueçamos que “guerra caba manga di tempo” e o tempo deve cumprir a sua missão de curar as feridas.

Abraço fraterno
Zé Teixeira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9009: Ser solidário (115): Poço em Farim do Cantanhez (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)